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domingo, 14 de janeiro de 2018

A Segunda Cruzada (1147 d.C.)

Tendo assim dado um relato um pouco minucioso e detalhado sobre a primeira cruzada, precisamos fazer pouco mais do que fornecer algumas datas, com alguns pontos em particular, das sete seguintes cruzadas. As mesmas causas nada razoáveis e não bíblicas, mas empolgantes para o povo, e os mesmos resultados desastrosos, são aparentes em cada uma das expedições. Elas nada mais foram do que várias cópias fracas e mal sucedidas da original.

Os descendentes imediatos dos primeiros cruzados são descritos como dando lugar à vida de facilidade e luxúria, tornando-se assim completamente depravados e efeminados. Mas, por outro lado, os muçulmanos, tendo se recuperado de seu repentino terror e consternação, reuniram grandes forças e assediaram os cristãos com guerras perpétuas. Em 1144, Zengi, príncipe de Mosul, tornou-se mestre de Edessa. Os habitantes foram abatidos, a cidade saqueada e totalmente destruída. A exultação dos muçulmanos não se podia conter: eles ameaçaram a Antioquia, e a coragem dos cristãos começou a afundar. Com lágrimas eles, então, imploraram pelo auxílio dos reis cristãos e dos exércitos da Europa. "Os inimigos da cruz estão avançando", clamavam, "milhares de cristãos foram massacrados, e nenhum será deixado vivo na Terra Santa a menos que a ajuda venha rapidamente".

O Pontífice Romano, Eugênio III, ouviu essas petições, e resolveu provocar uma nova cruzada. Os reis, príncipes e o povo da Europa foram convocados, pelas cartas do papa, para a guerra santa, mas a pregação da cruzada sobre esses países foi delegada ao celebrado São Bernardo, abade de Claraval.  Ele foi um homem de imensa influência, de caráter santo e de grande reputação pela realização de milagres. Na mais brilhante eloquência, ele retratava os sofrimentos dos cristãos orientais, a profanação dos lugares santos pelos infiéis, e o sucesso assegurado dos exércitos do Senhor. Luís VII da França, sua rainha, e um vasto número de seus nobres, tomaram o voto, e devotaram-se à guerra santa. Conrado III, imperador da Alemanha, após resistir por um tempo aos apelos de São Bernardo, com o tempo declarou-se pronto a obedecer ao chamado do serviço de Deus. Muitos dos chefes da Alemanha seguiram o exemplo do imperador ao tomar a cruz -- como era então a frase da vez -- mas era uma cruz sem a verdade nem a graça, a terrível ilusão de Satanás, e perversa prostituição do símbolo sagrado para a cegueira e ruína de milhões.

Assim que esses monarcas tomaram o voto, os preparativos para a expedição foram iniciados. Tropas e suprimentos de todo tipo foram coletados; e no ano de 1147, seus poderosos exércitos, compostos principalmente de franceses, alemães e italianos, e com mais de novecentos mil, avançaram em duas tropas em direção à Palestina. Prosseguindo, como pensaram, e como Bernardo lhes tinha assegurado, sob a sanção dos céus, eles esperavam que agora o golpe final seria dado contra o poder dos muçulmanos, que o reino de Jerusalém seria firmemente estabelecido, e que a paz seria assegurada aos cristãos latinos. Em alguns aspectos, a segunda cruzada diferiu da primeira. Aquela foi o resultado do entusiasmo popular, e esta foi um grande movimento europeu, liderado por dois soberanos, seguidos por seus nobres, e apoiados pela riqueza e influência das nações; mas elas foram igualmente mal sucedidas como o exército de Pedro o Eremita. Eles foram cruelmente traídos pelos traiçoeiros gregos, que estavam com mais medo dos cruzados do que dos muçulmanos. A aproximação de cento e quarenta mil cavaleiros de armadura pesada, com seus atendentes imediatos, no campo, além das tropas de armadura leve, infantaria, padres e monges, mulheres e crianças -- em todos contando quase um milhão -- alarmou tanto os gregos efeminados que o imperador enviou homens exigindo que jurassem que não tinham nenhum desígnio contra o império. Mas o terror deles tomou a forma de hostilidade, e enquanto os cruzados entravam no território imperial, dificuldades erguiam-se por todos os lados.

A história da segunda cruzada na Terra Santa é mais lamentável, vergonhosa, e desastrosa do que a primeira. Em 1149, Conrado e Luís levaram de volta à Europa os poucos soldados que sobreviveram. O que aconteceu com o resto? Seus ossos forravam todas as estradas e desertos sobre os quais eles passaram. Um milhão tinha perecido em menos de dois anos. Altos murmúrios foram ouvidos contra Bernardo, sendo o padre por cuja pregação, profecias e milagres, a cruzada tinha sido principalmente promovida. Mas o astuto abade convenceu o povo de que ele estava certo em tudo o que disse, e que a falha na expedição foi um castigo cabível pelos pecados dos cruzados. Assim vemos que o único efeito da segunda cruzada foi de drenar a Europa de uma grande porção de sua riqueza, e da flor de seus exércitos, sem melhorar a condição dos cristãos no Oriente.

quarta-feira, 27 de dezembro de 2017

O Cerco de Jerusalém (1099 d.C.)

