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domingo, 7 de maio de 2017

Inglaterra, Escócia e Irlanda

Antes de encerrarmos nosso breve relato sobre as ações do Senhor nessa época, tomemos nota de alguns nomes que indicam o estado das coisas na Grã-Bretanha.

Da glória do reinado de Alfredo é desnecessário dizer muito. Para alguns historiadores ele chega à concepção de um soberano perfeito. Seja como for, podemos dizer que ele foi um verdadeiro rei cristão, e foi feito uma bênção tanto para a igreja quanto para o mundo. Sua bem-sucedida guerra contra os dinamarqueses; seu resgate da Inglaterra de um retorno à barbárie; seu encorajamento à educação e aos homens eruditos; seus próprios abundantes labores; sua fé e devoção cristã; tais coisas são bem conhecidas a todos familiarizados com a história da Inglaterra. Ele sucedeu seu pai em 871 com 21 anos de idade, e reinou por 30 anos. Assim o século IX, que se abriu com os grandes dias de Carlos Magno, encerrou com os ainda mais gloriosos dias de Alfredo, provavelmente o nome mais honrável na história medieval.

Clemente, um piedoso eclesiástico da igreja escocesa, apareceu no centro da Europa por volta da metade do século VIII como um pregador das doutrinas evangélicas*. A história fala dele como um defensor ousado e destemido da autoridade da Palavra de Deus, em oposição a Bonifácio, o paladino da tradição e das decisões dos concílios. Luz pode ser lançada sobre a condição da Cristandade e da história da igreja ao vermos esses dois missionários como representantes de dois sistemas: a grande organização humana de Roma; e o remanescente do cristianismo bíblico da Escócia.

{*N. do T.: Aqui no sentido de doutrinas condizentes com o evangelho, e não às atuais denominações ditas "evangélicas"}

Alarmado pela coragem de Clemente, Bonifácio, então arcebispo das igrejas germânicas, comprometeu-se a opor-se a ele. Ele confrontou o escocês com as leis da igreja romana, com as decisões dos vários concílios, e com os escritos dos mais ilustres pais da igreja latina. Clemente replicou que nenhuma lei da igreja, nenhuma decisão de concílios, ou escritos dos "pais, que fossem contrários às Sagradas Escrituras, tinham qualquer autoridade sobre os cristãos. Bonifácio apelou para a invencível unidade da igreja católica com seu papa, bispos, padres, etc., mas seu oponente sustentou que somente onde o Espírito Santo habita pode ser encontrada a esposa de Jesus Cristo.

Bonifácio ficou frustrado. Meios justos tinham falhado, então a punição devia ser aplicada. Clemente foi condenado como herege por um concílio reunido em Soissons em março de 744. Ele, mais tarde, pediu que fosse enviado a Roma sob uma guarda segura. O resto da história de Clemente é desconhecida, mas é fácil conjecturar qual deve ter sido seu fim.

Alguns dizem que Clemente mantinha noções estranhas quanto à descida do Senhor ao hades, quanto ao assunto do casamento, e quanto à predestinação, mas pouca confiança deve ser posta sobre as afirmações de seus inimigos. Bonifácio apareceu na corte como seu adversário, acusador e juiz. Esperemos que tenha sido um verdadeiro representante da antiga fé de seu país. Mas não devemos supôr que Clemente tenha sido o único que aparece em disputa com os missionários romanos nesse período da história. De tempos em tempos encontramos tais testemunhas da verdade testificando abertamente contra as pretensões de Roma. Alguns escoceses, que se chamavam de bispos, foram condenados em um concílio em Châlons, no ano 813. Vemos então que, por causa das formas clericais que tomavam o lugar da Palavra de Deus, homens iluminados e fiéis foram condenados como hereges.

João Escoto Erígena, um nativo da Irlanda que residia principalmente na França e na corte de Carlos, o Calvo, foi, segundo Hallam, o homem mais notável da Idade das Trevas, em um sentido literário e filosófico. Mas ele foi mais um filósofo do que um teólogo, embora tenha escrito largamente sobre assuntos religiosos, e parece ter pertencido a alguma ordem do clero. Ele tinha estudado os primeiros "pais" e a filosofia platônica, e era também inclinado a favorecer a razão humana, até mesmo em relação à recepção da verdade divina. Mas, de acordo com D'Aubigne, parece ter havido verdadeira piedade em seu coração. "Ó Senhor Jesus", ele exclamou, "não Te peço outra felicidade além de entender, sem a mistura de teorias engenhosas, a palavra que Tu inspiraste pelo Teu Santo Espírito. Mostra-Te àqueles que procuram a Ti somente". Supõe-se que ele tenha morrido por volta do ano 852.

