domingo, 25 de setembro de 2016

A Cerimônia dos Votos

O espírito cruel e impiedoso do papado é sentido dolorosamente até mesmo por seus próprios membros na consagração de uma freira. Isso não é natural, nem bíblico: é um ultraje para todo sentimento de nossa humanidade, ruinoso tanto para a alma quanto para o corpo, e submeter-se a isso só é possível pelo poder que Satanás tem de cegar as pessoas. Que misericórdia é estarmos longe de sua influência inexplicável e ilusões fatais! Ligeiramente abreviada, a seguinte descrição do cerimonial de uma noviça a tomar os votos vem da pena de uma testemunha ocular da cena que ocorreu em Roma:

"Por favores particulares foram-nos dados os melhores assentos, e, após esperarmos cerca de meia hora, dois criados em ricas texturas abriram caminho para a jovem condessa, que entrou na igreja lotada vestida da cabeça aos pés, com cabelos negros brilhando com diamantes. Apoiada por sua mãe, ela avançou até o altar. O sacerdote oficiante era vicário, o discurso do púlpito foi pronunciado por um monge dominicano, que a apresentou como a esposa prometida de Cristo -- uma santa na terra, uma que renunciou às vaidades do mundo por uma antecipação das alegrias do céu.

"Tendo o sermão terminado, a própria doce vítima, ajoelhando-se diante do altar aos pés do cardeal, solenemente abjurou do mundo cujos prazeres e afeições ela parecia tão calculadamente desfrutar, e pronunciou aqueles votos que a separariam dele para sempre. Enquanto sua voz suavemente cantava aquelas palavras fatais, eu acredito que mal havia um olho em toda a imensa igreja que não estivesse cheio de lágrimas. Os diamantes que brilhavam em seus cabelos foram arrancados, e suas longas e belas tranças caíram luxuriantemente sobre seus ombros.

"A grade que a sepultaria foi aberta. A abadessa e sua negra fileira de freiras apareceram. Suas vozes corais cantavam uma sequência de boas-vindas, que dizia, ou parecia dizer 'espírito irmão, venha para fora!'. Ela renunciou a seu nome e título e adotou uma nova denominação, recebendo a bênção solene do cardeal e os últimos abraços de seus amigos em pranto, e então atravessou o ponto de seu destino do qual jamais retornaria. Um painel atrás do outro se abriu, e ela apareceu na grade novamente. Ali ela foi despojada de seus ornamentos e de seu traje esplêndido, seus belos cabelos foram impiedosamente cortados pelas tesouras fatais das irmãs, o que foi o suficiente para fazer toda a congregação estremecer. Assim que foi tosquiada de sua cobertura natural, as irmãs apressaram-se em vesti-la com as roupas sóbrias de freira, a touca branca e o véu de noviça.

"Ao longo de toda a cerimônia ela mostrou grande calma e firmeza, e não foi até que tudo tivesse terminado que seus olhos se encheram de lágrimas de emoção natural. Mais tarde, ela apareceu na pequena porta dos fundos do convento para receber a simpatia, os louvores e congratulações de todos os seus amigos e conhecidos, e até mesmo de estranhos, todos esperando pagar seus cumprimentos à nova esposa do céu."*

{* Crenças do Mundo, de Gardner.}

A descrição dada aqui refere-se à profissão de uma freira na tomada do véu branco, um passo que simboliza o início do noviciado, ou ano de teste, ainda não irrevogável. A cerimônia de tomada do véu preto no final do ano é ainda mais solene e terrível, e quando terminada, a freira passa a ser reclusa para o resto da vida, e pode apenas ser libertada de seu voto pela morte. Aos olhos da lei romana, tanto civil quanto eclesiástica, o passo dado estaria além de qualquer revogação. Prisão, tortura e morte temporal e eterna são tidas como as punições pela desobediência. E quem pode dizer, de fora dos muros dos conventos, quais crueldades refinadas e prolongadas não são praticadas lá dentro? O poder é despótico; não há apelação, até que enganador e enganado, perseguidor e vítima indefesa, estejam lado a lado diante do justo tribunal de Deus.

A Origem das Reclusas Femininas

Desde períodos iniciais da história da igreja lemos sobre virgens devotas que professavam a castidade religiosa e se dedicavam ao serviço de Cristo. Seus deveres e devoções eram auto-impostos, de modo que podiam preservar suas relações domésticas ou entrar sem escândalo ao estado de casadas. Mas a origem das comunidades de reclusas femininas é atribuída a Pacômio, o grande fundador dos sistemas monásticos regulares. Antes de sua morte, que ocorreu por volta da metade do século IV, não havia menos do que 27.000 mulheres no Egito que, por si só, tinham adotado a vida monástica. As regras que ele formou para os conventos de freiras eram similares àquelas aplicadas aos monges. "Elas viviam de fundos em comum, usavam um dormitório em comum, uma mesa e um armário. Os mesmos serviços religiosos eram prescritos, e a habitual temperança e ocasionais jejuns eram apreciados com a mesma severidade. O trabalho manual não era menos rigidamente forçado, mas em vez da labuta agrícola imposta a seus 'irmãos', a elas cabia tarefas mais leves, como costurar ou tecer. Por deveres tão numerosos, por ocupações admitindo tão grande variedade, elas superavam o tédio cotidiano, e a dureza da reclusão monástica."*

{*Waddington, vol. 2, p. 252.}

É certo de que muitos desses estabelecimentos foram fundados durante o quarto século, e que eles se propagaram por todo o Egito, Síria, Ponto e Grécia, e que gradualmente penetraram em cada província onde o nome de Cristo era conhecido, e mesmo até hoje elas abundam em todos os países católicos romanos, e formam um estranho e incongruente apêndice para a igreja.

