sábado, 10 de maio de 2025

Karlstadt, Lutero e Zuínglio

Andreas Bodenstein, mais conhecido como Dr. Karlstadt, outrora professor em Wittenberg, iniciou o ataque. Este homem é reputado como sendo tanto capaz quanto instruído, e verdadeiramente devotado à causa da Reforma; mas, por conta de suas visões extremas sobre o assunto e da impetuosidade de seu espírito, suas medidas foram radicais e revolucionárias. Desejava que todas as imagens fossem destruídas e todos os ritos do papado abolidos de uma só vez. Já o encontramos anteriormente. Foi um dos primeiros e mais calorosos amigos de Lutero, mas havia rejeitado a noção luterana da presença real na Eucaristia — pecado imperdoável aos olhos do Reformador. Além disso, dera demasiado apoio e incentivo aos excessos dos anabatistas, ou “profetas celestiais”, como eram chamados, o que forneceu a Lutero algum pretexto para lançar sobre sacramentários e anabatistas a mesma condenação. Mas isso era extremamente injusto, visto que Zuínglio e seus seguidores se opunham ao fanatismo dos chamados profetas tanto quanto Lutero e seus colegas.

Em refutação ao Dr. Karlstadt, Lutero escreveu um panfleto contra esses profetas em 1525, no qual afirma “O Dr. Karlstadt se afastou de nós e tornou-se nosso mais amargo inimigo. Embora lamente profundamente tal escândalo, ainda assim me regozijo por Satanás haver mostrado o casco fendido, e por estar sendo envergonhado por meio destes seus profetas celestiais, que há muito espreitavam e murmuravam em segredo, mas que jamais se atreveriam a vir à luz se eu não os houvesse atraído com um florim: o qual, pela graça de Deus, foi gasto tão bem que não me arrependo. Mas ainda toda a infâmia da trama não foi revelada, pois mais coisas permanecem ocultas, como há tempos suspeito. Sei também que o Dr. Karlstadt há muito fermentava esta heresia em sua mente, embora até agora não tivesse tido coragem de propagá-la.”

Zuínglio, então, se convenceu de que o tempo do silêncio havia passado. Embora simpatizasse com os pontos de vista de Karlstadt acerca da Eucaristia, desaprovava fortemente seu estilo ofensivo e sua leviandade.

Em 1525, publicou um importante tratado intitulado "Sobre a verdadeira e a falsa religião". Nele, declarou plena e claramente suas próprias visões a respeito da Eucaristia, além de condenar veementemente o espírito sedicioso dos anabatistas e os erros dos papistas sobre a matéria em debate. Logo surgiu um opositor com um panfleto "Contra o novo erro dos sacramentários*". Zuínglio respondeu ainda em 1525, aproveitando a ocasião para lembrar aos seus oponentes — os luteranos — que fossem menos pessoais em seus insultos, e mais racionais e bíblicos em seus argumentos. Havia nos escritos dos suíços uma brandura e um respeito de que os saxões eram completos estranhos; até mesmo Melâncton, por vezes, refletia o espírito violento de seu mestre.

{* Sacramentários foi o nome pelo qual ficaram conhecidos os cristãos que se opunham à doutrina católica da transubstanciação. Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Sacrament%C3%A1rios }

Oekolampadius, amigo íntimo de Zuínglio, pregava em Basileia a simples doutrina do Novo Testamento sobre a Ceia do Senhor, exatamente nesse período. Mas, ao perceber que seus adversários estavam a associá-lo a Karlstadt, publicou e defendeu suas próprias ideias. O efeito desse livro foi grande: escrito com espírito cristão, repleto do raciocínio mais rigoroso e dos argumentos mais justos, tanto das Escrituras quanto dos mais eminentes Pais da Igreja, levou muitos a considerar as novas opiniões. O próprio Erasmo quase se converteu. “Surgiu um novo dogma”, escreve a um amigo, “segundo o qual não há nada na Eucaristia senão pão e vinho. Refutar isso tornou-se agora tarefa difícil; pois Johannes Oekolampadius o fortaleceu com tantas evidências e argumentos que até os próprios eleitos quase poderiam ser seduzidos por ele.”

Logo surgiu uma resposta injuriosa a esse livro, assinada por quatorze teólogos alemães, com prefácio escrito por Lutero. Zuínglio ficou profundamente ofendido e queixou-se das injúrias lançadas a um irmão reformador por seus irmãos alemães: “Nada vi nesta era menos digno de louvor que esta réplica, tanto pela violência com que ataca a Sagrada Escritura quanto por seu orgulho e insolência desmedidos. Oekolampadius, dentre todos os homens o mais inofensivo, verdadeiro modelo de toda espécie de piedade e saber — ele, de quem a maioria deles aprendeu o que sabe de letras — é tratado por eles de maneira tão infame, com tamanha ingratidão filial, que nos vemos chamados não a censurar, mas a execrar tal comportamento.”*

{*Waddington, vol. 2, pp. 346–370.}

Assim prosseguia a controvérsia. Lutero estava profundamente aflito e surpreso ao ver tantos homens instruídos e piedosos aderirem às ideias de Zuínglio; muitos dos quais tinha ele em altíssima estima agora se mostravam favoráveis às novas posições. Isso era fel e absinto para o espírito de Lutero, enchendo-o de dor e ira inexprimíveis. Em suas cartas e escritos daquele tempo, expressava-se com os termos mais desmedidos e impensados. Chamava-os de “meus Absalões, conjuradores sacramentais, cuja loucura, em comparação, os papistas são adversários moderados — os instrumentos satânicos da minha tentação.” Os seguidores de Lutero adotaram o tom de seu mestre, e este transferiu para essa controvérsia toda a veemência e obstinação de sua própria natureza. Desde aproximadamente o fim do ano de 1524 até o ano de 1529, Lutero escrevera com tamanha violência contra os suíços — e tão pouco contra os papistas — que se dizia sarcasticamente, por boca de Erasmo: “os luteranos estão ansiosos por retornar ao seio da igreja.”

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