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domingo, 18 de dezembro de 2016

A Tonsura Clerical

Dentre os muitos assuntos de disputa entre os missionários celtas e italianos, o verdadeiro dia para a celebração da Páscoa e a verdadeira forma da tonsura clerical animaram as mais ferozes controvérsias, despertaram as mais fortes paixões e, finalmente, levaram à queda da igreja da Escócia e ao triunfo dos sacerdotes de Roma. Mas, tendo já falado sobre a questão da Páscoa em ligação com o concílio de Niceia, vamos apenas tomar nota sobre a disputa sobre a tonsura.

Pode parecer estranho aos nossos jovens leitores protestantes, que podem nunca ter visto um padre católico sem seu chapéu, que o corte de seu cabelo fosse algo de mais peso em sua ordenação do que sua erudição ou sua piedade. E a mera forma em que era raspada era considerada de tanta importância que tornou-se um teste de ortodoxia. Os monges escoceses seguiam as igrejas do Oriente, tanto na observância da Páscoa quanto na forma de tonsura. Eles raspavam a parte de trás da cabeça de orelha a orelha na forma de uma crescente. Os orientais reivindicavam João e Policarpo como seu exemplo e autoridade. Os italianos professavam ficar em grande choque por tal barbaridade, e chamavam-na de tonsura de Simão Mago.  O clero romano usava uma forma circular. Isto era feito tornando careca um pequeno ponto redondo bem no topo da cabeça, e aumentando o ponto à medida que o eclesiástico avançava nas ordens sagradas. A tonsura tornou-se um requisito como uma preparação para as ordens por volta do quinto ou sexto século.

Agostinho [de Cantuária] e seus sucessores na sé da Cantuária, seguindo os escritos dos mais antigos e veneráveis "Pais", afirmavam que a tonsura foi primeiramente introduzida pelo príncipe dos apóstolos, em honra à coroa de espinhos que foi pressionada sobre a cabeça do Redentor; e que o instrumento inventado pela impiedade dos judeus para a ignomínia e tortura de Cristo pode ter sido utilizada por Seus apóstolos como seu ornamento e glória. Por mais de um século a controvérsia se ergueu com grande ferocidade. As questões prosseguiam a tal ponto que um homem era ou não era considerado um herege de acordo com o local do couro cabeludo em que se fazia careca: na coroa (topo da cabeça) ou na parte de traz da cabeça. Roma se encheu de raiva; meios humanos pareciam insuficientes para conquistar um miserável bando de presbíteros em um canto remoto da ilha. Eles se recusavam a curvar-se perante ela. O que deveria ser feito? Como sempre, achando-se incapaz de alcançar seu objetivo por meio dos padres, ela recorreu a favoritos na corte, nobres e príncipes. Naitam, rei dos pictos, foi convencido a crer que, ao se submeter ao papa, ele seria igual a Clóvis e Clotaire. Lisonjeado por tal grandeza de glória futura, ele recomendou que todo o clero de seu reino recebesse a tonsura de São Pedro. Então, sem demora, ele enviou agentes e cartas para cada província e fez com que todos os monastérios e monges recebessem a tonsura circular de acordo com a moda romana. Alguns se recusaram. Os anciãos da rocha aguentaram por um tempo, mas as ordens do rei, o exemplo do clero e a fraqueza de alguns dentre eles conduziu ao caminho da destruição de Iona e de toda a antiga igreja da Escócia. Por volta do início do século VIII a navalha foi introduzida, eles receberam a tonsura latina, tornaram-se servos de Roma, e continuaram assim até o período da Reforma.*

{* D'Aubigne, vol. 5, p. 77. Cunningham, vol. 1, p. 90.}

domingo, 4 de setembro de 2016

As Variações Eclesiásticas do Batismo

No Novo Testamento há perfeita uniformidade, tanto quanto ao preceito quanto aos exemplos, sobre o assunto do batismo. No entanto, em nossos próprios dias, e desde o início do terceiro século, encontramos na igreja professa infinitas variações tanto quanto o que diz respeito à teoria quanto à prática sobre esse importante assunto. Aqueles não familiarizados com a história eclesiástica podem naturalmente perguntar: Quando, e por quais meios, tais diferenças surgiram na igreja?

Como tem sido nosso plano, no decorrer de todo este livro, encontrar o início das grandes questões que têm afetado a paz e prosperidade da igreja, nos esforçaremos, bem brevemente, a apontar o início da história dos batismos eclesiásticos. Usamos o termo eclesiástico para distingui-lo do que é bíblico. Nada que tenha sido introduzido após os dias dos apóstolos inspirados provém de autoridade divina, seja em teoria ou prática. Assim, algo não pode ser o batismo cristão se varia daquilo que Cristo instituiu ou da prática de Seus apóstolos. Trazer alterações é o mesmo que mudar a coisa em si, e torná-la não o mesmo, mas um outro batismo; assim encontramos, na história, que surgiram muitos batismos.