Os Monastérios e o Pontífice Romano

Até quase o final do quinto século, os monastérios eram colocados sob a superintendência dos bispos; os monges eram considerados simplesmente como leigos e não tinham qualquer pretensão de serem classificados entre a ordem sacerdotal. Circunstâncias, no entanto, no decorrer do tempo, levaram os monges a assumir um caráter clerical. Muitos deles se ocupavam no trabalho de ler e expor as Escrituras, e todos eles deveriam estar envolvidos no cultivo da vida espiritual mais elevada. Assim, a população os tinham em muita estima, especialmente quando eles começaram a exercer suas funções clericais além dos confinamentos de suas celas. Invejas logo surgiram entre os bispos e os abades: o resultado foi que os abades, para se libertarem da dependência que tinham de seus rivais espirituais, fizeram uma petição para que tivessem a proteção do Papa de Roma. A proposta foi aceita com prazer, e logo todos os monastérios, grandes e pequenos, abadias, mosteiros e conventos se submeteram à autoridade da Sé de Roma. Isto foi um imenso passo em direção ao poder pontifical de Roma.

O Papa podia agora estabelecer, em quase qualquer canto, uma espécie de polícia espiritual, que agia como uma rede de espiões sobre os bispos, assim como sobre as autoridades seculares. Este evento deve ser observado com cuidado se quisermos acompanhar os caminhos e meios da ascensão do poder, e da derradeira supremacia, do Pontífice Romano.

O sistema monástico logo se espalhou para além dos limites do Egito: e todos os grandes mestres da época, tanto no Oriente quanto no Ocidente, advogavam a causa do celibato e monasticismo. São Jerônimo, em particular, o homem mais erudito de seus dias, é considerado o elo de ligação entre as duas grandes divisões da igreja -- a grega e a romana, ou a oriental e a ocidental. Ele foi o meio pelo qual o celibato e monasticismo foram fortemente levados adiante, especialmente entre as mulheres. Muitas senhoras romanas de classe se tornaram freiras através de sua influência. Ambrósio exaltava tanto a virgindade em seus sermões que as mães de Milão impediam que suas filhas assistissem seu ministério; mas multidões de virgens de outros cantos se reuniam em torno dele para receberem a consagração. Basílio introduziu a vida monástica em Ponto e Capadócia; Martinho, na Gália; Agostinho, na África; e Crisóstomo foi impedido pela sabedoria de sua mãe a se retirar, em sua juventude, a um eremitério remoto na Síria.

Antes de terminarmos este assunto pode ser interessante, de uma vez por todas, tomar nota sobre o crescimento e estabelecimento dos conventos.

domingo, 18 de setembro de 2016

A Primeira Sociedade de Ascetas

A forma mais antiga em que o espírito asceta se desenvolveu na igreja cristã não se deu na formação de sociedades ou comunidades, como encontramos mais tarde, mas na seclusão de indivíduos isolados. Eles acreditavam, embora equivocados, que eles tinham um chamado especial para se esforçarem por uma vida cristã mais elevada; e, a fim de atingir essa eminente santidade, impuseram sobre si mesmos as mais severas restrições. Eles se retiravam para lugares desertos onde podiam se entregar a si mesmos em fechada meditação nas coisas divinas, e onde suas mentes pudessem estar inteiramente abstraídas de todos os objetos naturais e de quaisquer deleites para os sentidos. Tanto homens quanto mulheres supunham que deviam empobrecer seus corpos em vigílias, jejuns, trabalhos e autoflagelo. Como o corpo era considerado uma carga opressiva e um obstáculo para suas aspirações espirituais, eles competiam entre si sobre quão longe podiam carregar suas auto-mortificações. Eles sobreviviam à base das mais insanas e doentias dietas: às vezes se abstinham da comida e sono até que a natureza estivesse totalmente esgotada. O contágio dessa nova invenção de Satanás se espalhou por toda a parte. O misterioso recluso era tido como necessariamente investido de uma santidade particular. A célula do eremita era visitada pelos nobres, eruditos e devotos -- todos desejosos de prestar homenagem ao homem santo de Deus; e assim o orgulho espiritual foi engendrado pela bajulação do mundo. A partir deste momento a vida monástica era tida em tal estima que muitos a adotaram como um emprego altamente honorável; e, posteriormente, formaram-se comunidades, ou instituições monásticas.

Pacômio, que era, como Antônio, um nativo de Tebas, se converteu ao cristianismo no início do século IV. Após praticar austeridades por algum tempo, foi informado por um anjo em seus sonhos de que ele tinha feito um progresso suficiente na vida monástica, e que agora deveria se tornar um mestre para outros. Pacômio fundou, então, uma sociedade na ilha do Nilo. Assim começaram os ascetas a viver em associação. A instituição logo se estendeu de tal forma que, antes da morte do fundador, chegou a oito monastérios, com 3000 monges; e no começo do século seguinte o número de monges já passava dos 50000. Eles viviam em células que, cada uma, continham três monges. Eles eram comprometidos à obediência absoluta dos comandos de Aba, ou pai. Eles vestiam uma roupa peculiar, sendo seu principal artigo uma pele de cabra, em imitação a Elias que, como João Batista, era tido como um exemplo da condição monástica. Eles nunca podiam se despir: eles dormiam com suas roupas, e em cadeiras construídas de tal forma que os mantivessem numa postura quase vertical. Eles rezavam muitas vezes por dia em jejum no quarto e sexto dia da semana, e se comunicavam no sábado e no dia do Senhor (domingo). Suas refeições eram feitas em silêncio, e com capuzes sobre seus rostos, de modo que ninguém pudesse ver seu vizinho. Eles dedicavam-se à agricultura e variadas formas de indústria, e tinham todas as coisas em comum, à imitação dos primeiros cristãos após o dia de Pentecostes*. Pacômio fundou sociedades similares para mulheres.

