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domingo, 16 de outubro de 2022

O Ano Dourado

É difícil calcular com precisão os números, mas asseguram-nos os que assistiram à cerimónia, que sempre estiveram presentes na cidade cerca de duzentas mil pessoas, e que a quantidade total no ano foi fixada em dois milhões. A riqueza que fluiu desse jubileu para os cofres papais foi enorme. Supondo que cada indivíduo desse apenas uma pequena soma, que tesouro real deve ter sido coletado! As ofertas se empilhavam nos altares. Foi chamado pelos romanos de Ano Dourado. Uma testemunha ocular nos diz que viu dois sacerdotes com ancinhos nas mãos, ocupados dia e noite em varrer, sem contar, os montes de ouro e prata que foram colocados sobre os túmulos dos apóstolos. E esse tributo nem mesmo era dedicado a usos especiais, como provisões ou carregamentos para os exércitos -- como eram as ofertas ou subsídios para as cruzadas --, mas estava inteiramente à disposição livre e irresponsável do papa. Ainda assim, dos benefícios dessa indulgência deveriam ser excluídos os inimigos da igreja, ou melhor, os inimigos de Bonifácio. 

A Cristandade, com exceção de alguns notáveis rebeldes contra a Sé de Roma, havia recebido agora o dom do perdão e da vida eterna e, em troca, por sua própria vontade, amontoou aos pés do papa essa extraordinária riqueza. As autoridades haviam tomado medidas sábias e eficazes contra a fome para essas multidões acumuladas, mas muitos foram pisoteados e morreram sufocados. 

O experimento superou em muito as expectativas do papa e de seus partidários. Bonifácio havia proposto que o Jubileu fosse celebrado a cada cem anos, mas as vantagens para a igreja eram tão grandes que o intervalo acabou sendo naturalmente considerado muito longo. O Papa Clemente VI, portanto, repetiu o Jubileu em 1350, atraindo vastas multidões de peregrinos a Roma, e uma riqueza incrível. Os números eram quase tão grandes quanto em 1300. As ruas que levavam às igrejas que deveriam ser visitadas – de São Pedro, de São Paulo e de São João de Latrão -- ficaram tão cheias que não permitiam movimento, exceto com o fluxo das multidões. Preços altos eram cobrados pelos romanos por comida e hospedagem, muitos tinham que passar a noite nas igrejas e ruas, e não poucos dos pobres peregrinos iludidos pereceram. O Papa Urbano VI, em 1389, reduziu o intervalo para trinta e três anos, a suposta duração a que se estendia a vida de nosso Senhor na terra. Finalmente, o Papa Paulo II, em 1475, estabeleceu que a festa do Jubileu deveria ser celebrada a cada vinte e cinco anos, que continua até hoje a ser o intervalo em que se celebra a grande festa. 

Com as grandes imposturas religiosas da Idade das Trevas, e com o pecado de iludir um povo crédulo, já nos tornamos familiares; mas é verdadeiramente desolador descobrir que tais blasfêmias são cridas e praticadas em nossos dias, não obstante o estado de educação e o número de testemunhas da verdade da Palavra de Deus e da obra consumada de Cristo. O seguinte extrato de uma bula que foi emitida pelo papa em 1824, nomeando o Jubileu para o ano seguinte, explicará o que queremos dizer*.  

"Resolvemos, em virtude da autoridade que nos foi dada do céu, abrir totalmente esse tesouro sagrado composto dos méritos, sofrimentos e virtudes de Cristo nosso Senhor, e de sua virgem mãe, e de todos os santos que o Autor da salvação humana confiou à nossa dispensação. Portanto, a vós, veneráveis irmãos, patriarcas, primazes, arcebispos, bispos, cabe explicar com perspicuidade o poder das indulgências; qual é a sua eficácia na remissão, não só da penitência canônica, mas também do castigo temporal devido à justiça divina pelos pecados passados; e que socorro é proporcionado deste tesouro celestial, dos méritos de Cristo e Seus santos, para aqueles que partiram verdadeiros penitentes no amor de Deus, mas antes que eles foram devidamente satisfeitos por frutos dignos de penitência, pelos pecados de omissão e comissão, e que agora estão se purificando no fogo do purgatório.”** 

