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domingo, 27 de setembro de 2020

Os Verdadeiros Dignos da História Eclesiástica

Os verdadeiros pioneiros da Reforma e os verdadeiros dignos da história eclesiástica são difíceis de descobrir. Com humildade de espírito, e não buscando o louvor dos homens, eles caminharam perante o Senhor, silenciosamente fazendo Sua vontade. Suas ministrações empáticas, seus atos de caridade, seu desejo de conduzir almas ao Salvador, seus esforços para difundir o conhecimento de Sua palavra, são características da personalidade deles, porém pouco observadas pelos olhos do historiador. E quanto mais profunda a piedade deles, menos se sabe sobre eles. Mas eles têm sua recompensa; o registro sobre eles se encontra nas alturas. Multidões de santos de Deus durante a longa noite escura da Idade Média cumpriram assim sua missão e saíram de cena sem deixar vestígios de sua utilidade nos anais do tempo. Não é assim com o clérigo pomposo, o santo que faz maravilhas, o cardeal intrigante e voraz, as polêmicas barulhentas e toda a hoste de entusiastas orgulhosos e ambiciosos; as páginas dos historiadores são principalmente consagradas a eles. *

{* Waddington, vol. 3, pág. 363.}

Depois de um exame cuidadoso das personagens proeminentes que aparecem nas páginas da história desde o século XII até a Reforma, eles parecem se dividir em três classes distintas: 1. Homens da literatura; 2. Teólogos; 3. Reformadores, ou protestantes. Ao tomarmos nota desses em ordem, teremos diante de nós os precursores da Reforma.

domingo, 7 de maio de 2017

O Suposto Fim do Mundo

Nenhum período na história da igreja, ou talvez em toda a história, ou em qualquer país, apresenta uma figura mais tenebrosa do que a Europa cristã ao final do século X. A degradação do papado, o estado corrupto da igreja do lado de dentro, e o número e o poder de seus inimigos do lado de fora, ameaçavam sua completa destruição. Além dos incrédulos islâmicos no Oriente e dos nórdicos pagãos no Ocidente, um novo inimigo -- os húngaros -- apareceram de repente sobre a Cristandade. Na linguagem forte da história, eles pareciam hordas de selvagens, ou bestas selvagens, soltos sobre a humanidade. Sua origem era desconhecida, mas seu número parecia inesgotável. O massacre indiscriminado parecia ser a única lei deles: a civilização e o cristianismo se secaram diante de sua marcha desoladora, e toda a humanidade estava em pânico.

Além dessas terríveis calamidades, fomes prevaleciam e traziam pragas e pestilência consigo. Supostamente, os mais alarmantes sinais eram vistos no sol e na lua. A predição de nosso Senhor parecia ter se cumprido. "E haverá sinais no sol, na lua e nas estrelas; e sobre a terra haverá angústia das nações em perplexidade pelo bramido do mar e das ondas. Os homens desfalecerão de terror, e pela expectação das coisas que sobrevirão ao mundo; porquanto os poderes do céu serão abalados". Mas, embora essas palavras descrevessem adequadamente o estado das coisas de então, a profecia estava longe de ser cumprida, como nosso Senhor imediatamente acrescenta: "Então verão vir o Filho do homem em uma nuvem, com poder e grande glória." (Lucas 21:25-27)

Mas, se alguma vez o homem pudesse ser perdoado pela ilusão de acreditar que o fim do mundo tinha chegado, foi nessa época. O clero pregava isso, e o povo acreditava, e isso logo se espalhou por toda a Europa. Foi ousadamente promulgado que o mundo chegaria a um fim quando expirassem os 1000 anos desde o nascimento do Salvador. Por volta do ano 960 o pânico aumentou, mas o ano 999 era tido como o último que qualquer um jamais viveria. Essa ilusão generalizada, por meio do poder de Satanás, foi fundamentada em uma total falta de entendimento e falsa interpretação da profecia referente ao reino milenial dos santos com Cristo por 1000 anos. "Bem-aventurado e santo é aquele que tem parte na primeira ressurreição; sobre estes não tem poder a segunda morte; mas serão sacerdotes de Deus e de Cristo, e reinarão com ele durante os mil anos." (Apocalipse 20:6)

Os Nórdicos

Se não acreditássemos que esses poderosos inimigos do cristianismo -- os nórdicos, ou piratas das regiões do Norte -- fossem instrumentos nas mãos de Deus para a punição da apóstata igreja de Roma, não estaria em nossos planos apresentá-los. Mas como eles aparecem como nada mais do que o juízo de Deus contra o completo mundanismo de todas as ordens do sacerdócio católico, vamos tomar uma breve nota.

Originalmente, eles vieram das margens do Báltico, na Dinamarca, Noruega e Suécia. Provavelmente eles era uma mistura dos godos, dinamarqueses, noruegos, suecos e frísios. Mas, embora compostos de tantas diferentes tribos, todos concordavam quanto ao mesmo objetivo principal -- saquear e matar. Seus pequenos reis e chefes eram piratas experientes, e os mais ousados que já infestaram os mares ou as margens da Cristandade Ocidental. Eles empurravam seus barcos leves rio acima até onde podiam ir, queimando, matando e saqueando onde quer que chegassem.

"Das margens do Báltico", diz Milman, "das ilhas escandinavas, dos golfos e lagos, suas frotas velejavam para onde a maré ou a tempestade os levassem. Eles pareciam desafiar, em suas embarcações mal formadas, o mais selvagem clima, a fim de poderem desembarcar nas margens mais inacessíveis, a fim de encontrar seu caminho até os riachos mais estreitos e os rios mais rasos. Nada estava seguro, nem mesmo no coração do país, da repentina aparição desses selvagens implacáveis". Eles foram chamados de "os árabes do mar", mas, diferente dos muçulmanos, eles não lutavam uma guerra religiosa. Eles eram pagãos ferozes, e seus deuses, assim como eles próprios, eram guerreiros e piratas. O saque, e não a propagação da fé, era o objetivo deles. O castelo ou o monastério, o senhor nobre, o bispo ou o monge, eram todos iguais aos seus olhos, desde que se pudesse obter um rico montante. As propriedades religiosas, especialmente na França, foram as que mais sofreram. A riqueza e a posição indefesa dos monastérios os tornavam os principais objetivos de ataque.

Um dia de retribuição tinha chegado. A mão de Deus pesava sobre aqueles que chamavam a si mesmos de Seu povo. Sua ira parecia queimar. A igreja tinha agora de pagar caro por sua grandeza e glória mundana. Tinha sido sua ambição por séculos, e Carlos Magno tinha elevado o clero a grande riqueza e honra mundana. Mas, mal eles sentaram em seus palácios e a maré de invasão bárbara começou a assolar o império e a depredar os edifícios religiosos. Quanto mais rica a abadia, mais tentadora a presa, e mais implacável era a espada do bárbaro. Ignorantes das diferentes ordens do clero, eles massacravam indiscriminadamente. Fogo e espada eram as armas que usavam ao longo de suas carreiras. "A França estava coberta de bispos e monges que fugiam de seus claustros arruinados, seus monastérios incendiados, suas igrejas desoladas, levando consigo as preciosas relíquias dos seus santos, e assim aprofundando o pânico universal, e pregando o desespero por onde quer que fossem."

A fim de obter paz com os normandos, que forçaram seu caminho até o rio Sena, e por dois anos sitiaram a cidade de Paris, Carlos, o Simples, da França, cedeu o ducado da Normandia ao líder deles, Rollo, em 905. Assim o pirata do Báltico abraçou a religião cristã, tornou-se o primeiro Duque da Normandia e um dos doze nobres associados da França. William, conquistador da Inglaterra em 1066, foi o sétimo Duque da Normandia.