Em vez de marcharem imediatamente para Jerusalém, enquanto estavam tão animados e fortalecidos pela vitória, e seus inimigos dominados, eles ociosamente gastaram seu tempo desfrutando dos luxos da Síria por quase dez meses, e, quando as ordens de marcha foram dadas no mês seguinte de maio, apenas uma pequena parte do uma vez poderoso exército sobrou. Supõe-se que trezentos mil chegaram à Antioquia, mas a fome, a doença e a espada tinham reduzido a força deles para pouco mais de quarenta mil. As relíquias do exército partiram no mês de maio. Enquanto se aproximavam do objetivo de sua longa e perigosa jornada, e reconheciam os lugares sagrados, tais como Tiro, Sidom, Cesareia, Lida, Emaús e Belém, eles não podiam conter seu entusiasmo. Mas quando alcançaram uma elevação que lhes davam uma visão completa da cidade santa, um grito de "Jerusalém! Jerusalém! Deus o quer! Deus o quer!" explodiu. Todos se lançaram de joelhos e beijaram o solo sagrado. As cenas da história do evangelho encheram suas mentes com um arrebatado deleite. Mas Jerusalém estava ainda nas mãos dos infiéis, e eles estavam desprovidos dos recursos necessários para o assalto.

O cerco durou quarenta dias, mas foram quarenta dias de grande sofrimento para os sitiadores; especialmente pela sede feroz produzida pelo sol de verão daquele país seco. O ribeiro de Cédron estava seco; as cisternas tinham sido destruídas ou envenenadas; a provisão deles se acabou; de fato, tão grande era a angústia deles, que estavam a ponto de renderem-se em desespero. Mas, como em ocasiões anteriores, o alívio chegou. A superstição veio ao resgate. Godofredo viu no Monte das Oliveiras um guerreiro celestial balançando seu brilhante escudo como um sinal para outro assalto. Com renovado ardor militar, eles atacaram os incrédulos, e, após uma luta feroz, dominaram a cidade santa. Os historiadores concordam em dizer que, em 15 de julho de 1099, uma sexta-feira, às três da tarde, o dia e hora da paixão do Salvador, Godofredo de Bulhão foi vitorioso nas muralhas de Jerusalém. Ele saltou para a devota cidade, acompanhado de Tancredo, e seguido pelos soldados, que encheram cada rua da cidade de massacres.

"Os cruzados", diz Robertson, "inflamados à loucura pelo pensamento dos males inflingidos a seus irmãos e pela obstinada resistência dos sitiados, não pouparam nem o velho, nem a mulher, nem a criança. Setenta mil muçulmanos foram massacrados; muitos dos que tinham recebido uma promessa de vida dos líderes foram mortos pelos soldados. O templo e o alpendre de Salomão ficou cheio de sangue até a altura do joelho de um cavalo e, em meio à fúria geral contra os inimigos de Cristo, os judeus foram queimados em sua sinagoga. Godofredo não tomou parte nessas atrocidades, mas imediatamente após a vitória, em vestes de peregrino, dirigiu-se à igreja do santo sepulcro para derramar seus agradecimentos por ter sido permitido a alcançar a cidade santa. Muitos seguiram seu exemplo, resignando-se de suas obras selvagens por lágrimas de penintência e gozo, e oferecendo, no altar, o espólio que eles tinham conquistado; mas, por uma revolta de sentimentos naturais para um estado de grande excitação, eles logo voltaram à sua obra selvagem, e por três dias correu sangue em Jerusalém."*

{* Church History, de Robertson, vol. 2, p. 641. White's Eighteen Christian Centuries.}

terça-feira, 26 de dezembro de 2017

O Cerco de Antioquia

No dia 18 de outubro de 1097, os "guerreiros da cruz" sitiaram a Antioquia, onde os discípulos foram pela primeira vez chamados cristãos, e que logo depois tornou-se o centro dos labores missionários do grande apóstolo. Mas que mudança de espírito, objetivo e modos do seu assim chamado sucessor -- daquele que assumia o blasfemo título de vigário de Cristo, mas em quem cuja porta a culpa e o derramamento de sangue desta, a maior de todas as ilusões populares, para sempre repousará. Jezabel ainda pode reinar tanto na igreja quanto no Estado, e amigos, assim como inimigos, devem ser sacrificados para atingir seu objetivo e gratificar sua ambição. Mas o dia rapidamente se aproxima quando a requisição pelo sangue será feita, e o juízo será dado, de acordo com os motivos, assim como com as ações. O testemunho agradecido a Deus, que saiu da Antioquia no primeiro século, é tão simples e verdadeiro agora como era então, e de igual autoridade sobre o coração e a consciência, não obstante o fluxo corrupto de dez mil que professamente fluíam da mesma fonte. É na doutrina dos apóstolos que temos que confiar, e não na tradição dos Pais. Em todas as épocas o credo cristão deveria ser: a pessoa de Cristo para o coração, a obra de Cristo para a consciência, e a palavra de Deus para o caminho.

O cerco de Antioquia durou oito meses. As dificuldades sofridas durante esse período foram terríveis. Por um tempo, as condições do solo e do clima foram apreciadas, até mesmo em excesso, mas o inverno chegou e a alegria deles acabou. As chuvas fortes inundaram seus acampamentos, e os ventos derrubaram suas tendas. Fome e pestilência, com suas muitas consequências, prevaleceram. A carne de cavalos, cachorros, e até mesmo de inimigos abatidos era avidamente devorada. No início do cerco, seus cavalos contavam 70.000, e no final contavam apenas 2.000, e dificilmente 200 davam para o serviço. Com o tempo, no entanto, o auxílio veio, ou teriam perecido até o último homem. Por meio da traição de um oficial sírio da cidade, que tinha o favor do emir*, e que comandava três torres, um portão foi aberto. O exército invadiu a cidade devota, gritando o grito de guerra dos cruzados, "Deus o quer!", e a Antioquia caiu mais uma vez nas mãos dos cristãos. Mas a vitória não estava completa. A cidadela recusou-se a se render, e logo após essa aparente vitória, uma força esmagadora de turcos apareceu, sob Cerboga, Príncipe de Mosul. Durante vinte e cinco dias, os cruzados estiveram novamente à beira da completa destruição entre Cerboga e a guarnição da fortaleza.

