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domingo, 8 de dezembro de 2019

Inocêncio e a Perseguição Albigense

Tal era o estado das coisas naquela região ensolarada, pacífica e próspera, quando uma nuvem escura de trovões apareceu no horizonte. Inocêncio ouviu com consternação sobre o progresso das novas opiniões, e resolveu esmagá-las. Com esse objetivo em vista, ele primeiramente dirigiu uma carta aos clérigos e príncipes do sul da França, exortando-os a tomarem medidas vigorosas para a supressão da heresia: todos os hereges deveriam ser anatemizados e banidos. Mas para Raimundo e outros, tal requisição tão impiedosa parecia tão arbitrária que recebeu pouca atenção. "Fomos criados com essas pessoas", respondeu Raimundo, "temos relações entre eles, sabemos que a vida deles é honesta; como perseguiremos aqueles a quem respeitamos como os mais pacíficos e leais de nosso povo?" Era óbvio que em tal sacrifício da população estavam envolvidos os interesses e as receitas dos príncipes, o que equivaleria a um processo de extermínio; mas a esse terrível processo o alegado supremo pastor do rebanho de Cristo não hesitou em recorrer, por mais que os soberanos seculares se opusessem. Os albigenses foram excomungados e colocados sob anátema, o que se estendia também a todos aqueles que os abrigassem, negociassem com eles ou se unissem a eles em relações sociais. Mas o desobediente Raimundo ainda mostrava favor para com seus súditos hereges, e o papa, enraivecido, consequentemente, enviou, em seguida, dois legados -- Reinerius e Guido -- para investigarem as causas da falha, armados com a total autoridade de extirpar os hereges. Muitas dessas pessoas inofensivas foram presas, condenadas e queimadas na fogueira; mesmo assim, Raimundo permaneceu inativo, e a heresia crescia e ganhava força.

O que deveria ser feito? Novos poderes foram exigidos; agentes mais severos e mais ativos foram requeridos. Raimundo, um soberano independente, conhecendo o caráter irrepreensível de seus súditos perseguidos, recusou-se a executar as demandas de Roma. São Bernardo, antigo defensor do papado, estava morto, mas o papa voltou-se para seus descendentes espirituais. Pedro de Castelnau, um monge cisterciense, foi enviado a Raimundo como um legado apostólico no ano de 1207 para exigir que exterminasse seus súditos hereges com fogo e espada. Mas o tolerante príncipe, que parece ter sido um homem muito mundano e apaixonado pelo prazer, sem força de caráter para ser herege ou fanático, não pôde ser despertado a obedecer ao mandato papal. Duas vezes ele recusou, e duas vezes ele foi excomungado, e seus domínios submetidos a um solene interdito. Inocêncio sancionou o que seu legado tinha feito e escreveu uma carta a Raimundo com uma linguagem de arrogância e insolência sem igual. "Homem pestilente! Tirano imperioso, cruel e desagradável; que orgulho tomou o teu coração, e que loucura a tua recusar a paz com seus vizinhos e enfrentar as leis divinas ao proteger os inimigos da fé? Se você não teme as chamas eternas, não deveria pelo menos temer os castigos temporais que mereces por tantos crimes? Pois verdadeiramente a igreja não pode ter paz com o capitão dos piratas e ladrões -- o patrono dos hereges -- o desprezador das coisas sagradas -- o amigo dos judeus e dos agiotas -- o inimigo dos clérigos, e um perseguidor de Jesus Cristo e de Sua igreja. O braço do Senhor ainda estará estendido contra ti, até que sejas esmagado até o pó. Verdadeiramente, Ele te fará sentir quão difícil te será retirar-te da ira que invocaste sobre tua própria cabeça."

Esse é um exemplo da espécie de veemência do injurioso papa nos tempos medievais. E por que motivo? pode o leitor perguntar. Não por causa de imoralidade, por pior que fosse; mas porque o conde se recusava a ser o carrasco do papa e derramar o sangue de seus próprios súditos pacíficos, trabalhadores e fiéis. Mas tal era o poder desses demônios encarnados do papa que Raimundo acabou se submetendo, temeroso. Ele assinou um tratado, muito relutantemente, pelo extermínio de todos os hereges em seus domínios. Ele foi vagaroso, no entanto, em prosseguir com a ordem de perseguição. O legado, percebendo isso, não pôde esconder sua raiva, rompendo na mais reprovadora linguagem contra o príncipe -- chamou-o de covarde, acusou-o de perjúrio, e renovou a excomunhão em toda a sua plenitude. Será que precisamos nos perguntar se um príncipe feudal como Raimundo ficaria irritado em indignação colérica pela ousada impudência do monge? Dizem que ele exclamou, em um momento infeliz, que faria Castelnau responder por sua insolência com sua vida. Supõe-se que a ameaça tenha sido ouvida por um de seus súditos que, no dia seguinte, após um debate enfurecido,  covardemente bateu no legado, matando-o. A disputa, como pode ser observado, assumiu um aspecto semelhante ao que se desenrolou pouco tempo antes entre Henrique II da Inglaterra e Thomas Backet.

domingo, 27 de maio de 2018

São Bernardo, Abade de Claraval

O mais celebrado desses homens [do século XII] é o famoso São Bernardo. Ele é considerado o mais brilhante representante da religião católica romana que a igreja teve desde os dias de Jerônimo, Ambrósio, Agostinho, e Gregório. Por meio século, ele aparece diante de nós como o chefe dirigente e governante da Cristandade -- o oráculo de toda a Europa. Os papas são perdidos de vista sob a luz mais clara do abade. "Ele é o centro", diz um de seus biógrafos, "sobre os quais se reúnem os grandes eventos da história cristã, de cuja mente fluem os impulsos que animam e guiam a Cristandade latina, a quem convergem os pensamentos religiosos dos homens. Ele governa, da mesma forma, o mundo monástico, os concílios dos soberanos seculares, e os desenvolvimentos intelectuais da era. Acredita-se, por uma era de admiração, que ele tenha confundido o próprio Abelardo, e que tenha reprimido as mais perigosas doutrinas de Arnoldo de Bréscia". Para aqueles que já leram sobre sua vida, essa imagem não parecerá exagerada. Mas, ao lançarmos luz sobre aqueles tempos, tomaremos nota primeiramente sobre sua criação e educação.

Bernardo nasceu de nobre parentesco na Borgonha. Seu pai, Tescelin, era um cavaleiro de grande bravura e piedade, de acordo com as ideias religiosas predominantes na época. Sua mãe, Alèthe, era também bem nascida, e um modelo de devoção e caridade. Bernardo, o terceiro filho deles, nasceu em Fontaines, perto de Dijon, em 1091. Desde sua infância ele era pensativo e devotado à religião e ao estudo. Sua piedosa mãe morreu enquanto ele ainda era jovem, deixando seis filhos e uma filha. Ele foi, então, deixado livre para escolher sua ocupação de vida. Qual seria? Ele não tinha muita escolha: ou seria um cavaleiro lutador ou um monge em jejum e oração. Ele resolveu se retirar do mundo e devotar-se à vida monástica. Aos vinte e três anos, ele entrou para o mosteiro de Cister.

Quando sua família ouviu pela primeira vez sobre sua decisão, ele sofreu muita oposição. Seu pai, Tescelin, e seus dois irmãos, Guido e Geraldo, estavam seguindo o grande Duque da Borgonha em suas guerras, como militares nobres. Mas tal era a força de caráter de Bernardo que ele influenciou seus irmãos, um após o outro, e também sua irmã, a fazerem o voto; e assim toda a família, em um curto período de tempo, desapareceu dentro das paredes do convento.

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