A Inglaterra, assim como a França, foi muito assediada e desolada pelos nórdicos. A primeira descida, que foi severamente sentida, aconteceu por volta do ano 830. Desde aquele tempo essas invasões foram incessantes. E ali, assim como na França, encontraram o mais rico saqueio nos monastérios indefesos. Os santuários foram degradados com fogo e espada. Com o tempo, após a vitória conquistada por Alfredo sobre Guthrum em 878, um grande território foi cedido aos dinamarqueses no Leste da Inglaterra, sob a condição de que abraçassem o cristianismo e vivessem sob leis iguais com os habitantes nativos. Mas a paz assim obtida duraria apenas por um tempo.*

{*Robertson, vol. 2, p. 360}

domingo, 9 de abril de 2017

O Sistema Hierárquico Feudal

Por séculos, o clamor papal para cada monarca sucessor foi: "Dê, dê; doe, doe; e o bendito Pedro certamente te enviará vitória sobre teus inimigos, prosperidade neste mundo, e um lugar perto dele mesmo no céu". Esse clamor foi, em grande medida, respondido no início do século IX. Os extratos acima dão ao leitor alguma ideia dos espólios que o clero recebia das vitórias de Carlos na Alemanha. Foi principalmente a partir desses 33 anos de guerra sanguinolenta que o grande sistema hierárquico feudal surgiu. Inúmeros milhares foram mortos para dar espaço aos bispos e abades -- uma aristocracia eclesiástica. Ergueram-se palácios principescos para esses grandes eclesiásticos sobre toda a terra conquistada: mas seus fundamentos foram colocados sobre a crueldade, a injustiça e o sangue.

Embora mais de mil anos terem passado desde que o grande patrono da igreja morreu, os palácios ainda existem e são abundantes por toda a Europa. Mas o coração adoece ao pensar sobre a origem desses assim declarados "palácios da paz", especialmente se tivermos em mente o verdadeiro caráter do evangelho, e que os ministros de Cristo devem sempre buscar manifestar o espírito do manso e humilde Jesus. As almas dos homens, e não as propriedades, deveriam ser o objetivo. "Não busco o que é vosso, mas sim a vós" (2 Coríntios 12:14), este deveria ser o lema deles; indo adiante, "nada tomando dos gentios" (3 João 1:7). Mas o exemplo de Cristo já tinha sido, há muito tempo, esquecido. A igreja afundou a um nível e um espírito do mundo quando foi unida por Constantino ao Estado. Essa foi sua grande queda, da qual flui sua dolorosa inconsistência. O amor ao mundo, ao poder absoluto, ao domínio universal, tomou, então, posse de todo o seu ser. Enganada por Satanás, em cujo trono (Ap. 2) ela se assenta, a iniquidade desavergonhada de seu curso só pode ser explicada por causa de seu poder cegante. Todos os meios, à sua vista, tinham como justificativa seu objetivo de avanço da Sé Romana.

domingo, 2 de abril de 2017

A Influência Maligna dos Missionários do Papa

É triste refletir sobre a terrível matança dos saxões, e o batismo forçado do indefeso remanescente; mas nossa tristeza é infinitamente aumentada quando descobrimos que os professos mensageiros da misericórdia foram os grandes impulsionadores dessas longas e exterminadoras guerras. No lugar de serem missionários do evangelho da paz, eles eram, na realidade, os cruéis emissários do papado -- do poder das trevas: Carlos Magno era, sem dúvida, em grande parte enganado e instigado pelos padres.

Sob o objetivo declarado de cimentar a união entre a igreja e o Estado, para o benefício secular e espiritual da humanidade, e para a força duradoura do governo imperial, os astutos sacerdotes viram o caminho se abrindo para sua própria grandeza secular e para a mais absoluta soberania de Roma. E assim aconteceu, como toda a história afirma. Eles logo ganharam uma posição de grandeza mundana sobre o povo conquistado e suas terras. Uma mudança completa acontece, precisamente nesse momento, na condição externa do clero, e, de fato, na sociedade em geral. A história antiga desaparece, como nos é contado, na morte de Pepino, e tem início a vida medieval. Uma nova condição de sociedade é inaugurada por seu filho -- o último dos reis bárbaros e o primeiro dos monarcas feudais. Mas é na história eclesiástica que estamos interessados, e aqui, novamente, preferimos fornecer alguns extratos do decano Milman -- a quem tantas vezes nos referimos -- que não pode ser acusado de severidade desnecessária, mas cujo testemunho é da mais alta integridade.

"A subjugação da terra pareceu estar completa antes que Carlos Magno fundasse, sucessivamente, suas grandes colônias religiosas, os oito bispados de Minden, Seligenstadt, Verden, Bremen, Munster, Hildesheim, Osnaburg e Paderborn. Estes, como muitos monastérios ricamente dotados como Hersfuld, tornaram-se os centros separados dos quais o cristianismo e a civilização se espalhou em círculos cada vez maiores. Mas, embora fossem assentamentos militares assim como religiosos, os eclesiásticos eram os únicos estrangeiros. Os mais fiéis e confiáveis chefes saxões, que deram a segurança de aparente sincera conversão ao cristianismo, foram promovidos a condes: assim, a profissão do cristianismo era o único teste de fidelidade...

"Carlos Magno, na história cristã, tem um papel ainda mais importante do que apenas na subjugação da Germânia ao evangelho, por causa de sua completa organização, se não fundação, da alta hierarquia feudal em grande parte da Europa. Por todo o império ocidental, pode-se dizer, foi constitucionalmente estabelecida essa dupla aristocracia, eclesiástica e civil. Em todos os lugares, o alto clero e os nobres, e através das diferentes gradações da sociedade, mesmo os da mesma classe, estavam sujeitos aos mesmos deveres, e eram iguais, em alguns casos de coordenação, em autoridade. Cada distrito tinha seu bispo e seu conde; as dioceses e os condados possuíam, na maioria das vezes, a mesma extensão...

"O próprio Carlos Magno era não menos pródigo (liberal) do que os reis mais fracos no que diz respeito a imunidades e concessões dadas às igrejas e monastérios. Com sua rainha Hildegard, ele doou, à igreja de São Martinho, em Tours, terras na Itália. Suas concessões a São Denis, a Lorch, a Fulda, a Prum, mais particularmente a Hersfuld, e a muitas abadias italianas, aparecem entre os atos de seu reinado.

"Essas propriedades nem sempre eram obtidas do rei ou dos nobres. Os servos dos pobres eram, muitas vezes, os saqueadores dos pobres. Mesmo sob Carlos Magno há reclamações contra a usurpação de propriedades pelos bispos e abades, assim como contra condes e leigos. Eles obrigavam o homem livre pobre a vender sua propriedade, ou o forçava a servir no exército em permanente dever, para, assim, deixar suas terras sem dono, com todas as chances de que não pudesse retornar, ou entregues à custódia daqueles que permaneceram em casa em silêncio; dessa forma, os sacerdotes aproveitavam cada oportunidade para tomar posse delas. Nenhuma vinha de Nabote escapava da vigilante avareza deles.

"Em seus feudos, o bispo ou abade exercia todos os direitos de um chefe feudal... Assim, a hierarquia, então uma instituição feudal, paralela e coordenada com a aristocracia secular feudal, aspirava desfrutar, e já a algum tempo desfrutava, da dignidade, riqueza e poder dos senhores suseranos. Bispos e abades tinham a independência e os privilégios sobre os feudos inalienáveis; e, ao mesmo tempo, começaram, quer hostilmente contestar, quer arrogantemente recusar, os pagamentos ou reconhecimentos da vassalagem, que muitas vezes pesavam sobre outras terras. Durante o reinado de Carlos Magno essa teoria da imunidade espiritual adormeceu, ou melhor, não tinha ainda tomado vida. No entanto, no conflito com seu filho, Luís, o Piedoso, ela foi corajosamente anunciada e seu crescimento foi rápido. Foi, então, afirmado pela hierarquia, que toda propriedade dada à igreja, aos pobres, aos santos, e ao Próprio Deus -- tais eram as frases especiosas -- era dada absoluta e irrevogavelmente, sem reservas. O rei podia ter poder sobre os honorários dos cavaleiros; mas sobre a igreja, ele não tinha poder nenhum. Tais reivindicações seriam consideradas ímpias, sacrílegas, e implicavam na perda da vida eterna. O clero e suas propriedades pertenciam a outro reino, a outra comunidade. Eles eram inteira e absolutamente independentes do poder civil."*

{* Cristianismo Latino, vol. 2, p. 286}

domingo, 16 de outubro de 2016

Cirilo e a Ortodoxia

Cirilo, bispo de Alexandria, na controvérsia que tinha se erguido, aparece como o grande campeão da ortodoxia. Mas todos os historiadores concordam em atribuir a ele um caráter mais soberbo e contrário ao de um cristão. Ele é acusado de ser movido pela inveja por causa do crescente poder e autoridade do bispo de Constantinopla, e de ser incansável, arrogante e inescrupuloso em seus caminhos. Ele era também tão violento contra os hereges quanto Nestório. Ele perseguiu os novacianos e expulsou os judeus de Alexandria. Um zelo honesto e piedoso pode ter animado esses grandes clérigos, mas eles falharam totalmente em unir ao zelo a prudência e moderação cristã, e logo aliaram ao zelo as piores paixões da natureza humana.