{* Robertson, volume 1; Neander, volume 3; Crenças do Mundo, de Gardner, volume 2.}

As Virtudes e Falhas de Antônio

Antônio era evidentemente sincero e honesto, embora fosse totalmente equivocado e enganado pelos artifícios e poder de Satanás. No lugar de agir de acordo com a comissão do Salvador aos Seus discípulos, "ide por todo o mundo, pregai o evangelho a toda criatura" (Marcos 16:15), ou de seguir Seu exemplo de andar fazendo o bem, ele achou que podia alcançar uma espiritualidade mais elevada retirando-se do meio da humanidade, e devotando-se à austeridade da vida e à comunhão ininterrupta com o céu. Ele era um cristão, mas totalmente ignorante da natureza e objetivo do cristianismo. A santidade na carne foi seu único grande objetivo, embora o apóstolo tivesse dito: "Em mim, isto é, na minha carne, não habita bem algum" (Romanos 7:18). Portanto, tudo foi um fracasso, total fracasso: como sempre deve ser, se pensarmos que há qualquer coisa boa na natureza humana, ou tentarmos nos tornar melhores em nós mesmos. Em vez de conseguir santificar sua natureza por meio dos jejuns e do ócio, ele descobriu que toda paixão foi estimulada a uma maior atividade.

"Dessa maneira, em sua solidão", nos diz Neander, "ele teve que enfrentar muitos conflitos em suas faculdades mentais, os quais talvez poderiam ter sido evitados caso se envolvesse com algum tipo de vocação que exigisse o uso de todas as suas forças. As tentações contra as quais ele teve que batalhar foram das mais numerosas e poderosas, pois estava entregue à ociosa ocupação com si mesmo e se ocupava em lutar contra as imagens impuras que constantemente vinham do abismo de corrupção de dentro de seu coração, no lugar de esvaziar a si mesmo, dedicando-se a trabalhos mais dignos, ou de desviar o olhar para a eterna fonte de pureza e santidade. Em um período posterior, Antônio, com uma convicção fundada em longos anos de experiência, reconheceu isso e disse aos seus monges: 'Não ocupemos nossas imaginações pintando espectros e espíritos malignos; não atribulemos nossas mentes como se estivéssemos perdidos. Em vez disso, confortemo-nos e alegremo-nos todo o tempo, como aqueles que foram redimidos; e sejamos conscientes de que o Senhor está conosco, o Mesmo que os venceu e os tornou em nada. Lembremo-nos sempre que, se o Senhor está conosco, o inimigo não pode nos fazer mal. Os espíritos do mal aparecem de formas diferentes para nós, de acordo com o estado de mente com que eles nos encontram... Mas se nos encontrarem gozosos no Senhor, ocupados na contemplação da bem-aventurança futura e das coisas do Senhor, refletindo que tudo está nas mãos do Senhor, e que nenhum espírito maligno pode fazer qualquer mal ao cristão, eles afastam-se, em confusão, da alma que eles veem preservada por tais bons pensamentos."*

{* História Geral da Igreja, vol. 3, p. 310. Veja também História da Igreja, por James Craigie Robertson, vol. 1, p. 295.}

É perfeitamente claro, a partir desses conselhos aos monges, que Antônio era não apenas um cristão sincero, mas que ele tinha um bom conhecimento do Senhor e da redenção, embora tivesse sido tão completamente desviado por um coração enganado. Nunca estamos seguros a menos que nos movamos sobre as linhas diretas da Palavra de Deus. O sistema que esse homem introduziu em seus falsos sonhos de aperfeiçoamento da carne se tornou, no decorrer do tempo, um canteiro de devassidão e vício. E assim continuou por mais de mil anos. Somente no século XVI a luz divina da abençoada Reforma, lançando luz sobre um cenário de densas trevas morais, revelou a arraigada corrupção e as flagrantes enormidades das diferentes ordens monásticas. Os monges daquele tempo, como enxames de gafanhotos, cobriam toda a Europa; eles proclamavam em todos os lugares, como nos informa a História, a devida obediência à santa mãe igreja, a devida reverência aos santos, e mais especialmente à Virgem Maria, a eficácia das relíquias, os tormentos do purgatório, e as benditas vantagens decorrentes de indulgências. Mas enquanto os monges perdiam sua popularidade e influência na Reforma, uma nova ordem foi necessária para ocupar o seu lugar e fazer sua obra má: e isto foi encontrado na Companhia de Jesus, fundada por Inácio de Loyola -- os jesuítas. Mas temos de olhar mais uma vez para o inicio da história do monasticismo.

domingo, 11 de setembro de 2016

A Origem e Crescimento do Monasticismo

Antes de abordarmos o período da "igreja de Tiatira", pode ser interessante tomar nota do surgimento e crescimento das primeiras tendências ascéticas. A influência do monasticismo foi, de fato, muito grande durante a idade das trevas, e em todas as igrejas ocidentais. Vamos traçar seu caminho desde sua fonte. É interessante conhecer o início das coisas, especialmente de coisas importantes e influentes.

Durante a violência da perseguição sob Décio, por volta do ano 251, muitos cristãos fugiram ao exílio voluntário. Dentre esses estava um jovem chamado Paulo de Alexandria, que fez sua morada no deserto de Tebas, no Alto Egito. Pouco a pouco ele se tornou ligado ao modo de vida que adotou por necessidade, e é celebrado como o primeiro eremita cristão, embora não tivesse fama ou influência na época: não tanta como seu grande sucessor imediato.

Antônio (ou Antão), que é considerado o pai do monasticismo, nasceu em Cooma, no Alto Egito, por volta do ano 251. Na infância e juventude, conta-se que era de disposição contemplativa, séria e com tendência ao isolamento. Ele pouco se importava com o aprendizado mundano, mas desejava ardentemente o conhecimento das coisas divinas. Antes de alcançar a idade de 19 anos, ele perdeu seus pais, e tomou posse de uma propriedade considerável. Uma dia, na igreja, aconteceu do evangelho referente ao jovem rico ter sido lido perante a assembleia. Antônio considerou as palavras do Salvador como se fossem enviadas do céu para ele. "Vende tudo quanto tens, reparte-o pelos pobres, e terás um tesouro no céu; vem, e segue-me" (Lucas 18:22). Ele imediatamente doou sua terra aos habitantes de sua aldeia, vendeu o resto de suas propriedades e deu tudo aos pobres, exceto uma pequena porção que ele reservou para o cuidado de sua única irmã. Em outra ocasião ele ficou profundamente impressionado com as palavras do Senhor: "Não vos inquieteis, pois, pelo dia de amanhã" (Mateus 6:25-34), e tomando essas palavras em sentido literal, despojou-se do resto de suas propriedades e mandou sua irmã a uma sociedade de virgens piedosas para que ela pudesse ser livre de todos os cuidados com coisas terrenas e abraçasse uma vida de rígido asceticismo.