{* emir: título de nobreza equivalente a príncipe.}

Quandos os corações de todos começaram a desistir, e uma indiferença generalizada à vida prevaleceu, um astuto monge de nome Bartolomeu apresentou-se à porta da câmara do conselho, e declarou que tinha-lhe sido reveleado do céu em um sonho que sob o grande altar da igreja de São Pedro seria encontrada a lança que perfurou o Salvador na cruz. O chão foi aberto, mas após cavarem uma profundidade de vinte pés eles não encontraram o objeto. À noite, com os pés descalços e em vestes de penitência, o próprio Bartolomeu desceu no poço; e logo encontrou a ponta de uma lança. O anel de aço foi ouvido, era a arma sagrada. Ao primeiro relance da lança sagrada os desanimados cruzados passaram do desespero ao entusiasmo. Um salmo marcial foi cantado pelos padres e monges: "Que Deus se levante, e que seus inimigos sejam espalhados". Os portões de Antioquia foram escancarados, e então os guerreiros fanáticos precipitaram-se, com a lança sagrada sendo carregada pelo capelão do legado. O ataque foi irresistível; os sarracenos fugiram diante do ataque inesperado, deixando para trás uma imensa quantidade de espólios. Boemundo foi proclamado Príncipe da Antioquia, sob a condição de que ele deveria acompanhá-los até Jerusalém.

domingo, 16 de outubro de 2016

Os Nestorianos

Como a seita chamada de nestoriana ocupa um lugar importante na história da igreja, vamos tomar nota brevemente de sua formação. Eles são, às vezes, chamados de sírios, uma vez que seu fundador foi um sírio. Cremos que são numerosos na Síria atualmente*, mas não receberam do governo turco a proteção a qual tinham direito, e assim foram expostos a constantes assaltos das tribos predatórias. Milhares de nestorianos nas montanhas do Curdistão, incluindo homens, mulheres e crianças, foram massacrados em 1843, e suas vilas totalmente destruídas pelas tribos curdas. Desde o ano 1834, uma interessante missão foi estabelecida entre eles pelo Conselho Americano de Missões Estrangeiras. O caráter e procedimentos da missão são muito comentados por Dr. Grant, um dos missionários que residiu entre os nestorianos por um tempo considerável, e que tinha estudado seus modos e costumes com grande minúcia e cuidado, e acabou publicando um tratado visando provar que essa interessante classe de pessoas são os descendentes das dez tribos perdidas de Israel. Mas suas conclusões, como outras sobre o mesmo assunto, podem muito bem ser postas em dúvida.**

{* N. do T.: este texto foi escrito no século XIX}
{** Veja Crenças do Mundo, de Gardner, vol. 2, p. 531}

Nestório, um monge sírio, tornou-se um presbítero da igreja em Antioquia. Ele era estimado e celebrado por conta da rígida austeridade de sua vida, e do impressionante fervor de sua pregação. Ele atraiu grandes e atentas audiências, e logo se tornou um grande favorito do povo. No ano 428 ele foi consagrado bispo de Constantinopla. Mas a disciplina do claustro tinha lhe preparado mal para uma posição tão importante na vida pública. Tão logo ele foi promovido a esse nível, ele começou a demonstrar um zelo intemperado contra as várias descrições dos hereges, o que devia-se mais ao fanatismo do monge do que ao espírito tolerante e suave do cristianismo genuíno. Em seu discurso inaugural, dirigindo-se ao imperador Teodósio, o jovem, ele se pronunciou com estas violentas expressões: "Dá-me um país purgado de todos os hereges, e em troca por isto eu lhe darei o céu. Me ajude a subjugar os hereges, e eu lhe ajudarei a subjugar os persas". Mas não demorou muito até que o próprio Nestório fosse também acusado de heresia.

O novo bispo logo em seguida pronunciou sua declaração de guerra contra os hereges por meio de atos de violência e perseguição. Ele excitou tumultos entre o povo: os arianos foram atacados, sua casa de reuniões foi queimada, e outras seitas foram perseguidas. Tais procedimentos, no entanto, logo levantaram contra Nestório, até mesmo dentre os ortodoxos, uma numerosa hoste de inimigos, que buscaram e logo conseguiram sua queda. Aconteceu assim... (continua no próximo tópico).

domingo, 28 de agosto de 2016

As Falhas e Virtudes de Teodósio

O defeito mais proeminente no caráter de Teodósio era uma propensão à raiva violenta. Ainda assim, ele conseguia se acalmar e se tornar bastante misericordioso após uma grande provocação, se fosse adequadamente abordado. Temos um exemplo notável disso em seu perdão ao povo da Antioquia. Aconteceu desta forma:

No ano 387, os habitantes se tornaram impacientes por conta de um imposto que o imperador cobrou deles. Como eles tinham sido tratados com arrogância pelos governadores, a quem eles tinham respeitosamente solicitado alívio, um grande tumulto se ergueu na cidade. As estátuas da família imperial foram derrubadas e tratadas com desprezo. No entanto, quando uma companhia de soldados apareceu imediatamente, a sedição foi suprimida. O governador da província, de acordo com o dever de seu ofício, enviou uma fiel narrativa de todo o ocorrido ao imperador. No entanto, como havia 800 milhas de distância entre Antioquia e Constantinopla, deve ter demorado semanas para que uma resposta fosse recebida. Isto deu tempo para que os antíoques refletissem sobre a natureza e consequência de seus crimes. Eles ficaram muito e constantemente agitados com esperanças e medos, como pode se supor. Eles sabiam que seu crime era sério, mas eles tinham confessado isso a Flaviano, o bispo deles, e a outras pessoas influentes, com total garantia de arrependimento genuíno. Finalmente, vinte e quatro dias após a sedição, os comissários imperiais chegaram, trazendo a vontade do imperador, e a sentença de Antioquia. O seguinte mandato imperial  mostrará ao leitor como as coisas dependiam muito da vontade ou paciência de um único homem naqueles tempos.