Cirilo foi primeiramente impelido a entrar na controvérsia quando descobriu que cópias dos sermões de Nestório estavam circulando entre os monges no Egito, e que eles tinham abandonado o termo "Mãe de Deus". Ele imediatamente culpou tanto os monges quanto Nestório, e denunciou a novidade como herética. Todas as partes logo se agitaram, e palavras raivosas, que não precisam ser agora repetidas, foram usadas por todos os partidos. É suficiente dizer que, quando Nestório descobriu que Cirilo tinha habilmente conseguido assegurar a influência de Celestino, bispo de Roma, e que ele estava envolvido com outras dificuldades, ele apelou a um concílio geral. Como alguns de seus oponentes já tinham peticionado para tal assembleia, ela foi acordada, e o imperador Teodósio emitiu ordens para uma assembleia em Éfeso no ano 431, que é chamada de Terceiro Concílio Geral. Eles se reuniram em junho. Cirilo, em virtude da dignidade de sua sé, presidiu. Acusações foram postas contra Nestório. Ele foi condenado como culpado de blasfêmia, privado da dignidade episcopal, cortado do sacerdócio em todas as partes, e enviado ao exílio, no qual ele terminou seus dias por volta do ano 450.

Cerca de 200 bispos assinaram a sentença contra Nestório, mas ainda assim permanece a questão, por parte da maioria dos historiadores, se ele era realmente culpado de aderir aos erros pelos quais foi condenado. Mas todos concordam que ele era imprudente e intemperado em sua linguagem, vaidoso de sua própria eloquência, que desconsiderava os escritos dos primeiros "pais", e que era apto a ver heresias em tudo o que diferia da fraseologia dogmática à qual estava acostumado desde jovem. Mas é difícil determinar quem foi o principal causador dessa grande disputa: se foi Cirilo ou Nestório.*

{* Manual dos Concílios, de Landon, p. 225; Neander, vol. 4, p. 141; Mosheim, vol. 1, p. 468.}

domingo, 2 de outubro de 2016

Ritos e Cerimônias

A adoção mais generalizada do cristianismo, como pode-se imaginar, foi seguida por um aumento do esplendor em tudo o que dizia respeito à -- assim chamada -- adoração a Deus. "Igrejas" foram construídas e adornadas com maiores custos; o clero oficiante passou a vestir-se em roupas mais ricas, a música se tornou mais elaborada, e muitas novas cerimônias foram introduzidas. E esses usos eram então justificados sobre o mesmo terreno que a alta cúpula da igreja usa para justificar os extraordinários ritos e cerimônias nos dias de hoje*. A intenção era recomendar o evangelho aos pagãos por cerimônias que pudessem superar aquelas da velha religião. Multidões eram, então, atraídas à igreja, como são hoje, sem qualquer entendimento suficiente sobre sua nova posição, e com mentes ainda possuídas de noções pagãs e corrompidas pela moralidade pagã. Mesmo nos primeiros dias do cristianismo encontramos irregularidades na igreja em Corinto no que diz repeito às práticas não esquecidas dos pagãos. O acendimento de velas à luz do dia, incenso, images, procissões, purificações, e inumeráveis outras coisas, foram introduzidas nos séculos IV e V. Como observa Mosheim: "Enquanto a boa vontade dos imperadores colaborasse com o avanço da religião cristã, a piedade indiscreta dos bispos obscurecia sua verdadeira natureza e oprimia suas energias pela multiplicação dos ritos e cerimônias."**

{* Veja A Igreja e o Mundo, 1866.}
{** História Eclesiástica, vol. 1, p. 366, Murdock e Soames. Robertson, vol. 1, p. 316.}

domingo, 11 de setembro de 2016

A Posição e Caráter do Clero

Ao estudarmos a história interna da igreja durante o quarto século, inumeráveis tópicos mereceriam uma breve observação: mas podemos nos referir somente àqueles que caracterizam o período. A posição alterada do clero é uma questão importante, e é responsável por muitas mudanças que foram introduzidas por eles. Desde o tempo de Constantino, os membros do ministério cristão atingiram uma nova posição social, com certas vantagens seculares. Isto levou um grande número a se unir à ordem sagrada pelos mais indignos motivos. Daí a triste influência dessa mistura profana em toda a igreja professa. Constantemente encontramos nela o orgulho, a luxúria arrogante, e a assumida dignidade de toda a ordem clerical. Assim, conta-se que Martinho de Tours, quando na corte de Máximo, deixou a imperatriz lhe esperando à mesa, e que quando o imperador desejou beber diante dele, e esperava receber a taça de volta após o bispo ter bebido, Martinho a passou ao seu próprio capelão, como se tivesse honra mais elevada do que qualquer potentado terreno. A circunstância nos mostra onde estava o clero então, e o que eles pensavam de si mesmos e da dignidade espiritual em oposição à classe secular. A igreja tinha então se tornado como "uma grande casa", onde "não somente há vasos de ouro e de prata, mas também de pau e de barro; uns para honra, outros, porém, para desonra". E assim tem sido desde então, e assim será até o final; mas o caminho do fiel é simples. "De sorte que, se alguém se purificar destas coisas, será vaso para honra, santificado e idôneo para uso do Senhor, e preparado para toda a boa obra." (2 Timóteo 2:20,21)

domingo, 4 de setembro de 2016

A História Interna da Igreja

Capítulo 12: A História Interna da Igreja (245 - 451 d.C.)


O século que termina com a morte do grande Teodósio e Ambrósio foi cheio do mais profundo interesse para o leitor cristão. Passaram-se eventos, dentre os mais momentosos, que afetaram a majestade e glória de Deus e o bem-estar da humanidade. Do ano 303 até 313, a igreja passou através de suas provações mais difíceis sob Diocleciano. Por dez anos ela esteve em uma fornalha ardente, mas em vez de ser consumida, como seu inimigo em vão imaginara, ela parece ter aumentado em número assim como em pureza e poder. A Satanás foi permitido fazer o que queria contra ela, e ele moveu e agitou tanto a população pagã que em todas as partes do império eles ergueram seus braços: primeiro, para defender o politeísmo, e, segundo, para erradicar o cristianismo ao perseguir os cristãos e destruir seus livros sagrados. Assim, o século começou com o grande e final embate entre o paganismo e o cristianismo, e terminou com a total ruína do primeiro, e o completo triunfo do último. A disputa terminou com o quarto século, e a vitória descansou sobre o cristianismo desde então.