Como nosso objeto de estudo, agora, é o início da história dessas variações, e não a controvérsia, evitaremos dar qualquer opinião sobre a tão longamente agitada questão. Por mais de 1600 anos a controvérsia tem sido mantida com grande determinação, e por homens capazes de ambos os lados. Nenhuma controvérsia na história da igreja tem tido tal continuidade, ou conduzida com tal confiança de vitória por ambas as partes. Como não há menção expressa de batismo infantil nas Escrituras, os batistas pensam que sua posição é inquestionável; e os pedobatistas, com a mesma firmeza acreditam que pode ser inferido, a partir de várias passagens conhecidas, que o batismo infantil era praticado nos dias dos apóstolos. Não houve tanta controvérsia quanto ao modo do batismo. Os gregos, latinos, francos e germânicos aparentemente batizavam por imersão. "Batismo é uma palavra grega", diz Lutero, "e em Latim pode ser traduzida como mersio, imersão; ... e embora essa prática tenha caído em desuso entre a maioria de nós, contudo, os que são batizados deveriam ser inteiramente imergidos, e então imediatamente levantados para fora da água, pois é isto que a etimologia da palavra indica, assim como na língua germânica". O testemunho e Neander é o mesmo: "O batismo era originalmente administrado por imersão; e muitas das comparações de São Paulo aludem a essa forma de administração. A imersão é um símbolo da morte, de ser sepultado com Cristo; a saída da água é um símbolo da ressurreição com Cristo; e ambos, tomados em conjunto, representam o segundo nascimento, a morte do velho homem, e uma ressurreição para uma nova vida"*. Cave, Tillotson, Waddington, etc. falam do modo de batismo de maneira similar. E como todos esses testemunhos são de pedobatistas, podemos descartar esta parte do assunto como justamente provada na história da igreja; no entanto, a fé deve permanecer somente sobre a Palavra de Deus. Não seguimos os "pais", mas sim a Cristo.

{* The Inquirer, 1839, p. 232}

Irineu, bispo de Lion, é o primeiros dos "pais" a aludirem ao batismo infantil. Ele morreu por volta do ano 200, de modo que seus escritos são datados por volta do fim do segundo século. Os "pais" apostólicos nunca mencionaram isso. Por essa época a superstição, em grande medida, tinha tomado o lugar da fé, de modo que o leitor deve estar preparado a ouvir algumas noções extravagantes colocadas por alguns dos grandes doutores; ainda assim, muitos deles, sem dúvidas, eram verdadeiro cristãos fervorosos. "Cristo veio salvar todas as pessoas para Si mesmo", diz Irineu, "com isso quero dizer que todos os que, por Ele, forem regenerados -- batizados -- para Deus: infantes e pequeninos, crianças e jovens, e pessoas mais velhas. Portanto Ele passou por várias idades: para os infantes ele foi feito um infante, santificando infantes; para os pequeninos Ele foi feito um pequenino, santificando os dessa idade; e também dando-lhes um exemplo de piedade, justiça e obediência: para os jovens Ele foi um jovem", etc. O batismo era, portanto, ensinado como sendo uma lustração da alma para todas as idades e condições da humanidade. Mas a controvérsia logo se resumiu em uma questão -- criança ou adulto. Regeneração, nascer de novo, batismo, eram usados como termos intercambiáveis, como se significassem a mesma coisa, nos escritos dos "pais".*

{* Veja História do Batismo Infantil, de Dr. Wall. Nós citamos sua tradução (para o Inglês) dos "pais". Tendo recebido os agradecimentos do clero da Câmara dos Comuns, da Convocação, e as honras de D. D. da Universidade de Oxford, por sua grande obra em defesa do batismo infantil, podemos confiar em suas citações como essencialmente corretas, e como as mais favoráveis em relação ao tema.}

Aqui temos a origem, até onde a antiguidade eclesiástica nos informa, do batismo infantil. A passagem é um tanto obscura e extremamente fantasiosa, mas é o primeiro traço que temos da questão ainda instável, e provavelmente a raiz de todas as suas variações vistas eclesiasticamente. O efeito de tal ensino nas mentes supersticiosas foi imenso. Pais ansiosos apressaram-se para ter seus delicados bebês batizados para que não morressem sob a maldição do pecado original, e o homem do mundo atrasava seu batismo até a aproximação da morte para evitar qualquer mancha subsequente, e para que pudesse emergir das águas da regeneração para os recintos da pura e genuína bem-aventurança. O exemplo e reputação de Constantino levou muitos a adiar, desse modo, o batismo, embora o clero testificava ser contra a prática.

Tertuliano. O testemunho deste "pai" prova que os bebês eram batizados em seus dias -- ele morreu por volta de 240 -- mas que ele não era favorável à prática: como ele diz, "Mas aqueles cujo dever é administrar o batismo devem saber que ele não deve ser dado precipitadamente... Portanto, de acordo com a condição e disposição de cada homem, e também de acordo com sua idade, o adiamento do batismo é mais proveitoso, especialmente no caso de crianças pequenas. Pois qual a necessidade de colocar os padrinhos em perigo? pois podem falhar em suas promessas por causa da morte, ou podem estar enganados se uma criança se provar ser de disposição ímpia."

Orígenes, ao discorrer sobre o pecado da nossa natureza, faz alusão ao batismo como o meio indicado de removê-lo. "Os bebês são batizados", diz ele, "para o perdão dos pecados. De que pecados? Ou quando eles pecaram? Ou como pode, nesse caso, o batistério suprir qualquer bem que seja? Mas de acordo com o sentido que mencionamos agora: ninguém é livre da poluição, mesmo que sua vida tenha durado apenas um dia sobre a terra. E é por este motivo, porque pelo sacramento do batismo a poluição que temos de nascença é levada embora, que os bebês são batizados."

Cipriano, bispo de Cartago, por volta do ano 253, recebeu uma carta de Fido, um bispo do interior, perguntando se um bebê, antes dos oito dias de idade, podia ser batizado se necessário. A resposta prova, não apenas que o batismo infantil era então praticado, mas a necessidade disto na mente deles por causa de sua eficácia. Cipriano, com sessenta e seis bispos em concílio, diz: "Quanto ao caso dos bebês, visto que você julga que eles não devem ser batizados dentro de dois ou três dias após terem nascido, e que a regra da circuncisão deve ser observada, de modo que ninguém deve ser batizado e santificado antes do oitavo dia após ter nascido: todos nós em assembleia fomos de opinião contrária. Seja o que for que você pensa adequado de se fazer, não houve nenhum dentre nós que tivesse a mesma ideia, mas todos nós, pelo contrário, julgamos que a graça e misericórdia de Deus não deve ser negada a qualquer pessoa nascida. Pois já que o nosso Senhor em Seu evangelho diz 'o Filho do homem não veio para destruir as almas dos homens, mas para salvá-las', então no que depender de nós, nenhuma alma, se possível, será perdida", etc.

