segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

A Admiração de Roma pela Conduta de Teodora

Nicolau I, que se tornou papa de Roma em 858, elogiou muitíssimo, por carta, a conduta da supersticiosa e cruel Teodora. Ele admira e aprova especialmente sua implícita obediência à Sé Romana. "Ela resolveu", diz ele, "trazer os paulicianos à verdadeira fé, ou cortá-los todos pela raiz e pelos ramos. Em conformidade com essa resolução, ela enviou homens nobres e magistrados a diferentes províncias do império; e por eles alguns daqueles infelizes desgraçados foram crucificados, alguns mortos pela espada, e alguns lançados ao mar e afogados". Nicolau, ao mesmo tempo, observa que os hereges, experimentando nela toda a resolução e vigor de um homem, mal podiam acreditar que ela fosse uma mulher. De fato, o poder cegante de uma idolatria supersticiosa tinha realizado em Teodora (como fez, mais tarde, na rainha da Inglaterra, a "Maria Sangrenta") a transformação do coração terno e compassivo de uma mulher no de uma tirana impiedosa e sedenta de sangue. Pelas próprias palavras do papa, é perfeitamente evidente que a Sé Romana tinha participação principal na matança dos paulicianos. Depois de dizer a ela que os hereges a temiam, e, ao mesmo tempo admiravam sua resolução e firmeza em manter a pureza da fé católica, o papa acrescenta: "e por que fizeste isso, a não ser porque seguiste as direções da Sé Apostólica?"*

{* Milner, vol. 2, p. 498}

É difícil acreditar que o professo vigário de Cristo e pastor de Suas ovelhas pudesse jamais ter deixado em seus registros tais dizeres. Mas assim ele se permitiu, e assim eles vêm até nós como o verdadeiro testemunho da tirania anticristã de Roma no século IX.

domingo, 26 de fevereiro de 2017

Uma Nova Jezabel no Poder (842 d.C.)

Após a morte do imperador Teófilo, Teodora, sua viúva, governou como regente durante o período de minoridade de seu filho. Seu apego dissimulado à idolatria era bem conhecido do sacerdócio, e não muito tempo após a morte de Teófilo ela se dedicou ao completo cumprimento de seu grande objetivo. Quando o caminho ficou limpo, um festival solene foi marcado para a restauração das imagens. "Todo o clero de Constantinopla, e todos os que podiam se reunir dos arredores, se encontraram diante do palácio do arcebispo e marcharam em procissão com cruzes, tochas e incenso à igreja de Santa Sofia. Ali eles se encontraram com a imperatriz e seu pequeno filho Michael. Eles fizeram o circuito da igreja, com suas tochas ardendo, prestando homenagem a cada estátua e pintura, que foram cuidadosamente restauradas, para nunca mais serem apagadas até tempos depois por iconoclastas ainda mais terríveis, os turcos otomanos."*

{* Cristianismo Latino, vol. 2, p. 202.}

Após um restabelecimento tão triunfante das imagens, o partido vitorioso sem dúvida pensou que havia chegado o tempo de propôr e tentar assegurar outro triunfo; eles agora instavam a imperatriz a empreender a total supressão dos paulicianos. Eles tinham pregado contra imagens, relíquias e a madeira podre da cruz. Eles não podiam continuar vivendo, e os católicos atingiram esse objetivo! Um decreto foi emitido sob a regência de Teodora, que decretou que os paulicianos deveriam ser exterminados por fogo e espada, ou trazidos de volta à igreja grega. Mas eles recusaram todas as tentativas que foram feitas para ganhá-los, e assim o feroz demônio da perseguição foi solto entre eles. Seus inquisidores exploraram as cidades e montanhas da Ásia menor e executaram sua comissão da maneira mais cruel possível. Os números da seita, e a severidade da perseguição, podem ser julgados pelas multidões que foram mortas pela espada, decapitadas, afogadas ou consumidas nas chamas. Afirma-se, tanto pelos historiadores civis quanto eclesiásticos, que, em um curto reinado, cem mil paulicianos foram condenados à morte. Houve alguma vez uma filha mais genuína de Jezabel do que esta? Ela nem mesmo tinha um Acabe para fazer este trabalho cruel por ela, mas com suas próprias mãos, por assim dizer -- infelizmente, as mãos de uma mulher -- por seu próprio decreto, ela assassinou cem mil santos de Deus*, restabeleceu a adoração aos ídolos, e nutriu com favor real os padres idólatras de Roma.