Tal foi a história exterior da igreja, e o cumprimento, até então, da palavra do Senhor nas epístolas a Esmirna e Pérgamo. Mas há outras coisas que muito razoavelmente demandam um pouco de nossa atenção antes de entrarmos no quinto século, e nenhuma parte do amplo campo que se estende diante de nós parece ter uma importância tão forte quanto a esfera e influência dos grandes prelados do Oriente e do Ocidente. Deve também ter ocorrido aos nossos leitores, a partir das necessárias alusões ao batismo, que a observância desse rito tinha um imenso lugar nas mentes daqueles primeiros cristãos. Eles acreditavam que as águas do batismo purificavam a alma completamente. Pensamos, então, em combinar os dois -- daremos uma breve história do batismo a partir dos escritos dos "pais", o que, ao mesmo tempo, nos dará uma oportunidade de vermos quais visões eles tinham, não apenas sobre o batismo, mas sobre as verdades fundamentais do evangelho.

domingo, 28 de agosto de 2016

A História Religiosa de Teodósio

Vamos agora olhar, por um momento, para alguns dos principais eventos na história do grande Teodósio. Nas circunstâncias desses eventos poderá ser encontrado o melhor comentário sobre a vida do imperador, o poder do clero, e o caráter daqueles tempos.

Teodósio era espanhol. O cristianismo, bem cedo, tinha se estabelecido na Península, que era famosa por sua firme aderência às doutrinas de Atanásio durante toda a controvérsia trinitariana. Hosius, um bispo espanhol, foi o presidente do concílio de Niceia. Perto do fim do primeiro ano de seu reinado, Teodósio foi advertido, por causa de uma séria doença que tinha, a não adiar seu batismo, como era a prática então. Ele chamou o bispo de Tessalônica e foi imediatamente batizado. Alguns dizem que ele foi o primeiro dos imperadores a serem batizados no nome completo da Santíssima Trindade. Sua admissão na igreja foi imediatamente seguida por um decreto que proclamava sua própria fé e prescrevia a religião de seus súditos. "É nosso desejo que todas as nações que são governadas por nossa clemência e moderação possam aderir firmemente à religião que foi ensinada por São Pedro aos romanos... De acordo com a disciplina dos apóstolos, e a doutrina do evangelho, cremos na única divindade do Pai, do Filho e do Espírito Santo, sob igual majestade, e em uma piedosa Trindade... Além da condenação da justiça divina, eles deverão esperar sofrer as severas penalidades que nossa autoridade, guiada pela sabedoria celestial, julgar conveniente infligir sobre os tais."

Tal era a ortodoxia severa e intransigente de Teodósio. Firmemente, embora enganado, ele acreditava que este era seu dever para que pudesse governar como um imperador cristão, e os bispos que ele consultava eram mais inclinados a aumentar do que suavizar sua severidade. Em uma ocasião, seu senso de justiça o determinou a ordenar que alguns cristãos reconstruissem, a suas próprias custas, uma sinagoga judaica, que, em um tumulto, tinha sido destruída. Mas o vigoroso bispo de Milão interferiu e prevaleceu sobre ele para que anulasse a sentença, com o fundamento de que não era certo que os cristãos construíssem uma sinagoga judaica. Aqui, o bispo evidentemente falhou em uma questão de justiça comum. Ele era menos justo do que seu mestre imperial.

quarta-feira, 20 de julho de 2016

O Concílio de Niceia

Capítulo 11: Roma e seus Governantes (313 d.C. - 397 d.C.)

 

Constantino se via agora obrigado a analisar com mais atenção a natureza da disputa. Ele começou a entender que a questão não tinha nada de insignificante, mas era da mais alta e essencial importância; e assim resolveu convocar uma assembleia de bispos de modo a estabelecer a verdadeiro doutrina, e para dissipar para sempre, como ele em vão esperava, esta propensão à disputa hostil. Tudo o que era necessário para a viagem dos bispos foi fornecido a cargo público, como se fosse um assunto de Estado.

No mês de junho de 325 d.C., o primeiro concílio geral da igreja se reuniu em Niceia, na Bitínia. Cerca de 318 bispos estavam presentes, além de um número muito grande de sacerdotes e diáconos. "A flor dos ministros de Deus", como diz Eusébio, "de todas as igrejas que abundam na Europa, África e Ásia, agora se reuniram". O espetáculo era totalmente novo, e certamente ninguém estava tão surpreso como os próprios bispos. Não havia passado muitos anos desde que foram marcados como os objetos da mais cruel perseguição. Eles tinham sido escolhidos por causa de sua eminência como vítimas peculiares da política de extermínio do governo. Muitos deles levavam em seus corpos as marcas dos sofrimentos por Cristo. Eles tinham conhecido o que era ser conduzido ao exílio, trabalhar em minas, ser exposto a todo o tipo de humilhação e insulto. Mas agora tudo tinha mudado, mudado tanto que eles mal podiam acreditar que aquilo era realidade e não uma visão. Os portões do palácio se abriram para eles, e o imperador do mundo agiu como o moderador da assembleia.

Nada podia confirmar e declarar tanto ao mundo a triste queda da igreja e sua submissão ao Estado como o lugar que tinha o imperador nesses concílios. Ele não chegou em Niceia até o dia 3 de julho. No dia seguinte os bispos se reuniram no hall do palácio, que tinha sido preparado para o propósito. Aprendemos de Eusébio que a assembleia se sentou em profundo silêncio, enquanto os grandes oficiais do Estado e outras pessoas honráveis entravam no salão, e assim esperaram em trêmula expectativa a aparição do imperador. Constantino, com muita demora, entrou; ele estava vestido esplendidamente: os olhos dos bispos ficaram ofuscados com o ouro e as pedras preciosas de seu traje. A assembleia inteira levantou-se para dar-lhe honra. Ele avançou até um assento de ouro preparado para ele, e ali ficou parado em pé, em respeitosa deferência aos dignatários espirituais, até que foi convidado a se sentar. Após cantarem um hino de louvor, ele deu uma exortação sobre a importância da paz e união. O concílio sentou-se ali por pouco mais de dois meses, e Constantino parece ter estado presente durante a maior parte das sessões, ouvindo com paciência, e conversando livremente com os diferentes prelados.

domingo, 17 de julho de 2016

A Controvérsia Ariana

Mal tinha a paz exterior da igreja sido assegurada pelo decreto de Milão e ela foi distraída por dissensões internas. Pouco após o rompimento da cisma donatista na província da África, a controvérsia ariana, que tinha sua origem no Oriente, se estendeu a todas as partes do mundo. Já falamos dessas raivosas contendas como o mais amargo fruto da união antibíblica da igreja com o Estado. Não que elas necessariamente surgiram a partir dessa união, mas pelo fato de Constantino ter se tornado o chefe declarado e ostensivo da igreja, e por ele presidir em suas assembleias solenes, questões de doutrina e prática produziam uma agitação por todo o corpo da igreja, e não apenas na igreja como também exerciam uma poderosa influência política sobre os assuntos do mundo. Sendo o império então cristão, ao menos em princípio, tais questões eram de interesse e importância mundial. A partir daí a controvérsia ariana foi a primeira que rasgou todo o corpo de cristãos, e dispôs em quase todas as partes do mundo os partidos hostis em implacável oposição.

Heresias de natureza semelhante à de Ário tinham aparecido na igreja antes de sua ligação com o Estado, mas sua influência raramente se estendia além da região e do período de seu nascimento. Após alguns debates ruidosos e palavras raivosas, a heresia caía em desonra, e era logo quase esquecida. Mas foi muito diferente com a controvérsia ariana. Constantino, que se sentava no trono do mundo e assumia ser a única cabeça da igreja, interpôs sua autoridade de modo a prescrever e definir os princípios precisos da religião que ele tinha estabelecido. A Palavra de Deus, a vontade de Cristo, o lugar do Espírito, as relações celestiais da igreja, foram todas perdidas de vista -- ou melhor, nunca tinham sido vistas pelo imperador. Ele tinha provavelmente ouvido algo sobre as numerosas opiniões pelas quais os cristãos se dividiam; mas ele viu, ao mesmo tempo, que eles eram uma comunidade que tinha continuado a avançar em vigor e magnitude; que eles eram realmente unidos em meio às heresias, e fortes sob a mão de ferro da opressão. Mas ele não podia ver, nem podia entender, que então, apesar de seu fracasso, ela estava olhando para o Senhor e inclinando-se apenas nEle neste mundo. Qualquer outra mão estava contra ela e era guiada pelo trabalho e pelo poder do inimigo. Mas, declaradamente, ela estava prosseguindo através do deserto, encostada em seu Amado, e nenhuma arma forjada contra ela podia prosperar.