Antioquia, a metrópole do Oriente, foi rebaixada da condição de cidade; despojada de suas terras, seus privilégios e seus proventos, ela foi subjugada, sob a humilhante denominação de vila, à jurisdição de Laodiceia. Os banhos, o circo e os teatros foram fechados, e, para que qualquer fonte de abundância e prazer pudesse ser interceptada, a distribuição de milho foi abolida. Os comissários então passaram a investigar a culpa dos indivíduos. O mais nobre e rico dos cidadãos da Antioquia foi trazido perante eles acorrentado. O exame foi assistido pelo uso de tortura, e a sentença deles foi pronunciada, ou suspendida, de acordo com o julgamento daqueles extraordinários magistrados. As casas dos criminosos foram postas à venda, suas esposas e crianças subitamente perderam suas riquezas e luxo e foram lançadas na mais abjeta miséria; e uma sangrenta execução podia ser esperada para fechar os horrores daquele dia, que o eloquente Crisóstomo descreveu como uma imagem viva do juízo final do mundo. Mas Deus, que possui os corações de todos os homens em Suas mãos, e em lembrança ao que Antioquia tinha sido nos primeiros dias do cristianismo, moveu os ministros de Teodósio à piedade. Dizem que eles derramaram lágrimas sobre as calamidades do povo, e que ouviram com reverência às solicitações prementes dos monges e eremitas, que desceram em enxames das montanhas. A execução da sentença foi suspensa, e foi acordado que um dos comissários permanecessem em Antioquia enquanto os outros retornassem o mais rápido possível a Constantinopla.

A raiva exasperada de Teodósio tinha arrefecido. Os representantes do aflito povo obtiveram uma audiência favorável. A mão do Senhor estava nisso: Ele tinha ouvido o clamor deles. A graça triunfou em Teodósio. Um perdão livre e geral foi concedido à cidade e aos cidadãos da Antioquia; as portas da prisão foram abertas; os senadores, que tinham perdido as esperanças, recuperaram a posse de suas casas e propriedades; e a capital do Oriente foi restaurada para o gozo de sua antiga dignidade e esplendor. Teodósio condescendeu em elogiar e recompensar o bispo de Antioquia e outros que tinham generosamente intercedido por seus aflitos irmãos; e confessou que, se o exercício da justiça de um soberano é o dever mais importante, a indulgência da misericórdia é o prazer mais requintado.*

{* História do Cristianismo de Milman, vol. 3, p. 140; História da Igreja de Robertson, vol. 1, p. 242; História da Igreja de Milner, vol. 2, p. 28}

domingo, 24 de julho de 2016

A História de Atanásio

Após um banimento de dois anos e quatro meses, Atanásio foi restaurado a sua diocese pelo jovem Constantino II, onde foi recebido com uma recepção alegre por seu rebanho. Mas a morte desse príncipe expôs Atanásio a uma segunda perseguição. Constâncio, que é descrito como um homem vaidoso, mas fraco, logo se tornou um cúmplice secreto dos eusebianos. No final de 340, ou início de 341, um concílio se reuniu na Antioquia para a dedicação de uma "igreja" esplêndida que tinha sido fundada pelo velho Constantino. Dizem que o número de bispos foi de cerca de 97, dos quais 40 eram eusebianos. Dentre o número de cânones que foram aprovados, foi decidido, e com certa aparência de equidade, que um bispo deposto por um sínodo não podia retomar suas funções episcopais até que ele tivesse sido absolvido pelo julgamento de um outro sínodo de igual autoridade. Esta lei foi evidentemente passada com uma referência especial ao caso de Atanásio, e o concílio pronunciou, ou melhor, confirmou, sua destituição. Gregório, um capadócio, um homem de caráter violento, foi nomeado para a Sé, e Filágrio, o prefeito do Egito, foi instruído a apoiar o novo primaz com os poderes civis e militares da província. Sendo Atanásio o favorito do povo, eles se recusaram a ter um bispo nomeado pelo imperador: cenas de desordem, indignação e profanação se seguiram. "A violência se achou necessária para apoiar a iniquidade", diz Milner, "e um príncipe ariano foi obrigado a trilhar os passos de seus antecessores pagãos para apoiar o que ele chamava de igreja".

Atanásio, oprimido pelos clérigos asiáticos, retirou-se de Alexandria e passou três anos em Roma. O pontífice romano, Júlio, com um sínodo de 50 bispos italianos, o proclamou inocente, e confirmou-lhe a comunhão da igreja. Não menos que cinco credos tinham sido elaborados pelos bispos orientais nas assembleias convocadas em Antioquia entre 341 e 345, com o fim de ocultar suas verdadeiras opiniões; mas nenhum deles admitia estar livre de um elemento ariano, embora as posições mais ofensivas do arianismo fossem professamente condenadas. Os dois imperadores, Constâncio e Constante, se tornaram então ansiosos para curar a brecha que existia entre as igrejas orientais e ocidentais, e de acordo eles convocaram um concílio a ser reunido em Sárdica, na Ilíria, em 347 d.C., para decidir os pontos disputados. Noventa e quatro bispos do Ocidente e vinte e dois do Oriente, estando reunidos e devidamente considerados os assuntos de ambos os lados, decidiram em favor de Atanásio: o partido ortodoxo restaurou o primaz perseguido de Alexandria e condenou a todos o que se opunham a ele como inimigos da verdade. No meio tempo, o intruso Gregório morreu, e Atanásio, em seu retorno a Alexandria, após um exílio de oito anos, foi recebido com júbilo universal. "A entrada do arcebispo em sua capital", disse alguém, "foi um cortejo triunfal: a ausência e a perseguição tinham tornado ele querido para os alexandrinos, e sua fama foi difundida da Etiópia até a Grã-Bretanha ao longo de toda a extensão do mundo cristão."