{* Não pretendemos afirmar que todos os que foram mortos por Teodora eram cristãos verdadeiros. Não podemos julgar o coração; mas eles professavam ser e voluntariamente morreram como mártires.}

A história da iconoclastia foi notável pela influência feminina. Helena foi a primeira a sugerir e encorajar a veneração por relíquias; Irene foi a restauradora da adoração de imagens quando ameaçada de destruição; e agora Teodora não apenas restabelece a idolatria que seu marido tinha se esforçado para suprimir, como também persegue os verdadeiros adoradores. Certamente a mulher Jezabel -- símbolo da igreja dominante na Idade das Trevas -- tem seu antítipo nessas três mulheres, especialmente as duas últimas. A semelhança é marcante demais para ser questionada. Mas todo o sistema do catolicismo respira esse terrível espírito, e é caracterizado pelas tenebrosas características do caráter de Jezabel. A palavra do Senhor não pode ser quebrada. "Ninguém fora como Acabe, que se vendera para fazer o que era mau aos olhos do Senhor; porque Jezabel, sua mulher, o incitava". Este é o tipo (figura). O antítipo é: "Mas algumas poucas coisas tenho contra ti que deixas Jezabel, mulher que se diz profetisa, ensinar e enganar os meus servos, para que forniquem e comam dos sacrifícios da idolatria. E dei-lhe tempo para que se arrependesse da sua fornicação; e não se arrependeu." (1 Reis 21:25, Apocalipse 2:20,21)

domingo, 19 de fevereiro de 2017

Silvano em Cibossa

Constantino [de Mananalis], que se denominou Silvano, dirigiu seus primeiros apelos aos habitantes de um lugar chamado Cibossa, na Armênia, a quem ele chamou de macedônios. "Eu sou Silvano", disse ele, "vós sois macedônios". Ali ele fixou sua residência e trabalhou com energia incansável por quase trinta anos; por meio dele muitos foram convertidos, tanto da Igreja Católica quanto do zoroastrismo. Com o tempo, tendo a seita se tornado suficientemente considerável para atrair atenção, a questão foi reportada ao imperador e um decreto foi emitido em 684 contra Constantino e as congregações paulicianas. A execução do decreto foi confiada a um oficial da corte imperial chamado Simeão. Ele tinha ordens de executar o mestre e de distribuir seus seguidores entre o clero e em monastérios, com vista à recuperação deles. O governo, sem dúvida, agiu conforme a direção da Igreja [Católica]; como no caso de Acabe, "porque Jezabel, sua mulher, o incitava." (1 Reis 21:25). Mas o Senhor está acima de tudo, e Ele pode tornar a ira do homem em louvor para Si.

Simeão colocou Constantino -- o principal objeto de vingança dos padres -- perante um grande número de companheiros, e ordenou-lhes que o apedrejassem. Eles se recusaram e, em vez de obedecer, todos largaram as pedras com as quais tinham se armado, com exceção de um rapaz; e assim Constantino foi morto por uma pedra da mão daquele jovem sem coração --  seu próprio filho adotivo Justus. Este ingrato apóstata foi exaltado pelos inimigos dos paulicianos como um outro Davi que, com uma pedra, derrubou um outro Golias -- o gigante da heresia. Mas do apedrejamento de Constantino, assim como do apedrejamento de Estêvão, um novo líder se ergueu na pessoa do seu assassino imperial. O que Simeão tinha visto e ouvido causou impressões em sua mente que ele não podia ignorar. Ele começou a conversar com alguns dos sectários, e o resultado foi que ele se tornou um de seus convertidos. Ele retornou à corte imperial, mas após passar três anos em Constantinopla com grande inquietação, ele fugiu, deixando todas as suas propriedades para trás, e assumiu sua residência em Cibossa onde, sob o nome de Tito, tornou-se o sucessor de Constantino Silvano.