Conta-se que Antônio tenha visitado Paulo, o eremita, e todos os ascéticos mais famosos dos quais tinha ouvido falar, esforçando-se a aprender de cada um suas virtudes distintivas, e a combinar todas as suas graças em sua própria prática. Ele se fechou em uma tumba, onde viveu por dez anos. Por excessivos jejuns, exaustão, e uma imaginação acima do normal, ele imaginava-se atormentado por espíritos malignos, com quem ele tinha muitos e sérios conflitos. Antônio se tornou famoso. Muitos visitavam sua morada fora do comum na esperança de vê-lo, ou de ouvir o barulho de seus conflitos com os poderes das trevas. Mas ele saiu de sua tumba e passou a habitar em um castelo em ruínas perto do Mar Vermelho por outros vinte anos. Ele aumentou suas mortificações visando superar os espíritos malignos, mas as mesmas tentações e conflitos o seguiram.

Estranho como possa parecer, esse marcante e iludido homem tinha um verdadeiro coração para Cristo, e um coração terno para com seu povo. A perseguição sob Máximo (311) o tirou de sua célula para as cenas públicas em Alexandria. Sua aparição causou um grande efeito. Ele se dedicou aos sofredores, exortando-os a manterem inabalável confiança em suas confissões de Cristo, e manifestando grande amor aos confessores nas prisões e nas minas. Ele se expôs, de todas as maneiras, ao perigo, ainda que ninguém se aventurava a tocá-lo. Supunha-se que um tipo de santidade inviolável cercava esse homem misterioso que parecia um fantasma. Quando a fúria da perseguição passou, ele fugiu para um novo lugar de isolamento, ao lado de uma alta montanha. Ali ele cultivou uma pequena porção de terra; multidões se aglomeravam para ouvi-lo; e um grande número o imitava. Os tristes vinham a ele para serem confortados, os perplexos para serem aconselhados, e os inimigos para serem reconciliados. Milagres lhe foram atribuídos, e sua influência não tinha limites.

No ano 352, quando tinha 100 anos de idade, ele apareceu uma segunda vez em Alexandria. Ele o fez para contrariar a propagação do arianismo, e defendeu com toda sua influência a verdadeira fé ortodoxa. Sua aparição produziu uma grande sensação, multidões se aglomeravam para ver o monge -- o homem de Deus, como lhe chamavam -- e ouvi-lo pregar, e muitos pagãos foram convertidos ao cristianismo por meio dele. Antônio e seus monges eram apoiantes firmes e poderosos do credo niceno. Ele viveu até a idade de 105 anos, e morreu apenas alguns dias antes de Atanásio ter encontrado um refúgio entre os monges do deserto, em 356.

A Posição e Caráter do Clero

Ao estudarmos a história interna da igreja durante o quarto século, inumeráveis tópicos mereceriam uma breve observação: mas podemos nos referir somente àqueles que caracterizam o período. A posição alterada do clero é uma questão importante, e é responsável por muitas mudanças que foram introduzidas por eles. Desde o tempo de Constantino, os membros do ministério cristão atingiram uma nova posição social, com certas vantagens seculares. Isto levou um grande número a se unir à ordem sagrada pelos mais indignos motivos. Daí a triste influência dessa mistura profana em toda a igreja professa. Constantemente encontramos nela o orgulho, a luxúria arrogante, e a assumida dignidade de toda a ordem clerical. Assim, conta-se que Martinho de Tours, quando na corte de Máximo, deixou a imperatriz lhe esperando à mesa, e que quando o imperador desejou beber diante dele, e esperava receber a taça de volta após o bispo ter bebido, Martinho a passou ao seu próprio capelão, como se tivesse honra mais elevada do que qualquer potentado terreno. A circunstância nos mostra onde estava o clero então, e o que eles pensavam de si mesmos e da dignidade espiritual em oposição à classe secular. A igreja tinha então se tornado como "uma grande casa", onde "não somente há vasos de ouro e de prata, mas também de pau e de barro; uns para honra, outros, porém, para desonra". E assim tem sido desde então, e assim será até o final; mas o caminho do fiel é simples. "De sorte que, se alguém se purificar destas coisas, será vaso para honra, santificado e idôneo para uso do Senhor, e preparado para toda a boa obra." (2 Timóteo 2:20,21)

A Origem da Comunhão Infantil

Quando a superstição em geral toma o lugar da fé, e as noções humanas tomam o lugar da Palavra de Deus, até que ponto homens, mesmo que sejam sérios e iluminados, podem ser levados! Agostinho defendeu firmemente a prática da comunhão infantil. Pensava-se que isso era uma consequência necessária do batismo infantil. Os "pais" afirmavam que a graça de Deus derramada sobre os batizados era dada sem medida, e sem qualquer limitação quanto à idade. Assim, eles raciocinaram e chegaram à conclusão que a ceia do Senhor podia ser consistentemente administrada a todos que tinham sido batizados, sejam crianças ou adultos. O costume prevaleceu por muitas eras, e é ainda observada pela igreja grega, mas nos absteremos dos detalhes. Em geral, o significado espiritual intrínseco e o verdadeiro projeto da ceia do Senhor foi grandemente perdido de vista, e a mais supersticiosa reverência foi expressa para os símbolos exteriores da ordenança.