Após a morte de Constante, o amigo e protetor de Atanásio, em 350, o covarde Constâncio sentiu que era a hora de vingar suas feridas privadas contra Atanásio, que não tinha mais Constante para defendê-lo. Mas como ele iria cumprir seu objetivo era a dificuldade. Se ele decretasse a morte do mais eminente cidadão, a ordem cruel seria executada sem qualquer hesitação; mas a condenação e morte de um bispo popular devia ser causada com cautela, demora e alguma aparência de justiça. Os arianos começaram a trabalhar em um plano; eles renovaram suas maquinações, e mais concílios foram convocados.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

O Martírio de Inácio

Não há nenhum fato do início da história da igreja mais sagradamente preservado {* N. do T.: com exceção das próprias Escrituras} que o martírio de Inácio, o bispo* da Antioquia. E não há narrativa mais celebrada que sua viagem, como prisioneiro em correntes, da Antioquia para Roma.

{* N. do T.: bispo significa "supervisor" ou "ancião" de uma assembleia (igreja) local. Na Palavra de Deus, o bispo ou ancião nunca aparece como um cargo eclesiástico assalariado (como inventaram os homens no decorrer dos séculos), mas sim como simplesmente um ofício (ou papel) exercido em uma assembleia. Para saber mais leia: Anciaos, Presbiteros [Bispos] e Guias, Existem anciaos hoje?
}

De acordo com a opinião geral dos historiadores, o imperador Trajano, em seu caminho para a guerra da Pártia no ano 107, visitou Antioquia. Por que causa é difícil dizer, mas aparentemente os cristãos foram ameaçados de perseguição por suas ordens. Inácio, portanto, preocupado pela igreja em Antioquia, desejou ser introduzido à presença de Trajano. Seu grande objetivo era prevenir, se possível, a perseguição ameaçada. Com este objetivo em vista, ele apresentou ao imperador o verdadeiro caráter e condição dos cristãos, e se ofereceu a si mesmo para sofrer no lugar deles.

Os detalhes da marcante entrevista são dados em muitas relatos sobre a história da igreja, mas existe um certo ar de suspeita sobre eles que nos absteremos de inserir aqui. De qualquer modo, a história acabou na condenação de Inácio. Ele foi sentenciado pelo imperador a ser levado a Roma, e lançado às feras selvagens para o entretenimento do povo. Ele recebeu a cruel sentença sem reclamar, e de bom grado submeteu-se às cadeias, crendo ser assim por sua fé em Cristo e como um sacrifício pelos santos.

Inácio estava agora sob custódia de dez soldados, que parecem ter ignorado sua idade, tratando-o com grande dureza. Ele tinha sido um bispo da Antioquia por quase quarenta anos, e portanto devia ser um homem idoso. Mas eles o levaram grosseiramente por uma longa viagem, tanto por mar quanto por terra, de modo a chegar a Roma antes dos jogos terminarem. Ele chegou no último dia do festival, e foi logo levado ao anfiteatro, onde sofreu, de acordo com sua sentença, à vista dos espectadores reunidos. E então, o cansado peregrino encontrou o descanso das fadigas de sua longa viagem no bendito repouso do paraíso de Deus.

Alguns têm perguntado o porquê de Inácio ter sido levado pelo longo caminho da Antioquia até Roma para sofrer o martírio. A resposta só pode ser conjectura. Pode ter sido com a intenção de infundir medo aos outros cristãos, pelo espetáculo de alguém tão eminente e tão conhecido ser levado em correntes a uma morte terrível e degradante. Mas se esta foi a expectativa do Imperador, ele deve ter ficado inteiramente desapontado. O martírio de Inácio teve justamente o efeito oposto. Notícias sobre sua sentença e sobre sua rota se disseminaram amplamente, e representantes das igrejas das proximidades foram enviados para encontrá-lo em pontos convenientes durante a viagem. Ele foi, então, saudado e encorajado com calorosas felicitações de seus irmãos; e eles, em troca, se alegraram em ver o venerável bispo e em receber sua bênção de despedida. Muitos dos santos se sentiriam encorajados a enfrentar, e até mesmo a desejar, uma morte de mártir e uma coroa de mártir. Dentre os que o encontraram pelo caminho estavam Policarpo, bispo de Esmirna que, assim como Inácio, tinha sido um discípulo do apóstolo João, e estava também destinado a ser um mártir pelo evangelho. Mas além desses encontros pessoais, dizem que ele escreveu sete cartas durante essa viagem, que foram preservadas pela providência divina e chegaram até nós. Sempre houve grande interesse, e ainda há, nessas cartas.

sábado, 20 de junho de 2015

A Quarta Visita de Paulo a Jerusalém

Não nos são fornecidas quaisquer informações, pelos historiadores sagrados, sobre o que ocorreu em Jerusalém naquela ocasião. Apenas nos é dito que Paulo "subiu a Jerusalém e, saudando a igreja, desceu a Antioquia." (Atos 18:22). Mas seu intenso desejo de fazer esta visita pode nos assegurar sua grande importância. Ele pode ter sentido que  tinha chegado a hora quando os judeus cristãos, reunidos na festa, deveriam ouvir um relato completo da recepção do evangelho entre os gentios. Colônias romanas e capitais gregas tinham sido visitadas, e uma grande obra de Deus tinha sido cumprida. Tudo isto teria sido perfeitamente natural e correto, mas desejamos não remover o véu que o Espírito Santo colocou sobre essa visita.

Paulo desce de Jerusalém à Antioquia, visitando todas as assembleias que ele tinha inicialmente formado; e assim, de certo modo, unindo sua obra: Antioquia e Jerusalém. Até onde sabemos, foi a última visita de Paulo à Antioquia. Já vimos como novos centros de vida cristã tinham sido estabelecidos por ele nas cidades gregas do Egeu. O curso do evangelho segue cada vez mais para o Ocidente, e a parte inspirada da biografia do apóstolo, após um curto período de profundo interesse na Judeia, finalmente se centraliza em Roma.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

A Terceira Visita de Paulo a Jerusalém (por volta de 50 d.C.)

