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domingo, 9 de outubro de 2022

Lutero – Um Sacerdote e Professor

Ele passou três anos agitados no claustro de Erfurt. Mas para ele esses anos não foram perdidos. O cultivo geral de sua mente, a disciplina de sua alma, seu estudo do hebraico e do grego: eram muitos ramos da educação necessária para sua futura carreira no serviço do Senhor. Além disso, foi o lugar de seu nascimento espiritual e o lugar onde ele ouviu pela primeira vez sobre a justificação pela fé – aquela doutrina divina sobre a qual grande parte de seu trabalho subsequente foi construído. 

No ano de 1507 foi ordenado padre, cerimónia em que o seu pai estava presente, embora ainda insatisfeito com o curso de vida do filho. Lutero tinha então recebido poder do bispo para oferecer sacrifícios pelos vivos e pelos mortos, e para converter, murmurando algumas palavras, o pão sem fermento no “verdadeiro corpo e sangue do Senhor”. Lutero submeteu-se e aceitou essas pretensões papistas, embora contra suas convicções, e com medo e tremor, mas sua alma nunca chegou a se recuperar completamente dos efeitos dessa ordenança blasfema. Uma cegueira de juízo quanto à simplicidade escriturística da Ceia do Senhor se estabeleceu em sua mente. Ele foi capacitado, pela graça de Deus, a se livrar e denunciar muitas das superstições de Roma, mas nunca totalmente de seu ápice: a transubstanciação. 

Staupitz, o fiel amigo e patrono de Lutero, colocou-o, aos vinte e cinco anos de idade, em uma posição adequada para a exibição de sua mente poderosa e ativa, e para o posterior desenvolvimento de seu caráter. Ele foi convidado pelo príncipe-eleitor Frederico*, por sugestão do vigário-geral, a ocupar uma cadeira de filosofia na universidade que tinha fundado. Assim, mudou-se para Wittemberg no ano de 1508. Mas, embora chamado para ser professor, não deixou de ser monge; ele se hospedou em uma cela no convento agostiniano. Os assuntos sobre os quais ele foi designado a lecionar foram a física e a dialética de Aristóteles. Este era um emprego desagradável para alguém que estava faminto e sedento pela Palavra de Deus. Nem a ciência física nem a filosofia moral se adequavam ao espírito de sua mente. Mas, novamente, podemos dizer, era parte de sua educação necessária. Aquele que passou pelo claustro deve agora ocupar por um tempo a cadeira de filosofia escolástica, para que possa se tornar mais apto a expor os males e combater os erros de ambos os sistemas, e assim emancipar as mentes dos homens de sua influência. 

{* Eleitores ou príncipes-eleitores (em alemão é Kurfürst, plural Kurfürsten) foram os membros do colégio eleitoral do Sacro Império Romano-Germânico, tendo desde o século XIII, a função de eleger o Rei dos Romanos, ou, a partir de meados do século XVI em diante, diretamente o Imperador do Sacro Império Romano-Germânico. Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Pr%C3%ADncipe-eleitor } 

Nesse meio tempo, embora atraísse os jovens de Wittemberg pela força e estilo de suas palestras, dedicava-se zelosamente ao estudo do grego e do hebraico. Seu desejo era beber na fonte, e Aquele que viu o grande desejo de seu coração e o trabalho de sua vida lhe abriu o caminho. Poucos meses depois de sua chegada à universidade, obteve o grau de Bacharel em Divindade, que o habilitava a dar palestras sobre teologia ou sobre a Bíblia. Ele agora se sentia em sua esfera adequada e determinado a comunicar apenas o que aprendeu da Palavra de Deus. Seus primeiros discursos foram sobre os Salmos, e então ele passou para a Epístola de Paulo aos Romanos. 