O imperador, sendo completamente ignorante das relações celestiais da igreja, pode ter pensado que, como ele podia dar-lhe completa proteção da opressão externa, ele podia também, pela sua presença e poder, dar-lhe paz e descanso das dissensões internas. Mas ele mal sabia que, não obstante estas estarem muito além de seu alcance, a própria segurança, facilidade mundana e indulgência que ele tão generosamente concedia ao clero eram os principais meios que fomentavam discórdias e inflamavam as paixões dos disputantes. E assim aconteceu que ele era continuamente atacado pelas reclamações e acusações mútuas de seus novos amigos.

domingo, 3 de julho de 2016

O Testemunho da História

Até mesmo pela história podemos provar que foi melhor para o cristianismo quando os cristãos estavam sofrendo na fogueira por Cristo do que quando foram festejados nos palácios dos reis e cobertos pelos favores reais. Para ilustrar nossa questão, daremos ao leitor uma página da história da grande perseguição sob Diocleciano, e uma dos mais brilhantes dias de Constantino. Citaremos ambos dos escritos de Milman, mais tarde conhecido como Decano de St. Paul, e que, portanto, não pode ser suspeito de injustiça para com o clero. Falaremos apenas dos fiéis. É bem sabido que nas últimas perseguições, quando as assembleias dos cristãos tinham aumentado bastante, muitos provaram a infidelidade no dia da prova, embora estes eram comparativamente poucos, e muitos deles mais tarde se arrependeram.

"A perseguição tinha já durado seis ou sete anos (309), mas em nenhuma parte do mundo o cristianismo demonstrava qualquer sinal de decadência. Estava tão profundamente enraizado nas mentes dos homens, amplamente promulgado e vigorosamente organizado para ser incapaz de suportar esse violento, porém inútil, choque. Se sua adoração pública era suspensa, os crentes se reuniam em secreto, ou cultivavam na inexpugnável privacidade do coração os inalienáveis direitos da consciência. Mas, é claro, a perseguição caiu com maior peso sobre os mais eminentes do corpo. Aqueles que resistiam à morte eram animados pela presença das multidões que, se não se atreviam a aplaudir, mal podiam esconder sua admiração. Mulheres se aglomeravam para beijar as bordas das vestes dos mártires, e suas cinzas espalhadas, ou os ossos insepultos, eram roubados pelo zelo devoto de seus rebanhos."

Sob o decreto emitido do leito de morte de Galério, a perseguição cessou, e aos cristãos foi permitido o livre e público exercício de sua religião. Este tempo de respirar durou apenas alguns meses. Mas que grandiosa a vista do que se seguiu, e que testemunho da verdade e do poder do cristianismo! O Decano continua dizendo:

"A cessação da perseguição acabou por mostrar sua extensão. As portas da prisão foram abertas, as minas devolveram seus trabalhadores condenados, em todo lugar fileiras de cristãos eram vistas se apressando até as ruínas de suas "igrejas" e visitando os lugares santificados por sua antiga devoção. As vias públicas, as ruas e os locais de mercado das cidades ficaram cheias de longas procissões cantando salmos de louvores por sua libertação. Aqueles que tinham mantido sua fé sob essas severas provas receberam as carinhosas congratulações de seus irmãos; aqueles que tinham falhado na hora da aflição se apressaram a confessar seu fracasso e a buscar por readmissão no então alegre rebanho."

Vamos agora nos voltar para o estado alterado das coisas sob Constantino, cerca de vinte anos depois da morte de Galério. Observe a grande mudança na posição do clero.

"Os bispos apareciam como participantes regulares da corte, e as dissensões internas do cristianismo se tornaram assuntos de Estado. O prelado governava, agora nem tanto por sua admitida superioridade na virtude cristã, mas pela inalienável autoridade de seu ofício. Ele abria ou fechava a porta da "igreja", que era equivalente a uma admissão ou exclusão da felicidade eterna. Ele pronunciava as sentenças de excomunhão, que lançava para fora o trêmulo delinquente no meio dos perdidos e moribundos pagãos. Ele tinha seu trono na parte mais distinta do templo cristão, e embora ainda atuasse na presença e em nome de seu colégio de presbíteros, ainda assim era reconhecido como a cabeça de uma grande comunidade, sobre cujo destino eterno ele mantinha um vago, mas não por isso menos imponente e terrível, domínio."*

{* História do Cristianismo, vol. 2, pp. 283-308. Neander, vol. 3, p. 41. Vida de Constantino, por Eusébio.}


Questões intelectuais e filosóficas tomaram o lugar da verdade do evangelho, e a mera religião exterior no lugar da fé, do amor, e da mente voltada para as coisas celestiais. Um Salvador crucificado, a verdadeira conversão, a justificação somente pela fé, a separação do mundo, são assuntos nunca conhecidos por Constantino, e provavelmente nunca introduzidos em sua presença. "A conexão entre o mundo físico e moral tinha se tornado um tópico geral e, pela primeira vez, tinha se tornado uma verdade primária de uma religião popular, e naturalmente, não podia se isentar da mescla com as paixões populares. A humanidade, mesmo dentro da esfera do cristianismo, retornou à condição judia mais inflexível e, em seu espírito, assim como em sua linguagem, o Antigo Testamento começou a dominar sobre o evangelho de Cristo."

domingo, 22 de maio de 2016

O Terceiro Decreto

Um terceiro decreto foi imediatamente emitido proibindo a liberação de qualquer pessoa do clero, a menos que consentissem em oferecer sacrifício aos ídolos. Eles foram declarados inimigos do Estado, e onde houvesse um prefeito hostil que escolhesse exercer sua autoridade sem limites, eles eram todos levados em prisões destinadas apenas aos mais vis criminosos. O decreto estabelecia que aqueles dentre os prisioneiros que estivessem dispostos a oferecer sacrifício aos deuses deviam ser libertados, e que o restante devia ser compelido por torturas e punições. Grandes multidões da mais devota piedade, e veneráveis na igreja, ou foram executados ou foram enviados às minas. O imperador pensou, em vão, que se os bispos e mestres fossem subjugados, as igrejas logo seguiriam o exemplo deles. Mas percebendo que o resultado de suas medidas foi a mais humilhante derrota, ele foi instigado, pela influência unida de Galério, dos filósofos e dos sacerdotes pagãos, a emitir um outro e ainda mais rigoroso decreto.

O Segundo Decreto

Não muito tempo depois que o primeiro decreto tinha sido levado à execução por todo o império, rumores de revoltas na Armênia e Síria, regiões densamente populadas por cristãos, chegaram aos ouvidos do imperador. Essas confusões foram falsamente atribuídas aos cristãos, e proporcionaram um pretexto para um segundo decreto. Insinuava-se que o clero, como líderes dos cristãos, eram particularmente suspeitos nessa ocasião, e o decreto determinou que todos os que eram da ordem clerical fossem lançados na prisão. Assim, em um curto período de tempo, as prisões estavam cheias de bispos, presbíteros e diáconos.

sábado, 16 de abril de 2016

O Tratamento do Clero pelo Senhor

Mal as novas "igrejas" foram construídas, e os bispos recebidos na corte, e a mão do Senhor se voltou contra eles. Aconteceu dessa maneira:

Maximino, um rude camponês da Trácia, subiu ao trono imperial. Ele tinha sido o principal instigador da morte, se não o verdadeiro assassino, do virtuoso Alexandre. Ele começou seu reinado mandando prender e matar todos os amigos do último imperador. Aqueles que tinham sido seus amigos ele tornou seus próprios inimigos. Ele ordenou que os bispos, e particularmente aqueles que tinham sido amigos íntimos de Alexandre, fossem executados. Sua vingança caiu mais ou menos sobre todas as classes de cristãos, mas principalmente sobre o clero. Não era, no entanto, pelo cristianismo que eles sofreram nessa ocasião, uma vez que Maximino não se importava com qualquer religião, mas por causa da posição que eles tinham alcançado no mundo. Pode haver reflexão mais dolorosa do que esta?

