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domingo, 8 de julho de 2018

A Humilhação de Henrique II

O rei ficou muito perturbado ao ouvir as terríveis notícias sobre o assassinato sacrílego. Um sentimento de horror correu pela Cristandade, e o rei foi marcado como um tirano irreligioso, e Becket foi adorado como um santo martirizado. Sua morte foi atribuída às ordens diretas do rei. Por três dias e noites, o infeliz monarca trancou-se em solidão, e recusou qualquer comida e conforto, até que seus criados começaram a temer por sua vida. Ao final de sua penitência, ele enviou homens ao papa para limpar-se de qualquer participação no crime. O papa Alexandre estivera tão indignado no início que não ouviria a nada, ou sequer permitiria que o nome execrável do rei da Inglaterra fosse proferido em sua presença. Ele ameaçou excomungar o rei pelo nome e pronunciar com a máxima solenidade um interdito em todos os seus domínios. "Mediadores, no entanto, sempre podiam ser encontrados", diz Greenwood, "para uma consideração adequada na corte papal. Certos cardeais foram cautelosamente contactados, e não se mostraram inacessíveis aos argumentos com os quais os enviados foram, como sempre, abundantemente supridos. Assim introduzidos, o papa permitiu-se ser propiciado." Termos de reconciliação foram discutidos, mas o papa tinha, então, seu pé sobre o pescoço do rei, e estava determinado a impôr seus próprios termos papais antes que o aliviasse. Seu triunfo pessoal sobre o teimoso rei foi tão completo quanto ele podia desejar. 

Dois cardeais foram enviados por Alexandre com poder legatino para se encontrarem com Henrique na Normandia, para inquirirem mais plenamente sobre todo o caso, e para substanciar a penitência do rei. Henrique jurou sobre os Evangelhos que ele não tinha ordenado nem desejado a morte de Becket, e que ele não havia sofrido tanto pela morte de seu pai ou de sua mãe quanto pela morte do arcebispo; ele confessou também que palavras proferidas em sua raiva contra aquele homem santo podiam possivelmente ter levado a sua morte, por cuja causa ele estaria preparado a prestar penitência de acordo com o que o pontífice achasse adequado. A Santa Sé então exigiu a Henrique: "1. Que mantivesse duzentos cavaleiros as suas próprias custas na Terra Santa. 2. Que dentro de três anos ele tomasse a cruz* em pessoa, a menos que fosse libertado dessa obrigação pela Santa Sé. 3. Que revogasse a Constituição de Clarendon e todos os maus costumes introduzidos durante seu reinado. 4. Que reinvestisse à igreja de Cantuária todos os seus direitos e posses, e que perdoasse e restaurasse às suas propriedades todos os que incorreram em sua ira na causa do primaz. 5. Que ele e seu filho Henrique, o mais novo, mantivessem e preservassem a coroa da Inglaterra fiel ao papa Alexandre e a seus sucessores, e que eles e seus sucessores não se considerassem verdadeiros reis até que eles -- o papa e seus sucessores -- os reconhecessem como tais." Tendo devidamente selado e atestado o ato formal, o rei foi reconciliado com o papa no pórtico da igreja em 22 de maio de 1172, mas não estava ainda livre das mãos dos inexoráveis padres: sua degradação não estava ainda completa.

{*N. do T.: "Tomar a cruz", na época, indicava a decisão de ir defender a Terra Santa.}

O clero pregava de seus púlpitos, e o povo era pronto o suficiente para crer, que certas provações familiares que caíram sobre o rei por volta dessa época eram os juízos de Deus pela perseguição de Seu santo. O povo foi também levado a acreditar que o santo estivera lutando as batalhas do pobre contra o rico -- especialmente dos pobres e oprimidos saxões contra os cruéis e avarentos normandos. Deprimido pelos infortúnios, acusado de cumplicidade com os assassinos, e assombrado pelos temores supersticiosos, o príncipe infeliz estava preparado para fazer uma expiação completa por seus pecados. Ele estava certo que nada menos que uma humilhação pública poderia apaziguar o céu ofendido e o santo martirizado. As cenas de Canossa deveriam ser encenadas novamente. Tal é o verdadeiro espírito do sacerdócio implacável de Roma. Se eles não podem derramar o sangue de suas vítimas, eles as forçarão a beber as mais amargas escórias da humilhação.