Suas preciosas meditações sobre essas porções em sua cela silenciosa, tanto em Erfurt quanto em Wittemberg, deram um caráter totalmente novo às suas palestras. Ele falava, não apenas como um estudante eloquente, mas como um cristão que sentia o poder das grandes verdades que ensinava. Quando ele alcançou, em suas exposições, a última sentença de Romanos 1:17, “o justo viverá pela fé”, uma luz, podemos dizer, além do brilho do sol, encheu toda a sua alma. O Espírito de Deus revestiu as palavras de luz e poder ao entendimento e ao coração de Lutero. A grande doutrina da justificação pela fé ele recebeu em seu coração como vinda da voz de Deus. Ele agora via que a vida eterna deveria ser obtida não pela penitência, mas pela fé. Toda a história da Reforma alemã está ligada a estas poucas palavras. À luz delas, ele explicou as escrituras do Antigo e do Novo Testamento; por sua verdade, expôs as falsidades do papado, emocionou o coração da Europa, pôs fim ao reino da impostura e realizou a grande Reforma. Sozinho ele ficou em pé diante de toda autoridade – diante de todo o mundo – na verdade da Palavra de Deus: “o justo viverá pela fé”. A palavra de Deus é verdadeira, o papado é uma mentira; um deve cair, o outro deve triunfar. A verdade é saúde para a alma, a mentira é um veneno mortal. Esses princípios de justiça eterna estavam agora firmemente fixados no coração de Lutero pelo Espírito de Deus; e, por mais simples que pareçam, ele foi capacitado, pela fé na Palavra de Deus, a triunfar sobre papas, bispos, clérigos, reis e imperadores, levantando a bandeira da salvação pela fé no Senhor Jesus Cristo, sem obras de lei. 

A grande obra estava agora iniciada, mas o obreiro ainda tinha algumas lições a aprender.  

domingo, 25 de novembro de 2018

A Confissão Auricular

Os sacramentos da igreja de Roma, sendo considerados necessários à vida espiritual, e estando à disposição do sacerdócio, deram a eles um enorme poder. Mas nenhum de seus muitos sacramentos tendia a aumentar tanto a influência dos padres, ou a escravizar e rebaixar a moralidade do povo, quanto a confissão auricular. Do Imperador ao mendigo, todo coração de todo homem e mulher pertencente à igreja de Roma foi escancarado perante o padre. Nenhum ato, e quase que nenhum pensamento, pelo menos na idade das trevas, era mantido em segredo do padre. Esconder ou disfarçar a verdade era um pecado que deveria ser punido com a mais humilhante penitência, ou até mesmo com as dores eternas do inferno. Perante um poder tão arbitrário, tão irresponsável, tão temido, quem não tremeria? Os padres assim se tornaram um tipo de polícia espiritual, a quem todo homem estava obrigado a entregar-se. Eles sabiam os segredos de todas as pessoas, de todas as famílias, de todos os governos, de todas as sociedades, e, é claro, como governar e estabelecer seus planos de modo a alcançar o que quer que quisessem. A consciência, a moral, assim como o ser religioso e espiritual do homem, estavam sob seu poder. Era como o selo e consumação de toda a impiedade e blasfêmia. Pais e filhos, mães e filhas, mestres e escravos, estavam todos sob a supervisão e controle dos padres.

O poder assim obtido no confessionário era exercido pelo alegado bem da igreja -- às vezes em conceder, adiar ou recusar absolvição, conforme o caso. Tudo dependia dos fins alcançados pela igreja: era feito o uso mais egoísta, cruel e sem princípio de informação assim religiosamente obtida. Referimo-nos especialmente aos casos prolongados de disputa e disciplina, que nunca poderiam ser resolvidos até que a igreja tivesse ganhado a causa. A excomunhão era algo real naqueles dias, e o papa um verdadeiro antagonista. Quando Hildebrando trovejou uma sentença de excomunhão contra Henrique, libertou seus súditos do juramento de lealdade a ele, e o declarou privado de seu trono, ele descobriu ser inútil lutar contra o papa, mesmo sendo ele (Henrique) o maior soberano na Europa naquela época. Ele foi forçado a ceder; e na mais degradada condição, descalço e tremendo de frio, ele humildemente suplicou ao inexorável monge que removesse a censura da igreja e o reintegrasse ao trono. A terrível sentença de excomunhão cortava fora o ofensor, qualquer que fosse sua classe ou posição social, e como a salvação era considerada algo absolutamente impossível de se alcançar fora da igreja católica, não havia qualquer esperança para alguém que morresse sob tal sentença. Ao corpo podia ser negado um lugar de descanso em solo consagrado, mas o real temor era que a alma se tornasse a presa dos demônios para sempre.