Por volta dessa época destrutivos terremotos em várias províncias reacenderam o ódio popular contra os cristãos em geral. A fúria do povo sob tal imperador era irrestrita e, encorajados por governantes hostis, incendiaram as recém-construídas "igrejas" e perseguiram os cristãos. Mas, felizmente, o reinado desse selvagem imperador teve curta duração. Ele se tornou intolerável pelas pessoas. O exército se amotinou e o matou no terceiro ano de seu reinado, e uma época mais favorável para os cristãos retornou.

O reinado de Gordiano I, de 238 a 244 d.C., e o de Filipe, de 244 a 249, foram amigáveis para com a igreja. Mas repetidamente percebemos que um governo favorável aos cristãos era imediatamente seguido por outro que os oprimia. Foi particularmente o caso nessa época. Sob os sorrisos e o patrocínio de Filipe, o Árabe, a igreja desfrutou de grande prosperidade exterior, mas estava na véspera de uma perseguição mais terrível e mais generalizada do que qualquer outra que já tinha se passado.

Uma das causas que podem ter contribuído para isso foi a ausência dos cristãos nas cerimônias nacionais que comemoravam o milésimo ano de Roma, em 247 d.C. Os jogos seculares foram celebrados com grandiosidade sem precedentes por Filipe, mas como ele era favorável aos cristãos, eles escaparam da fúria dos sacerdotes pagãos e do populacho. Os cristãos eram agora um corpo reconhecido no Estado, e por mais cuidado que tivessem de evitar se misturar às facções políticas ou às festividades populares, eles eram considerados inimigos de prosperidade do Estado e a causa de todas as calamidades. Chegamos agora a uma mudança completa de governo - um governo que afligiu toda a igreja de Deus.

sábado, 2 de abril de 2016

O Que Era um Bispo Nos Primeiros Tempos?

O mais humilde camponês está familiarizado com a grandeza mundana de um bispo, mas ele pode não saber como um ministro de Cristo, e um sucessor de um humilde pescador da Galileia, chegou a tal dignidade. Nos dias dos apóstolos, e por mais de cem anos depois, o ofício de um bispo era uma obra laboriosa, mas uma "boa obra". Ele era encarregado de uma única igreja, que podia estar normalmente reunida em uma casa particular. Ele não estava lá como um "senhor sobre a herança de Deus" (1 Pedro 5:3), mas na realidade como um ministro e servo, instruindo o povo, e cuidando dos doentes e pobres pessoalmente. Os presbíteros, sem dúvida, ajudavam na gestão dos assuntos gerais da igreja, e também os diáconos; mas o bispo tinha a parte principal do serviço. Ele não tinha autoridade, no entanto, de decretar ou sancionar qualquer coisa sem a aprovação do presbitério e do povo. Não havia, então, o pensamento de "clero inferior" sob ele. E nesse tempo as igrejas não tinham renda, com exceção de contribuições voluntárias do povo que, moderados como sem dúvidas eram, deixavam uma pequena quantia para o bispo para ajudar os pobres e necessitados.

Mas naqueles primeiros tempos os oficiais da igreja continuavam, muito provavelmente, em seus antigos ofícios e ocupações, para sustento de si mesmos e de suas famílias, do mesmo modo que antes. "Um bispo", diz Paulo, "deve ser dado à hospitalidade" (Tito 1:8). E isso ele não poderia ser se sua renda dependesse das ofertas dos pobres. Não foi até por volta do ano 245 que o clero passou a receber salário, e foram proibidos de seguir com seus empregos do mundo; mas próximo ao fim do segundo século surgiram circunstâncias na história da igreja que afetaram grandemente a humildade e simplicidade original de seus supervisores, e que tenderam à corrupção da ordem sacerdotal. "Essa mudança começou", diz Waddington, "perto do início do segundo século; e é certo de que nesse período encontramos as primeiras denúncias de corrupção incipiente  do clero." A partir do momento em que os interesses dos ministros se tornaram totalmente distintos dos interesses do cristianismo, pode-se considerar que muitas e grandes mudanças para pior tinham começado. Vamos tomar nota de algumas circunstâncias, e em primeiro lugar, a origem das dioceses.

sábado, 26 de março de 2016

A Origem da Distinção entre Clérigos e Leigos

O cristianismo, no início, não tinha qualquer ordem sacerdotal. Seus primeiros convertidos iam por toda a parte anunciando o Senhor Jesus. Eles foram os primeiros a disseminar em outros países as boas novas da salvação, antes mesmo dos próprios apóstolos terem deixado Jerusalém (Atos 8:4). No decorrer do tempo, quando eram encontrados convertidos o suficiente em algum lugar para formar uma assembleia, eles se reuniam ao nome do Senhor no primeiro dia da semana para partir o pão e edificarem uns aos outros em amor (Atos 20:7). Quando surgia a oportunidade de visita de um apóstolo a tais reuniões, ele escolhia anciãos para assumir a supervisão do pequeno rebanho; diáconos eram escolhidos pela assembleia. Assim era toda constituição das primeiras igrejas. Se o Senhor levantasse um evangelista, e almas fossem convertidas, elas eram batizadas em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Isto acontecia, é claro, fora da assembleia, e não era um ato eclesiástico. Após devido exame espiritual quanto à genuinidade dos resultados da obra do evangelista, estando a assembleia satisfeita, os novos crentes eram recebidos à comunhão.

Percebe-se, a partir desse breve esboço da ordem divina nas igrejas, que não havia distinções tais como "o clero" e "o leigo". Todos estavam no mesmo patamar quanto ao sacerdócio, adoração e proximidade de Deus. Como os apóstolos Pedro e João dizem: "Vós também, como pedras vivas, sois edificados casa espiritual e sacerdócio santo, para oferecer sacrifícios espirituais agradáveis a Deus por Jesus Cristo." (1 Pedro 2:5). E assim a assembleia inteira podia cantar: "Àquele que nos amou, e em seu sangue nos lavou dos nossos pecados, e nos fez reis e sacerdotes para Deus e seu Pai; a ele glória e poder para todo o sempre. Amém." (Apocalipse 1:5,6). O único sacerdócio, então, na igreja de Deus, é o comum sacerdócio de todos os crentes. O mais humilde servo no palácio de um arcebispo, se lavado no sangue de Cristo, é mais branco que a neve, e pronto para entrar no lugar santíssimo e adorar além do véu.

Não há mais adoração no pátio exterior. A separação de uma classe privilegiada - uma ordem sacerdotal - é desconhecida no Novo Testamento. A distinção entre clero e leigo era sugerida pelo judaísmo, e a invenção humana logo a tornou algo grandioso; mas foi a ordenação episcopal que estabeleceu a distinção e ampliou a separação. O bispo gradualmente assumiu o título de pontífice. Os presbíteros, e até mesmo os diáconos, se tornaram, assim como os bispos, uma ordem sagrada. O lugar de mediação e de grande proximidade de Deus foi assumida pela casta sacerdotal, e também de autoridade sobre os leigos. No lugar de Deus falando diretamente ao coração e consciência por Sua própria Palavra, e sendo o coração e a consciência trazidos diretamente à presença de Deus, apareceu o sacerdócio se colocando entre eles. Assim a Palavra de Deus foi perdida de vista, e a fé ficou à mercê das opiniões dos homens. O bendito Senhor Jesus, como o Grande Sumo Sacerdote de Seu povo, e como o Mediador entre Deus e os homens, foi então praticamente deslocado e deixado de lado. *