{* O autor viveu no século XIX.} 

{** Faiths of the World, de Gardner, vol. 2, pág. 252.}  

domingo, 7 de abril de 2019

A Apostasia de Otão

A coroa imperial estava agora na cabeça de Otão. Não apenas ele foi coroado pelas mãos de Inocêncio na cadeira de São Pedro, em Roma, como também foi elevado a tal dignidade pela política astuta e cruel da Sé apostólica. Mas o enganador foi enganado; o traidor foi traído. Mal tinha acabado a cerimônia de coroação e a máscara de obediência sob a qual Otão tinha velado suas verdadeiras intenções foi jogada fora. O efeito da coroa de ferro foi irresistível. Ele sentiu-se um novo homem, em uma nova posição, e obrigado a manter as prerrogativas de sua coroa contra as usurpações do poder espiritual. A partir daquele momento, o imperador e o papa tornaram-se inimigos implacáveis. Tal foi o desapontamento, tendo sido subjugado pelo justo governo de Deus, do inescrupuloso pontífice. Satanás pode governar, mas um Deus todo-sábio tudo anula. "Não erreis", disse o apóstolo, "Deus não se deixa escarnecer; porque tudo o que o homem semear, isso também ceifará" (Gálatas 6:7). Inocêncio tinha ensinado seu candidato a enganar, e agora ele come o amargo fruto de seu próprio ensino.

A força e os números incomuns do exército de Otão, que o acompanhava, e que então se acampavam sob as muralhas de Roma, eram vistos com grande inveja pelos habitantes. As brigas, que se tornaram costumeiras em tais ocasiões, foram renovadas com grande ferocidade. Muitos dos germânicos foram mortos, assim como muitos de seus cavalos -- assim disseram eles, pelo menos. Mas foi o suficiente. A ambição antes sufocada de Otão estava agora inflamada em uma chama de indignação. Ele retirou-se irado da cidade, exigindo compensação. Inocêncio recusou. As tropas foram distribuídas através do patrimônio de São Pedro, para grande dano ao povo e para aumentado alarme por parte do papa. Foi pedido ao imperador que retirasse seus soldados da vizinhança de Roma, mas ele declarou que eles continuariam até que as provisões do país se exaurissem. Ele se enriqueceu com a pilhagem dos peregrinos, a quem seus soldados interceptavam em seu caminho a Roma. Ele marchou até a Toscana, tomou posse de cidades na fronteira do território da condessa Matilde, sitiou cidades e fortalezas que o papa tinha antes ocupado; propriedades e dignidades reivindicadas pelo papa ele entregou ao mais formidável adversário do papa, o conde Diephold, a quem o imperador entregou o ducado de Espoleto. O sucesso infamou sua ambição, e assim ele contemplou a invasão da Sicília, prendendo o jovem Frederico, o último da casa de Hohenstaufen.

Aquele que tinha se proclamado infalível estava desesperado. Após todos os seus trabalhos, todos os seus sacrifícios, todas as suas traições, ele tinha levantado para si um antagonista mais formidável, um inimigo mais amargo do que qualquer um dos da família suábia tinham sido. Os mais fervorosos apelos à sua gratidão, as mais solenes admoestações, os mais altos trovões de excomunhão, foram igualmente desconsiderados pelo pupilo obstinado de Ricardo Coração de Leão.    

domingo, 18 de junho de 2017

O Pontificado de Gregório VII

Capítulo 19: O Papa Gregório VII (1049 - 1085 d.C.)


Hildebrando, um nativo da Toscana, nascido na primeira parte do século XI, tinha abraçado, desde de sua infância, as mais rígidas ideias do monasticismo. Não satisfeito com o laxismo* dos monges italianos, ele cruzou os Alpes e entrou para o austero convento de Cluny, na Borgonha, então o mais importante em números, riqueza e piedade.

{*Laxismo: doutrina, tendência ou comportamento que busca suavizar ou limitar as restrições e imposições colocadas pela moral cristã.}

No ano 1049, Bruno, bispo de Toul, vestido com todo o esplendor de um pontífice eleito, e acompanhado pelo séquito*, chegou em Cluny e exigiu a hospitalidade e homenagem dos monges. Bruno era primo de Henrique III, imperador da Alemanha, e tinha sido nominado por ele para preencher o lugar vago na Sé de Roma. Hildebrando, o prior** de Cluny, logo adquiriu grande influência sobre a mente de Bruno. Ele o convenceu de que tinha tomado um passo em falso ao ter aceitado a indicação das mãos de um leigo, e sugeriu-lhe que deixasse de lado as vestimentas pontificais que ele tinha assumido prematuramente, viajasse a Roma como peregrino, e ali recebesse do clero e do povo esse ofício apostólico que nenhum leigo tinha o direito de conceder. Bruno concordou. As visões sublimes de Hildebrando sobre a dignidade eclesiástica prevaleceram sobre a mente mais genial de seu novo amigo. Ele seguiu seu conselho: tirou suas vestes e, tomando o monge como seu companheiro, seguiu sua jornada a Roma com a simplicidade de um peregrino.

