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domingo, 22 de maio de 2016

O Primeiro Decreto

Por volta do dia 24 de fevereiro de 303, o primeiro decreto foi emitido. Ele ordenava que todos os que se recusassem a sacrificar aos ídolos deveriam perder seus cargos, suas propriedades, sua classe, e os privilégios civis; que os escravos que persistissem em professar o evangelho fossem excluídos da esperança da liberdade, que todos os cristãos de todas as classes deviam ser destruídos, que as reuniões religiosas deviam ser suprimidas, e que as Escrituras deviam ser queimadas. A tentativa de exterminar as Escrituras foi uma característica nova nessa perseguição e, sem dúvida, foi sugerida pelos filósofos que frequentavam o palácio. Eles estavam bem conscientes de que seus próprios escritos teriam pouca influência sobre a opinião pública se as Escrituras e outros livros sagrados estivessem em circulação. Imediatamente após essas medidas terem sido tomadas a igreja de Nicomédia foi atacada, os livros sagrados foram queimados, e os edifícios inteiramente demolidos em poucas horas. Por todo o império as "igrejas" dos cristãos deveriam ser derrubadas até o pó, e os livros sagrados deviam ser entregues aos oficiais do império. Muitos cristãos que recusaram entregar as Escrituras foram condenados à morte, enquanto aqueles que as entregaram para serem queimadas foram considerados pela igreja como traidores de Cristo, e mais tarde houve grandes problemas no exercício da disciplina para com tais pessoas. *

{* Pode ser do interesse do leitor saber que nenhum dos manuscritos do Novo Testamento existentes datam de antes da metade do quarto século. Um fato responsável por isso, em grande medida, é a destruição dos escritos cristãos, especialmente as Escrituras, no reinado de Diocleciano durante a primeira parte daquele século. Sob Constantino sabe-se que esforços especiais foram empreendidos para criar cópias fidedignas, das quais o famoso crítico Tischendorf acredita que os manuscritos do Sinai sejam uma.}

Mal este cruel decreto tinha sido afixado no local costumeiro e um cristão de classe nobre o rasgou. Sua indignação com a injustiça o levou de modo tão flagrante a um ato de zelo imprudente - a uma violação daquele preceito do evangelho que ordena o respeito para com todos em posição de autoridade. Foi uma ocasião adequada para sentenciar um cristão de classe alta à morte. Ele foi queimado vivo em fogo baixo, e suportou seus sofrimentos com uma serenidade tão digna que surpreendeu e humilhou seus carrascos. A perseguição tinha agora começado. O primeiro passo contra os cristãos tinha sido tomado, e o segundo não demorou.

Não muito tempo após a publicação do decreto houve um incêndio no palácio de Nicomédia que se espalhou quase até a câmara do imperador. A origem do fogo parece ser desconhecida, mas obviamente a culpa foi jogada sobre os cristãos. Diocleciano acreditou nisto. Ele ficou alarmado e indignado. Multidões foram lançadas na prisão, sem discriminação daqueles que eram ou não suspeitos, e as mais cruéis torturas foram empregadas para que houvesse uma confissão; mas foi em vão. Muitos foram queimados até a morte, decapitados e afogados. Cerca de quatorze dias depois, um segundo incêndio irrompeu no palácio. Tinha se tornado então evidente que era obra de um incendiário. Os pagãos novamente acusaram os cristãos, e em alta voz clamaram por vingança, mas como não havia provas que pudessem ser encontradas de que os cristãos tivessem algo a ver com esses incêndios fatais, uma forte e, cremos, verdadeira suspeita, repousava sobre o próprio imperador Galério. Seu grande objetivo desde o início era incriminar os cristãos e alarmar Diocleciano por meio de suas próprias medidas violentas. Estando plenamente consciente da consequência desses eventos na mente sombria, tímida e supersticiosa do velho imperador, ele imediatamente deixou Nicomédia, alegando que não se considerava seguro na cidade.