Quando eles chegaram a Jerusalém, encontraram a mesma coisa [fanatismo dos crentes judeus pela guarda da lei pelos gentios, N. do T.], não apenas nas mentes de alguns poucos irmãos inquietos, mas no próprio seio da igreja. A fonte da confusão estava lá, não entre judeus incrédulos, mas entres aqueles que professavam o nome de Jesus. "Alguns, porém, da seita dos fariseus, que tinham crido, se levantaram, dizendo que era mister circuncidá-los e mandar-lhes que guardassem a lei de Moisés." (Atos 15:5). Esta declaração clara trouxe toda a questão diante da assembleia, e suas importantes deliberações começaram. O Capítulo 15 de Atos contém o relato do que ocorreu e como a questão foi resolvida. Os apóstolos, anciãos, e todo o corpo da igreja em Jerusalém não estavam apenas presentes, mas também tomaram parte na discussão. Os apóstolos nem assumiram nem exercitaram poder exclusivo sobre o assunto. Este é geralmente chamado "O primeiro Concílio da Igreja", mas pode também ser chamada de último concílio da igreja que podia dizer: "Pareceu bem ao Espírito Santo e a nós" (Atos 15:28).

Muitos, de acordo com noções modernas de "essencial e não-essencial", sem dúvida diriam que a mera cerimônia de circuncidar ou não circuncidar uma criança não tinha muita importância. Mas não é assim de acordo com a mente de Deus. Era uma questão vital. Afetava o próprio fundamento do cristianismo, os profundos princípios da graça, e toda a questão sobre a relação do homem com Deus. A Epístola de Paulo aos Gálatas é um comentário sobre a história dessa questão.

Não havia rito ou cerimônia que o judeu convertido fosse tão averso a deixar para trás como a circuncisão. Era o sinal e o selo do seu próprio relacionamento com Jeová, e das hereditária bênçãos da aliança com seus filhos. É da opinião de alguns em todas as eras que o "batismo de crianças" foi introduzido pela igreja para atender ao forte preconceito judaico. Mas se isto tivesse sido a pretensão do Senhor, o concílio em Jerusalém seria o próprio lugar para anunciá-lo. Isto acabaria com toda a dificuldade, e resolveria a questão diante deles, e restauraria a paz e unidade entre os duas "igrejas-mãe" [a igreja em Jerusalém, sendo a primeira igreja onde predominavam os judeus, e a igreja em Antioquia, sendo a primeira igreja onde predominavam os gentios, N. do T.]. Mas nenhum dos apóstolos ou dos outros aludiram a isto.

Antes de deixarmos essa importante e sugestiva parte da história do nosso apóstolo, pode ser bom observar certos fatos trazidos em Gálatas 2, mas que não são mencionados em Atos. Foi nesta ocasião que Paulo subiu, por revelação, a Jerusalém com Tito. Em Atos temos a história de Paulo vista de fora, cedendo aos motivos, desejos e objetivos do homem; nas Epístolas temos algo mais profundo - aquilo que governava o coração do apóstolo. Mas Deus sabe como combinar essas circunstâncias externas com a direção interna do Espírito. A liberdade cristã ou a servidão da lei estavam em debate: se a lei de Moisés - em particular, o rito da circuncisão - deveria ser imposta aos gentios convertidos. Paulo, guiado por Deus, sobe a Jerusalém, e leva com ele Tito. Perante a face dos doze apóstolos, e de toda a igreja, ele traz a Tito, que era grego, e que não tinha sido circuncidado. Isto foi um passo ousado - introduzir um gentio, e incircunciso, no próprio centro de um judaísmo intolerante! Mas o apóstolo foi lá por revelação. Ele tinha comunicações positivas, vindas de Deus, sobre o assunto. Foi a maneira divina de decidir a questão, de uma vez por todas, entre ele mesmo e os cristãos judaizantes. Este passo era necessário, como ele diz: "E isto por causa dos falsos irmãos que se intrometeram, e secretamente entraram a espiar a nossa liberdade, que temos em Cristo Jesus, para nos porem em servidão; aos quais nem ainda por uma hora cedemos com sujeição, para que a verdade do evangelho permanecesse entre vós." (Gálatas 2:4-5)

O apóstolo, então, tendo atingido seu principal objetivo, e tendo comunicado seu evangelho aos de Jerusalém, vai embora, com Barnabé, e retorna aos cristãos gentios em Antioquia. Os dois representantes, Judas e Silas, carregando os decretos do concílio, os acompanham. Quando a multidão de discípulos se reuniu e ouviu a epístola lida, se alegraram e foram consolados.

Assim termina o primeiro concílio apostólico, e a primeira controvérsia apostólica. E, pelo que aprendemos desses assuntos em Atos, podemos concluir que a divisão entre os cristãos judeus e gentios tinha sido completamente curada pela decisão da assembleia; mas sabemos, pelas Epístolas, que a oposição do partido judaizante contra a liberdade dos cristãos gentios nem sequer cochilava. Logo começava de novo, e Paulo tinha que, constantemente, confrontar e lutar contra a questão.

sábado, 10 de janeiro de 2015

A Primeira Viagem Missionária de Saulo (por volta de 48 d.C.)

Antes de nos ocuparmos com os apóstolos em sua viagem, cabe aqui uma observação sobre como as coisas mudaram. Eles partiram, devemos observar, não do velho centro, Jerusalém, mas da Antioquia, uma cidade de gentios. Isto é significativo. Jerusalém e os doze perderam a posição quanto à autoridade e poder para com o exterior. O Espírito Santo chama a Barnabé e Saulo para a obra, os prepara para isto, e os envia, sem a jurisdição dos doze.