domingo, 2 de julho de 2017

Gregório VII e sua Reforma

Por volta do fim do primeiro ano oficial de Gregório como papa (março de 1074), ele reuniu um numeroso concílio em Roma, com o propósito de declarar guerra contra os dois grandes vícios do clero europeu, e os dois grandes obstáculos para seu esquema teocrático -- o concubinato e a simonia, isto é: o casamento de sacerdotes e a venda de benefícios. Muitos que eram favoráveis à reforma achavam o decreto quanto ao celibato não apenas severo, como também injusto, porque se aplicava igualmente aos mais honráveis casamentos e aos de maior desprezo. Foi resolvido no concílio, sem oposição: primeiro, que os padres não deveriam se casar; segundo, que aqueles que estavam casados deveriam deixar suas esposas ou renunciar ao sacerdócio; terceiro, que no futuro ninguém que não professasse continência inviolável deveria ser admitido às ordens sagradas.

Muitos dos primeiros pais se esforçaram para estabelecer a conexão entre o celibato e a santidade, e a persuadir os homens que aqueles que se casaram com a igreja deveriam evitar a contaminação de uma união terrena. Muitos dos papas também defenderam o celibato; mas, a não ser sob a mais severa disciplina pessoal ou nas comunidades monásticas mais estritas, o celibato era pouco observado e provavelmente nunca tenha sido forçado além das fronteiras da Itália. Mas Gregório fez sua voz ser ouvida e temida quanto a esse assunto, desde o Vaticano até os limites mais longínquos da Cristandade latina. Ele escreveu cartas a todos os arcebispos e bispos, aos príncipes, potentados e oficiais leigos de todos os níveis, sob pena de incorrerem em severa punição ou perdição eterna, para que expulsassem e depusessem, sem misericórdia, todos os padres e diáconos casados, e a recusar seus contaminantes ministérios. Esses despachos estavam cheios de anátemas (maldições) contra todos os que resistissem aos seus decretos; e, assumindo o lugar de Deus, ele diz: "Como obterão perdão por seus pecados aqueles que desprezam aquele que abre e fecha as portas do céu a quem ele se agrada? Que todos se cuidem de não invocarem a ira divina sobre suas próprias cabeças,... como eles incorrem na maldição apostólica, em vez de ganharem essa graça e bênção tão abundantemente derramada sobre eles pelo bendito Pedro! Que fiquem bem certos que nem príncipe nem clérigo escapará da condenação do pecador em deixar de expelir, com rigor inexorável, todos os padres simoníacos e casados, e todos os que ouvirem ao chamado da simpatia ou afeição carnal, ou por qualquer motivo mundano reterem a espada de derramar sangue pela causa de Deus e de Sua igreja, ou permanecerão distantes enquanto essas heresias condenadoras estiverem roendo os sinais vitais da religião,... estes devem ser considerados indiscriminadamente como cúmplices dos hereges, como falsificações e fraudes."*

{* Greenwood, Cathedra Petri, vol. 4, p. 331.}

domingo, 2 de abril de 2017

A Influência Maligna dos Missionários do Papa

É triste refletir sobre a terrível matança dos saxões, e o batismo forçado do indefeso remanescente; mas nossa tristeza é infinitamente aumentada quando descobrimos que os professos mensageiros da misericórdia foram os grandes impulsionadores dessas longas e exterminadoras guerras. No lugar de serem missionários do evangelho da paz, eles eram, na realidade, os cruéis emissários do papado -- do poder das trevas: Carlos Magno era, sem dúvida, em grande parte enganado e instigado pelos padres.

