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domingo, 9 de outubro de 2022

Lutero visita Roma

Tendo surgido algumas disputas entre o vigário-geral e vários dos mosteiros agostinianos, Lutero foi escolhido como uma pessoa apta para representar todo o assunto perante Sua Santidade em Roma. Era necessário, na sabedoria de Deus, que Lutero conhecesse Roma. Como monge no norte, ele só pensava no papa como o pai santíssimo e em Roma como a cidade dos santos; e esses preconceitos e ilusões só podiam ser dissipados pela observação pessoal: as informações não circulavam naquela época como agora. 

No ano de 1510, sem um tostão e descalço, Lutero cruzou os Alpes. Uma refeição e uma noite de descanso ele pedia nos mosteiros ou nas casas de fazenda enquanto caminhava. Mas mal havia descido os Alpes, quando encontrou mosteiros de mármore e os monges alimentando-se da comida mais suntuosa. Tudo isso era novo e surpreendente para o frugal monge de Wittemberg. Mas quando chegou a sexta-feira, qual foi seu espanto ao encontrar as mesas dos beneditinos repletas de carnes saborosas? Ele ficou tão indignado que se aventurou a dizer: "A Igreja e o papa proíbem essas coisas". Por este protesto, alguns dizem, ele quase pagou com sua vida. Tendo recebido um convite amigável para se retirar, ele deixou o mosteiro, viajou pelas quentes planícies da Lombardia e chegou a Bolonha, gravemente doente. Aqui o inimigo fez com que ele voltasse seus pensamentos para si mesmo, deixando-o muito perturbado com o senso de sua própria pecaminosidade, pois a perspectiva da morte o enchia de medo e terror. Mas as palavras do apóstolo, "o justo viverá pela fé", como um raio de luz do céu, afugentou as nuvens escuras, mudou a corrente de seus pensamentos e restaurou sua paz de espírito. Com o retorno de suas forças, retomou sua jornada, e depois de passar por Florença, e labutando sob um opressivo sol italiano pela longa extensão dos Apeninos, ele finalmente se aproximou da cidade das sete colinas*. 

{* N. do T.: Roma. } 

Devemos prefaciar a entrada de Lutero em Roma lembrando aos nossos leitores que, embora ele tivesse recebido a verdade do evangelho, ele ainda era um papista, e que sua devoção ao papado partilhava da veemência do fanatismo. Roma, para o rude alemão, era a cidade santa, santificada pelos túmulos dos apóstolos, pelos monumentos dos santos e pelo sangue dos mártires. Mas, infelizmente, a Roma da realidade era muito diferente da Roma de sua imaginação. Ao se aproximar dos portões, seu coração batia violentamente. Ele caiu de joelhos e, com as mãos levantadas para o céu, exclamou: "Santa Roma, eu te saúdo! Bem-aventurada Roma, três vezes santificada pelo sangue de teus mártires!" Com todo tipo de termos afetuosos e respeitosos ele saudou assim a metrópole da Cristandade. E sob a influência desse grande entusiasmo ele se apressou para os lugares sagrados, ouvindo todas as lendas pelas quais eles são consagrados; e tudo o que ele viu e ouviu, ele creu com muita devoção. Mas seu coração logo adoeceu com a profanação dos padres italianos. Um dia, quando ele estava repetindo a missa com grande seriedade, ele descobriu que os padres em um altar adjacente já haviam repetido sete missas antes que ele terminasse uma. "Rápido, rápido!" exclamou um deles, "devolva a Nossa Senhora o seu Filho", fazendo uma alusão ímpia à transubstanciação do pão no corpo e sangue de Jesus Cristo. A profanação dificilmente poderia alcançar um tom mais alto. O desencanto de Lutero foi completo, e o propósito de Deus em sua educação foi cumprido. 

Lutero esperava encontrar em Roma uma religião austera. "Sua fronte rodeada de dores, repousando sobre a terra nua, saciando sua sede com o orvalho do céu, vestida como os apóstolos, andando por caminhos pedregosos, e o evangelho debaixo do braço; mas em lugar disso ele viu a triunfal pompa do pontífice; os cardeais em liteiras, a cavalo ou em carruagens, brilhando com pedras preciosas e cobertos do sol por um dossel de penas de pavão. As igrejas esplêndidas, os rituais mais esplêndidos e o esplendor pagão das pinturas eram para Lutero, cujo coração estava pesado com os pensamentos das profanações dos padres, totalmente insuportáveis. O que era a Roma de Rafael, de Michelangelo, de Perugino e de Benvenuto, para o pobre monge alemão, que havia percorrido quatrocentas léguas a pé, esperando encontrar aquilo que aprofundaria sua devoção e fortaleceria sua fé? 

No entanto, tal era o poder da superstição que Lutero recebeu em sua educação, não obstante seu conhecimento das Escrituras e seu amargo desapontamento por Roma, que um dia, desejando obter uma indulgência prometida pelo papa a todos os que subissem de joelhos o que é chamado de escada de Pilatos, lá estava ele humildemente subindo aqueles degraus, que lhe disseram terem sido milagrosamente transportados de Jerusalém para Roma. Foi então que ele pensou ter ouvido uma voz, alta como um trovão, clamando: "O justo viverá pela fé". Espantado, ele se levanta dos degraus pelos quais arrastava o corpo; envergonhado de ver a que profundidade a superstição o havia mergulhado, ele foge com toda a pressa da cena de sua loucura. 

Tendo resolvido o negócio para o qual foi enviado, ele virou suas costas para a cidade pontifícia, para nunca mais lá voltar. "Adeus! Roma", disse ele; "que todos os que desejam levar uma vida santa afastem-se de Roma. Tudo é permitido em Roma, exceto ser um homem honesto." Ele não pensava ainda em deixar a igreja católica romana, mas, perplexo e perturbado, voltou para a Saxônia. 