{* Uma das maiores autoridades sobre a ordem episcopal é da opinião de que a distinção entre clero e leigo é derivada do Antigo Testamento: que assim como o sumo sacerdote tinha seu ofício atribuído a ele, e os sacerdotes também tinham suas atribuições próprias, e os levitas seus serviços peculiares; assim também os leigos estavam da mesma maneira sob as obrigações próprias aos leigos. Ele também afirma que o comum sacerdócio de todos os crentes é ensinado no Novo Testamento, mas que os Pais desde os tempos mais antigos formaram a igreja no sistema judaico. - Gingham on the Antiquity of the Christian Church, vol. 1, p. 42.}

Assim, infelizmente, vemos na igreja o que tem sido verdade para o homem desde Adão. Tudo o que foi confiado ao homem falhou. Desde o tempo em que a responsabilidade de manter a igreja como a coluna e firmeza da verdade caiu nas mãos humanas, não houve nada além de falha. A Palavra de Deus, no entanto, permanece a mesma, e sua autoridade nunca pode falhar, bendito seja o Seu nome. Um dos principais objetivos deste livro é chamar a atenção do leitor aos princípios e à ordem da igreja, como ensinada no Novo Testamento. "Deus é Espírito, e importa que os que o adoram o adorem em espírito e em verdade." (João 4:24). Isto é, devemos adorá-Lo e servi-Lo de acordo com a verdade, e sob a direção e unção do Espírito Santo, se for para glorificar Seu nome, e adorá-Lo e servi-Lo de maneira aceitável.

Quase todos os escritores eclesiásticos afirmam que nem o Próprio Senhor nem Seus apóstolos forneceram quaisquer preceitos quanto à ordem e governo da igreja - que tais coisas foram deixadas para a sabedoria e prudência de seus líderes, e ao caráter das épocas. Por essas suposições muita coisa foi entregue à vontade humana. Sabemos as consequências. O homem procurou a sua própria glória. A simplicidade do Novo Testamento, o caminho humilde do Senhor e de Seus apóstolos, o zelo e abnegação de Paulo, tudo isso foi ignorado, e as grandezas mundanas logo se tornaram o objeto e ambição do clero. Um breve resumo do ofício de um bispo irá deixar claro essas coisas e, sem dúvida, será de grande interesse aos leitores.


O Efeito da Nova Ordem Clerical

Pode ser justo supor que aqueles bons homens, por quem uma nova ordem de coisas foi trazida para a igreja, tendo excluído o livre ministério do Espírito Santo nos membros do corpo, desejavam de coração o bem-estar da igreja. É evidente que Inácio, por esses meios, esperava evitar "divisões". Mas, por mais bem intencionados que fossem seus motivos, é o cúmulo da loucura humana - se não pior - interferir com, ou procurar mudar, a ordem de Deus. Este foi o erro de Eva, e todos conhecemos muito bem as consequências. Foi também o pecado original da igreja, pelo qual ela tem sofrido por estes últimos 18 séculos {* N. do T.: este livro foi escrito no século XIX}.

O Espírito Santo enviado do céu é o único poder de ministério, mas o Senhor tem a liberdade de escolher e empregar Seus próprios servos. Os arranjos e nomeações humanas necessariamente interferem com a liberdade do Espírito. Elas extinguem o Espírito Santo: apenas Ele sabe onde está a capacidade, e onde, quando e como dispensar os dons. Falando da igreja como era nos dias dos apóstolos, é dito: "Mas um só e o mesmo Espírito opera todas estas coisas, repartindo particularmente a cada um como quer." Também lemos: "Há diversidade de dons, mas o Espírito é o mesmo. E há diversidade de ministérios, mas o Senhor é o mesmo. E há diversidade de operações, mas é o mesmo Deus que opera tudo em todos. Mas a manifestação do Espírito é dada a cada um, para o que for útil." (1 Coríntios 12:4-7,11). Aqui tudo está nas mãos divinas. O Espírito Santo dispensa o dom. Este deveria ser exercido no reconhecimento do senhorio de Cristo; e Deus dá eficácia ao ministério. Quão maravilhoso é ter o Espírito, o Senhor, e Deus como a fonte, o poder e o caráter do ministério! Quão grande, e quão triste, é a mudança disto para o rei, os sacerdotes e o povo! Não é isso apostasia? Mas enquanto nos opomos à mera nomeação humana ao ofício, seja qualificado ou não, contenderíamos mais seriamente pelo ministério da Palavra tanto para santos* quanto para pecadores.

{N. do T.: lembrando que "santos" na Novo Testamento refere-se àqueles salvos por Cristo, justificados (tornados justos) gratuitamente pela fé em Jesus. "Chamados santos" (Rm 1:7).}

Infelizmente a igreja logo descobriu que o impedimento do ministério, do modo como nos é apresentado na Palavra de Deus, e a introdução de uma nova ordem de coisas não impediu que divisões, heresias e falsos mestres se manifestassem. É verdade que a carne, até no mais verdadeiro e dotado cristão, pode se manifestar; mas quando o Espírito de Deus está agindo em poder, e a autoridade da Palavra é mantida, o remédio está em mãos: o mal será julgado em humildade e fidelidade a Cristo. A partir dessa época - o início do segundo século, e até mesmo um pouco antes disso - a igreja foi muito perturbada por heresias; e com o passar do tempo, as coisas nunca melhoraram, mas sempre pioraram.

Irineu, um cristão de grande fama, que sucedeu Potino como bispo de Lion em 177 d.C., nos deixou muita informação sobre o assunto das primeiras heresias. Supõe-se que tenha escrito, no ano 183, seu grande livro "Contra as Heresias", no qual dizem conter uma defesa da santa fé católica, e um exame e refutação das falsas doutrinas defendidas pelos principais hereges.*

{* Irineu contra as Heresias. Clarke, Edinburgo.}

domingo, 6 de março de 2016

Os Seguidores Imediatos dos Apóstolos

Aqui surge uma importante pergunta, e uma que é frequentemente feita: "Em que momento, e por quais meios, o clericalismo - todo o sistema do clero - firmou-se com tanto afinco na igreja professa?" Para responder a essa pergunta plenamente, seria necessário escrever em detalhes a história interna da igreja. Sua constituição e caráter foram totalmente modificados pela introdução do sistema clerical. Mas seu crescimento e organização foi gradual. Argumentos foram construídos a partir do Antigo Testamento e, em um curto período de tempo, o cristianismo foi reformulado para os moldes do judaísmo. A distinção entre bispos e presbíteros, entre uma ordem sacerdotal e o comum sacerdócio de todos os crentes, e a multiplicação de cargos eclesiásticos, rapidamente se seguiram como consequência. Mas, por mais difícil que seja traçar as incursões do clericalismo, a sinagoga era seu modelo.

Aprendemos de todo o Novo Testamento que o judaísmo era o incansável e implacável inimigo do cristianismo em todos os pontos de vista. Ele trabalhou incessantemente, por um lado introduzindo seus ritos e cerimônias e pelo outro perseguindo até a morte todos os que eram fiéis a Cristo e aos verdadeiros princípios da igreja de Deus. Vemos isto especialmente em Atos e nas Epístolas. Mas quando os dons extraordinários na igreja cessaram, e quando os nobres defensores da fé, nas pessoas dos apóstolos inspirados, se foram, podemos facilmente imaginar como o judaísmo prevalecera. Além disso, as primeiras igrejas (assembleias) eram principalmente compostas de convertidos da sinagoga judaica, que por muito tempo retiveram seus preconceitos judaicos.

Portanto, acreditamos firmemente que o clericalismo brotou do judaísmo. Desde os dias dos apóstolo até hoje a raiz de toda a estrutura e domínio do clericalismo está lá. A filosofia e a heterodoxia, sem dúvida, fez muito para corromper a igreja e levá-la a dar as mãos com o mundo: mas a ordem do clero e tudo o que pertence a ela deve ter sido fundamentada na religião dos judeus. É mais que provável, no entanto, que muitos possam ter sido persuadidos, como muitos têm sido desde então, de que o cristianismo é uma continuação do judaísmo, em vez de serem perfeitamente contrastantes. Os mestres judaizantes ousadamente afirmavam que o cristianismo era meramente um enxerto sobre o judaísmo. Mas através das epístolas, em todo lugar aprendemos que uma é terrena e a outra é celestial; que uma pertence à antiga, e a outra à nova criação; que a lei foi dada por Moisés, mas a graça e a verdade vieram por Jesus Cristo.