Sob o objetivo declarado de cimentar a união entre a igreja e o Estado, para o benefício secular e espiritual da humanidade, e para a força duradoura do governo imperial, os astutos sacerdotes viram o caminho se abrindo para sua própria grandeza secular e para a mais absoluta soberania de Roma. E assim aconteceu, como toda a história afirma. Eles logo ganharam uma posição de grandeza mundana sobre o povo conquistado e suas terras. Uma mudança completa acontece, precisamente nesse momento, na condição externa do clero, e, de fato, na sociedade em geral. A história antiga desaparece, como nos é contado, na morte de Pepino, e tem início a vida medieval. Uma nova condição de sociedade é inaugurada por seu filho -- o último dos reis bárbaros e o primeiro dos monarcas feudais. Mas é na história eclesiástica que estamos interessados, e aqui, novamente, preferimos fornecer alguns extratos do decano Milman -- a quem tantas vezes nos referimos -- que não pode ser acusado de severidade desnecessária, mas cujo testemunho é da mais alta integridade.

"A subjugação da terra pareceu estar completa antes que Carlos Magno fundasse, sucessivamente, suas grandes colônias religiosas, os oito bispados de Minden, Seligenstadt, Verden, Bremen, Munster, Hildesheim, Osnaburg e Paderborn. Estes, como muitos monastérios ricamente dotados como Hersfuld, tornaram-se os centros separados dos quais o cristianismo e a civilização se espalhou em círculos cada vez maiores. Mas, embora fossem assentamentos militares assim como religiosos, os eclesiásticos eram os únicos estrangeiros. Os mais fiéis e confiáveis chefes saxões, que deram a segurança de aparente sincera conversão ao cristianismo, foram promovidos a condes: assim, a profissão do cristianismo era o único teste de fidelidade...

"Carlos Magno, na história cristã, tem um papel ainda mais importante do que apenas na subjugação da Germânia ao evangelho, por causa de sua completa organização, se não fundação, da alta hierarquia feudal em grande parte da Europa. Por todo o império ocidental, pode-se dizer, foi constitucionalmente estabelecida essa dupla aristocracia, eclesiástica e civil. Em todos os lugares, o alto clero e os nobres, e através das diferentes gradações da sociedade, mesmo os da mesma classe, estavam sujeitos aos mesmos deveres, e eram iguais, em alguns casos de coordenação, em autoridade. Cada distrito tinha seu bispo e seu conde; as dioceses e os condados possuíam, na maioria das vezes, a mesma extensão...

"O próprio Carlos Magno era não menos pródigo (liberal) do que os reis mais fracos no que diz respeito a imunidades e concessões dadas às igrejas e monastérios. Com sua rainha Hildegard, ele doou, à igreja de São Martinho, em Tours, terras na Itália. Suas concessões a São Denis, a Lorch, a Fulda, a Prum, mais particularmente a Hersfuld, e a muitas abadias italianas, aparecem entre os atos de seu reinado.

"Essas propriedades nem sempre eram obtidas do rei ou dos nobres. Os servos dos pobres eram, muitas vezes, os saqueadores dos pobres. Mesmo sob Carlos Magno há reclamações contra a usurpação de propriedades pelos bispos e abades, assim como contra condes e leigos. Eles obrigavam o homem livre pobre a vender sua propriedade, ou o forçava a servir no exército em permanente dever, para, assim, deixar suas terras sem dono, com todas as chances de que não pudesse retornar, ou entregues à custódia daqueles que permaneceram em casa em silêncio; dessa forma, os sacerdotes aproveitavam cada oportunidade para tomar posse delas. Nenhuma vinha de Nabote escapava da vigilante avareza deles.

"Em seus feudos, o bispo ou abade exercia todos os direitos de um chefe feudal... Assim, a hierarquia, então uma instituição feudal, paralela e coordenada com a aristocracia secular feudal, aspirava desfrutar, e já a algum tempo desfrutava, da dignidade, riqueza e poder dos senhores suseranos. Bispos e abades tinham a independência e os privilégios sobre os feudos inalienáveis; e, ao mesmo tempo, começaram, quer hostilmente contestar, quer arrogantemente recusar, os pagamentos ou reconhecimentos da vassalagem, que muitas vezes pesavam sobre outras terras. Durante o reinado de Carlos Magno essa teoria da imunidade espiritual adormeceu, ou melhor, não tinha ainda tomado vida. No entanto, no conflito com seu filho, Luís, o Piedoso, ela foi corajosamente anunciada e seu crescimento foi rápido. Foi, então, afirmado pela hierarquia, que toda propriedade dada à igreja, aos pobres, aos santos, e ao Próprio Deus -- tais eram as frases especiosas -- era dada absoluta e irrevogavelmente, sem reservas. O rei podia ter poder sobre os honorários dos cavaleiros; mas sobre a igreja, ele não tinha poder nenhum. Tais reivindicações seriam consideradas ímpias, sacrílegas, e implicavam na perda da vida eterna. O clero e suas propriedades pertenciam a outro reino, a outra comunidade. Eles eram inteira e absolutamente independentes do poder civil."*