Logo após o retorno de Lutero a Wittemberg, a pedido urgente de Staupitz, ele obteve o grau de Doutor em Divindade. O Senado também lhe deu o púlpito da igreja paroquial, o que lhe abriu imediatamente uma esfera da maior utilidade. Mas Lutero, alarmado com a responsabilidade, mostrou alguma relutância em aceitar uma dignidade de tal importância espiritual. Como o seu amigo vigário procurou tirar-lhe a hesitação, forçando-o a esse serviço, submeteu-se, e no desempenho das suas funções de púlpito teve a rara oportunidade de pregar a Palavra de Deus e o Evangelho de Cristo nos claustros do seu convento, na capela do castelo, e na igreja colegiada. Sua voz, diz a história, era boa, sonora, eletrizante; suas gesticulações eram simples e nobres. Uma ousada originalidade sempre marcou a mente de Lutero, encantando muitos por suas novidades e dominando outros por sua força. Ele adquirira nos últimos quatro ou cinco anos um conhecimento respeitável tanto do grego quanto do hebraico; ele havia lido profundamente o Novo Testamento; ele estava plenamente seguro de que a justificação pela fé era a verdadeira doutrina do evangelho; que a Palavra de Deus era o meio primário e fundamental para o reavivamento e reforma da igreja. 

Do ano de 1512 ao memorável ano de 1517, Lutero foi um arauto intrépido da Palavra de vida. Em todas as coisas ele desejava apenas conhecer a verdade, livrar-se e expulsar de si as falsidades e superstições de Roma. E assim deixamos Lutero por um tempo, engajado em sua gloriosa obra, enquanto nos voltamos por alguns momentos ao estado de coisas na igreja que trouxe Johann Tetzel e suas indulgências para as redondezas de Wittemberg.* 

{*D'Aubigné, vol. 1. Short Studies, de Froude, vol. 1. Reformation, de Waddington, vol. 1. Universal History, vol. 6, de Bagster e Filhos.} 

(Fim do Capítulo 33)

domingo, 5 de março de 2017

As Guerras Religiosas de Carlos Magno (por volta de 771-814)

A assim chamada história eclesiástica, desde a época de Pepino, está tão entrelaçada com a história dos reis francos e com as vergonhosas intrigas dos papas que devemos ir mais além, embora brevemente, em traçar o curso dos eventos que tem importante influência no caráter do papado e na história da igreja.

O poder crescente de Carlos Magno, o filho mais novo de Pepino, foi assistido pelos ocupantes da cadeira de São Pedro com o maior interesse possível, e habilmente usado por eles para o cumprimento de seus ambiciosos desígnios. O papa Adriano I e Leão III, ambos homens talentosos, sentaram-se no trono papal durante o longo reinado de Carlos, e foram bem-sucedidos em engrandecer muito, através do que é chamado suas guerras religiosas, a Sé Romana.

Uma disputa entre Desidério, rei dos lombardos, e o papa Adriano, levou a uma guerra com a França que acabou na completa derrota do reino lombardo na Itália. Este foi o resultado do grande esquema do papado, e provocado pela política sem princípios e traiçoeira do pontífice. Carlos era genro de Desidério, mas depois de um ano de casamento ele se divorciou de Hermingard, a filha do lombardo, e imediatamente se casou com Hildegard, uma senhora de uma nobre casa da Suábia. O insultado pai, ao receber de volta sua filha repudiada, naturalmente buscou por reparação por meio do papa, o chefe da igreja, de quem Carlos era um filho tão obediente. Mas embora a igreja, adequando-se a seus próprios propósitos, tivesse afirmado em termos fortes a santidade do vínculo matrimonial, a violação aberta no exemplo de Carlos foi ignorada; o papa se recusou a interferir.

Roma reconhecia o bom serviço do grande Carlos e não podia arriscar seu desagrado. Nem uma palavra foi dita contra a conduta do dissoluto monarca. Desidério, por fim, ressentiu-se pelo amargo insulto de Carlos e pela ímpia conivência de Adriano. Ele apareceu à frente de suas tropas na Itália papal, e sitiou, invadiu e espalhou a devastação por toda a parte, e ameaçou o papa em sua capital.

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

A Admiração de Roma pela Conduta de Teodora

Nicolau I, que se tornou papa de Roma em 858, elogiou muitíssimo, por carta, a conduta da supersticiosa e cruel Teodora. Ele admira e aprova especialmente sua implícita obediência à Sé Romana. "Ela resolveu", diz ele, "trazer os paulicianos à verdadeira fé, ou cortá-los todos pela raiz e pelos ramos. Em conformidade com essa resolução, ela enviou homens nobres e magistrados a diferentes províncias do império; e por eles alguns daqueles infelizes desgraçados foram crucificados, alguns mortos pela espada, e alguns lançados ao mar e afogados". Nicolau, ao mesmo tempo, observa que os hereges, experimentando nela toda a resolução e vigor de um homem, mal podiam acreditar que ela fosse uma mulher. De fato, o poder cegante de uma idolatria supersticiosa tinha realizado em Teodora (como fez, mais tarde, na rainha da Inglaterra, a "Maria Sangrenta") a transformação do coração terno e compassivo de uma mulher no de uma tirana impiedosa e sedenta de sangue. Pelas próprias palavras do papa, é perfeitamente evidente que a Sé Romana tinha participação principal na matança dos paulicianos. Depois de dizer a ela que os hereges a temiam, e, ao mesmo tempo admiravam sua resolução e firmeza em manter a pureza da fé católica, o papa acrescenta: "e por que fizeste isso, a não ser porque seguiste as direções da Sé Apostólica?"*

{* Milner, vol. 2, p. 498}

É difícil acreditar que o professo vigário de Cristo e pastor de Suas ovelhas pudesse jamais ter deixado em seus registros tais dizeres. Mas assim ele se permitiu, e assim eles vêm até nós como o verdadeiro testemunho da tirania anticristã de Roma no século IX.

domingo, 15 de janeiro de 2017

O Papa Rejeita os Decretos de Leão

A inteligência do primeiro assalto de Leão III contra as imagens de Constantinopla encheu os italianos de dor e indignação; mas quando as ordens chegaram para forçar esses decretos fatais dentro das dependências italianas do império, todos levantaram seus braços contra isso, desde os maiores até os menores. O papa se recusou a obedecer as ordens e desafiou o imperador; e todo o povo jurou viver e morrer em defesa do papa e das imagens sagradas. Mas a complicação política dos assuntos naquele momento tornou impossível para o imperador forçar seus decretos nos domínios papais. Gregório se dirigiu ao imperador com grande tensão; o tom de sua resposta ao manifesto imperial respira um espírito do mais sedicioso desafio. Os monges, que viam seu ofício em perigo -- a superstição à qual deviam sua riqueza e influência -- pregavam contra o imperador como a um apóstata abandonado. Ele foi pintado por esses escravos da idolatria como alguém que combinava em sua pessoa todas as heresias que já haviam poluído a fé cristã e que ameaçavam as almas dos homens. Mas, exibindo o verdadeiro espírito do papado, tanto na defesa de sua querida superstição e idolatria, quanto em seu desafio ao poder secular, transcreveremos partes das epístolas originais do segundo e terceiro Gregório, deixando ao leitor que examine o quadro.