{*Séquito: conjunto das pessoas que acompanham outra(s); cortejo que acompanha uma pessoa, ger. distinta, para servi-la ou honrá-la; comitiva.}
{**Prior: pároco; superior de um convento ou de certas ordens religiosas.}

A impressão produzida foi grande, e toda em favor de Bruno. Nenhuma demonstração sacerdotal ou imperial podia ter tido o mesmo poder sobre o povo. Dizem que milagres acompanharam seu caminho, e por suas orações rios caudalosos se contiveram em seus limites naturais. Ele foi aclamado com aclamações universais como Papa Leão IX. Hildebrando foi imediatamente recompensado por seus serviços. Ele foi elevado à classe de cardeal, e recebeu os ofícios de subdiácono de Roma com outros preferenciais. Desde esse tempo ele era praticamente um papa -- o verdadeiro diretor do papado.

domingo, 8 de janeiro de 2017

Reflexões sobre o Islamismo e o Romanismo

Tendo chegado a nossa história, tanto civil quanto eclesiástica, ao final do século VIII, podemos fazer uma breve pausa e refletir sobre o que vimos, onde estamos, e o que esperar. Temos visto o crescimento da Sé Romana no Ocidente, e como ela alcançou o cume de sua ambição. Vimos também o surgimento do grande poder antagonista no Oriente, inferior apenas na extensão de sua influência religiosa e social ao próprio cristianismo de modo geral. O primeiro se espalhou gradualmente no próprio centro da Cristandade iluminada, e o último surgiu de repente em um obscuro distrito de um deserto selvagem. Mas qual -- pode-se perguntar -- é a lição moral a ser tomada do caráter e dos resultados desses dois grandes poderes? Ambos foram permitidos por Deus e, se julgamos corretamente, foram permitidos por Ele como um juízo divino sobre a Cristandade por sua apostasia, e sobre os pagãos por sua idolatria. Por um lado, o grito de guerra foi erguido contra todos os que recusavam a fé ou o tributo ao credo e aos exércitos dos califas; por outro lado, um grito de guerra mais implacável foi erguido contra quem se recusasse a crer na Virgem e nos santos, suas visões e milagres, suas relíquias e imagens, de acordo com as exigência intolerantes da idólatra Roma. As igrejas orientais tinham se enfraquecido e se perdido desde os dias de Orígenes por uma filosofia platônica, na forma de uma teologia metafísica, o que causou contínuas dissensões. No Ocidente as controvérsias tinham sido grandemente evitadas: o poder era o objetivo ali. Roma tinha aspirado, por séculos, o domínio da Cristandade -- e do mundo. Ambos foram tratados judicialmente por Deus no dilúvio de fogo vindo da Arábia; mas o islamismo permanece como o poderoso flagelo de Deus no Oriente, e o romanismo no Ocidente.

sábado, 24 de dezembro de 2016

A Soberania Secular do Papado é Estabelecida

Através de uma troca mútua de bons ofícios, em menos de três anos Pepino cruzou os Alpes à frente de um numeroso exército, derrubou os lombardos, e recuperou o território italiano que eles tinham arrancado do império ocidental. A justiça exigiria, de fato, que o território retornasse ao imperador, a quem pertencia; ou ele poderia retê-lo para si mesmo. Mas ele não fez nem um nem o outro. Consciente de sua obrigação para com a santa Sé, ele respondeu que não tinha ido à batalha por amor de homem algum, mas apenas por amor de São Pedro, e para obter o perdão  de seus pecados. Ele então transferiu a soberania sobre as províncias em questão para o bispo de Roma. Esta foi a fundação de todo o domínio secular dos papas.