Os Modernos Pedobatistas

A igreja de Roma e todos os que seguem os "pais" confessam que a origem de sua prática é a tradição. Mas há muitos outros em nossos dias, como tem sido desde a Reforma*, que detêm o batismo infantil com base nos escritos do Novo Testamento. As seguintes são as principais passagens as quais eles se referem: "Deixai vir os meninos a mim, e não os impeçais; porque dos tais é o reino de Deus"... "De outra sorte os vossos filhos seriam imundos; mas agora são santos"... "Porque a promessa vos diz respeito a vós, a vossos filhos"... "Criai-os na doutrina e admoestação do Senhor". E muitos apoiam seus argumentos principalmente no batismo de famílias, e alguns também com base na aliança abraâmica. Veja Marcos 10:14; 1 Coríntios 7:14; Atos 2:39; Efésios 6:4; Atos 16:33; Gênesis 17.

{* Pelos reformadores, e mais tarde pelos puritanos, foram feitos esforços para encontrar nas Escrituras o que a igreja de Roma tinha mantido como tradição; os protestantes recorriam à Bíblia para tudo, e os católicos para os "pais".}

Os anti-pedobatistas, ou "os batistas", como chamam a si mesmos, simplesmente afirmam que, em todas as alusões ao batismo nos escritos dos apóstolos, ele é uniformemente associado à fé no evangelho, e que tais expressões como "sepultados com Ele pelo batismo"  e "plantados juntamente com ele na semelhança da sua morte" (Romanos 6:4,5), etc., devem significar que a pessoa assim batizada tem parte com Cristo pela fé. E, além disso, defendem que, como o batismo é uma ordenança de Cristo, deve necessariamente ser celebrada exatamente como Ele designou. Eles afirmam que nada além das Escrituras diretas devem ser o fundamento de nossa fé e prática nas coisas divinas. E sendo o batismo algo cuja ministração é necessária, e de maneira prescrita, sem a qual seria apenas uma noção na mente humana, essas coisas, portanto, são tão necessárias como o próprio batismo. E, portanto, segue que os verdadeiros candidatos devem ser apenas crentes professos, e o verdadeiro modo, que é apenas a imersão, são coisas necessárias para o verdadeiro batismo cristão*.

{* Reflexões sobre a História de Wall, de Gale, vol. 3, p. 84}

sábado, 10 de setembro de 2016

Qual é o Ensino de João 3:5?

Cremos que a expressão "nascer da água" não poderia, de forma alguma, se referir ao batismo. O novo nascimento é o tema do Salvador, sem o qual homem nenhum pode ver ou entrar no reino de Deus. Não havia ainda se tornado visível -- "o reino de Deus não vem com aparência exterior" (Lucas 17:20) -- mas estava lá entre eles, como a nova esfera de poder e bênção de Deus. A carne nunca poderia perceber esse reino. Cristo não tinha vindo para ensinar e melhorar a carne, como Nicodemos parece ter pensado; mas que o homem poderia ser participante da natureza divina que é transmitida pelo Espírito. Nenhum mero ritual exterior é capaz de admitir alguém ao reino. Deve haver uma nova natureza, ou uma nova vida, adequada à nova ordem de coisas. "Jesus respondeu, e disse-lhe: Na verdade, na verdade te digo que aquele que não nascer de novo, não pode ver o reino de Deus" (João 3:3). Então o Senhor mostra a Nicodemos o único caminho para entrar no reino: "Aquele que não nascer da água e do Espírito, não pode entrar no reino de Deus". A água é aqui usada como um símbolo do poder purificador da Palavra de Deus, como em Pedro: "Purificando as vossas almas pelo Espírito na obediência à verdade". Aqui, a verdade é mencionada como o instrumento, e o Espírito como o agente do novo nascimento, como ele continua dizendo: "Sendo de novo gerados, não de semente corruptível, mas da incorruptível, pela palavra de Deus". Duas coisas são necessárias - a Palavra e o Espírito (1 Pedro 1:22,23).

A passagem obviamente indica a aplicação da Palavra de Deus no poder do Espírito -- operando no coração, consciência, pensamentos e ações -- nos trazendo, assim, uma nova vida de Deus, na qual temos Sua mente e Seus pensamentos sobre o reino. As seguintes passagens farão com que isto fique ainda mais claro: "Segundo a sua vontade, ele nos gerou pela palavra da verdade" (Tiago 1:18). "Para a santificar, purificando-a com a lavagem da água, pela palavra" (Efésios 5:26). "Vós já estais limpos, pela palavra que vos tenho falado" (João 15:3). Aqui temos a purificação moral da alma pela aplicação da Palavra através do Espírito, que julga todas as coisas, e que opera em nós novos pensamentos e afeições adequados à presença e glória de Deus.

Como uma questão de interpretação, então, não vemos alusão alguma ao batismo em João 3:5: o batismo manifesta o que já foi transmitido, porém o batismo em si mesmo não transmite nada. Por outro lado -- de acordo com os comentários inspirados nas Epístolas -- o batismo é o sinal da morte, não de dar vida, como os "pais" uniformemente afirmavam. "Ou não sabeis", diz o apóstolo, "que todos quantos fomos batizados em Jesus Cristo fomos batizados na sua morte? De sorte que fomos sepultados com ele pelo batismo na morte" (Romanos 6:3-4, Colossenses 2, 1 Pedro 3). Além disso, é perfeitamente claro que Nicodemos não podia saber qualquer coisa sobre o batismo cristão, já que ele não foi instituído por nosso Senhor até depois de Ele ter ressuscitado dentre os mortos.

Reflexões sobre a História do Batismo Infantil

O suficiente, cremos, para o presente propósito, foi dito sobre o assunto do batismo infantil. O leitor tem diante de si o testemunho das mais confiáveis testemunhas para os primeiros duzentos anos de sua história. A prática parece ter tomado sua ascensão e derivado toda a sua incrível influência com base na interpretação errônea de João 3:5: "Aquele que não nascer da água e do Espírito, não pode entrar no reino de Deus". Argumentava-se, a partir desta passagem, que o batismo era necessário para a salvação e todas as bênçãos da graça. A eficácia do sangue de Cristo, o poder purificador da palavra de Deus, e as operações graciosas do Espírito Santo, foram todas atribuídas à devida observância do batismo externo. E não é preciso muito esforço para perceber o lugar que isso tomou na igreja professa nesses últimos 1600 anos*, ou para perceber sua influência em todas as classes e épocas, embora muitos não cressem na regeneração batismal.