O papa Gregório II disse ao imperador: "Durante dez puros e afortunados anos temos provado os confortos anuais de tuas cartas reais, assinadas em tinta púrpura por tua própria mão, nas quais pudemos ver as sagradas promessas de teu apego ao credo ortodoxo de teus pais. Que deplorável mudança! Que tremendo escândalo! Tu agora acusas os católicos de idolatria; e pela acusação, trais tua própria impiedade e ignorância. A esta ignorância somos obrigados a adaptar a descortesia de nosso estilo e argumentos: os primeiros elementos das cartas sagradas são suficientes para tua confusão; e, se o imperador entrasse em uma escola de gramática e se declarasse o inimigo de nossa adoração, as simples e piedosas crianças lançariam suas tábuas de escrever em tua cabeça." 

Após essa desleal e ofensiva saudação, o papa tenta, como de costume, defender a adoração de imagens. Ele se esforça para provar a Leão a vasta diferença entre imagens cristãs e ídolos da antiguidade. Os últimos eram a representação fantasiosa de demônios, e as primeiras seriam a semelhança genuína de Cristo, de Sua mãe e de Seus santos. Ele então apela para as decorações no templo judaico -- o propiciatório, os querubins e os vários ornamentos feitos por Bezalel para a glória de Deus -- a fim de justificar o culto às imagens. Apenas os ídolos dos gentios, afirma ele, eram proibidos pela lei judaica. Ele nega que os católicos adoravam a madeira e a pedra: estes seriam apenas memoriais destinados a despertar sentimentos de piedade.

Ao falar de sua própria edificação ao contemplar as pinturas e imagens nas igrejas*, temos uma passagem de grande interesse histórico que mostra os temas habituais dessas pinturas: "O retrato miraculoso de Cristo enviado por Abgaro, rei de Edessa; as pinturas dos milagres do Senhor; a virgem mãe com o menino Jesus em seu colo, cercada por coros de anjos; a última ceia; a ressurreição de Lázaro; o milagre que deu vista ao cego; a cura do paralítico e do leproso; a alimentação das multidões no deserto; a transfiguração; a crucificação, sepultamento, ressurreição e ascensão de Cristo; o dom do Espírito Santo; e o sacrifício de Isaque."*

{* Cristianismo Latino, de Milman, vol. 2, p. 160.}


Gregório aborda longamente os argumentos comuns em defesa das imagens, e reprova o imperador pela violação dos mais solenes compromissos, e então irrompe em um tom desdenhoso, tal como: "Tu exiges um concílio: revogue teus decretos, cesse a destruição de imagens; um concílio não será necessário. Tu nos atacas, ó tirano, com um grupo carnal e militar: desarmado e nu só podes implorar a Cristo, o príncipe das hostes celestiais, pois Ele enviará a ti um demônio para a destruição de teu corpo e salvação de tua alma. Tu declaras, com tola arrogância: 'Despacharei minhas ordens a Roma, quebrarei em pedaços a imagem de São Pedro; e Gregório, como seu predecessor Martinho, será transportado em correntes, e em exílio, aos pés do trono imperial'. Quisera Deus que me fosse permitido pisar as pegadas do santo Martinho; mas que o destino de Constâncio possa servir de alerta aos perseguidores da igreja. Mas é nosso dever viver para a edificação e apoio ao povo fiel; e também não iremos arriscar nossa segurança no evento de um combate. Incapaz como és de defender teus súditos romanos, a situação marítima da cidade pode talvez expô-la a tuas depredações; mas só temos de nos retirar à primeira fortaleza dos lombardos, e então poderás, do mesmo modo, perseguir os ventos. Ignora tu que os papas são o vínculo de união, os mediadores da paz entre o Oriente e o Ocidente? Os olhos das nações estão fixados em nossa humildade; e elas reverenciam, como um Deus sobre a terra, o apóstolo São Pedro, cuja imagem tu ameaças destruir." 

{* N. do T.: aqui no sentido de edifícios onde cristãos se reuniam, e não no sentido bíblico do corpo de Cristo, composto por todos os verdadeiros crentes em Jesus, ou de uma assembleia reunida somente ao nome do Senhor.}


A conclusão da carta do papa evidentemente se refere a seus novos aliados além dos Alpes. Os francos tinham escutado obedientemente à recomendação papal de Bonifácio, o "apóstolo" da Alemanha. Negociações secretas já tinham começado para garantir a ajuda deles. A história e os resultados disso já examinamos em um capítulo anterior. Por isso o papa assegurou ao seu correspondente real que "os reinos remotos e interiores do Ocidente apresentam sua homenagem a Cristo e a Seu vice-gerente: e agora nos preparamos para visitar um dos mais poderosos monarcas, que deseja receber de nossas mãos o sacramento do batismo. Os bárbaros se submeteram ao jugo do evangelho, enquanto tu, sozinho, estás surdo à voz do Pastor. Esses piedosos bárbaros se acendem de raiva, têm sede de vingar as perseguições do Oriente. Abandona tua empreitada precipitada e fatal; reflita, trema e arrepende-te. Se persistires, somos inocentes do sangue que será derramado nessa disputa; que ele caia sobre tua cabeça."*

{* Veja Cathedra Petri, de Greenwood, vol. 3.}

domingo, 8 de janeiro de 2017

As Tentativas de Leão de Abolir a Adoração de Imagens (por volta de 726 d.C.)

O imperador Leão III, de sobrenome Isáurico, um príncipe de grandes habilidades, teve a ousadia de empreender, em face de tantas dificuldades, a purificação da igreja de seus detestáveis ídolos. Como os escritos do partido vencido foram cuidadosamente suprimidos ou destruídos, a história é silente quanto aos motivos do imperador: mas estamos dispostos a acreditar que o novo credo e o sucesso de Maomé influenciaram muito Leão. Além disso, havia um sentimento bastante generalizado entre os cristãos no Oriente de que a crescente idolatria da igreja era o que tinha trazido sobre eles o castigo de Deus pela invasão maometana. Os cristãos constantemente ouviam tanto dos judeus quanto dos islâmicos o odioso nome dos idólatras. A grande controvérsia evidentemente surgiu a partir dessas circunstâncias.