domingo, 27 de agosto de 2017

Os Efeitos da Política Papal

Gregório logo percebeu que tinha ido longe demais -- que a humilhação em Canossa não poderia jamais ser esquecida e nunca poderia sossegar até que fosse vingada. A compaixão, assim como o interesse, moveu muitos príncipes e prelados a se reunirem em torno do rei caído, agora que estava liberto do banimento da excomunhão. Hildebrando (Gregório VII) era odiado pela maioria por causa de sua tirania política, e temido por causa de suas censuras eclesiásticas. Os revoltados príncipes da Alemanha ficaram secretamente encorajados pelo papa a disputar a posse do trono com Henrique, o que aumentou sua perplexidade e o preveniu de voltar seus exércitos contra Roma. Ele rezou para que Henrique nunca pudesse prosperar na guerra e, no nome e com as bênçãos dos apóstolos, concedeu o reino da Alemanha ao rebelde Rodolfo, duque da Suábia. O papa até mesmo se aventurou a profetizar que dentro de um ano Henrique estaria morto ou deposto; e, como se soubesse o fim desde o início, enviou uma coroa ao futuro rei, com uma inscrição significando que aquilo era o presente de Cristo a São Pedro, e de São Pedro a Rodolfo. Mas logo ele provou-se um profeta mentiroso, assim como um padre mentiroso, e o fomentador sem remorsos de uma guerra civil.*

{*Robertson, vol. 2, p. 594.}


A força do rei aumentou gradualmente apesar de todas as tramas iníquas e cruéis de Gregório. Após anos da mais terrível guerra civil e derramamento de sangue, os exércitos de Henrique e de seu rival, Rodolfo, se encontraram uma vez mais nas margens do rio Elster, em outubro de 1080. A batalha foi longa e obstinada, mas a queda de Rodolfo deu a Henrique a vitória. Ele recebeu sua ferida de morte, conta-se, da lança de Godofredo, mais tarde o primeiro rei de Jerusalém, e um golpe de sabre de um outro decepou sua mão direita. Relata-se que o príncipe moribundo, olhando para sua mão decepada, reconheceu com tristeza: "Com essa mão eu ratifiquei meu juramento de fidelidade ao meu soberano, Henrique: a punição é justa, e agora perdi a vida e o reino". Após os adversários do rei ficarem, então, desencorajados e paralisados, ele decidiu tornar suas forças contra seu mais formidável e irreconciliável inimigo. Ele cruzou os Alpes, entrou na Itália e sitiou os muros de Roma.

Estando a cidade bem provisionada, com as muralhas fortalecidas e com a lealdade dos romanos assegurada pela riqueza de Matilde, Henrique empenhou-se por mais ou menos três anos em bloquear e sitiar Roma, mas no verão de 1083 ele ganhou posse da cidade culpada. Gregório tomou refúgio no forte castelo de Santo Ângelo, e alguns de seus partidários em suas casas fortificadas. Henrique estava disposto a fazer acordos com Hildebrando, e a aceitar a coroa imperial de suas mãos. Mas o papa não queria saber de nada que não fosse a submissão incondicional de Henrique. "Que o rei renuncie a sua dignidade e se submeta à penitência", foram os únicos termos de Gregório. O clero -- bispos, abades e monges -- e os leigos suplicaram-lhe que tivesse misericórdia da cidade afligida, e que entrasse em acordo com o rei.

Mas todas as tentativas de negociação foram infrutíferas; o papa inflexível desprezava igualmente súplicas e ameaças. A submissão absoluta de Henrique e a satisfação à igreja eram as altas exigências do papa aprisionado em seu castelo. Mas Henrique não era mais o abandonado, o de espírito quebrantado e suplicante aos seus pés, como tinha sido em Canossa.

A Penitência do Rei

O final do mês de janeiro se aproximava; o ano da graça para o rei estava quase expirando, e Henrique resolveu aceitar as condições do papa. Ele estava determinado a fazer e suportar tudo para que pudesse desapontar os complôs de seus súditos rebeldes e reter o império.