{* N. do T.: o livro foi escrito no século XIX}

Dr. Wall afirma que os antigos cristãos, sem exceção de um homem sequer, ensinavam que essas palavras do Salvador se referiam ao batismo. Ele acredita que Calvino foi o primeiro homem a se opôr a essa interpretação, ou o primeiro a se recusar a aceitar a passagem como um ensino da necessidade do batismo para a salvação. Supondo que essas afirmações estejam corretas, elas provam que a grande estrutura eclesiástica que se ergueu sobre o batismo foi fundada sobre uma má interpretação. A igreja de Roma, os luteranos, os gregos, os anglicanos, continuam a seguir os "pais" nesta aplicação errada da verdade. "Devemos então", diz Hooker, referindo-se à nova interpretação de Calvino sobre João 3:5, "considerar que aquilo que sempre foi interpretado de uma determinada maneira e não de outra, seja agora aceito sob o disfarce de uma capa de novidade? Deus adotou o batismo, não apenas como um símbolo ou emblema do que recebemos, mas também como um instrumento ou meio pelo qual recebemos a graça". O bispo Burnet também observa, falando dos tempos antigos: "As palavras do nosso Salvador a Nicodemos foram expostas de modo a dar a entender a absoluta necessidade do batismo para a salvação. Essas palavras 'o reino de Deus', tomadas com o significado de glória eterna, essa expressão de nosso Salvador era entendida como querendo dizer que nenhum homem podia ser salvo a menos que fosse batizado", etc.* Calvino ensinava que os benefícios do batismo eram limitados aos filhos dos eleitos, e assim introduzia-se a ideia do cristianismo hereditário. Os presbiterianos seguem Calvino e, como consequência de seu ensinamento, a circuncisão se torna tanto a justificativa como a regra para o batismo infantil. Mas alguns de nossos leitores podem estar ansiosos por saber o que acreditamos ser a verdadeira interpretação de João 3:5, visto que tanta coisa é construída encima deste versículo.

{* Política Eclesiástica, de Hooker, livro 5. Burnet em Artigos, artigo 27.}

domingo, 4 de setembro de 2016

As Variações Eclesiásticas do Batismo

No Novo Testamento há perfeita uniformidade, tanto quanto ao preceito quanto aos exemplos, sobre o assunto do batismo. No entanto, em nossos próprios dias, e desde o início do terceiro século, encontramos na igreja professa infinitas variações tanto quanto o que diz respeito à teoria quanto à prática sobre esse importante assunto. Aqueles não familiarizados com a história eclesiástica podem naturalmente perguntar: Quando, e por quais meios, tais diferenças surgiram na igreja?

Como tem sido nosso plano, no decorrer de todo este livro, encontrar o início das grandes questões que têm afetado a paz e prosperidade da igreja, nos esforçaremos, bem brevemente, a apontar o início da história dos batismos eclesiásticos. Usamos o termo eclesiástico para distingui-lo do que é bíblico. Nada que tenha sido introduzido após os dias dos apóstolos inspirados provém de autoridade divina, seja em teoria ou prática. Assim, algo não pode ser o batismo cristão se varia daquilo que Cristo instituiu ou da prática de Seus apóstolos. Trazer alterações é o mesmo que mudar a coisa em si, e torná-la não o mesmo, mas um outro batismo; assim encontramos, na história, que surgiram muitos batismos.

Como nosso objeto de estudo, agora, é o início da história dessas variações, e não a controvérsia, evitaremos dar qualquer opinião sobre a tão longamente agitada questão. Por mais de 1600 anos a controvérsia tem sido mantida com grande determinação, e por homens capazes de ambos os lados. Nenhuma controvérsia na história da igreja tem tido tal continuidade, ou conduzida com tal confiança de vitória por ambas as partes. Como não há menção expressa de batismo infantil nas Escrituras, os batistas pensam que sua posição é inquestionável; e os pedobatistas, com a mesma firmeza acreditam que pode ser inferido, a partir de várias passagens conhecidas, que o batismo infantil era praticado nos dias dos apóstolos. Não houve tanta controvérsia quanto ao modo do batismo. Os gregos, latinos, francos e germânicos aparentemente batizavam por imersão. "Batismo é uma palavra grega", diz Lutero, "e em Latim pode ser traduzida como mersio, imersão; ... e embora essa prática tenha caído em desuso entre a maioria de nós, contudo, os que são batizados deveriam ser inteiramente imergidos, e então imediatamente levantados para fora da água, pois é isto que a etimologia da palavra indica, assim como na língua germânica". O testemunho e Neander é o mesmo: "O batismo era originalmente administrado por imersão; e muitas das comparações de São Paulo aludem a essa forma de administração. A imersão é um símbolo da morte, de ser sepultado com Cristo; a saída da água é um símbolo da ressurreição com Cristo; e ambos, tomados em conjunto, representam o segundo nascimento, a morte do velho homem, e uma ressurreição para uma nova vida"*. Cave, Tillotson, Waddington, etc. falam do modo de batismo de maneira similar. E como todos esses testemunhos são de pedobatistas, podemos descartar esta parte do assunto como justamente provada na história da igreja; no entanto, a fé deve permanecer somente sobre a Palavra de Deus. Não seguimos os "pais", mas sim a Cristo.