Leão subiu ao trono do Oriente no ano 717 e, após assegurar o império contra os inimigos estrangeiros, começou a se preocupar com os assuntos religiosos. Ele em vão pensou que podia mudar e melhorar a religião de seus súditos por seu próprio comando imperial. Por volta do ano 726, ele emitiu um decreto contra o uso supersticioso de imagens -- não sua destruição. Não podemos supôr que Isáurico estava agindo por temor ao verdadeiro Deus, mas sim que seus motivos eram puramente egoístas. Sendo chefe do império e ainda ostensivamente o chefe da igreja, ele sem dúvidas pensou que por seus decretos poderia cumprir a abolição total e simultânea da idolatria por todo o império, e estabelecer uma autocracia eclesiástica. Mas Leão superestimou demais seu poder secular nos assuntos espirituais. Havia passado o tempo de decretos imperiais mudarem a religião do império. Ele ainda tinha que aprender, para sua profunda mortificação, o desdenhoso, insolente e arrogante orgulho e poder dos pontífices, e o apego religioso do povo a suas imagens.

O primeiro decreto meramente interditou a adoração de imagens, e ordenou que fossem removidos a tal ponto que não poderiam ser tocados ou beijados. Mas o momento que a ímpia mão do imperador tocou nos ídolos, a excitação foi imensa e universal. A proibição afetou todas as classes: instruídos e não instruídos, sacerdotes e camponeses, monges e soldados, clérigos e leigos, homens, mulheres, e até crianças, se envolveram nessa nova agitação. O efeito do decreto imediatamente ocasionou uma guerra civil tanto no Oriente quanto no Ocidente. A influência dos monges foi especialmente forte. Eles arranjaram um novo pretendente ao trono, armaram a multidão e apareceram em uma frota mal equipada perante Constantinopla. Mas o fogo grego desbaratou os assaltantes desordenados; os líderes foram presos e condenados à morte. Leão, provocado pela resistência que seu decreto tinha encontrado, emitiu um segundo e mais rigoroso decreto. Ele agora ordenava a destruição de todas as imagens, e o branqueamento de todas as paredes nas quais tais coisas tinham sido pintadas.

segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

Maomé, o Falso Profeta da Arábia

Capítulo 15: Islamismo - Iconoclastia (569 - 741 d.C.)


Foi com muito interesse que traçamos o constante progresso e poder subjugador do cristianismo em toda a Europa durante os séculos VII e VIII, embora em sua roupagem latina ou romana. O nome de Jesus foi disseminado mundo a fora, e Deus pôde usar o doce sabor desse nome para a bênção, apesar dos rígidos rituais de Roma que o cercavam de todos os lados. Mas todas essas conquistas do evangelho, por meio do gerenciamento do papa e da influência de seus missionários, tornaram-se as conquistas da Sé Romana. Quão longe tinha seu domínio espiritual se estendido, e quão grande seu poder podia ter se tornado se não tivesse encontrado formidáveis oposições, seria impossível imaginar. Mas Deus permitiu que um inimigo se erguesse, que não somente deteve o progresso do romanismo por todos os lados, como também mais de uma vez fez o próprio pontífice tremer por sua segurança, mesmo na cadeira de São Pedro. Esse foi Maomé, o impostor da Arábia.

O início do século VII -- o momento em que esse notável homem apareceu -- foi peculiarmente favorável para o cumprimento de seu grande objetivo. Quase o mundo inteiro estava contaminado por ídolos. A religião prevalecente de seu próprio país era grosseiramente idólatra. Havia 360 ídolos no templo de Meca, que era o número preciso de dias no ano árabe. O paganismo, com seus inúmeros falsos deuses, ainda cobria uma ampla porção da terra; e mesmo o cristianismo, infelizmente, tinha se tornado extensivamente idólatra, tanto nas igrejas gregas quanto romanas. Foi nesse momento que Maomé apareceu perante o mundo como um severo e austero monoteísta. Ele sentiu-se chamado a restaurar a doutrina fundamental da Unidade divina a sua devida proeminência na crença religiosa da humanidade. Mas as próprias ideias de encarnação, de redenção, de um Redentor, de um relacionamento e comunhão com Deus -- as penetrantes influências de um santo amor -- não têm lugar no sistema desse profeta. O abismo bocejante que separa Deus do pecador é deixado intransponível pela religião de Maomé. Mas, antes de falarmos sobre seu sistema, vamos olhar brevemente para sua família e juventude.

domingo, 25 de dezembro de 2016

A Doação Territorial de Carlos Magno

A real extensão de sua doação é muito difícil de determinar. Mas parece ser da opinião geral dos historiadores que ela incluía não apenas o exarcado de Ravena, mas os ducados de Espoleto e Benevento, Veneza, Istria, e outros territórios no norte da Itália -- em suma, quase toda a península com a ilha de Córsica. Todo Nabote foi roubado de sua vinha, e seu sangue derramado, para a gratificação da ambição de Jezabel, e para o estabelecimento de seu trono de iniquidade. Mas o marco da consumação e selo de toda a iniquidade foi o modo como o papa buscou reconciliar seu caráter de vicário de Cristo com sua nova posição. Como todos os homens estão sujeitos a Cristo, ele raciocinou, assim do mesmo modo eles são sujeitos ao Seu vicário e representante na terra em tudo o que pertence ao Seu reino. Mas este reino se estende sobre todos, portanto nada pertencente a este mundo ou seus assuntos podem estar acima ou além da jurisdição da cadeira de São Pedro. Nosso reino não é deste mundo; ele é, assim como Cristo, em todos, sobre todos e sobre tudo. De acordo com esta teoria, nenhum domínio secular deveria ser considerado inconsistente com a declaração do Salvador no que diz respeito ao Seu reino. É neste pressuposto ímpio, desde então, que os papas têm sempre agido. Daí sua interferência com o sacerdote e o povo, com o rei e o súdito, com a terra e o mar, sobre todo o mundo.