Os teólogos irlandeses no século VIII tiveram um caráter tão elevado pela erudição que os homens literários convidados por Carlos Magno a sua corte eram principalmente da Irlanda. Até o tempo de Henrique II, rei da Inglaterra, a igreja da Irlanda continuou a afirmar sua independência de Roma, e a manter sua posição como ramo ativo e vivo da igreja de Cristo, sem possuir um chefe terreno. Mas a partir desse período, a igreja da Irlanda original, com sua grande reputação, desaparece completamente.

domingo, 2 de abril de 2017

A Espada de Carlos Magno ou o Batismo

O objetivo professo de Carlos Magno era estabelecer o cristianismo nas partes remotas da Germânia, mas deve-se sempre lembrar que ele usou de meios muito violentos para cumprir seu fim. Milhares foram forçados às águas do batismo para escapar de uma morte cruel. "A espada ou o batismo" eram os termos usados pelo conquistador. Foi promulgada uma lei que estabelecia a pena de morte contra a recusa do batismo. Ele não podia oferecer condições de paz, nem entrar em qualquer tratado, no qual o batismo não fosse a principal condição. A conversão ou o extermínio foi a palavra de ordem dos francos. E, embora a antiga religião pudesse não estar tão arraigada na consciência do saxão, ele não podia ver nada melhor na nova; pois, para sua mente, o batismo estava identificado à escravidão e o cristianismo à submissão a um jugo estrangeiro. Submeter-se ao batismo era renunciar, não apenas à sua antiga religião, mas à sua liberdade pessoal.

Com tais sentimentos anticristãos e desumanos, a guerra seguiu em frente, como já mencionamos, por 33 anos. À frente de seus exércitos superiores, Carlos Magno oprimiu as tribos selvagens, que eram incapazes de confederar-se para sua segurança comum; conta-se que ele nem mesmo encontrou um adversário igual em números, em disciplina ou em armas. Mas, após uma luta de derramamento de sangue incalculável, e de quase sem igual obstinação e duração, os números, a disciplina e o valor dos francos prevaleceu com o tempo sobre os indisciplinados e desconsiderados esforços dos saxões. "O remanescente de trinta campanhas de indistinta matança", diz Greenwood, "e generalizada expatriação aceitou o batismo e tornou-se permanentemente incorporado ao império dos francos e ao cristianismo. Abadias, monastérios e casas religiosas de todos os tipos se espalharam por toda as partes do território conquistado, e as novas igrejas* eram supridas por ministros da escola de Bonifácio -- uma escola que não admitia qualquer distinção entre a lei de Cristo e a lei de Roma."

{* N. do T.: Aqui no sentido de edifícios religiosos, e não no sentido bíblico do corpo de Cristo ou de uma assembleia reunida somente ao nome de Cristo.}

O batismo era a única segurança e garantia de paz que os francos aceitariam pela submissão dos saxões. E assim foi -- e quão triste e humilhante é essa relação! -- quando a conquista foi concluída, e finda a carnificina, que os padres entraram em campo. O ofício deles era batizar os vencidos. Milhares dos bárbaros foram, assim, forçados, na ponta da espada, ao que os padres chamavam de águas regeneradoras do batismo. Mas, para os saxões, o batismo significava nem mais nem menos do que a renúncia à sua religião e sua liberdade. A consequência foi que, assim que os exércitos de Carlos se retiraram, os infatigáveis saxões voltaram a se erguer, atravessando os imponentes limites do império e devastando tudo por onde passavam. Em sua fúria ardente e amarga vingança eles cortaram cruzes, queimaram "igrejas", destruíram monastérios, mataram seus prisioneiros, sem respeitar idade nem sexo, até que todo o país pareceu estar envolvido em chamas e inundado de sangue. Dizem que tais revoltas eram muitas vezes provocadas pela linguagem insolente, e ainda mais pelo comportamento ofensivo dos monges missionários, e pela severa avareza com a qual exigiam seus dízimos. Mas tais explosões da parte dos saxões eram seguidas por uma nova invasão e matança implacável pelos francos, até que tribo após tribo cedeu aos braços conquistadores de Carlos Magno. Em uma ocasião, após uma severa revolta, Carlos massacrou,  a sangue frio, 4500 guerreiros valentes que tinham se rendido. Esse cruel e covarde abuso de poder deixou uma mancha escura e indelével em sua história, que nenhuma desculpa pode jamais remover. Mesmo o historiador cético alude a ela de forma muito verdadeira e tocante. "Em um dia de igual retribuição", diz ele, "os filhos de seu irmão Carlomano, o príncipe merovíngio de Aquitânia, e os 4500 saxões que foram decapitados no mesmo local, terão algo a alegar contra a justiça e humanidade de Carlos Magno. Seu tratamento para com os vencidos saxões foi um abuso do direito de conquista".