"Em uma triste manhã de inverno", diz Milman, "com o chão coberto de neve, ao rei, o herdeiro de uma longa linhagem de imperadores, foi permitido que entrasse no interior de duas das três paredes que cingiam o castelo de Canossa. Ele tinha deixado de lado toda marca de realeza ou de posição distinta, e vestia-se apenas com o fino vestido branco do penitente, e ali, jejuando, aguardou em humilde paciência a presença do papa. Mas os portões não se fecharam. Ele ficou por mais um dia, no frio, faminto e ridicularizado em vã esperança. E ainda um terceiro dia se passou, de manhã até a noite, sobre a cabeça desprotegida do rei descoroado. Todo coração moveu-se, exceto o do "representante de Jesus Cristo". Mesmo na presença de Gregório havia murmúrios baixos e profundos contra seu orgulho e desumanidade nada dignos de alguém que se proclamava um apóstolo. A paciência de Henrique não conseguia mais aguentar. Ele tomou refúgio em uma capela adjacente de São Nicolau, para implorar, em lágrimas, mais uma vez pela intercessão do já idoso abade de Cluny. Matilde estava presente, e seu coração feminino estava derretido; ela se juntou a Henrique em suas súplicas ao abade. "Tu somente podes fazê-lo", disse o abade à condessa. Henrique caiu de joelhos e, extravasando de tristeza, suplicou por sua interferência misericordiosa. Diante das súplicas femininas de Matilde, Gregório com o tempo cedeu, com desagrado, permissão para que o rei viesse a sua presença. Com os pés descalços, ainda em trajes de penitência, ficou o rei, um homem singularmente alto e nobre, com um semblante acostumado a emitir ordens e terrores sobre seus adversários, perante o papa, um homem grisalho, de baixa e nada imponente estatura e curvado pelo peso dos anos."*

{* Cristianismo Latino, de Milman, vol. 3, p. 168.}


Os termos impostos sobre Henrique eram característicos de um tirano implacável e inexorável; o papa agiu nesse assunto mais como um demônio encarnado do que como um ser humano. Constatando que o penitente real tinha sido trazido de maneira tão humilhada, e que portanto aceitaria quaisquer termos, ele forçou-o a beber as mais amargas borras de humilhação. Não precisamos incomodar o leitor com suas extensas estipulações. Tais exigências jamais tinham sido feitas ou ouvidas antes nos anais da humanidade. Mas seu grande objetivo era a consolidação de seu próprio elaborado esquema de autoridade papal. Tendo colocado seus pés sobre o pescoço do maior monarca do mundo, ele tentou o estabelecimento do direito do pontífice, diante de toda a Europa, de julgar reis, depôr reinos e absolver súditos de seus juramentos de fidelidade a reis excomungados. Isto deu ao papa um enorme poder sobre todo o mundo, e constituiu a rebelião contra um soberano legítimo um dever sagrado à igreja e a Deus.

Henrique em Canossa

A chegada inesperada de Henrique na Itália produziu uma grande comoção. Príncipes e bispos se reuniram em grandes números e o receberam com as maiores honrarias. Os italianos esperavam que ele trouxesse soluções para suas queixas. Aqueles que tinham sido excomungados por Hildebrando buscavam ardentemente por vingança, e a nobreza e o clero lombardo esperava que ele tivesse vindo para depôr o temido e detestado Gregório. À medida que ele se aproximava o número de seus seguidores gradualmente aumentava, mas Henrique não podia parar para mergulhar em qualquer novo esquema; ele não podia pôr em risco o trono da Alemanha; ele tinha que obter a absolvição antes do dia fatal de 23 de fevereiro.

Enquanto isso, Gregório partia para a Alemanha, mas a notícia da descida de Henrique para a Itália freou sua marcha. Ele estava incerto se ele estava indo como um humilde suplicante, ou como chefe de um grande exército, e apressou-se a alojar-se em segurança em Canossa, um forte castelo nos Apeninos que pertencia à sua grande amiga e aliada, a "grande condessa" Matilde.

Ao saber disso, Henrique partiu para Canossa. Os bispos e abades que caíram sob o banimento papal seguiram o exemplo do rei, e partiram para lá também. Descalços e vestidos de sacos, esses bispos e abades apresentaram-se perante o pontífice, humildemente implorando o perdão e a absolvição das anátemas emitidas. Após alguns dias de penitência em confinamento solitário, e com alimentação escassa, ele os absolveu, sob a condição de que, até que o rei fosse reconciliado, eles não deveriam manter qualquer comunicação com ele. Para o próprio Henrique estavam reservados termos ainda mais humilhantes.

Ao chegar em Canossa, o rei obteve permissão a uma conversa com Matilde, com a Marquesa Adelaide (sua sogra) e com Hugo, abade de Cluny, que se comprometeram a interceder junto ao papa por uma consideração misericordiosa para o seu caso. Após muitas objeções levantadas pelo implacável papa e pelos apelos instados pelos amigos de Henrique, Gregório afinal propôs "que se ele fosse verdadeiramente penitente, que colocasse sua coroa e todas as insígnias de realeza em minhas mãos, e confessasse abertamente ser indigno do nome real e da dignidade". Este pedido parecia muito duro até mesmo para os ardentes admiradores do papa, que suplicaram-lhe que "não quebrasse o caniço rachado"; e assim ele condescendeu em dar ao rei uma oportunidade de lhe falar pessoalmente.

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