Gregório Nazianzeno
, bispo de Constantinopla, foi um "pai" notável por volta do ano 380. Ele foi o meio de destruir o poder do arianismo na capital oriental, onde tinha sido mantido com grande força por quase quarenta anos. Ele teve de encontrar muita oposição e até mesmo perseguição no início; mas aos poucos sua eloquência, o tom prático e sério de seu ensino, e a influência de sua vida piedosa começaram a dar resultado e a mantê-lo firme na cidade, embora nunca tenha gostado do estilo imperial da capital.

Dr. Wall cita Gregório largamente sobre o batismo, mas nossos extratos serão breves. Como o restante dos "pais", ele é enfático sobre o assunto. "O que você diz sobre aqueles que ainda são crianças e não têm capacidade de serem sensíveis, seja da graça ou da falta dela? Devemos batizá-las também? Sim, por todos os meios, se qualquer perigo torná-lo necessário. Pois é melhor que elas sejam santificadas sem terem consciência disso do que morrerem não seladas e não iniciadas. E uma base para isto, para nós, é a circuncisão, que era feita no oitavo dia e era um típico selo, e era praticada naqueles que não tinham o uso da razão". Contra a prática de adiar o batismo até um leito de morte, ele fala forte e seriamente, comparando o serviço à lavagem de um cadáver, em vez de um batismo cristão.

Basílio
, bispo de Cesareia, é constantemente associado com os dois Gregórios. Gregório de Nissa era seu irmão, e o outro seu melhor amigo. A Capadócia gerou três "pais". Basílio era fiel ao credo de Atanásio durante seus dias de depressão e adversidade, mas não viveu para contemplar seu triunfo final. Ele morreu por volta de 379. Ele foi um grande admirador e um verdadeiro exemplo do cristianismo monástico. Ele abraçou a fé ascética, abandonou sua propriedade e praticou tamanhas austeridades severas a ponto de prejudicar sua saúde. Ele fugiu para o deserto, mas sua fama fez com que uma cidade fosse construída ao redor dele, e construiu um monastério, e então os monastérios surgiram por todos os lados.

Suas visões sobre o batismo são similares às de seu amigo Gregório: ele exorta a necessidade disto com base no mesmo sentimento supersticioso que todos eles tinham. "Se Israel não tivesse passado através do mar", diz ele, "eles não teriam se livrado de Faraó: e a menos que tu passes através das águas do batismo, não te livrarás da cruel tirania do diabo", etc. Ele aplicava isto a todas as idades, e o reforçava pelas palavras do Senhor a Nicodemos: "Na verdade, na verdade te digo que aquele que não nascer da água e do Espírito, não pode entrar no reino de Deus." (João 3:5)

Ambrósio, bispo de Milão, como todos os "pais" que já conhecemos, se engana completamente quanto ao significado de João 3:5: "Aquele que não nascer da água e do Espírito, não pode entrar no reino de Deus". "Você vê", diz ele, "que Cristo não excetua pessoa nenhuma, nem um bebê, nem mesmo aquele que é morto por um acidente inevitável."

João, apelidado Crisóstomo, que significa "boca dourada", obteve esse nome por conta de sua eloquência suave e fluída. Ele era tão favorito do povo que eles costumavam dizer: "Nós preferimos que o sol não brilhe a João não pregar". Ele era evidentemente a favor do batismo infantil, embora não seja claro se acreditava no pecado original. "Por este motivo também batizamos bebês", diz ele, "embora eles não estejam corrompidos pelo pecado, para que possa ser acrescentadas a eles a santidade, a justiça, a herança de adoção, uma fraternidade com Cristo e para que sejam feitos membros com Ele". Seria difícil falar mais quanto aos alegados benefícios do batismo além dos que vemos aqui enumerados. Mas por mais extravagante que toda a sentença possa parecer, esse era o texto dos pedobatistas desde aqueles dias até hoje. A maioria dos nossos leitores são familiares a essas palavras: "O batismo é onde eu sou feito um membro de Cristo, um filho de Deus, e um herdeiro do reino dos céus". Tais palavras foram tiradas não das Escrituras, mas de Crisóstomo.

Dr. Wall parece ansioso por deixar transparecer que esse grande doutor [Crisóstomo] não estava alienado quanto ao pecado original. Ele sugere que o significado de suas palavras possam ser: "eles não se corromperam pelos seus próprios pecados". Mas Crisóstomo não diz "seus próprios", mas que eles não estão corrompidos pelo pecado. E certamente toda criança é corrompida, como disse o salmista: "Eis que em iniqüidade fui formado, e em pecado me concebeu minha mãe" (Salmos 51:5). Em vão procuramos solidez em muitas das doutrinas fundamentais do cristianismo entre os "pais", para não dizer sobre o que eles negligenciaram, tal como a presença do Espírito Santo na assembleia, o chamado celestial e as relações celestiais da igreja, a diferença entre a casa de Deus e o corpo de Cristo, a bendita esperança, e o glorioso aparecimento do grande Deus e nosso Salvador Jesus Cristo (Tito 2:11-15).

domingo, 8 de maio de 2016

O Martírio de Cipriano sob o Reinado de Valeriano

Como o nome de Cipriano deve ser familiar para todos os nossos leitores e um nome muito famoso relacionado ao governo e disciplina na igreja, pode ser interessante observar particularmente a coragem serena deste "pai" apostólico na perspectiva do martírio.