domingo, 18 de dezembro de 2016

As Características de um Monge Superior

Cria-se que um proficiente na piedade mística daqueles dias podia operar milagres, proferir profecias e desfrutar de visões divinas. Ele era tão cercado por uma espécie de santidade temerosa que ninguém ousava tocar no homem de Deus. Ele saía de sua cela como se viesse de um outro mundo, com ele mesmo e suas vestes cobertas de poeira e cinzas. Ele ousadamente repreendia os vícios dos reis, confrontava os mais cruéis tiranos, ameaçava o derrube de dinastias, e assumia um tom elevado de superioridade sobre todas as dignidades seculares.

Assim era Columbano. Com uma colônia de monges ele partiu de barco da Irlanda por volta do ano 590. Ele pretendia pregar o evangelho para além dos domínios francos, mas aportou na Gália. A fama de sua piedade chegou aos ouvidos de Guntram, rei da Borgonha, que o convidou a se estabelecer naquele país. Recusando a oferta do rei, o abade solicitou permissão para se retirar a algum ermo inacessível. Ele se estabeleceu nos Vosges. Por um tempo os missionário tiveram que suportar grandes dificuldades. Eles frequentemente tinham, por dias, nenhuma outra comida além de ervas selvagens, cascas de árvores e, provavelmente, peixes do córrego. Mas, gradualmente, eles causaram uma impressão favorável sobre as pessoas dos arredores. Todas as classes olhavam para eles com reverência. Provisões lhes eram enviadas, especialmente por aqueles desejosos de lucrar pelas orações daqueles homens santos. O suprimento era descrito como miraculoso. A piedade e poderes maravilhosos do abade logo reuniram muitos ao seu redor. Monastérios se ergueram em diferentes locais, e os devotos se aglomeravam para enchê-los.

Columbano presidiu como abade sobre todas essas instituições. Seu modo de governo foi provavelmente o mesmo que tinha em Bangor, na Irlanda. Embora seu deleite sempre fosse vagar pelos bosques selvagens, ou habitar por dias em sua caverna solitária, ele ainda exercia uma estrita superintendência sobre todos os monastérios que ele tinha formado. O trabalho, a dieta, a leitura, o tempo para oração, e o estabelecimento das punições eram todos ditados por ele mesmo. Com o tempo, ele caiu em disputas com seus vizinhos quanto ao dia de guardar a Páscoa. Ele escreveu sobre o assunto ao Papa Gregório e a Bonifácio, colocando a igreja de Jerusalém acima da de Roma, como sendo o local da ressurreição do Senhor. Ele também trabalhou em Meltz, Suíça e Itália. Após fundar muitos monastérios, ele morreu em Roma no ano 610.

O mais celebrado seguidor do grande abade foi seu conterrâneo São Galo, que o acompanhara em todo o seu destino; mas, ficando doente quando seu mestre passava pela Itália, não pôde mais segui-lo e foi deixado em Helvétia. Mais tarde, ele pregou ao povo em sua própria língua, fundou o famoso monastério que leva seu nome, e é honrado como o apóstolo da Suíça. Ele morreu por volta do ano 627. Da época de São Patrício até a metade do século XII a igreja na Irlanda continuou a afirmar sua independência de Roma, e a manter sua posição como um ramo vivo e ativo da igreja, sem possuir qualquer chefe (ou cabeça) terreno*. Vamos nos voltar agora para a Escócia.

{* Faiths of the World, de Gardner, vol. 1, p. 150.}

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