domingo, 3 de setembro de 2017

Reflexões sobre a Luta entre Henrique e Gregório

Temos apresentado, assim, um relato mais detalhado do que o usual sobre a luta entre Gregório e Henrique, de modo que o leitor possa ter diante de si uma amostra justa do espírito e das obras do papado na Idade Média. E que saibamos que seu espírito nunca muda: suas obras podem mudar, de acordo com o poder e as oportunidades do papa reinante. Como era antes, assim ainda é, e sempre será o mesmo. Nenhum idioma é capaz de exagerar a blasfêmia, crueldade e tirania do papado; e o mesmo espírito permeia, mais ou menos, em cada membro de sua comunidade. Pois qual, pode-se perguntar, em termos simples, foi o crime que Henrique cometeu para ter trazido sobre si uma perseguição tão implacável durante sua vida e até mesmo após sua morte? O leitor deve se lembrar que a disputa surgiu sobre o assunto das investiduras.

O direito tradicional dos monarcas de ter uma voz na indicação de bispos e dignatários da igreja em seus domínios era reconhecido por séculos. Com não pouca frequência eles nomearam cargos à Sé de Roma assim como a outros bispados em seus domínios. Até mesmo o próprio Hildebrando esperou pacientemente até que sua própria eleição recebesse a ratificação legal do imperador. Mas mal ele foi posto no trono pontifício e já escreveu uma carta insultante ao imperador, ordenando que se abstivesse da simonia e renunciasse ao direito de investidura pelo anel e pelo báculo. Henrique, em autodefesa, afirmou as prerrogativas que seus predecessores tinham exercido sem questionamentos, especialmente desde os dias de Carlos Magno. Gregório então trovejou uma sentença de excomunhão contra ele, libertou seus súditos de seus juramentos de fidelidade, e o declarou deposto por desobediência. O papado então tirava sua máscara, e o mundo já não podia mais ter dúvida sobre os objetivos do poder espiritual. Mas tão grande era a ignorância do período que as pretensões mais selvagens encontraram muitos apoiadores, e tão supersticioso era o povo que foi convencido a acreditar que todos os que levantassem armas contra o rei excomungado deveriam ser considerados os campeões da fé.

Essa foi toda a ofensa de Henrique contra o papado. Esta foi a causa de tanto derramamento de sangue e sofrimento: o implacável padre não cederia em nenhum ponto, o imperador lutou por seus direitos tradicionais, e assim uma grande luta continuou até que a morte fechasse a cena.

Os Anos Restantes e a Morte de Henrique

Tendo acompanhado tanto a vida do rei em conexão com o papa, observaremos brevemente seu fim antes de começarmos um novo capítulo.

Ele viveu mais 21 anos após a morte de seu grande antagonista. Em 7 de agosto de 1106, Henrique terminou sua longa e agitada vida, e seu turbulento reinado de cinquenta anos. Os registros da história estão cheios de cada incidente da vida do grande monarca, desde sua juventude até sua morte, mas mesmo um esboço de sua vida política não está dentro de nosso escopo. O contraste entre as afeições de seu povo e a inimizade da igreja é marcante, e nos conta seu próprio conto. Mesmo tendo sido marcado pelo papa com a marca de uma besta, ele foi muito amado pelo povo. Ele tinha muitas falhas muito comuns a reis, mas tinha um grande lugar nos corações de seu povo. "Com a notícia de sua morte", diz Greenwood, "o amor deles transbordou em profundas e amargas lamentações. Um clamor geral foi ouvido nas ruas da cidade de Liege; a corte e o povo, as viúvas e os órfãos, a multidão dos pobres e indigentes da cidade e do campo reuniram-se em homenagem ao seu soberano, seu amigo e seu benfeitor. Com alta voz, lamentaram a perda de um pai; dissolvidos em lágrimas, beijaram suas mãos frias, abraçando os membros inanimados, e dificilmente puderam ser persuadidos a dar lugar aos assistentes para o preparo do corpo para o enterro. Também não podiam ser persuadidos a deixar a tumba; mas por muitos dias se revezavam dia e noite para vigiar e orar ao lado do lugar em que o tinham enterrado."*