Ele nasceu em Cartago por volta do ano 200, mas não foi convertido até por volta do ano 246. Embora em idade madura, ele possuía o vigor e ardor da juventude. Ele tinha sido um distinto mestre e retórico, e agora ele era um distinto cristão devoto e fervoroso. Ele foi logo promovido aos ofícios de diácono e presbítero, e em 248 foi eleito bispo pela vontade geral do povo. Seus trabalhos foram interrompidos pela perseguição sob Décio, mas sua vida foi preservada até o ano de 258. Na manhã do dia 13 de setembro, um oficial com soldados foi enviado pelo procônsul para que o trouxessem a sua presença. Cipriano então sabia que seu fim estava próximo. Com uma mente pronta e um semblante alegre ele foi sem demora. Seu julgamento foi adiado por um dia. A notícia de sua apreensão agitou toda a cidade. Seus conhecidos ficaram a noite toda em frente ao lugar onde se encontrava preso.

De manhã ele foi levado ao palácio do procônsul cercado por uma grande multidão de pessoas e uma forte guarda de soldados. Após um pequeno atraso, o procônsul apareceu. "És tu Tácio Cipriano, o bispo de tantos homens ímpios?", disse o procônsul. "Eu sou", respondeu Cipriano. "O sacratíssimo imperador te ordena que sacrifiques." "Eu não sacrifico", ele respondeu. "Consideres bem", replicou o procônsul. "Execute as tuas ordens", respondeu Cipriano, "o caso não admite qualquer reconsideração."

O governador consultou seu conselho, e então proferiu a sentença: "Tácio Cipriano, tens vivido por muito tempo em tua impiedade, e reuniste ao redor de ti muitos homens envolvidos na mesma conspiração perversa. Tu tens mostrado a ti mesmo como um inimigo dos deuses e das leis do império; os piedosos e sagrados imperadores têm em vão se esforçado para lembrar-te do culto de teus ancestrais. Desde então tens sido o principal autor e líder dessas práticas culpadas, que sejas então um exemplo para aqueles que tiveste iludido em tuas assembleias ilegais. Tu deves expiar teu crime com teu sangue." "Deus seja louvado!", respondeu Cipriano, e a multidão de irmãos exclamou: "Que sejamos também martirizados com ele.". O bispo foi levado até um campo vizinho e decapitado. Foi marcante o fato de que alguns dias depois o procônsul morreu. E o imperador Valeriano, no ano seguinte, foi derrotado e levado como prisioneiro pelos persas, que o trataram com grande e desdenhosa crueldade - uma calamidade e desgraça sem precedentes nos anais de Roma.

A morte miserável de muitos dos perseguidores causou grande impressão na mente pública, e forçou em muitos a convicção de que os inimigos do cristianismo eram os inimigos do céu. Por cerca de quarenta anos após este ultraje, a paz e prosperidade da igreja não foi seriamente interrompida, de modo que podemos deixar de lado esses anos para chegarmos à disputa final entre paganismo e cristianismo.

sábado, 19 de março de 2016

Clericalismo, Ministério e Responsabilidade Individual

Admite-se que as epístolas de Inácio foram escritas apenas alguns anos após a morte de João, e que o escritor deveria estar intimamente familiarizado com o pensamento do apóstolo, e que em suas epístolas ele estaria apenas apresentando seus pontos de vista. Por isso é dito que o episcopado é contemporâneo do cristianismo. Mas pouco importa, comparativamente, por quem elas foram escritas, ou o tempo preciso em que foram escritas: o que importa é que essas cartas não fazem parte das Escrituras, e o leitor deve julgar o caráter delas pela Palavra de Deus, e a influência que tiveram na história da igreja. O pensamento do Senhor, no que diz respeito a Sua igreja e à responsabilidade de Seu povo, deve ser aprendido por Sua própria palavra, e não pelos escritos dos "pais", por mais pioneiros e estimados que sejam. E aqui, pode ser interessante citar, antes de deixarmos este assunto, alguns trechos da Palavra que o leitor fará bem em comparar com os extratos dos textos dos "pais" citados anteriormente. Esses trechos da Palavra se referem ao ministério e responsabilidade individual cristã. Assim, aprendemos a grande diferença entre ministério e ofício: ou melhor, entre ser estimado por causa de suas obras, e não meramente por seu ofício.

No Evangelho de Mateus, do versículo 45 do capítulo 24 até o versículo 31 do capítulo 25, temos três parábolas, por meio das quais o Senhor instrui os discípulos quanto à conduta deles durante Sua ausência.

1. O assunto da primeira parábola é a responsabilidade do ministério dentro da casa - na igreja. "A qual casa somos nós." (Hebreus 3:6). Assim lemos: "Quem é, pois, o servo fiel e prudente, que o seu senhor constituiu sobre a sua casa, para dar o sustento a seu tempo? Bem-aventurado aquele servo que o seu senhor, quando vier, achar servindo assim. Em verdade vos digo que o porá sobre todos os seus bens." (Mateus 24:45-47). O verdadeiro ministério é do Senhor, e dEle apenas. Isto é o que temos que observar tendo em vista o que aconteceu no próprio início do cristianismo. E Ele se importa com a fidelidade ou infidelidade em Sua casa. Seu povo é próximo e querido ao Seu coração. Aqueles que foram humildes e fiéis durante Sua ausência serão feitos governantes sobre todos os Seus bens quando Ele retornar. O verdadeiro ministro de Cristo tem de tratar diretamente com o próprio Cristo. O cristão não é mercenário de algum homem, ou de algum grupo particular de homens. "Bem-aventurado aquele servo que o seu senhor, quando vier, achar servindo assim". A falha no ministério é também dita e tratada pelo próprio Senhor.