Carlos Magno visitou Roma novamente em 781, e uma terceira vez em 787, e em cada ocasião a igreja foi enriquecida por presentes, concedidos, como ele professava na linguagem da época, "para o bem de sua alma". Submergido em gratidão e plenamente consciente de sua própria necessidade um defensor permanente, o papa coroou Carlos Magno na véspera do Natal do ano 800 com a coroa do império ocidental, e o proclamou César Augusto. Um príncipe franco, um teutão, foi assim declarado o sucessor dos Césares, e empunhou todo o poder do imperador do Ocidente. "O império de Carlos Magno", diz Milman, "foi quase proporcional à Cristandade latina; a Inglaterra foi o único grande território que reconhecia a supremacia de Roma e não se sujeitou ao novo império ocidental"*. Este evento deu início a uma grande época nos anais da Cristandade romana.

{* Veja Milman, vol. 2. Greenwood, vol. 2.}

Devemos agora deixar o Ocidente por um tempo, e tornar nossa atenção para uma outra grande revolução religiosa que repentina e inesperadamente surgiu no Oriente -- o maometismo.

sábado, 24 de dezembro de 2016

O Único Grande Objetivo do Papado

A cada dia tornava-se mais e mais evidente que não poderia haver paz sólida para Roma, nem fundamento seguro para a supremacia já alcançada, a menos que fosse alcançada a derrubada total tanto dos poderes gregos quanto lombardos na Itália, e a apropriação de seus espólios pela santa Sé. Este era então o único grande objetivo dos sucessores de São Pedro e a batalha que eles tinham que lutar. Mas, assim como a vinha de Nabote, o jizreelita, isso deveria ser possuído por bem ou por mal. Jezabel conspira, e a morte de Nabote é realizada. A história dos reis lombardos e da grande controvérsia iconoclástica durante os séculos VII e VIII lançam muita luz sobre os meios usados para alcançar esse fim; mas disso tudo podemos dizer apenas uma palavra para passarmos adiante, e sugerir aos nossos leitores a consulta direta à história geral.*

{* Veja especialmente a Cathedra Petri de Greenwood.}


"Há abundante fundamento histórico para acreditar", diz Greenwood, "que esse objetivo havia, por essa época, se moldado muito distintamente na mente do papado: o território de seu inimigo religioso, o imperador, devia ser definitivamente anexado ao patrimônio de São Pedro, juntamente a um Estado territorial muito mais extenso à medida que a oportunidade viesse ao alcance.  Mas restava a árdua e aparentemente impossível tarefa de arrancar essas potenciais aquisições das mãos do inimigo lombardo. E, de fato, todo o curso da política papal estava então direcionada ao cumprimento desse único objetivo."

quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

O Período de Transição do Papado

Retornemos agora a Roma. Sua importância e influência como um centro reivindica nossa maior atenção por mais um pouco. Os domínios espirituais do papa então se estendiam por toda a parte. De todas as partes do império bispos, príncipes e povos olhavam para Roma como o pai de sua fé e a mais elevada autoridade na Cristandade. Mas, embora assim exaltada à mais alta soberania espiritual, o supremo pontífice e sua relação com o império oriental ainda era um assunto delicado. Isto era insuportável para o orgulho e ambição de Roma. A poderosa batalha pela vida e poder político agora começava, e durou por todo século VII e VIII. Este foi o período de transição de um estado de subordinação ao poder civil ao estado de auto-existência política. Como isto poderia ser alcançado era então o grande problema que o Vaticano tinha que resolver. Mas o domínio espiritual não podia ser mantido sem o poder secular.

Os lombardos -- os vizinhos mais próximos e temidos dos papas -- e o império grego eram os dois grandes obstáculos no caminho da soberania secular do papa. A queda do império ocidental e a ausência de qualquer governo nacional fez com que o povo romano olhasse para o bispo como seu chefe natural. Ele foi assim investido com uma influência política especial, distinta de seu caráter eclesiástico. As invasões dos lombardos, como já vimos, e a fraqueza dos gregos, contribuíram para o aumento do poder político nas mãos dos pontífices. Mas isto foi apenas acidental, ou uma necessidade diante das emergências imprevistas. Os Estados romanos ainda eram governados por um oficial do império oriental, e o próprio papa, se ofendesse o imperador, era suscetível de ser preso e lançado na prisão, como foi, de fato, o caso do papa São Martinho no ano 653, que morreu no exílio no ano seguinte.

A Disseminação do Cristianismo na Alemanha e Arredores

É mais do que provável que a cruz tenha sido introduzida, num período primitivo, no coração das florestas germânicas, assim como naquelas cidades e distritos que estavam sujeitos ao Império Romano. Os nomes de vários bispos da Alemanha {*N. do T.: ou Germânia, como era conhecida a região na época romana} são encontrados nas listas dos concílios de Roma e Arles realizados sob a autoridade de Constantino nos anos 313 e 314. Mas não foi até o final do sexto e início do sétimo século que o cristianismo foi amplamente disseminado e firmemente enraizado na região. Os bretões (ou britânicos), os escotos (ou escoceses) e os irlandeses foram honrados por Deus como os principais instrumentos nessa grande e abençoada obra. O ardente Columbano, cuja missão já tomamos nota, foi o líder dos primeiros grupos que foram ao auxílio dos pagãos no continente europeu. Ele primeiramente atravessou a França, então passou o Reno e trabalhou pela conversão dos suábios, bávaros, francos e outras nações da Alemanha. St. Kilian, um escocês e evangelista muito devoto, o seguiu. Ele é considerado o apóstolo da Francônia e honrado como um mártir por sua fidelidade cristã por volta do ano 692. Willibrord, um inglês missionário com onze de seus compatriotas, cruzou para a Holanda para trabalhar entre os frísios; mas assim como outros anglo-saxões do período ele era fervorosamente devoto à Sé Romana. Ele foi ordenado bispo de Witteburg pelo papa; seus associados propagaram o evangelho através da Vestfália e dos países vizinhos.