Não será de esperar que em um livro, cujo conteúdo se propõe a ser resumido, possamos tomar nota dos vários eventos ocorridos nas viagens de Paulo. O leitor os encontrará em Atos e nas Epístolas. Propomos meramente traçar um esboço e dar destaque a determinados pontos de referência, pelos quais o leitor será capaz de traçar, por si mesmo, as várias jornadas do maior dos apóstolos - o maior dos missionários - o maior dos obreiros que já viveu, com exceção do bendito Senhor. Mas em primeiro lugar, gostaríamos de observar seus companheiros e seu ponto de partida.

Barnabé foi, por algum tempo, o companheiro mais próximo de Saulo. Ele era um levita da ilha de Chipre. Ele tinha sido chamado logo no início da história da igreja para seguir a Cristo, e "possuindo uma herdade, vendeu-a, e trouxe o preço, e o depositou aos pés dos apóstolos." (Atos 4:37). Comparando sua liberalidade com o belo testemunho que o Espírito Santo dá sobre ele, ele permanece diante de nós com um amável e requintado caráter. E, a partir de seu apego a Paulo desde o início, e de sua cordialidade em apresentá-lo aos outros apóstolos, podemos julgar que ele era mais franco e tinha um coração maior do que aqueles que tinham sido treinados na estreiteza do judaísmo; mas faltava-lhe ainda, quanto ao serviço, o rigor e a determinação de seu companheiro Saulo.

João Marcos era um parente próximo de Barnabé - "o sobrinho de Barnabé" (Colossenses 4:10). Sua mãe era uma certa Maria que morava em Jerusalém, e cuja casa parece ter sido um local de reunião para os apóstolos e primeiros cristãos. Quando Pedro foi liberto da prisão, ele foi direto para "a casa de Maria, mãe de João, que tinha por sobrenome Marcos" (Atos 12:12). Supõe-se que ele tenha sido convertido por meio de Pedro, pois depois Pedro fala dele como "meu filho Marcos" (1 Pedro 5:13)

A partir disso aprendemos que ele não era nem um apóstolo nem um dos setenta - que ele não havia acompanhado o bendito Senhor durante Seu ministério público. Mas podemos supor que ele estava ansioso para servir a Cristo, pois se uniu a Barnabé e Saulo, embora mais tarde pareça que sua fé não era páreo para as dificuldades da vida missionária. "E, partindo de Pafos, Paulo e os que estavam com ele chegaram a Perge, da Panfília. Mas João, apartando-se deles, voltou para Jerusalém." (Atos 13:13). Supõe-se que Marcos tenha escrito seu Evangelho por volta do ano 63 d.C.

A Antioquia, a antiga capital dos selêucidas, foi fundada por Seleuco Nicator por volta de 300 a.C. Foi uma cidade que só ficava atrás de Jerusalém no que diz respeito ao início da história da igreja. O que Jerusalém tinha sido para os judeus, a Antioquia era agora para os gentios. Era um ponto central. Nessa época ocupava um lugar de grande importância na propagação do cristianismo entre os pagãos. Aqui a primeira igreja gentia foi plantada (Atos 11:20,21). Aqui os discípulos de Cristo foram primeiramente chamados de cristãos (Atos 11:26). E aqui nosso apóstolo começou seu trabalho ministerial público.

Retornemos agora à missão.

Barnabé e Saulo, com João Marcos como auxiliar no ministério, são então enviados pelo Espírito Santo. Os judeus, em virtude de sua conexão com as promessas, tiveram o evangelho primeiramente pregado a eles; mas a conversão de Sérgio Paulo marca, de maneira especial, o início do trabalho entre os gentios. Também marca uma crise na história do apóstolo. Aqui seu nome é mudado de Saulo para Paulo; e agora - com exceção de Jerusalém (Atos 15:12-22) - não vemos mais "Barnabé e Saulo", mas sim "Paulo e os que estavam com ele" (Atos 13:13). Ele toma a dianteira; os outros são apenas aqueles que estão com Paulo. Mas o cenário tem ainda um caráter típico.

O procônsul era, evidentemente, um homem prudente e pensativo, e sentiu a necessidade de sua alma. Ele chama a Barnabé e a Saulo, e deseja ouvir a Palavra de Deus. Mas Elimas, o encantador, resiste a eles. Ele sabia bem que, se o governador recebesse a verdade que Paulo pregava, ele perderia sua influência na corte. Ele, portanto, procura afastar o deputado da fé. Mas Paulo, em dignidade consciente e no poder do Espírito Santo, "fixando os olhos nele" (Atos 13:9), e em palavras de mais fulminante indignação, o repreende na presença do governador. "Ó filho do diabo, cheio de todo o engano e de toda a malícia, inimigo de toda a justiça, não cessarás de perturbar os retos caminhos do Senhor? Eis aí, pois, agora contra ti a mão do Senhor, e ficarás cego, sem ver o sol por algum tempo. E no mesmo instante a escuridão e as trevas caíram sobre ele e, andando à roda, buscava a quem o guiasse pela mão. Então o procônsul, vendo o que havia acontecido, creu, maravilhado da doutrina do Senhor." (Atos 13:10-12). O poder de Deus acompanha a palavra de Seu servo, e a sentença pronunciada é executada no mesmo instante. O deputado fica tomado pela glória moral da cena, e se submete ao evangelho.