"Mas se aquele mau servo disser no seu coração: O meu senhor tarde virá; e começar a espancar os seus conservos, e a comer e a beber com os ébrios"
(Mateus 24:48,49). Este é o outro e triste lado do quadro. O caráter do ministério é grandemente afetado pela resistência ou rejeição à verdade da vinda do Senhor. No lugar de serviço dedicado à família, com seu coração voltado para a aprovação do mestre em seu retorno, há presunção, tirania e mundanismo. A condenação de tal, quando o Senhor vier, será pior que a do mundo. Ele "destinará a sua parte com os hipócritas" - o mesmo lugar de Judas - onde "haverá pranto e ranger de dentes" (Mateus 24:51). Tais são as temíveis consequências do esquecimento quanto ao retorno do Senhor. Mas isto é mais do que mero erro doutrinal ou uma diferença de opinião sobre a vinda do Senhor. Estava "no seu coração", sua vontade vinha dali. Ele desejava em seu coração que o Senhor ficasse longe, como se Sua vinda fosse estragar todos os seus planos e acabar com toda a sua grandeza mundana. Não é esta uma imagem tão verdadeira do que aconteceu? E que lição solene para aqueles que tomam para si um lugar de serviço na igreja! A mera nomeação de soberania, ou a escolha do povo, não será suficiente naquele dia, a menos que eles também tenham sido escolhidos do Senhor e fiéis em Sua casa.

2. Na segunda parábola, cristãos professos, durante a ausência do Senhor, são representados por virgens que saíram ao encontro do Noivo para iluminar o caminho dEle até Sua casa. Esta foi a atitude dos primeiros cristãos. Eles saíram do mundo e do judaísmo para ir adiante e se encontrar com o Noivo. Mas sabemos o que aconteceu. Ele tarda em vir, e todas elas caem no sono e adormecem. "Mas à meia-noite ouviu-se um clamor: Aí vem o esposo, saí-lhe ao encontro" (Mateus 25:6). Desde o primeiro século até o presente {* N. do T.: Século XIX, quando foi escrito este livro}, ouvimos muito pouco sobre a vinda do Senhor. De vez em quando, aqui e ali, uma voz fraca podia ser ouvida sobre o assunto, mas não até o início do século XIX ouviu-se o clamor da meia-noite. Agora temos muitos folhetos e volumes sobre o assunto, e muitos estão pregando isto em quase todas as terras debaixo do céu. A meia-noite já passou, e logo vem a manhã.

A restauração da verdade da vinda do Senhor marca uma época distinta na história da igreja. E, como todo reavivamento, foi uma obra do Espírito Santo, por meio de instrumentos de Sua própria escolha, e por meios que Ele elaborou. E quão grande é a longanimidade do Senhor, que em meio a esse grande movimento instituiu um tempo entre o clamor e a chegada do Noivo para provar a condição de cada um. Cinco das dez virgens não tinham óleo em suas lâmpadas - sem Cristo, sem o Espírito Santo habitando nelas. Elas tinham apenas a lâmpada exterior da profissão. Quão terrivelmente solene pensamento, se olharmos para a cristandade a partir deste ponto de vista! Cinco dentre dez são falsas, e contra elas a porta será fechada para sempre. Como esse pensamento deveria mover a seriedade e energia no evangelismo! Que possamos sabiamente aproveitar melhor o tempo que graciosamente foi dado entre o clamor da meia-noite e a vinda do Noivo.

3. Na primeira parábola, o assunto é o ministério dentro da casa; na terceira, é o ministério fora da casa - o evangelismo. Na segunda parábola, é a expectativa pessoal da vinda do Senhor, com a posse daquilo que é o requisito para ir com Ele para as bodas do filho do Rei.

"Porque isto é também como um homem que, partindo para fora da terra, chamou os seus servos, e entregou-lhes os seus bens. E a um deu cinco talentos, e a outro dois, e a outro um, a cada um segundo a sua capacidade, e ausentou-se logo para longe." (Mateus 25:14,15). Aqui o Senhor é representado como deixando este mundo e voltando para o céu; e enquanto Ele está ausente, Seus servos devem negociar com os talentos conferidos a eles. "E, tendo ele partido, o que recebera cinco talentos negociou com eles, e granjeou outros cinco talentos. Da mesma sorte, o que recebera dois, granjeou também outros dois." (Mateus 25:16,17). Aqui temos o verdadeiro princípio e o verdadeiro caráter do ministério cristão. O próprio Senhor chamou os servos e deu-lhes os talentos, e o servo é responsável perante o próprio Senhor pelo cumprimento de seu chamado. O exercício de um dom, seja dentro ou fora da casa, embora sujeito às direções do mundo e sempre exercitado em amor e para a bênção, não é de modo nenhum dependente da vontade de um soberano, de um sacerdote ou do povo, mas e Cristo apenas, a verdadeira Cabeça da igreja. É algo grave e solene para qualquer um interferir nas reivindicações de Cristo no serviço de Seu servo. Tocar nisto é deixar de lado a responsabilidade para com Cristo e derrubar o princípio fundamental do ministério cristão.

O sacerdócio era a característica distinta da dispensação judaica; o ministério, de acordo com Deus, é a característica do período cristão. Daí o fracasso da igreja professa, quando procurou imitar o judaísmo de tantas formas, tanto em seu sacerdócio quanto em seu ritualismo. Se uma ordem sacerdotal, com ritos e cerimônias, é ainda necessária, a eficácia da obra de Cristo é posta e causa. De fato, embora não em palavras, isto ataca a raiz do cristianismo. Mas tudo é resolvido pela Palavra de Deus. "Mas este, havendo oferecido para sempre um único sacrifício pelos pecados, está assentado à destra de Deus, daqui em diante esperando até que os seus inimigos sejam postos por escabelo de seus pés. Porque com uma só oblação aperfeiçoou para sempre os que são santificados... Ora, onde há remissão destes, não há mais oblação pelo pecado." (Hebreus 10:12-14,18)

O ministério, então, é um assunto da mais alta dignidade e do mais profundo interesse. Testifica a obra, a vitória e a glória de Jesus, de que o perdido pode ser salvo. É a atividade do amor de Deus se dirigindo a um mundo alienado e arruinado, e fervorosamente rogando por almas para se reconciliar com Ele. "Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo, não lhes imputando os seus pecados; e pôs em nós a palavra da reconciliação." (2 Coríntios 5:19-21). O sacerdócio judaico mantinha o povo em suas relações com Deus: o ministério cristão é Deus em graça, por meio de Seus servos, libertando almas do pecado e da ruína, e trazendo-as para perto se Si mesmo como felizes adoradores no lugar santíssimo (santo dos santos).