Mas o homem que levou as nações da Germânia como um rebanho de ovelhas sob o pastorio de Roma foi o famoso Vinfrido. Ele nasceu em Crediton, em Devonshire, de uma nobre e rica família, por volta do ano 680. Ele entrou em um monastério em Exeter quando tinha sete anos, e mais tarde se mudou para Nursling em Hampshire. Ali ele se tornou famoso por sua capacidade como pregador e como expositor das Escrituras. Ele se sentia chamado por Deus logo no início de sua vida para ir mundo afora como um missionário aos pagãos. Ele navegou para a Frísia no ano 716. Seus labores foram longos e abundantes. Três vezes ele visitou Roma e recebeu grandes honras do papa. Sob o título de São Bonifácio, e considerado o apóstolo da Germânia, ele morreu como um mártir aos sessenta e cinco anos. Mas embora ele tenha sido um missionário muito bem-sucedido, um homem de grande força de caráter, de grande erudição e de vida santa, ele era um vassalo jurado do papa, e buscava mais o avanço da igreja de Roma do que o avanço do evangelho de Cristo.*

{*Para detalhes particulares veja Middle Ages, de Hardwicke; J. C. Robertson, vol. 2, p. 95}

domingo, 20 de novembro de 2016

A Posição Eclesiástica e Secular de Gregório

O cuidado pastoral da igreja era evidentemente o principal objetivo e deleite do coração de Gregório. Ele acreditava que esta era sua obra, e com prazer teria se dedicado inteiramente a isto; pois, de acordo com a credulidade supersticiosa da época, ele tinha a mais profunda convicção de que o cuidado e governo de toda a igreja pertencia a ele como sucessor de São Pedro; e também, que ele era obrigado a defender a dignidade especial da Sé de Roma. Mas ele foi compelido, a partir do perturbado estado da Itália, e pela segurança de seu povo -- seu querido rebanho -- a empreender muitos tipos de negócios incômodos, totalmente estranhos ao seu chamado espiritual. Os invasores lombardos* eram, naquela época, o terror dos italianos. Os godos tinham sido, em grande medida, civilizados e romanizados. Mas esses novos invasores eram bárbaros sem remorso e impiedosos; embora, por mais estranho que seja dizê-lo, eles eram os autodeclarados campeões do arianismo. E o poder imperial, em vez de proteger seus súditos italianos, agiu apenas como um obstáculo para que eles se defendessem. Guerra, fome e pestilência tinham dizimado e despopulado tanto o país, que todos os corações falhavam, e todos se voltavam ao bispo como o único homem para a emergência desses tempos, de tão firme que era a opinião sobre sua integridade e capacidade entre os homens.

{* Os lombardos foram uma tribo germânica de Brandenburg. De acordo com a crença popular, eles tinham sido convidados à Itália por Justiniano para lutar contra os godos. O chefe deles, Alboin, estabeleceu um reino que durou de 568 a 774. O último rei, Desidério, foi destronado por Carlos Magno. Como os encontraremos novamente em conexão com nossa história, apenas tomamos esta breve nota sobre sua origem. -- Dicionário de Datas, de Haydn.}

Assim vemos que o poder secular, em primeira instância, foi imposto ao Papa. Não parece que ele buscava essa posição -- uma posição tão ansiosamente procurada por muitos de seus sucessores; mas vemos que ele entrou com relutância em deveres tão pouco de acordo com o grande objetivo de sua vida. Ele involuntariamente deixou para trás a vida quieta e contemplativa de monge, e entrou em assuntos do estado como um dever a Deus e a seu país. A direção dos interesses políticos de Roma recai sobretudo sobre Gregório. Ele foi guardião da cidade e o protetor da população da Itália contra os lombardas. Toda a história presta testemunho à sua grande capacidade, sua incessante atividade, e a multiplicidade de suas ocupações como o virtual soberano de Roma.

No entanto, por mais inconsciente que Gregório tenha sido quanto aos efeitos de sua grande reputação, ele contribuiu muito para a dominação eclesiástica e secular de Roma. A preeminência em seu caso, por mais triste que fosse para um cristão, era desinteressada e exercida de modo benéfico; mas não foi assim com seus sucessores. A infalibilidade do Papa, a tirania espiritual, a perseguição aos de diferentes opiniões, a idolatria, a doutrina do mérito das obras, o purgatório e as missas pelas almas dos mortos, coisas que se tornaram marcas registradas do papado, ainda não haviam se estabelecido totalmente em Roma; mas, podemos dizer, estavam todas à vista.

Não devemos, no entanto, prosseguir com esse assunto no momento; voltemos a um assunto mais interessante e mais agradável a nossas mentes.

terça-feira, 15 de novembro de 2016

A Caridade Fervente de Gregório

O caráter de Gregório se distinguia pelo fervor de seus atos de caridade. Embora elevado ao trono papal, ele viveu em um estilo simples e monástico. Seu palácio era cercado pelos pobres sofredores, como tinha sido seu monastério, e o alívio era distribuído com uma mão liberal. Não contente em apenas exercitar sua caridade sozinho, ele poderosamente exortava seus irmãos episcopais a abundarem na mesma. "Que o bispo não pense", diz ele, "que apenas a leitura e pregação são suficientes, ou apenas estudiosamente manter-se em retiro, enquanto a mão que enriquece permanece fechada. Mas que sua mão seja generosa; que faça avanços em direção àqueles que estão em necessidade; que considere as necessidades dos outros como se fossem de si próprio; pois sem essas qualidades o nome do bispo é um título vão e vazio".

A riqueza da Sé romana permitiu-lhe exercitar extensas caridades. Como administrador dos fundos papais, Gregório tem a reputação de ser justo, humano e muito laborioso. Mas seu biógrafos são tão volumosos em seus relatos sobre suas boas obras que chega a ser difícil tentar um breve esboço. No entanto, como podemos estimá-lo como um crente em Cristo, apesar da falsa posição em que estava e sua consequente cegueira quanto ao verdadeiro caráter da igreja, nos deleitamos em demorar um pouco mais em sua memória, e também traçar a linha prateada da graça de Deus apesar da ímpia mistura das coisas seculares e sagradas.

Na primeira segunda-feira de cada mês ele distribuía grandes quantidades de provisões a todas as classes. Os doentes e enfermos eram superintendidos por pessoas designadas para inspecionar todas as ruas. Antes de sentar-se à sua própria refeição, uma porção era separada e enviada aos famintos à sua porta. Os nomes, idades e moradias daqueles que recebiam o alívio papal encheram um grande volume. Tão severa era a caridade de Gregório que, certo dia, ao ouvir sobre a morte de um homem pobre pela fome, condenou-se a si mesmo a uma dura penitência pela culpa de negligência como administrador da divina graça. Mas sua ativa benevolência não se limitava à cidade de Roma; era algo quase mundial. Ele entrava em todas as questões que afetavam o bem-estar de todas as classes, e prescrevia minuciosas regulamentações para todas, para que os pobres não fossem expostos à opressão dos ricos, ou os fracos fossem oprimidos pelos fortes. Mas isto ficará mais evidente quando tomarmos nota  da posição eclesiástica e temporal de Gregório.

domingo, 6 de novembro de 2016

As Vantagens de Roma

A corte de Constantinopla, embora possa ter encorajado as esperanças e ambições dos bispos, afetava o governo da igreja com poder despótico, e decidia em controvérsias religiosas do tipo mais grave. Mas no Ocidente não era assim. O pontífice romano desse período demonstrou o espírito independente e agressivo do papado que se elevou a tais alturas em épocas posteriores. Os bispos do Oriente foram assim colocados em desvantagem em consequência de sua dependência da corte e de suas disputas com os imperadores. Além disso, a presença e grandeza do soberano oriental mantinha a dignidade do bispo em um lugar secundário. Em Roma não havia mais ninguém para disputar com a classe ou estilo do pontífice.