Cerca de cinco anos após o martírio de Constantino o mesmo renegado Justus traiu os paulicianos. Ele conhecia, como traidor de outrora, os hábitos e movimentos da comunidade, e também onde ele seria recompensado por sua traição. Ele foi ter com o bispo de Colônia e reportou o reavivamento e disseminação da assim chamada heresia. O bispo comunicou essa informação ao Imperador Justiniano II e, em consequência, Simeão e uma grande quantidade de seus seguidores foram queimados até a morte em uma grande pira funerária. O cruel Justiniano em vão pensou ter extinguido o nome e a memória dos paulicianos em uma única conflagração, mas o sangue dos mártires pareceu apenas ter multiplicado seu número e sua força. Uma sucessão de mestres e congregações surgiram de suas cinzas. A nova seita se espalhou por todas as regiões adjacentes, Ásia Menor, Ponto, as fronteiras da Armênia e a oeste do Eufrates. Eles suportaram, durante muitos reinos sucessivos, com paciência cristã, a ira intolerante dos governadores através da instigação dos padres. Mas o preço pela crueldade, como observaremos, deve, sem dúvida, ser recompensado pela devoção sanguinária de Teodora, que restaurou as imagens na igreja oriental.

domingo, 12 de fevereiro de 2017

A Origem dos Paulicianos (653 d.C.)

Os gnósticos, que tinham sido tão numerosos e poderosos durante os primeiros dias do cristianismo, eram então um obscuro remanescente, principalmente confinados às aldeias ao longo das margens do Eufrates. Eles tinham sido expulsos pelos todo-poderosos católicos das capitais do Oriente e do Ocidente, e o restante de suas diferentes seitas passaram sob o genérico e odioso nome dos maniqueístas.

Nessa região, na aldeia dos Mananalis, próximo à Samósata, viveu por volta do ano 653 um homem chamado Constantino, que é descrito pelos escritores romanos como descendente de uma família maniqueísta. Logo após a conquista dos sarracenos da Síria, um diácono armênio, que retornava do cativeiro entre os sarracenos, tornou-se hóspede de Constantino. Em reconhecimento de sua hospitalidade o diácono presenteou-o com um manuscrito contendo os quatro Evangelhos e as quatorze Epístolas de São Paulo. Este era, de fato, um presente raro, uma vez que as Escrituras já eram escondidas dos leigos. O estudo desses livros sagrados produziu uma revolução completa em seus princípios religiosos, e em todo o curso subsequente de sua vida. Alguns dizem que ele tinha sido treinado no gnosticismo, outros, que ele era um membro da igreja grega estabelecida; mas, seja como possa ter sido, aqueles livros tornaram-se então seu único estudo e a regra de sua fé e prática.

Constantino pensou então em formar uma nova seita, ou melhor, em restaurar o cristianismo apostólico. Ele renunciou e jogou fora seus livros maniqueístas, como dizem seus inimigos; abjurou ao maniqueísmo e tornou uma lei para seus seguidores que não lessem qualquer outro livro além dos Evangelhos e das Epístolas do Novo Testamento. Isto pode ter dado aos seus inimigos o pretexto para acusá-los de rejeitarem o Antigo Testamento e as duas epístolas de São Pedro. Mas é mais que provável que eles não possuíssem essas porções da Palavra de Deus. É de se temer, no entanto, a partir de seu apego e devoção peculiar aos escritos e ao caráter de São Paulo, que outras Escrituras foram negligenciadas.

É geralmente aceito que a palavra pauliciano foi cunhada a partir do nome do grande apóstolo dos gentios. Seus cooperadores, Silvano, Timóteo, Tito e Tíquico eram representados por Constantino e seus discípulos; e suas congregações, como se espalharam por diferentes lugares, eram chamadas segundos os nomes das igrejas apostólicas. É difícil perceber como nesta assim chamada "inocente alegoria" os católicos poderiam ter sido tão gravemente ofendidos com os paulicianos, ou nisto encontrado um pretexto para caçá-los com fogo e espada. E mesmo assim o fizeram, como veremos a seguir. Seu "pecado imperdoável" era sua separação da igreja do Estado, seu testemunho contra a superstição e apostasia, e seu reavivamento de uma memória de um cristianismo primitivo puro.