{* Cristianismo Latino, vol. 2, p. 286}

A Espada de Carlos Magno ou o Batismo

O objetivo professo de Carlos Magno era estabelecer o cristianismo nas partes remotas da Germânia, mas deve-se sempre lembrar que ele usou de meios muito violentos para cumprir seu fim. Milhares foram forçados às águas do batismo para escapar de uma morte cruel. "A espada ou o batismo" eram os termos usados pelo conquistador. Foi promulgada uma lei que estabelecia a pena de morte contra a recusa do batismo. Ele não podia oferecer condições de paz, nem entrar em qualquer tratado, no qual o batismo não fosse a principal condição. A conversão ou o extermínio foi a palavra de ordem dos francos. E, embora a antiga religião pudesse não estar tão arraigada na consciência do saxão, ele não podia ver nada melhor na nova; pois, para sua mente, o batismo estava identificado à escravidão e o cristianismo à submissão a um jugo estrangeiro. Submeter-se ao batismo era renunciar, não apenas à sua antiga religião, mas à sua liberdade pessoal.

Com tais sentimentos anticristãos e desumanos, a guerra seguiu em frente, como já mencionamos, por 33 anos. À frente de seus exércitos superiores, Carlos Magno oprimiu as tribos selvagens, que eram incapazes de confederar-se para sua segurança comum; conta-se que ele nem mesmo encontrou um adversário igual em números, em disciplina ou em armas. Mas, após uma luta de derramamento de sangue incalculável, e de quase sem igual obstinação e duração, os números, a disciplina e o valor dos francos prevaleceu com o tempo sobre os indisciplinados e desconsiderados esforços dos saxões. "O remanescente de trinta campanhas de indistinta matança", diz Greenwood, "e generalizada expatriação aceitou o batismo e tornou-se permanentemente incorporado ao império dos francos e ao cristianismo. Abadias, monastérios e casas religiosas de todos os tipos se espalharam por toda as partes do território conquistado, e as novas igrejas* eram supridas por ministros da escola de Bonifácio -- uma escola que não admitia qualquer distinção entre a lei de Cristo e a lei de Roma."

{* N. do T.: Aqui no sentido de edifícios religiosos, e não no sentido bíblico do corpo de Cristo ou de uma assembleia reunida somente ao nome de Cristo.}

O batismo era a única segurança e garantia de paz que os francos aceitariam pela submissão dos saxões. E assim foi -- e quão triste e humilhante é essa relação! -- quando a conquista foi concluída, e finda a carnificina, que os padres entraram em campo. O ofício deles era batizar os vencidos. Milhares dos bárbaros foram, assim, forçados, na ponta da espada, ao que os padres chamavam de águas regeneradoras do batismo. Mas, para os saxões, o batismo significava nem mais nem menos do que a renúncia à sua religião e sua liberdade. A consequência foi que, assim que os exércitos de Carlos se retiraram, os infatigáveis saxões voltaram a se erguer, atravessando os imponentes limites do império e devastando tudo por onde passavam. Em sua fúria ardente e amarga vingança eles cortaram cruzes, queimaram "igrejas", destruíram monastérios, mataram seus prisioneiros, sem respeitar idade nem sexo, até que todo o país pareceu estar envolvido em chamas e inundado de sangue. Dizem que tais revoltas eram muitas vezes provocadas pela linguagem insolente, e ainda mais pelo comportamento ofensivo dos monges missionários, e pela severa avareza com a qual exigiam seus dízimos. Mas tais explosões da parte dos saxões eram seguidas por uma nova invasão e matança implacável pelos francos, até que tribo após tribo cedeu aos braços conquistadores de Carlos Magno. Em uma ocasião, após uma severa revolta, Carlos massacrou,  a sangue frio, 4500 guerreiros valentes que tinham se rendido. Esse cruel e covarde abuso de poder deixou uma mancha escura e indelével em sua história, que nenhuma desculpa pode jamais remover. Mesmo o historiador cético alude a ela de forma muito verdadeira e tocante. "Em um dia de igual retribuição", diz ele, "os filhos de seu irmão Carlomano, o príncipe merovíngio de Aquitânia, e os 4500 saxões que foram decapitados no mesmo local, terão algo a alegar contra a justiça e humanidade de Carlos Magno. Seu tratamento para com os vencidos saxões foi um abuso do direito de conquista".