"Eu não duvido", disse alguém, "que neste miserável Barjesus (Elimas) vemos uma figura dos judeus no tempo presente, acometidos de cegueira por algum tempo, por causa dos ciúmes da influência do evangelho. A fim de preencher a medida de sua iniquidade, eles resistiram à pregação do evangelho aos gentios. A condição deles é julgada; sua história é dada na missão de Paulo. Em oposição à graça e buscando destruir seus efeitos sobre os gentios, eles foram acometidos de cegueira; no entanto, apenas por um tempo." *

(* Synopsis of the Books of the Bible, volume 4, página 53,54. [Segunda Edição, Janeiro de 1950])

Durante essa primeira missão entre os gentios, um grande e abençoado trabalho foi feito. Compare Atos 13 e 14. Muitos lugares foram visitados, igrejas foram plantadas, anciãos foram nomeados, a hostilidade dos judeus manifestada, e a energia do Espírito Santo demonstrada no poder e progresso da verdade. Em Listra, o cristianismo foi confrontado, pela primeira vez, com o paganismo; mas em todo lugar o evangelho triunfa, e os vários dons de Paulo como obreiro aparecem de maneira abençoada. Seja ao abordar os judeus, que conheciam as Escrituras, ou bárbaros ignorantes, ou cultos gregos, ou multidões enfurecidas, ele prova ser um vaso divinamente escolhido para sua grande obra.

A Antioquia, na Pisídia, merece atenção especial pelo que aconteceu na sinagoga. Embora haja uma grande semelhança no discurso de Paulo comparado aos de Pedro e Estêvão nos primeiros capítulos de Atos, ainda podemos notar certos toques estritamente paulinos em seu caráter. Seu estilo conciliador de abordagem, o modo como ele apresenta a Cristo, e sua ousada proclamação de justificação pela fé somente, podem ser consideradas como típicas de suas póstumas abordagens e Epístolas. Nenhum dos escritores sagrados fala da justificação pela fé como Paulo fala. Seu apelo final tem sido um texto evangelístico favorito de muitos pregadores em todas as eras. Em poucas palavras, ele afirma a bem-aventurança de todos que recebem a Cristo, e a terrível desgraça daqueles que O rejeitarem, provando assim que não poderia haver um meio-termo ou terreno neutro quando Cristo está em questão. "Seja-vos, pois, notório, homens irmãos, que por este se vos anuncia a remissão dos pecados. E de tudo o que, pela lei de Moisés, não pudestes ser justificados, por ele é justificado todo aquele que crê. Vede, pois, que não venha sobre vós o que está dito nos profetas: Vede, ó desprezadores, e espantai-vos e desaparecei; porque opero uma obra em vossos dias, obra tal que não crereis, se alguém vo-la contar." (Atos 13:38-41)

Tendo sido cumprida a missão deles, eles retornam à Antioquia na Síria. Quando os discípulos ouviram o que o Senhor tinha feito, e que a porta da fé foi aberta aos gentios, eles deviam apenas louvar e bendizer Seu santo nome. Devemos agora retornar, por um momento, a Jerusalém.

O efeito da primeira missão de Paulo sobre os discípulos em Jerusalém levou a uma grande crise na história da igreja. O ciúme e a mente farisaica estava tão excitada que uma divisão entre Jerusalém e Antioquia foi ameaçada naquele período inicial da história da igreja. Mas Deus governou em graça, e o problema quanto à Antioquia foi felizmente resolvido. Mas o fanatismo dos crentes judeus era insaciável. Na igreja em Jerusalém eles ainda conectavam ao cristianismo os requisitos da lei, e procuravam impor esses requisitos aos crentes gentios.

Alguns dos cristãos judeus de cabeça mais fechada desceram à Antioquia, e asseguraram aos gentios que, a menos que eles fossem circuncidados segundo o costume de Moisés, e que guardassem a lei, eles não poderiam ser salvos. Paulo e Barnabé não tiveram pequena discussão e contenda com eles; mas como era uma questão muito pesada para ser resolvida pela autoridade apostólica de Paulo, ou por uma resolução da igreja em Antioquia, foi decidido que uma delegação deveria subir à Jerusalém e pôr a questão diante dos doze apóstolos e dos anciãos. A escolha de quem deveria levar a questão, naturalmente, caiu sobre Paulo e Barnabé, já que tinham sido os mais ativos na propagação do cristianismo entre os gentios.

Chegamos agora à terceira visita de Paulo a Jerusalém.

segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

A Segunda Visita de Saulo a Jerusalém (por volta de 44 d.C.)

Encarregado desse serviço (levar provisões para os irmãos de Jerusalém, conforme visto no final da seção anterior), Barnabé e Saulo sobem a Jerusalém. Até agora, Jerusalém é considerada o centro da obra, embora agora estivesse rapidamente se estendendo aos gentios. Mas a união é preservada, e a ligação com a metrópole é fortalecida por meio da ajuda agora enviada. Não obstante, um novo centro, uma nova comissão, um novo caráter de poder, em conexão com a história da igreja, agora nos são apresentados. Barnabé e Saulo, tendo cumprido seu ministério, retornam novamente à Antioquia, trazendo com eles João, cujo sobrenome era Marcos.

Atos 13 abre diante de nós uma ordem de coisas inteiramente nova em conexão à obra apostólica, e faremos bem em assinalar tal grande mudança. O grande fato a ser observado aqui é o lugar que o Espírito Santo toma ao chamar e enviar Barnabé e Saulo. Não se trata mais de Cristo na Terra com Sua autoridade pessoal comissionando apóstolos, mas agora trata-se do Espírito Santo fazendo isso. "Apartai-me", disse o Espírito, "a Barnabé e a Saulo para a obra a que os tenho chamado... E assim estes, enviados pelo Espírito Santo, desceram a Selêucia e dali navegaram para Chipre." (Atos 13:2,4) Isto não significa, é claro, que podia haver alguma mudança no que diz respeito à autoridade ou poder, quer do Senhor quer do Espírito, mas seu modo de agir agora mudou. O Espírito Santo na Terra, em conexão a Cristo glorificado no Céu, agora se torna a fonte e poder da obra que se abre diante de nós, e que é atribuída a Barnabé e Saulo. A partir daí chegamos à primeira viagem missionária de Saulo.

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