Mas o objetivo foi alcançado, superando a extensão que até mesmo Galério e sua mãe pagã podiam ter desejado. Diocleciano, agora completamente incitado, irou-se ferozmente contra toda sorte de homens e mulheres que levavam o nome de cristão. Ele obrigou sua esposa Prisca e sua filha Valéria a oferecer sacrifício. Oficiais do palácio, da mais alta classe e nobreza, e todos os habitantes do palácio, foram expostos às mais cruéis torturas, pela ordem, e até mesmo na presença, do próprio Diocleciano. Os nomes de alguns de seus ministros de estado foram proferidos por preferirem as riquezas de Cristo à grandeza de seu palácio. Um dos eunucos foi trazido perante o imperador e foi torturado com grande severidade por rejeitar o sacrifício aos ídolos. Procurando fazer dele um exemplo para os outros, uma mistura de sal e vinagre foi derramada em suas feridas abertas, mas foi tudo em vão. Ele confessou sua fé em Cristo como seu único Salvador, e que não possuía nenhum outro Deus. Ele foi então gradualmente queimado até a morte. Doroteus, Gorgônio e Andrea, eunucos que serviam no palácio, também foram condenados à morte. Antimo, o bispo de Nicomédia, foi decapitado. Muitos foram executados, muitos foram queimado vivos, mas se tornou tedioso destruir homens individualmente, e então grandes fogueiras eram acesas para queimar muitos de uma só vez, e outros foram levados para o meio de um lado e lançados à água com pedras presas em seus pescoços.

A partir da Nicomédia, o centro da perseguição, as ordens imperiais foram despachadas, requerendo a cooperação dos outros imperadores na restauração da dignidade da religião antiga, e a completa supressão do cristianismo. Assim a perseguição se ergueu por todo o mundo romano, com exceção da Gália. Ali governava o brando Constâncio, e, embora ele tenha demonstrado concordância com as medidas de seus colegas, pela demolição das "igrejas", ele se absteve de toda violência contra as pessoas cristãs. Embora ele próprio não fosse um cristão decidido, ele era naturalmente humano, e evidentemente amigável ao cristianismo e aos que o professavam. Ele presidia sobre o governo da Gália, Grã-Bretanha e Espanha. Mas o temperamento feroz de Maximiano e a crueldade selvagem de Galério apenas aguardavam o sinal para levar em efeito as ordens vindas da Nicomédia. E agora os três monstros se erguiam, na plena força do poder civil contra os seguidores indefesos e inocentes do manso e humilde Jesus, o Príncipe da Paz.
"A graça que começou terminará em glória;
Jesus, dEle é a vitória
Em Sua própria triunfante história
Está o registro da nossa própria história."

sábado, 23 de abril de 2016

Os Efeitos do Mundanismo na Igreja

O estudante da história da igreja se depara agora com o manifesto e terrível efeito do mundo na igreja. É uma visão muito triste, mas deveria ser uma lição proveitosa para o leitor cristão. O que era nesse período, continua agora, e deverá sempre ser. O Espírito Santo, que habita em nós, não é menos sensível hoje ao hálito poluído e destruidor do mundo do que era naquele tempo.

O que o inimigo não podia fazer por meio de éditos sangrentos e tiranos cruéis, ele conseguiu por meio da amizade com o mundo. Este é um velho estratagema de Satanás. A astuta serpente provou ser mais perigosa do que o leão que ruge. Por meio do favor de grandes homens, e especialmente de imperadores, ele fez com que o clero abaixasse a guarda, conduziu-os a dar as mãos com o mundo, e enganou-os por suas lisonjas. Os cristãos podiam agora erigir templos como os pagãos, e seus bispos eram recebidos na corte imperial em igualdade de condições com os sacerdotes idólatras. Este ímpio relacionamento com o mundo minou os próprios fundamentos do cristianismo deles. Isto se tornou dolorosamente manifesto quando a violenta tempestade da perseguição se sucedeu à  longa calma de sua prosperidade mundana.