domingo, 26 de fevereiro de 2017

Uma Nova Jezabel no Poder (842 d.C.)

Após a morte do imperador Teófilo, Teodora, sua viúva, governou como regente durante o período de minoridade de seu filho. Seu apego dissimulado à idolatria era bem conhecido do sacerdócio, e não muito tempo após a morte de Teófilo ela se dedicou ao completo cumprimento de seu grande objetivo. Quando o caminho ficou limpo, um festival solene foi marcado para a restauração das imagens. "Todo o clero de Constantinopla, e todos os que podiam se reunir dos arredores, se encontraram diante do palácio do arcebispo e marcharam em procissão com cruzes, tochas e incenso à igreja de Santa Sofia. Ali eles se encontraram com a imperatriz e seu pequeno filho Michael. Eles fizeram o circuito da igreja, com suas tochas ardendo, prestando homenagem a cada estátua e pintura, que foram cuidadosamente restauradas, para nunca mais serem apagadas até tempos depois por iconoclastas ainda mais terríveis, os turcos otomanos."*

{* Cristianismo Latino, vol. 2, p. 202.}

Após um restabelecimento tão triunfante das imagens, o partido vitorioso sem dúvida pensou que havia chegado o tempo de propôr e tentar assegurar outro triunfo; eles agora instavam a imperatriz a empreender a total supressão dos paulicianos. Eles tinham pregado contra imagens, relíquias e a madeira podre da cruz. Eles não podiam continuar vivendo, e os católicos atingiram esse objetivo! Um decreto foi emitido sob a regência de Teodora, que decretou que os paulicianos deveriam ser exterminados por fogo e espada, ou trazidos de volta à igreja grega. Mas eles recusaram todas as tentativas que foram feitas para ganhá-los, e assim o feroz demônio da perseguição foi solto entre eles. Seus inquisidores exploraram as cidades e montanhas da Ásia menor e executaram sua comissão da maneira mais cruel possível. Os números da seita, e a severidade da perseguição, podem ser julgados pelas multidões que foram mortas pela espada, decapitadas, afogadas ou consumidas nas chamas. Afirma-se, tanto pelos historiadores civis quanto eclesiásticos, que, em um curto reinado, cem mil paulicianos foram condenados à morte. Houve alguma vez uma filha mais genuína de Jezabel do que esta? Ela nem mesmo tinha um Acabe para fazer este trabalho cruel por ela, mas com suas próprias mãos, por assim dizer -- infelizmente, as mãos de uma mulher -- por seu próprio decreto, ela assassinou cem mil santos de Deus*, restabeleceu a adoração aos ídolos, e nutriu com favor real os padres idólatras de Roma.