Voltando à nossa parábola, há uma coisa que deve ser especialmente observada aqui, que mostra a soberania e sabedoria do Senhor em conexão com o ministério. Ele deu quantias diferentes para cada um, de acordo com suas capacidades. Cada um tinha uma capacidade natural que servia exatamente para o serviço para o qual foi empregado, e os dons concedidos de acordo com a medida do dom de Cristo para seu cumprimento. "E ele mesmo deu uns para apóstolos, e outros para profetas, e outros para evangelistas, e outros para pastores e doutores" (Efésios 4:11). O servo deve ter certas qualificações naturais para sua obra, além do poder do Espírito Santo. Então o Senhor pode criar em seu coração, pelo Espírito Santo, um amor verdadeiro pelas almas, que é o melhor dom do evangelista. Em seguida, ele deve apressar-se e exercitar seu dom de acordo com sua capacidade, para a bênção de almas e para a glória de Deus. Que possamos lembrar que somos responsáveis por essas duas coisas - o dom graciosamente concedido, e a capacidade por meio da qual o dom deve ser exercitado. Quando o Senhor vier ter com Seus servos, não será suficiente dizer "Eu nunca fui educado para isso, ou nomeado para o ministério". A questão será: "Eu esperei no Senhor para ser usado por Ele de acordo com aquilo que ele tinha preparado para mim? Ou será que escondi o meu talento na terra?". Fidelidade ou infidelidade será a única coisa em questão para Ele.

Aquilo que distinguia o servo fiel do infiel era a confiança em seu mestre. O servo infiel não conhecia o Senhor: ele agiu com base no medo, não com base no amor, e assim enterrou seu único talento na terra. O fiel conhecia o Senhor, confiava nEle, e o serviu por amor, e foi recompensado. O amor é a única fonte verdadeira de serviço para Cristo, seja na igreja ou pelo mundo afora. Que nunca sejamos achados dando desculpas para nós mesmos, como o "mau e negligente servo", mas que estejamos sempre contando com o amor, a graça, a verdade e o poder de nosso bendito Salvador e Senhor.

domingo, 6 de março de 2016

Os Seguidores Imediatos dos Apóstolos

Aqui surge uma importante pergunta, e uma que é frequentemente feita: "Em que momento, e por quais meios, o clericalismo - todo o sistema do clero - firmou-se com tanto afinco na igreja professa?" Para responder a essa pergunta plenamente, seria necessário escrever em detalhes a história interna da igreja. Sua constituição e caráter foram totalmente modificados pela introdução do sistema clerical. Mas seu crescimento e organização foi gradual. Argumentos foram construídos a partir do Antigo Testamento e, em um curto período de tempo, o cristianismo foi reformulado para os moldes do judaísmo. A distinção entre bispos e presbíteros, entre uma ordem sacerdotal e o comum sacerdócio de todos os crentes, e a multiplicação de cargos eclesiásticos, rapidamente se seguiram como consequência. Mas, por mais difícil que seja traçar as incursões do clericalismo, a sinagoga era seu modelo.

Aprendemos de todo o Novo Testamento que o judaísmo era o incansável e implacável inimigo do cristianismo em todos os pontos de vista. Ele trabalhou incessantemente, por um lado introduzindo seus ritos e cerimônias e pelo outro perseguindo até a morte todos os que eram fiéis a Cristo e aos verdadeiros princípios da igreja de Deus. Vemos isto especialmente em Atos e nas Epístolas. Mas quando os dons extraordinários na igreja cessaram, e quando os nobres defensores da fé, nas pessoas dos apóstolos inspirados, se foram, podemos facilmente imaginar como o judaísmo prevalecera. Além disso, as primeiras igrejas (assembleias) eram principalmente compostas de convertidos da sinagoga judaica, que por muito tempo retiveram seus preconceitos judaicos.

Portanto, acreditamos firmemente que o clericalismo brotou do judaísmo. Desde os dias dos apóstolo até hoje a raiz de toda a estrutura e domínio do clericalismo está lá. A filosofia e a heterodoxia, sem dúvida, fez muito para corromper a igreja e levá-la a dar as mãos com o mundo: mas a ordem do clero e tudo o que pertence a ela deve ter sido fundamentada na religião dos judeus. É mais que provável, no entanto, que muitos possam ter sido persuadidos, como muitos têm sido desde então, de que o cristianismo é uma continuação do judaísmo, em vez de serem perfeitamente contrastantes. Os mestres judaizantes ousadamente afirmavam que o cristianismo era meramente um enxerto sobre o judaísmo. Mas através das epístolas, em todo lugar aprendemos que uma é terrena e a outra é celestial; que uma pertence à antiga, e a outra à nova criação; que a lei foi dada por Moisés, mas a graça e a verdade vieram por Jesus Cristo.

Vamos agora nos voltar aos seguidores imediatos dos apóstolos.