Em muitas partes do império, os cristãos tinham desfrutado de paz sem distúrbio por um período de trinta anos, o que não foi bom para a igreja como um todo. Muitos não possuíam a fé vinda de uma ardente convicção, tal como ocorria no primeiro e segundo séculos, mas uma fé vinda da verdade incutida na mente pela educação cristã - o que prevalece hoje em escala alarmante. Uma perseguição irrompendo com grande violência, após tantos anos de tranquilidade, não podia deixar de relevar um processo de refinamento para as igrejas. A atmosfera do cristianismo tinha se corrompido. Cipriano, no Ocidente, e Orígenes, no Oriente, falam do espírito secular que tinha penetrado - do orgulho, luxo e cobiça do clero - nas vidas descuidadas e ímpias das pessoas.

"Se", diz Cipriano, bispo de Cartago, "a causa da doença é compreendida, a cura da parte afetada logo é encontrada. O Senhor provaria o Seu povo; e por causa do regime divinamente prescrito de vida ter sido perturbado na longa temporada de paz, um julgamento divino foi enviado para restabelecer nossa fé caída e, como poderia praticamente dizer, adormecida. Nossos pecados merecem coisa pior, mas nosso gracioso Senhor assim ordenou que tudo isso que ocorreu parece mais uma prova do que uma perseguição. Esquecendo-se do que os crentes faziam nos tempos dos apóstolos, e o que eles deveriam sempre continuar fazendo, os cristãos têm trabalhado com o desejo insaciável de aumentar suas posses terrenas. Muitos dos bispos que, por preceito e exemplo, deveriam ter guiado os outros, negligenciaram seu chamado divino para se envolver no gerenciamento de preocupações mundanas." Sendo esta a condição das coisas em muitas das igrejas, não é difícil imaginar o que aconteceu.

O imperador ordenou que uma rigorosa busca fosse feita por todos os suspeitos de se recusarem ao cumprimento para com o culto nacional. Os cristãos foram obrigados a se conformarem às cerimônias da religião pagã. Em caso de se negarem, ameaças, e depois torturas, eram empregadas para forçar a submissão. Se continuassem firmes, a punição de morte deveria ser infringida especialmente nos bispos, a quem Décio odiava mais amargamente. O costume era, onde quer que o terrível édito fosse seguido até a execução, a escolha de um dia no qual todos os cristãos do local deveriam se apresentar perante o magistrado, renunciar a sua religião, e oferecer incenso no altar do ídolo. Muitos, antes do terrível dia chegar, fugiam para o exílio voluntário. Os bens destes eram confiscados e eles mesmos eram proibidos de retornar, sob pena de morte. Aqueles que continuaram firmes, após repetidas torturas, foram lançados na prisão, quando foram empregados os sofrimentos adicionais da fome e da sede, tentando fazê-los mudar de ideia. Muitos que eram menos firmes e fiéis eram libertados sem sacrificar, comprando eles mesmo, ou permitindo que seus amigos comprassem, um certificado dos magistrados. Mas esta indigna prática foi condenada pela igreja como uma renúncia tácita.

Dionísio, bispo de Alexandria, ao descrever o efeito desse terrível decreto, diz "que muitos cidadãos de reputação consentiam com o édito. Alguns eram impelidos por seus medos, e alguns eram forçados por seus amigos. Muitos ficavam pálidos e trêmulos, que não estavam prontos nem a se submeterem à cerimônia idólatra, nem para resistirem até a morte. Outros suportavam suas torturas  até certo ponto, mas finalmente cediam." Tais foram alguns dos dolorosos e vergonhosos efeitos do relaxamento geral resultante do envolvimento com o presente século mau. É desconfortável para nós, que vivemos em um tempo de grande liberdade civil e religiosa, dizermos coisas duras sobre a fraqueza daqueles que viviam em tais tempos sanguinários. Em vez disso, devemos sentir a vergonha por nós mesmos, e orar para que possamos ser guardados de ceder às atrações do mundo em todas as suas formas. Mas nem tudo era defeito, graças ao Senhor. Vamos olhar por um momento para o lado bom das coisas.

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