A retirada dos imperadores de Roma, como residência real, foi então favorável ao desenvolvimento do poder eclesiástico ali; pois, embora abandonada por seus governantes, era ainda venerada como a verdadeira capital do mundo. Deste modo, Roma possuía muitas vantagens como a sede do bispo supremo. Mas o fator principal que impulsionou e consolidou o poder da Sé romana foi a crescente crença, por toda a Cristandade, de que São Pedro foi seu fundador. Os bispos romanos negavam que sua precedência originava-se na grandeza imperial da cidade, mas sim em sua descendência linear de São Pedro. Este dogma foi geralmente recebido por volta do começo do século V.

Por tais argumentos a igreja de Roma estabeleceu seu direito de governar a universal igreja. Ela sustentava que Pedro era primaz entre os apóstolos, e que seu primado é herdado pelos bispos de Roma. Mas pode ser interessante observar aqui o duplo aspecto do romanismo -- o eclesiástico e o político. Em ambos os aspectos ele reivindicava a supremacia. Eclesiasticamente ele sustentava: (1) que o bispo de Roma é o juiz infalível em todas as questões de doutrina; (2) que ele tem o direito inerente ao governo supremo em convocar concílios gerais e presidir sobre eles; (3) que o direito de fazer nomeações eclesiásticas pertencia a ele; (4) que a separação da comunhão da igreja de Roma envolve a culpa de cisma. Politicamente ela reivindicava, aspirava e ganhava preeminência e poder sobre toda a sociedade européia, assim como sobre todos os governos europeus. Veremos provas abundantes desses fatores em particular no decorrer de sua bem definida história, a qual daremos prosseguimento agora.

Não foi até depois do primeiro concílio de Niceia que a supremacia dos bispos romanos passou a ser, em geral, permitida. Os primeiros bispos de Roma mal são conhecidos na história eclesiástica. A ascensão de Inocêncio I no ano 402 deu força e definição a esse novo princípio da igreja latina. Até este tempo não havia qualquer reconhecimento legal da supremacia de Roma, embora ela fosse considerada a principal igreja do Ocidente, e fosse frequentemente procurada pelos outros grandes bispos por um julgamento espiritual em questões de disputa. Quando a igreja grega caiu no arianismo, a igreja latina aderiu firmemente ao credo niceno {*N. do T.: a doutrina da Santíssima Trindade defendida no concílio de Niceia, em oposição à doutrina do arianismo}, o que a elevou muito na opinião de todo o Ocidente. "Na mente de Inocêncio", diz Milman, "parece ter surgido, pela primeira vez, a vasta concepção da supremacia eclesiástica universal de Roma; ainda sombria e escura, mas completa e abrangente em seu esboço."

O Começo do Período Papal

É geralmente admitido que esse período começa com o pontificado de Gregório, o Grande, em 590, e termina com a Reforma na primeira metade do século XVI. Mas, antes de entrarmos na história geral, tentaremos responder a uma questão que tem sido perguntada e que, sem dúvida, está na mente de muitos: Quando, e por que meios, o poder caiu nas mãos do pontífice romano, o que levou a sua supremacia e despotismo durante a Idade Média? É uma pergunta interessante, mas respondê-la plenamente nos levaria além de nossos limites. Podemos apenas apontar alguns poucos fatos na cadeia de eventos que levou à fundação do grande poder e soberania da Sé de Roma.

Desde o tempo do famoso decreto de Milão em 313, a história da igreja mudou de caráter. Ela passou então de uma condição de angústia e perseguição para o auge de uma prosperidade e honra mundana: outras questões além daquelas do cristianismo foram doravante envolvidas em sua história. Tendo entrado em uma aliança com o Estado, seu futuro caminho foi necessariamente formado por suas novas relações. Ela não podia mais agir simplesmente no nome do Senhor Jesus, e de acordo com Sua santa Palavra. Mas nunca poderia haver uma completa amalgamação (mistura entre os dois lados). Um era do céu, e o outro era deste mundo. Eles são, por natureza, opostos um ao outro. Ou a igreja aspirava ser senhora do Estado, ou o Estado invadia o terreno da igreja e desconsiderava seus direitos inerentes. Foi exatamente isto o que aconteceu. Logo após a morte de Constantino, a luta entres esses dois grandes poderes, a igreja e o Estado, pelo governo do mundo, começou; e, de modo a assegurar o êxito nesta guerra, o pontífice romano recorreu a caminhos e meios que não caracterizaremos aqui, uma vez que nos depararemos com eles em breve. 

Antes de Constantino transferir a sede do império a Bizâncio e construir Constantinopla, Roma era a metrópole reconhecida, e seu bispo o primaz. Mas quando Constantinopla tornou-se a cidade imperial, seu bispo foi promovido à categoria de patriarca, e logo começou a reivindicar a dignidade de pontífice romano. Este foi o início da igreja grega como uma comunhão separada, e da longa disputa entre o Oriente e o Ocidente. Havia então quatro patriarcas, de acordo com o plano do imperador: em Roma, Constantinopla, Antioquia e Alexandria. A categoria do bispo dependia da superioridade da cidade em que presidia, e como Constantinopla era então a capital do mundo, seus bispos não ficavam atrás de ninguém em honra e magnificência. Os outros ficaram invejosos, Roma queixou-se, a contenda começou, a brecha se alargou. Mas Roma nunca descansou até que tivesse ganhado a ascendência sobre seus rivais mais fracos e menos ambiciosos.

domingo, 25 de setembro de 2016

Os Monastérios e o Pontífice Romano

Até quase o final do quinto século, os monastérios eram colocados sob a superintendência dos bispos; os monges eram considerados simplesmente como leigos e não tinham qualquer pretensão de serem classificados entre a ordem sacerdotal. Circunstâncias, no entanto, no decorrer do tempo, levaram os monges a assumir um caráter clerical. Muitos deles se ocupavam no trabalho de ler e expor as Escrituras, e todos eles deveriam estar envolvidos no cultivo da vida espiritual mais elevada. Assim, a população os tinham em muita estima, especialmente quando eles começaram a exercer suas funções clericais além dos confinamentos de suas celas. Invejas logo surgiram entre os bispos e os abades: o resultado foi que os abades, para se libertarem da dependência que tinham de seus rivais espirituais, fizeram uma petição para que tivessem a proteção do Papa de Roma. A proposta foi aceita com prazer, e logo todos os monastérios, grandes e pequenos, abadias, mosteiros e conventos se submeteram à autoridade da Sé de Roma. Isto foi um imenso passo em direção ao poder pontifical de Roma.