{* Não pretendemos afirmar que todos os que foram mortos por Teodora eram cristãos verdadeiros. Não podemos julgar o coração; mas eles professavam ser e voluntariamente morreram como mártires.}

A história da iconoclastia foi notável pela influência feminina. Helena foi a primeira a sugerir e encorajar a veneração por relíquias; Irene foi a restauradora da adoração de imagens quando ameaçada de destruição; e agora Teodora não apenas restabelece a idolatria que seu marido tinha se esforçado para suprimir, como também persegue os verdadeiros adoradores. Certamente a mulher Jezabel -- símbolo da igreja dominante na Idade das Trevas -- tem seu antítipo nessas três mulheres, especialmente as duas últimas. A semelhança é marcante demais para ser questionada. Mas todo o sistema do catolicismo respira esse terrível espírito, e é caracterizado pelas tenebrosas características do caráter de Jezabel. A palavra do Senhor não pode ser quebrada. "Ninguém fora como Acabe, que se vendera para fazer o que era mau aos olhos do Senhor; porque Jezabel, sua mulher, o incitava". Este é o tipo (figura). O antítipo é: "Mas algumas poucas coisas tenho contra ti que deixas Jezabel, mulher que se diz profetisa, ensinar e enganar os meus servos, para que forniquem e comam dos sacrifícios da idolatria. E dei-lhe tempo para que se arrependesse da sua fornicação; e não se arrependeu." (1 Reis 21:25, Apocalipse 2:20,21)

domingo, 8 de janeiro de 2017

Os Sucessores de Maomé

Após a morte do profeta, a guerra foi declarada contra a humanidade por seus sucessores, os califas. Os principais destes foram Abu Bakr, o sábio; Omar, o fiel; Ali, o bravo; Khaled, a espada de Deus. Estes eram os companheiros e parentes mais velhos do profeta. Em poucos meses após sua morte esses generais foram seguidos por multidões do deserto e invadiram as planícies da Ásia. A história dessas guerras, embora tenham afetado profundamente o progresso do cristianismo, não se encontra no escopo deste livro. Mas, como muitas nações e multidões do povo do Senhor foram vítimas desse temível flagelo, merece uma breve consideração. Muitos creem que os gafanhotos sarracenos eram um cumprimento parcial de Apocalipse 9:1-12.

Os pagãos perseguidos, como Cosroes II, o rei infiel e desafiante da Pérsia, e os cristãos meramente nominais, foram igualmente castigados por Deus por meio dos sucessores de Maomé; mas os orgulhosos bispos e padres foram os objetivos especiais de sua vingança. "Não destruam as árvores de fruto nem os campos férteis em seu caminho", disseram os califas, "sejam justos, e poupem os sentimentos dos vencidos. Respeitem todas as pessoas religiosas que vivem como ermitões ou em conventos, e poupem seus edifícios. Mas se encontrarem com uma classe de incrédulos de um tipo diferente, que andam por aí com coroas raspadas e pertencem à sinagoga de Satanás, certifiquem-se de racharem seus crânios, a menos que abracem a verdadeira fé ou rendam tributo". E assim a poderosa horda seguiu com um entusiasmo que nada podia deter. "A Síria caiu; a Pérsia e o Egito caíram; e muitos outros países se renderam ao poder deles". Muitas grandes cidades, tais como Jerusalém, Bosra, Antioquia, Damasco, Alexandria, Cirene e Cartago caíram nas mãos deles. Eles também invadiram a Índia, atacaram a Europa e a Espanha, e alcançaram até mesmo às margens do Loire; mas ali foram derrotados e expulsos por Carlos Martel no ano 732. Vamos tomar nota mais a fundo apenas do tratamento deles sobre os vencidos no caso de Jerusalém.

No ano 637 Jerusalém caiu nas mãos do califa Omar, que construiu uma mesquita no local do templo. Todo o povo daquela cidade culpada foi reduzido a uma casta desprezível e marcada pelo arrogante conquistador. Em todo lugar eles deviam honrar os muçulmanos, e dar lugar à sua frente. O cristianismo foi submetido à ignomínia da tolerância; a cruz não era mais exibida do lado de fora das igrejas, e os sinos deviam ficar silenciosos; os cristãos eram deixados a lamentar suas mortes em segredo; a vista do muçulmano devoto não devia ser ofendida pelos símbolos do cristianismo de modo nenhum; e sua pessoa devia ser considerada sagrada, de modo que era um crime que um cristão esbarrasse em um muçulmano.