Os Pais Apostólicos, como são chamados, tais como Clemente, Policarpo, Inácio e Barnabé, foram os seguidores imediatos dos apóstolos inspirados. Eles tinham ouvido as instruções deles, trabalharam com eles no evangelho, e provavelmente tinham sido familiarmente conhecidos deles. Mas, não obstante os altos privilégios que eles gozavam como aprendizes dos apóstolos, eles logo se afastaram das doutrinas que lhes tinham sido confiadas, especialmente no que diz respeito ao governo da igreja. Eles parecem ter esquecido completamente - a julgar pelas Epístolas que citam seus nomes - a grande verdade do Novo Testamento sobre a presença do Espírito Santo na assembleia. Certamente tanto João quanto Paulo falam muito da presença, habitação, domínio soberano e autoridade do Espírito Santo na igreja. João 13-16, Atos 2:1, 1 Coríntios 12:14 e Efésios 1-4 dão claras direções e instruções sobre essa verdade fundamental da igreja de Deus. Se essa verdade tivesse sido mantida de acordo com a exortação do apóstolo - "procurando guardar" - não criar - "a unidade do Espírito" (Efésios 4:3) - o clericalismo nunca teria achado um lugar na Cristandade.

Os novos mestres da igreja parecem também ter esquecido a bela simplicidade da ordem divina na igreja. Deveria haver apenas duas ordens de ofícios - anciãos e diáconos. Estes eram nomeados para atender às necessidades temporais, e aqueles para as necessidades espirituais da assembleia dos santos. Ancião, ou bispo, significa simplesmente supervisor, alguém que exerce uma supervisão espiritual. Ele pode ser "apto para ensinar" ou não: ele não é um mestre ordenado, mas um supervisor ordenado. E quanto aos sacramentos estabelecidos por mandato divino, apenas encontramos, no Novo Testamento, o Batismo e a Ceia do Senhor. Nada poderia ser mais simples, mais claro, ou mais facilmente compreendido, como todas as direções dadas para a fé e prática, mas não havia espaço de sobra para a exaltação e glória do homem na igreja de Deus. O Espírito Santo tinha descido para tomar a liderança na assembleia, de acordo com a palavra do Senhor e a promessa do Pai; e nenhum cristão, por mais dotado que pudesse ser, crendo nisto, podia tomar o lugar de líder, e assim praticamente despedir o Espírito Santo. Mas, a partir do momento em que essa verdade foi perdida de vista, os homens começaram a contender por lugar e poder, e assim, é claro, o Espírito Santo não tinha mais Seu lugar de direito na assembleia.

Mal a voz da inspiração tinha ficado em silêncio na igreja, e logo ouvimos a voz dos novos mestres gritando e exigindo as mais elevadas honrarias de ser pago como bispo, e de ter um lugar supremo dado a eles. Nenhuma palavra sobre o lugar do Espírito como governante soberano na igreja de Deus. Isto é evidente pelas epístolas de Inácio, que dizem ter sido escritas em 107 d.C. Muitos grandes nomes, como sabemos, têm questionado a autenticidade delas; e muitos grandes nomes defendem que elas foram satisfatoriamente provadas serem genuínas. As provas de cada lado estão fora do nosso escopo. A Igreja da Inglaterra tem, por muito tempo, as aceitado como genuínas, e as considera como a base, e como a vindicação triunfante, da antiguidade do episcopado. A seguir estão algumas amostras de suas advertências às igrejas.

Inácio, no curso de sua viagem de Antioquia a Roma*, escreveu sete epístolas. Uma aos efésios, aos magnésios, aos trálios, aos romanos, aos filadélfios, aos esmirnenses, e uma ao seu amigo Policarpo. Tendo sido escritas na véspera de seu martírio, e com grande seriedade e veemência, e tendo sido discípulo e amigo do apóstolo João, sendo na época um bispo de Antioquia, provavelmente o mais famoso da Cristandade, suas epístolas devem ter produzido uma grande impressão nas igrejas; além do fato de que o caminho do ofício, autoridade e poder terem sido sempre um grande encanto para a vã natureza humana.

{* Ver Viagem e Martírio de Inácio}

Ao escrever à igreja em Éfeso ele diz: "Tomemos cuidado, irmãos, para não nos colocarmos contra o bispo, a fim de que estejamos sujeitos a Deus..., pois é evidente que temos de respeitar o bispo da mesma maneira como respeitamos o próprio Senhor". Em sua epístola aos magnésios ele diz: "Eu vos exorto a cuidadosamente fazer todas as coisas em divina harmonia: seus bispos presidindo como se estivessem no lugar de Deus; seus presbíteros como se estivessem no lugar do conselho de apóstolos; e seus diáconos, a posição mais estimada para mim, estando encarregados do ministério de Jesus Cristo". Encontramos o mesmo tom em sua carta aos trálios: "Enquanto estiverem sujeitos ao bispo de vocês da mesma forma que ao Senhor, me parece que estarão vivendo, não à maneira dos homens, mas de acordo com Jesus Cristo, que morreu por vocês... Guardem-se de tais pessoas; e isso vocês farão se não estiverem ensoberbecidos, mas continuem inseparáveis de Jesus Cristo nosso Deus, do bispo de vocês, e dos mandamentos dos apóstolos". Passando por cima de várias de suas cartas às igrejas, vamos apenas dar mais uma amostra de sua epístola aos filadélfios: "Eu clamei enquanto estava no meio de vocês, falei em alta voz: ‘Obedeçam ao bispo, ao presbitério e aos diáconos’. Agora alguns supõem que disse isso prevendo a divisão que aconteceria. Mas Ele é minha testemunha, por amor do qual estou em correntes, que eu nada sabia vindo da parte dos homens, mas o Espírito falou...: 'Nada façam sem o bispo; mantenham seus corpos como templos de Deus, amem a unidade, fujam das divisões, sejam seguidores de Cristo, como Ele é do Pai'"*

{* Os extratos acima foram retirados da Tradução de Wake. Veja também "Uma Completa e Fiel Análise dos Escritos de Inácio, Clemente, Policarpo e Hermas". O Pesquisador, volume 2.}