{* The Inquirer, 1839, p. 232}

Irineu, bispo de Lion, é o primeiros dos "pais" a aludirem ao batismo infantil. Ele morreu por volta do ano 200, de modo que seus escritos são datados por volta do fim do segundo século. Os "pais" apostólicos nunca mencionaram isso. Por essa época a superstição, em grande medida, tinha tomado o lugar da fé, de modo que o leitor deve estar preparado a ouvir algumas noções extravagantes colocadas por alguns dos grandes doutores; ainda assim, muitos deles, sem dúvidas, eram verdadeiro cristãos fervorosos. "Cristo veio salvar todas as pessoas para Si mesmo", diz Irineu, "com isso quero dizer que todos os que, por Ele, forem regenerados -- batizados -- para Deus: infantes e pequeninos, crianças e jovens, e pessoas mais velhas. Portanto Ele passou por várias idades: para os infantes ele foi feito um infante, santificando infantes; para os pequeninos Ele foi feito um pequenino, santificando os dessa idade; e também dando-lhes um exemplo de piedade, justiça e obediência: para os jovens Ele foi um jovem", etc. O batismo era, portanto, ensinado como sendo uma lustração da alma para todas as idades e condições da humanidade. Mas a controvérsia logo se resumiu em uma questão -- criança ou adulto. Regeneração, nascer de novo, batismo, eram usados como termos intercambiáveis, como se significassem a mesma coisa, nos escritos dos "pais".*

{* Veja História do Batismo Infantil, de Dr. Wall. Nós citamos sua tradução (para o Inglês) dos "pais". Tendo recebido os agradecimentos do clero da Câmara dos Comuns, da Convocação, e as honras de D. D. da Universidade de Oxford, por sua grande obra em defesa do batismo infantil, podemos confiar em suas citações como essencialmente corretas, e como as mais favoráveis em relação ao tema.}

Aqui temos a origem, até onde a antiguidade eclesiástica nos informa, do batismo infantil. A passagem é um tanto obscura e extremamente fantasiosa, mas é o primeiro traço que temos da questão ainda instável, e provavelmente a raiz de todas as suas variações vistas eclesiasticamente. O efeito de tal ensino nas mentes supersticiosas foi imenso. Pais ansiosos apressaram-se para ter seus delicados bebês batizados para que não morressem sob a maldição do pecado original, e o homem do mundo atrasava seu batismo até a aproximação da morte para evitar qualquer mancha subsequente, e para que pudesse emergir das águas da regeneração para os recintos da pura e genuína bem-aventurança. O exemplo e reputação de Constantino levou muitos a adiar, desse modo, o batismo, embora o clero testificava ser contra a prática.

Tertuliano. O testemunho deste "pai" prova que os bebês eram batizados em seus dias -- ele morreu por volta de 240 -- mas que ele não era favorável à prática: como ele diz, "Mas aqueles cujo dever é administrar o batismo devem saber que ele não deve ser dado precipitadamente... Portanto, de acordo com a condição e disposição de cada homem, e também de acordo com sua idade, o adiamento do batismo é mais proveitoso, especialmente no caso de crianças pequenas. Pois qual a necessidade de colocar os padrinhos em perigo? pois podem falhar em suas promessas por causa da morte, ou podem estar enganados se uma criança se provar ser de disposição ímpia."

Orígenes, ao discorrer sobre o pecado da nossa natureza, faz alusão ao batismo como o meio indicado de removê-lo. "Os bebês são batizados", diz ele, "para o perdão dos pecados. De que pecados? Ou quando eles pecaram? Ou como pode, nesse caso, o batistério suprir qualquer bem que seja? Mas de acordo com o sentido que mencionamos agora: ninguém é livre da poluição, mesmo que sua vida tenha durado apenas um dia sobre a terra. E é por este motivo, porque pelo sacramento do batismo a poluição que temos de nascença é levada embora, que os bebês são batizados."

Cipriano, bispo de Cartago, por volta do ano 253, recebeu uma carta de Fido, um bispo do interior, perguntando se um bebê, antes dos oito dias de idade, podia ser batizado se necessário. A resposta prova, não apenas que o batismo infantil era então praticado, mas a necessidade disto na mente deles por causa de sua eficácia. Cipriano, com sessenta e seis bispos em concílio, diz: "Quanto ao caso dos bebês, visto que você julga que eles não devem ser batizados dentro de dois ou três dias após terem nascido, e que a regra da circuncisão deve ser observada, de modo que ninguém deve ser batizado e santificado antes do oitavo dia após ter nascido: todos nós em assembleia fomos de opinião contrária. Seja o que for que você pensa adequado de se fazer, não houve nenhum dentre nós que tivesse a mesma ideia, mas todos nós, pelo contrário, julgamos que a graça e misericórdia de Deus não deve ser negada a qualquer pessoa nascida. Pois já que o nosso Senhor em Seu evangelho diz 'o Filho do homem não veio para destruir as almas dos homens, mas para salvá-las', então no que depender de nós, nenhuma alma, se possível, será perdida", etc.

Gregório Nazianzeno
, bispo de Constantinopla, foi um "pai" notável por volta do ano 380. Ele foi o meio de destruir o poder do arianismo na capital oriental, onde tinha sido mantido com grande força por quase quarenta anos. Ele teve de encontrar muita oposição e até mesmo perseguição no início; mas aos poucos sua eloquência, o tom prático e sério de seu ensino, e a influência de sua vida piedosa começaram a dar resultado e a mantê-lo firme na cidade, embora nunca tenha gostado do estilo imperial da capital.

Dr. Wall cita Gregório largamente sobre o batismo, mas nossos extratos serão breves. Como o restante dos "pais", ele é enfático sobre o assunto. "O que você diz sobre aqueles que ainda são crianças e não têm capacidade de serem sensíveis, seja da graça ou da falta dela? Devemos batizá-las também? Sim, por todos os meios, se qualquer perigo torná-lo necessário. Pois é melhor que elas sejam santificadas sem terem consciência disso do que morrerem não seladas e não iniciadas. E uma base para isto, para nós, é a circuncisão, que era feita no oitavo dia e era um típico selo, e era praticada naqueles que não tinham o uso da razão". Contra a prática de adiar o batismo até um leito de morte, ele fala forte e seriamente, comparando o serviço à lavagem de um cadáver, em vez de um batismo cristão.