Tal era a condição a que os cristãos habitantes de Jerusalém caíram de vez, e na qual permaneceram, sem que seus algozes fossem perturbados por nenhum tipo sério de agressão até o tempo das cruzadas. Quase os mesmos termos, cremos, foram forçados a todos os cristãos na Síria. Assim Deus, em Sua santa providência, lidou com muitas nações, tanto no Oriente quanto no Ocidente, que eram densamente povoadas por judeus e cristãos, e condenou milhões a uma longa noite de servidão sob o maometismo, que continua até os dias de hoje.

{* Veja Cristianismo Latino, de Milman, vol. 2, p. 4-52; e Dezoito Séculos Cristãos, de James White, p. 143}

domingo, 18 de dezembro de 2016

A Tonsura Clerical

Dentre os muitos assuntos de disputa entre os missionários celtas e italianos, o verdadeiro dia para a celebração da Páscoa e a verdadeira forma da tonsura clerical animaram as mais ferozes controvérsias, despertaram as mais fortes paixões e, finalmente, levaram à queda da igreja da Escócia e ao triunfo dos sacerdotes de Roma. Mas, tendo já falado sobre a questão da Páscoa em ligação com o concílio de Niceia, vamos apenas tomar nota sobre a disputa sobre a tonsura.

Pode parecer estranho aos nossos jovens leitores protestantes, que podem nunca ter visto um padre católico sem seu chapéu, que o corte de seu cabelo fosse algo de mais peso em sua ordenação do que sua erudição ou sua piedade. E a mera forma em que era raspada era considerada de tanta importância que tornou-se um teste de ortodoxia. Os monges escoceses seguiam as igrejas do Oriente, tanto na observância da Páscoa quanto na forma de tonsura. Eles raspavam a parte de trás da cabeça de orelha a orelha na forma de uma crescente. Os orientais reivindicavam João e Policarpo como seu exemplo e autoridade. Os italianos professavam ficar em grande choque por tal barbaridade, e chamavam-na de tonsura de Simão Mago.  O clero romano usava uma forma circular. Isto era feito tornando careca um pequeno ponto redondo bem no topo da cabeça, e aumentando o ponto à medida que o eclesiástico avançava nas ordens sagradas. A tonsura tornou-se um requisito como uma preparação para as ordens por volta do quinto ou sexto século.

Agostinho [de Cantuária] e seus sucessores na sé da Cantuária, seguindo os escritos dos mais antigos e veneráveis "Pais", afirmavam que a tonsura foi primeiramente introduzida pelo príncipe dos apóstolos, em honra à coroa de espinhos que foi pressionada sobre a cabeça do Redentor; e que o instrumento inventado pela impiedade dos judeus para a ignomínia e tortura de Cristo pode ter sido utilizada por Seus apóstolos como seu ornamento e glória. Por mais de um século a controvérsia se ergueu com grande ferocidade. As questões prosseguiam a tal ponto que um homem era ou não era considerado um herege de acordo com o local do couro cabeludo em que se fazia careca: na coroa (topo da cabeça) ou na parte de traz da cabeça. Roma se encheu de raiva; meios humanos pareciam insuficientes para conquistar um miserável bando de presbíteros em um canto remoto da ilha. Eles se recusavam a curvar-se perante ela. O que deveria ser feito? Como sempre, achando-se incapaz de alcançar seu objetivo por meio dos padres, ela recorreu a favoritos na corte, nobres e príncipes. Naitam, rei dos pictos, foi convencido a crer que, ao se submeter ao papa, ele seria igual a Clóvis e Clotaire. Lisonjeado por tal grandeza de glória futura, ele recomendou que todo o clero de seu reino recebesse a tonsura de São Pedro. Então, sem demora, ele enviou agentes e cartas para cada província e fez com que todos os monastérios e monges recebessem a tonsura circular de acordo com a moda romana. Alguns se recusaram. Os anciãos da rocha aguentaram por um tempo, mas as ordens do rei, o exemplo do clero e a fraqueza de alguns dentre eles conduziu ao caminho da destruição de Iona e de toda a antiga igreja da Escócia. Por volta do início do século VIII a navalha foi introduzida, eles receberam a tonsura latina, tornaram-se servos de Roma, e continuaram assim até o período da Reforma.*

{* D'Aubigne, vol. 5, p. 77. Cunningham, vol. 1, p. 90.}

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