Astolfo, rei dos lombardos, tendo jurado a Pepino que restauraria a São Pedro as cidades que ele tinha tomado, as tropas francesas foram retiradas. Mas a magnificente "doação", no que dizia respeito ao papa, estava apenas no papel. Ele não tinha sido posto em posse real dos territórios cedidos, nem tinha os meios de pôr-se a si mesmo em posse do dom real. Mal o rei franco retornou dos Alpes, Astolfo recusou-se a cumprir seu compromisso. Ele reuniu suas divisões dispersas e continuou seus ataques sobre os territórios dispersos da igreja. Ele devastou o país até os próprios muros de Roma e sitiou a cidade. O papa, indignado tanto com a conduta evasiva de Pepino quanto com a perfídia dos lombardos, enviou mensagens a seus protetores francos pelo mar a toda pressa, pois todos os caminhos por terra estavam fechados pelo inimigo. Sua primeira carta recordou ao rei Pepino que ele arriscava a eterna condenação se não completasse a doação que havia prometido a São Pedro. Seguiu-se uma segunda carta, mais patética e mais persuasiva. Mesmo assim os francos se atrasaram. E, finalmente, o papa escreveu uma terceira, como se viesse do próprio São Pedro. A ousadia e pretensão dessa carta é tão terrível que a citaremos inteiramente como um exemplo dos meios usados pelo papa para aterrorizar os bárbaros para a proteção da santa Sé e o avanço de seus domínios. Ele considerou todos os meios justificáveis para alcançar tais propósitos elevados. Assim se lê:

"Eu, Pedro, o apóstolo, protesto, admoesto e conjuro-vos, os mais cristãos reis, Pepino, Carlos e Carlomano, com toda a hierarquia, bispos, abades, padres e todos os monges; todos os juízes, duques, condes, e todo o povo dos francos. A mãe de Deus, do mesmo modo, vos conjura, e vos adverte e ordena, ela, assim como os tronos e domínios e todas as hostes do céu, a salvar a amada cidade de Roma dos detestados lombardos. Se ouvirdes, eu, Pedro, o apóstolo, prometo-vos minha proteção nesta vida e na próxima, preparar-vos-ei as mais gloriosas mansões no céu, e conceder-vos-ei as alegrias eternas do paraíso. Façam causa comum com meu povo de Roma, e vos concederei qualquer coisa para a qual orardes. Conjuro-vos a não deixarem esta cidade ser lacerada e atormentada no inferno com o diabo e seus anjos pestilentos. De todas as nações debaixo do céu os francos são os mais elevados na estima de São Pedro; para mim, vós mereceis todas as vossas vitórias. Obedecei, e obedecei rapidamente; e, por meu sufrágio, nosso Senhor Jesus Cristo vos dará uma longa vida, segurança, vitória, e na vida futura, multiplicará Suas bênçãos sobre vós, entre Seus santos e anjos."*

{* Para uma descrição mais ampla desse importante período, veja Cristianismo Latino, de Milman, vol. 2, p. 243.} 

O Único Grande Objetivo do Papado

A cada dia tornava-se mais e mais evidente que não poderia haver paz sólida para Roma, nem fundamento seguro para a supremacia já alcançada, a menos que fosse alcançada a derrubada total tanto dos poderes gregos quanto lombardos na Itália, e a apropriação de seus espólios pela santa Sé. Este era então o único grande objetivo dos sucessores de São Pedro e a batalha que eles tinham que lutar. Mas, assim como a vinha de Nabote, o jizreelita, isso deveria ser possuído por bem ou por mal. Jezabel conspira, e a morte de Nabote é realizada. A história dos reis lombardos e da grande controvérsia iconoclástica durante os séculos VII e VIII lançam muita luz sobre os meios usados para alcançar esse fim; mas disso tudo podemos dizer apenas uma palavra para passarmos adiante, e sugerir aos nossos leitores a consulta direta à história geral.*

{* Veja especialmente a Cathedra Petri de Greenwood.}


"Há abundante fundamento histórico para acreditar", diz Greenwood, "que esse objetivo havia, por essa época, se moldado muito distintamente na mente do papado: o território de seu inimigo religioso, o imperador, devia ser definitivamente anexado ao patrimônio de São Pedro, juntamente a um Estado territorial muito mais extenso à medida que a oportunidade viesse ao alcance.  Mas restava a árdua e aparentemente impossível tarefa de arrancar essas potenciais aquisições das mãos do inimigo lombardo. E, de fato, todo o curso da política papal estava então direcionada ao cumprimento desse único objetivo."

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