Os Nestorianos e os Paulicianos

A ascensão dos nestorianos no século V e seu grande zelo missionário já foram mencionados. Em sua chefia havia um bispo, conhecido pelo título de Patriarca da Babilônia. Sua residência era originalmente na Selêucia. Desde a Pérsia, conta-se, eles levaram o evangelho para o Norte, para o Oriente e para o Sul. No século VI eles pregaram o evangelho com grande sucesso aos hunos, aos indianos, aos medos e aos elamitas: na costa de Malabar e nas ilhas do oceano grandes números se converteram. Seguindo o curso do comércio, os missionários tomaram o caminho da Índia à China, e penetraram pelos desertos até sua fronteira setentrional [mais ao norte]. Em 1625 uma pedra foi descoberta, pelos jesuítas, próximo a Singapura, que leva uma longa inscrição, parte em siríaco e parte em chinês, gravando os nomes dos missionários que tinham trabalhado na China, e a história do cristianismo naquele país desde o ano 636 a 781. Mas a propagação do cristianismo, pensa-se, despertou o ciúme do Estado e, após testemunharem o sucesso do evangelho e experimentarem perseguição, eles provavelmente foram exterminados, ou fugiram, por volta do fim do século VIII. Os nestorianos foram patrocinados por alguns dos reis persas, e sob o reinado dos califas eles foram protegidos e prosperaram grandemente. Eles assumiram a designação de cristãos caldeus, ou assírios, e ainda existem sob esse nome.*

{* Veja Crenças do Mundo (Faiths of the World), vol. 2, p. 527; e J.C. Robertson, vol. 2, p. 163.}

As doutrinas, o caráter e a história dos paulicianos têm sido assuntos de grande controvérsia; mas não lhes foi permitido falar por eles mesmos para a posteridade. Seus escritos foram cuidadosamente destruídos pelos católicos, e eles nos são conhecidos apenas através de relatos de inimigos amargos que os rotulam como hereges, e como os ancestrais dos reformadores protestantes. Por outro lado, alguns escritores protestantes aceitam o pedigree, e afirmam que eles foram os mantenedores de um cristianismo puramente bíblico, que pode ter parecido herético pelo papado. Esta última circunstância, pelo que já demonstramos, é facilmente crível. As mais dolorosas corrupções, tanto na doutrina quanto na adoração da igreja católica, tinham sido não apenas admiradas, como forçadas, muito antes do surgimento dos paulicianos. Nem o espírito nem a simplicidade do evangelho permaneceram; portanto, o cristianismo bíblico deve ter parecido aos adoradores de imagens como uma heresia.

Passando por cima de muitos nomes individuais desde a época de Santo Agostinho, que foram testemunhas dignas da verdade, vamos falar diretamente da origem dos paulicianos.

A Linha Prateada da Graça Soberana

Capítulo 16: Europa (653 d.C. - 855 d.C.)


A monarquia papal está agora estabelecida. A corte da França e o papado estão unidos. Roma está agora separada do Oriente, e se torna o centro de influência sobre todo o Ocidente. Mas tendo traçado as tenebrosas linhas da apostasia no cristianismo latino desde o início do século IV até o início do século IX, voltemo-nos um pouco e esforcemo-nos em traçar a linha prateada da soberana graça de Deus naqueles que se separaram da comunhão da igreja latina durante o mesmo período. Se Satanás estava ativo em corromper a igreja no sentido exterior, Deus estava ativo na coleta dos Seus em meio a massa corrupta, e em fortalecê-los como Suas próprias testemunhas especiais. Desde os dias de Agostinho [de Hipona], a nobre testemunha de Sua graça contra o pelagianismo na Cristandade ocidental, até a Reforma, pode ser traçada uma linhagem de testemunhas fiéis que testificaram contra a idolatria e tirania de Roma, e que pregavam a salvação por meio da fé em Cristo Jesus sem obras de mérito*. Além de multidões que se alimentavam às escondidas, tanto em conventos quanto em famílias, da simples verdade do evangelho, observamos brevemente alguns dos mais proeminentes que formam um importante elo na grande cadeia de testemunhas, especialmente ligados à história da igreja na Europa.

{* Veja Hora Apocalyptica, de E. B. Elliot, vol. 2, p. 219.}

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