{* Cathedra Petri, livro 11, p. 606.}

Nada poderia ser mais bonito ou tocante do que o testemunho desses verdadeiros pranteadores à benevolência do imperador. Mas ah!, quão diferente e quão triste quando nos voltamos a assim chamada igreja e aos assim chamados representantes do manso e humilde Jesus! A ira de seus adversários papais parece ter sido esquentada sete vezes quando ouviram falar de tais honras sendo pagas ao corpo do excomungado Henrique. O jovem rei, seu filho, Henrique V, foi ameaçado com as anátemas do céu a menos que exumasse e depositasse em algum lugar não consagrado os restos de seu pai, ou então que pedisse ao papa para libertar ao falecido (mesmo após sua morte) da excomunhão. Mas que perversa e inconcebível presunção! Seu fiel bispo Alberto, que tinha dado ao seu soberano um enterro digno na igreja de São Lamberto, foi obrigado, como penitência por este ato de gratidão e louvor, a desenterrar o corpo com suas próprias mãos e enviá-lo a um edifício não consagrado em uma ilha no rio Mosela. Mas essas indignidades assim perpetradas contra o corpo sem vida do último imperador produziu uma reação. O jovem rei, embora tivesse sido treinado pelo Papa Pascal II a enganar seu pai e a se rebelar abertamente contra ele, ficou alarmado diante desse terrorismo espiritual, deu ordens para que o corpo fosse removido e enviado a Espira (ou Speyer), e solenemente o depositou na tumba de seus ancestrais. A procissão foi seguida por quase toda a população. O serviço para o morto foi realizado com toda cerimônia e honra usuais em tais ocasiões.

O bispo Gibbard, um dos mais ferozes perseguidores do último imperador, estava em casa nesse momento, mas a notícia do que tinha acontecido o trouxe de volta com toda a pressa. Fervendo de indignação, fez com que o corpo fosse mais uma vez exumado, colocado em solo não consagrado, e impôs uma penitência a todos os que tinham participado da procissão. Mas a voz da afeição não podia ser silenciada pelo implacável bispo. Os cidadãos acompanharam o corpo ao seu novo lugar de repouso com intensas lamentações. "Eles lembraram o bispo", diz Milman, "de como o grande imperador tinha enriquecido a igreja de Espira; eles contaram os ornamentos de ouro, e prata e pedras preciosas, as vestimentas de seda, as obras de arte, a mesa de ouro do altar, ricamente forjada, um presente do imperador oriental Aleixo, que tornou sua catedral a mais incrível e famosa na Alemanha. Eles em alta voz expressaram sua tristeza e insatisfação, e era difícil conter o tumulto. Mas eles não prevaleceram. No entanto, ainda assim o túmulo de Henrique era visitado por testemunhas sinceras de suas extensas caridades. Finalmente, após cinco anos de obstinada disputa, foi permitido que Henrique repousasse na abóbada consagrada com seus antepassados imperiais."*

{* Latin Christianity, vol. 3, p. 277.}

A Morte de Gregório (1085 d.C.)

Coberto de vergonha e marcado com infâmia eterna, e temendo ouvir as reprovações que seriam lançadas contra ele como o autor das recentes calamidades, ele se retirou da cidade de São Pedro na companhia de seus aliados, enquanto suas ruínas ainda fumegavam e suas ruas se encontravam desoladas, e seus antes numerosos habitantes queimavam, jaziam mortos, ou eram levados ao cativeiro. Fraco e de coração abatido, sem dúvida -- do orgulho terrivelmente mortificado -- ele primeiramente tomou repouso no monastério de Monte Cassino, e então prosseguiu ao forte castelo Salerno, dos normandos. Ele nunca viu Roma novamente.

Um numeroso corpo de eclesiásticos, devotados à promoção das elevadas pretensões do papa degradado, o seguiram até Salerno. Ali ele convocou um sínodo, e como se não estivesse afetado pelos horrores que causou e testemunhou, trovejou novamente anátemas e excomunhões contra Henrique, o antipapa Clemente e todos os seus adeptos. Mas estes foram seus últimos trovões. A morte se aproximava rapidamente. O grande e inflexível defensor da supremacia da ordem sacerdotal deveria morrer como qualquer outro homem. Ele chamou seus companheiros de exílio, fez uma confissão de sua fé -- especialmente no que se referia à eucaristia, tendo sido suspeito de simpatizar com os pontos de vista de Berengário de Tours -- e perdoou e absolveu a todos aqueles que ele tinha anatemizado, com exceção do imperador e do antipapa. Em relação a esses ele ordenou que seus seguidores não fizessem as pazes, a menos que se submetessem completamente à igreja.