Basílio
, bispo de Cesareia, é constantemente associado com os dois Gregórios. Gregório de Nissa era seu irmão, e o outro seu melhor amigo. A Capadócia gerou três "pais". Basílio era fiel ao credo de Atanásio durante seus dias de depressão e adversidade, mas não viveu para contemplar seu triunfo final. Ele morreu por volta de 379. Ele foi um grande admirador e um verdadeiro exemplo do cristianismo monástico. Ele abraçou a fé ascética, abandonou sua propriedade e praticou tamanhas austeridades severas a ponto de prejudicar sua saúde. Ele fugiu para o deserto, mas sua fama fez com que uma cidade fosse construída ao redor dele, e construiu um monastério, e então os monastérios surgiram por todos os lados.

Suas visões sobre o batismo são similares às de seu amigo Gregório: ele exorta a necessidade disto com base no mesmo sentimento supersticioso que todos eles tinham. "Se Israel não tivesse passado através do mar", diz ele, "eles não teriam se livrado de Faraó: e a menos que tu passes através das águas do batismo, não te livrarás da cruel tirania do diabo", etc. Ele aplicava isto a todas as idades, e o reforçava pelas palavras do Senhor a Nicodemos: "Na verdade, na verdade te digo que aquele que não nascer da água e do Espírito, não pode entrar no reino de Deus." (João 3:5)

Ambrósio, bispo de Milão, como todos os "pais" que já conhecemos, se engana completamente quanto ao significado de João 3:5: "Aquele que não nascer da água e do Espírito, não pode entrar no reino de Deus". "Você vê", diz ele, "que Cristo não excetua pessoa nenhuma, nem um bebê, nem mesmo aquele que é morto por um acidente inevitável."

João, apelidado Crisóstomo, que significa "boca dourada", obteve esse nome por conta de sua eloquência suave e fluída. Ele era tão favorito do povo que eles costumavam dizer: "Nós preferimos que o sol não brilhe a João não pregar". Ele era evidentemente a favor do batismo infantil, embora não seja claro se acreditava no pecado original. "Por este motivo também batizamos bebês", diz ele, "embora eles não estejam corrompidos pelo pecado, para que possa ser acrescentadas a eles a santidade, a justiça, a herança de adoção, uma fraternidade com Cristo e para que sejam feitos membros com Ele". Seria difícil falar mais quanto aos alegados benefícios do batismo além dos que vemos aqui enumerados. Mas por mais extravagante que toda a sentença possa parecer, esse era o texto dos pedobatistas desde aqueles dias até hoje. A maioria dos nossos leitores são familiares a essas palavras: "O batismo é onde eu sou feito um membro de Cristo, um filho de Deus, e um herdeiro do reino dos céus". Tais palavras foram tiradas não das Escrituras, mas de Crisóstomo.

Dr. Wall parece ansioso por deixar transparecer que esse grande doutor [Crisóstomo] não estava alienado quanto ao pecado original. Ele sugere que o significado de suas palavras possam ser: "eles não se corromperam pelos seus próprios pecados". Mas Crisóstomo não diz "seus próprios", mas que eles não estão corrompidos pelo pecado. E certamente toda criança é corrompida, como disse o salmista: "Eis que em iniqüidade fui formado, e em pecado me concebeu minha mãe" (Salmos 51:5). Em vão procuramos solidez em muitas das doutrinas fundamentais do cristianismo entre os "pais", para não dizer sobre o que eles negligenciaram, tal como a presença do Espírito Santo na assembleia, o chamado celestial e as relações celestiais da igreja, a diferença entre a casa de Deus e o corpo de Cristo, a bendita esperança, e o glorioso aparecimento do grande Deus e nosso Salvador Jesus Cristo (Tito 2:11-15).

A História Interna da Igreja

Capítulo 12: A História Interna da Igreja (245 - 451 d.C.)


O século que termina com a morte do grande Teodósio e Ambrósio foi cheio do mais profundo interesse para o leitor cristão. Passaram-se eventos, dentre os mais momentosos, que afetaram a majestade e glória de Deus e o bem-estar da humanidade. Do ano 303 até 313, a igreja passou através de suas provações mais difíceis sob Diocleciano. Por dez anos ela esteve em uma fornalha ardente, mas em vez de ser consumida, como seu inimigo em vão imaginara, ela parece ter aumentado em número assim como em pureza e poder. A Satanás foi permitido fazer o que queria contra ela, e ele moveu e agitou tanto a população pagã que em todas as partes do império eles ergueram seus braços: primeiro, para defender o politeísmo, e, segundo, para erradicar o cristianismo ao perseguir os cristãos e destruir seus livros sagrados. Assim, o século começou com o grande e final embate entre o paganismo e o cristianismo, e terminou com a total ruína do primeiro, e o completo triunfo do último. A disputa terminou com o quarto século, e a vitória descansou sobre o cristianismo desde então.

Tal foi a história exterior da igreja, e o cumprimento, até então, da palavra do Senhor nas epístolas a Esmirna e Pérgamo. Mas há outras coisas que muito razoavelmente demandam um pouco de nossa atenção antes de entrarmos no quinto século, e nenhuma parte do amplo campo que se estende diante de nós parece ter uma importância tão forte quanto a esfera e influência dos grandes prelados do Oriente e do Ocidente. Deve também ter ocorrido aos nossos leitores, a partir das necessárias alusões ao batismo, que a observância desse rito tinha um imenso lugar nas mentes daqueles primeiros cristãos. Eles acreditavam que as águas do batismo purificavam a alma completamente. Pensamos, então, em combinar os dois -- daremos uma breve história do batismo a partir dos escritos dos "pais", o que, ao mesmo tempo, nos dará uma oportunidade de vermos quais visões eles tinham, não apenas sobre o batismo, mas sobre as verdades fundamentais do evangelho.

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