Vamos agora nos voltar aos seguidores imediatos dos apóstolos.

Os Pais Apostólicos, como são chamados, tais como Clemente, Policarpo, Inácio e Barnabé, foram os seguidores imediatos dos apóstolos inspirados. Eles tinham ouvido as instruções deles, trabalharam com eles no evangelho, e provavelmente tinham sido familiarmente conhecidos deles. Mas, não obstante os altos privilégios que eles gozavam como aprendizes dos apóstolos, eles logo se afastaram das doutrinas que lhes tinham sido confiadas, especialmente no que diz respeito ao governo da igreja. Eles parecem ter esquecido completamente - a julgar pelas Epístolas que citam seus nomes - a grande verdade do Novo Testamento sobre a presença do Espírito Santo na assembleia. Certamente tanto João quanto Paulo falam muito da presença, habitação, domínio soberano e autoridade do Espírito Santo na igreja. João 13-16, Atos 2:1, 1 Coríntios 12:14 e Efésios 1-4 dão claras direções e instruções sobre essa verdade fundamental da igreja de Deus. Se essa verdade tivesse sido mantida de acordo com a exortação do apóstolo - "procurando guardar" - não criar - "a unidade do Espírito" (Efésios 4:3) - o clericalismo nunca teria achado um lugar na Cristandade.

Os novos mestres da igreja parecem também ter esquecido a bela simplicidade da ordem divina na igreja. Deveria haver apenas duas ordens de ofícios - anciãos e diáconos. Estes eram nomeados para atender às necessidades temporais, e aqueles para as necessidades espirituais da assembleia dos santos. Ancião, ou bispo, significa simplesmente supervisor, alguém que exerce uma supervisão espiritual. Ele pode ser "apto para ensinar" ou não: ele não é um mestre ordenado, mas um supervisor ordenado. E quanto aos sacramentos estabelecidos por mandato divino, apenas encontramos, no Novo Testamento, o Batismo e a Ceia do Senhor. Nada poderia ser mais simples, mais claro, ou mais facilmente compreendido, como todas as direções dadas para a fé e prática, mas não havia espaço de sobra para a exaltação e glória do homem na igreja de Deus. O Espírito Santo tinha descido para tomar a liderança na assembleia, de acordo com a palavra do Senhor e a promessa do Pai; e nenhum cristão, por mais dotado que pudesse ser, crendo nisto, podia tomar o lugar de líder, e assim praticamente despedir o Espírito Santo. Mas, a partir do momento em que essa verdade foi perdida de vista, os homens começaram a contender por lugar e poder, e assim, é claro, o Espírito Santo não tinha mais Seu lugar de direito na assembleia.

Mal a voz da inspiração tinha ficado em silêncio na igreja, e logo ouvimos a voz dos novos mestres gritando e exigindo as mais elevadas honrarias de ser pago como bispo, e de ter um lugar supremo dado a eles. Nenhuma palavra sobre o lugar do Espírito como governante soberano na igreja de Deus. Isto é evidente pelas epístolas de Inácio, que dizem ter sido escritas em 107 d.C. Muitos grandes nomes, como sabemos, têm questionado a autenticidade delas; e muitos grandes nomes defendem que elas foram satisfatoriamente provadas serem genuínas. As provas de cada lado estão fora do nosso escopo. A Igreja da Inglaterra tem, por muito tempo, as aceitado como genuínas, e as considera como a base, e como a vindicação triunfante, da antiguidade do episcopado. A seguir estão algumas amostras de suas advertências às igrejas.

Inácio, no curso de sua viagem de Antioquia a Roma*, escreveu sete epístolas. Uma aos efésios, aos magnésios, aos trálios, aos romanos, aos filadélfios, aos esmirnenses, e uma ao seu amigo Policarpo. Tendo sido escritas na véspera de seu martírio, e com grande seriedade e veemência, e tendo sido discípulo e amigo do apóstolo João, sendo na época um bispo de Antioquia, provavelmente o mais famoso da Cristandade, suas epístolas devem ter produzido uma grande impressão nas igrejas; além do fato de que o caminho do ofício, autoridade e poder terem sido sempre um grande encanto para a vã natureza humana.

{* Ver Viagem e Martírio de Inácio}

Ao escrever à igreja em Éfeso ele diz: "Tomemos cuidado, irmãos, para não nos colocarmos contra o bispo, a fim de que estejamos sujeitos a Deus..., pois é evidente que temos de respeitar o bispo da mesma maneira como respeitamos o próprio Senhor". Em sua epístola aos magnésios ele diz: "Eu vos exorto a cuidadosamente fazer todas as coisas em divina harmonia: seus bispos presidindo como se estivessem no lugar de Deus; seus presbíteros como se estivessem no lugar do conselho de apóstolos; e seus diáconos, a posição mais estimada para mim, estando encarregados do ministério de Jesus Cristo". Encontramos o mesmo tom em sua carta aos trálios: "Enquanto estiverem sujeitos ao bispo de vocês da mesma forma que ao Senhor, me parece que estarão vivendo, não à maneira dos homens, mas de acordo com Jesus Cristo, que morreu por vocês... Guardem-se de tais pessoas; e isso vocês farão se não estiverem ensoberbecidos, mas continuem inseparáveis de Jesus Cristo nosso Deus, do bispo de vocês, e dos mandamentos dos apóstolos". Passando por cima de várias de suas cartas às igrejas, vamos apenas dar mais uma amostra de sua epístola aos filadélfios: "Eu clamei enquanto estava no meio de vocês, falei em alta voz: ‘Obedeçam ao bispo, ao presbitério e aos diáconos’. Agora alguns supõem que disse isso prevendo a divisão que aconteceria. Mas Ele é minha testemunha, por amor do qual estou em correntes, que eu nada sabia vindo da parte dos homens, mas o Espírito falou...: 'Nada façam sem o bispo; mantenham seus corpos como templos de Deus, amem a unidade, fujam das divisões, sejam seguidores de Cristo, como Ele é do Pai'"*

{* Os extratos acima foram retirados da Tradução de Wake. Veja também "Uma Completa e Fiel Análise dos Escritos de Inácio, Clemente, Policarpo e Hermas". O Pesquisador, volume 2.}


Na última citação é bastante evidente que o venerável "pai" desejava adicionar a suas teorias o peso da inspiração. Mas, por mais extravagante e irresponsável que essa ideia possa ser, devemos dar-lhe crédito por acreditar no que dizia. Não temos dúvida de que ele era um cristão devoto, e cheio de zelo religioso, mas não pode haver menos dúvida de que ele enganou-se muito neste e em outros assuntos. A principal ideia em todas as suas cartas é a perfeita submissão do povo aos seus superiores, ou seja, a submissão dos leigos ao seu clero. Ele estava, sem dúvida, ansioso pelo bem-estar da igreja, e temeroso do efeito das "divisões" às quais se refere; assim ele provavelmente deve ter pensado que um governo forte, nas mãos dos bispos, seria o melhor meio de preservá-la das incursões do erro. "Sejam diligentes", disse, "em estabelecer a doutrina de nosso Senhor e dos apóstolos, junto com o mais digno bispo entre vocês, os mais espirituais presbíteros e os mais piedosos diáconos. Sejam sujeitos ao bispo e uns aos outros, como Jesus Cristo era ao Pai, quando na carne; e como os apóstolos a Cristo, e ao Pai e ao Espírito; e assim poderá haver união entre vocês, tanto no corpo quanto no espírito". Assim, a mitra foi colocada na cabeça do mais alto dignatário, e daí em diante se tornou objeto de ambição eclesiástica, e não raro da mais indecorosa contenda, com todas as suas consequências desmoralizantes.

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