Conta-se que uma tempestade assustadora se enfureceu enquanto seus amigos presenciavam a morte do papa. Suas últimas palavras memoráveis foram: "Eu amei a justiça e odiei a iniquidade; portanto morro no exílio". "No exílio, meu senhor?", disse um bispo com o mesmo sentimento, cujo orgulho sacerdotal não foi repreendido por esse espetáculo de mortalidade, "tu não podes morrer no exílio! Vigário de Cristo e de Seus apóstolos, tu recebeste de Deus os pagãos por tua herança, e as partes mais longínquas da terra por tua possessão!" O atrevido sopro de blasfêmia assim fechou, assim como tinha permeado, a vida do grande clérigo. Mas seu espírito estava agora longe da adulação de seus amigos, para ser manifesto perante um outro tribunal. Lá tudo será julgado, não de acordo com os princípios do papado, mas de acordo com a eterna verdade de Deus como foi revelada a nós na Pessoa e na obra do Senhor Jesus Cristo.

"Bem-aventurados todos aqueles que nele confiam" (Salmos 2:12), são palavras da mais doce certeza para o coração; pois o quanto essa palavra "bem-aventurados" (ou "abençoados") significa quando usada pelo Próprio Deus! Mas ai daqueles que vivem e morrem sem Cristo, que um dia terão de dizer: "Passou a sega, findou o verão, e nós não estamos salvos" (Jeremias 8:20). Ah! Quem pode compreender as profundezas da miséria -- a eternidade de sofrimento -- nestas duas palavras: "não salvos!" "não salvos!" Que tremendo texto para um pregador! Que palavra de aviso para um pecador! Que o meu leitor guarde isso no coração, antes de guardar este livro, e possa cuidadosamente contrastar a morte do grande clérigo com a morte do grande apóstolo. "Combati o bom combate, acabei a carreira, guardei a fé. Desde agora, a coroa da justiça me está guardada, a qual o Senhor, justo juiz, me dará naquele dia; e não somente a mim, mas também a todos os que amarem a sua vinda" (2 Timóteo 4:7,8). Até mesmo um falso profeta foi obrigado a dizer: "Que a minha alma morra da morte dos justos, e seja o meu fim como o seu" (Números 23:10).

O Incêndio da Roma Antiga

"O cavalo normando", diz Milman, "entrou pelas ruas, mas os romanos lutaram em vantagem na posse de suas casas e de seu conhecimento do terreno. Eles começaram a ganhar superioridade, e os normandos se viram em perigo. O impiedoso Guiscardo deu a ordem de incendiar as casas. De todos os lados as chamas queimavam furiosamente: casas, palácios, conventos, igrejas, à medida que a noite escurecia, foram vistas em terrível conflagração. Os distraídos habitantes precipitaram-se descontroladamente pelas ruas, não mais tentando defender a si mesmo, mas tentando salvar suas famílias. Centenas morreram. Os sarracenos aliados do papa, que haviam sido os primeiros na pilhagem, eram agora também os primeiros na conflagração e no massacre."*

{* History of Latin Christianity, vol. 3, p. 197}


Conta-se que Gregório esforçou-se nesse terrível momento, infelizmente não para salvar seu assim chamado rebanho da crueldade dos normandos, mas sim para salvar algumas das principais igrejas da conflagração geral. Guiscardo já tinha se tornado mestre da cidade -- ou melhor, das ruínas da Antiga Roma -- mas sua vingança ainda não tinha se apaziguado. Milhares de romanos foram vendidos publicamente como escravos, e milhares levados como prisioneiros. Supõe-se que nem os godos, nem os vândalos, nem os gregos nem alemães, jamais trouxeram tamanha desolação sobre a cidade como foi nesse episódio com os normandos. E que o leitor observe cuidadosamente que isso demonstra o verdadeiro espírito do papado, quando o fervoroso Guiscardo foi subornado por Gregório a se tornar seu aliado, seu libertador, seu protetor e seu vingador. As misérias, os massacres e a ruína de Roma foram justamente atribuídas à obstinação do papa nessa época, e tem sido desde então essa a opinião de todos os escritores imparciais. E ninguém jamais foi tão plenamente persuadido desse fato como o próprio Gregório. Ele não confiou nem sua pessoa nem suas fortunas à proteção fortificada dos muros de Santo Ângelo após a partida de seus aliados normandos.

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