Na última citação é bastante evidente que o venerável "pai" desejava adicionar a suas teorias o peso da inspiração. Mas, por mais extravagante e irresponsável que essa ideia possa ser, devemos dar-lhe crédito por acreditar no que dizia. Não temos dúvida de que ele era um cristão devoto, e cheio de zelo religioso, mas não pode haver menos dúvida de que ele enganou-se muito neste e em outros assuntos. A principal ideia em todas as suas cartas é a perfeita submissão do povo aos seus superiores, ou seja, a submissão dos leigos ao seu clero. Ele estava, sem dúvida, ansioso pelo bem-estar da igreja, e temeroso do efeito das "divisões" às quais se refere; assim ele provavelmente deve ter pensado que um governo forte, nas mãos dos bispos, seria o melhor meio de preservá-la das incursões do erro. "Sejam diligentes", disse, "em estabelecer a doutrina de nosso Senhor e dos apóstolos, junto com o mais digno bispo entre vocês, os mais espirituais presbíteros e os mais piedosos diáconos. Sejam sujeitos ao bispo e uns aos outros, como Jesus Cristo era ao Pai, quando na carne; e como os apóstolos a Cristo, e ao Pai e ao Espírito; e assim poderá haver união entre vocês, tanto no corpo quanto no espírito". Assim, a mitra foi colocada na cabeça do mais alto dignatário, e daí em diante se tornou objeto de ambição eclesiástica, e não raro da mais indecorosa contenda, com todas as suas consequências desmoralizantes.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

Os Escritos dos Pais e as Escrituras Sagradas

Mas, embora Inácio possa ser digno de honra como um homem santo de Deus, e como um nobre mártir de Cristo, devemos nos lembrar que suas cartas não são a Palavra de Deus. Elas podem nos interessar e nos instruir, mas não podem comandar nossa fé. Esta pode apenas se firmar no sólido fundamento da Palavra de Deus, e nunca no frágil solo da tradição. "As Escrituras permanecem à parte", disse alguém, "em majestoso isolamento, preeminente em instrução, e separado por uma excelência inigualável de tudo o que foi escrito pelos pais apostólicos: de modo que esses que seguiram de perto os apóstolos nos deixaram escritos que são mais para nossa advertência do que para nossa edificação". Ao mesmo tempo, esses primeiros escritores cristãos têm todo direito ao respeito e veneração com os quais a antiguidade os investiu. Eles eram contemporâneos dos apóstolos, eles desfrutaram do privilégio de ouvir seus ensinos, compartilhavam com eles os labores do evangelho, e conversaram livremente com eles no dia a dia. Paulo fala de um Clemente - um que é conhecido como pai apostólico - como um de seus "cooperadores, cujos nomes estão no livro da vida", e o que ele diz de Timóteo pode ter sido pelo menos em parte verdade para muitos outros: "Tu, porém, tens seguido a minha doutrina, modo de viver, intenção, fé, longanimidade, amor, paciência, perseguições e aflições." (Filipenses 4:3, 2 Timóteo 3:10,11)

Desses que tinham tão alto privilégio deveríamos naturalmente esperar a sã doutrina apostólica - uma fiel repetição das verdades e instruções que foram entregues a eles pelos apóstolos inspirados. Mas, infelizmente, este não é o caso! Inácio foi um dos primeiros pais apostólicos. Ele se tornou um bispo de Antioquia, a metrópole da Síria, por volta do ano 70. Ele era um discípulo do apóstolo João, e morreu apenas cerca de 7 anos após a morte de João. Certamente de alguém assim poderíamos esperar uma estreita semelhança com os ensinos do apóstolo, mas isso não acontece. As afirmações definitivas e absolutas das Escrituras, vindas diretamente de Deus para a alma, são muito diferentes dos escritos de Inácio e de todos os Pais. Nosso único guia seguro e certo é a Palavra de Deus. Quão conveniente, então, é a palavra na Primeira Epístola de João: "Portanto, o que desde o princípio ouvistes permaneça em vós. Se em vós permanecer o que desde o princípio ouvistes, também permanecereis no Filho e no Pai." (1 João 2:24). Esta passagem evidentemente se refere mais especialmente à pessoa de Cristo, e consequentemente às Escrituras do Novo Testamento, nas quais temos a revelação do Pai no Filho, feito conhecido a nós pelo Espírito Santo. Nas Epístolas de Paulo, temos mais plenamente revelados os conselhos de Deus relacionados à igreja, a Israel e aos gentios, de modo que podemos ir mais longe do que "os Pais" para encontrar o verdadeiro fundamento da fé; devemos voltar àquilo que existia desde "O Princípio". Nada tem autoridade divina direta para o crente além daquilo que era "desde o princípio". Isto por si só assegura que continuemos "no Filho e no Pai".

As epístolas de Inácio têm sido muito estimadas pelos episcopais como a principal autoridade no sistema da igreja inglesa {*N. do T.: e certamente para muitas outras seitas cristãs}, e essa é a nossa desculpa para se referir tanto a este "pai" {*N. do T.: O escritor deste livro vivia na Inglaterra no século XIX}. Quase todos os fundamentos do anglicanismo em favor do episcopado vêm de suas cartas. Ele bate tanto a tecla na submissão à autoridade episcopal, e tanto a exalta, que muitos têm sido induzidos a questionar completamente sua autenticidade, e outros têm suposto que essas cartas devem ter sido bastante alteradas para servir aos interesses do clero. Mas quanto a essas controvérsias não temos nada a tratar em nosso livro.*

{* Veja As Genuínas Epístolas de Clemente, Policarpo, Inácio e Barnabé, por Ab. Wake, 6ª ed. Bagster.}

Vamos agora continuar nossa história a partir da morte de Trajano no ano 117, e olhar brevemente para a condição da igreja durante os reinados de Adriano e dos Antoninos.

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