O Papa podia agora estabelecer, em quase qualquer canto, uma espécie de polícia espiritual, que agia como uma rede de espiões sobre os bispos, assim como sobre as autoridades seculares. Este evento deve ser observado com cuidado se quisermos acompanhar os caminhos e meios da ascensão do poder, e da derradeira supremacia, do Pontífice Romano.

O sistema monástico logo se espalhou para além dos limites do Egito: e todos os grandes mestres da época, tanto no Oriente quanto no Ocidente, advogavam a causa do celibato e monasticismo. São Jerônimo, em particular, o homem mais erudito de seus dias, é considerado o elo de ligação entre as duas grandes divisões da igreja -- a grega e a romana, ou a oriental e a ocidental. Ele foi o meio pelo qual o celibato e monasticismo foram fortemente levados adiante, especialmente entre as mulheres. Muitas senhoras romanas de classe se tornaram freiras através de sua influência. Ambrósio exaltava tanto a virgindade em seus sermões que as mães de Milão impediam que suas filhas assistissem seu ministério; mas multidões de virgens de outros cantos se reuniam em torno dele para receberem a consagração. Basílio introduziu a vida monástica em Ponto e Capadócia; Martinho, na Gália; Agostinho, na África; e Crisóstomo foi impedido pela sabedoria de sua mãe a se retirar, em sua juventude, a um eremitério remoto na Síria.

Antes de terminarmos este assunto pode ser interessante, de uma vez por todas, tomar nota sobre o crescimento e estabelecimento dos conventos.

domingo, 11 de maio de 2014

As Chaves do Reino dos Céus

Isso nos leva à já mencionada "grande casa" da profissão de fé cristã meramente externa. No entanto, devemos ter em mente que, apesar de intimamente conectados, o reino dos céus e a grande casa referem-se a coisas um tanto distintas. O mundo pertence ao Rei. "O campo é o mundo". Seus servos devem ir a semear. Como resultado, temos "uma grande casa", ou Cristandade.*

{* Os termos "igreja", "reino dos céus", e "grande casa" são bíblicos, e diferem um pouco em seus significados, como usados pelo Senhor e Seus apóstolos. O termo "minha igreja", como usado pelo Senhor, engloba apenas membros vivos e verdadeiros. O pensamento principal da expressão "reino dos céus" claramente se refere à autoridade do Senhor tendo ascendido às alturas. Todos os que professam sujeição a Ele pertencem a esse reino. Na "grande casa" vemos o mal em atividade, infiltrado no corpo professante por meio das falhas do homem, resultando em sua co-existência com o reino dos céus e com a igreja professante. Mas há ainda outro termo usado constantemente, e que não é encontrado nas Escrituras - a Cristandade. Trata-se de um termo eclesiástico, e originalmente indicava todos os que foram cristianizados, ou aquelas porções do mundo em que o Cristianismo prevalecia, distinguindo-as das terras pagãs ou maometanas. Mas agora, essa palavra tem sido usada como sinônimo dos outros três termos já mencionados. De modo geral, os quatro termos são usados para se referir à mesma coisa, apesar de serem originalmente diferentes em seu significado e aplicação. Mas onde não há confusão hoje em dia? }

Porém, quando tudo aquilo que é meramente nominal na Cristandade for varrido pelo juízo de Deus, o reino será estabelecido em poder e glória. Esse será o milênio.

Enquanto ainda falava com Pedro sobre a igreja, o Senhor acrescentou: "E eu te darei as chaves do reino dos céus". A igreja sendo construída por Cristo, e o reino dos céus sendo aberto por Pedro, são coisas muito diferentes. É um dos grandes porém comuns erros da Cristandade usar os termos como sinônimos, como se significassem a mesma coisa. Escritores teológicos de todas as eras, ao assumir que eles são iguais, escreveram sobre a igreja e o reino da maneira mais confusa possível. A menos que tenhamos algum conhecimento dos modos dispensacionais de Deus, não poderíamos jamais manejar, ou dividir, bem Sua palavra (2 Timóteo 2:15). Não podemos confundir aquilo que o próprio Cristo edifica com aquilo que o homem edifica instrumentalmente, por meio de coisas como pregação e batismo. A igreja que é o corpo de Cristo é edificada sobre a confissão de que Ele é o Filho do Deus vivo, glorificado em ressurreição. Cada verdadeira alma convertida deve tratar com o próprio Cristo antes de ter algo a falar à igreja. O reino é algo muito mais amplo, e se aplica a cada pessoa batizada - isto é, todo o cenário da profissão cristã, seja ela verdadeira ou falsa.

Cristo não diz a Pedro que lhe daria as chaves da igreja ou as chaves dos céus. Se o tivesse feito, poderia realmente haver algum motivo para o sistema maligno do papado. Mas Ele simplesmente diz: "Te darei as chaves do reino dos céus" - isto é, de uma nova dispensação. Chaves, como já foi dito, não servem para construir templos, mas para abrirem portas, e o Senhor concedeu a Pedro a honra de abrir a porta do reino, primeiramente aos judeus (Atos 2), e depois aos gentios (Atos 10). Mas a linguagem que Cristo utiliza ao falar de Sua igreja é de uma outra ordem. É simples, bonita, enfática e inconfundível. "Minha igreja". Que profundidade, que plenitude há nessas palavras. "Minha igreja"! Quando o coração encontra-se em comunhão com Cristo em relação à Sua igreja, existe uma compreensão de Suas afeições que palavras não têm o poder de expressar. Mas assim como são, gostamos de ponderar nestas duas palavras, "Minha igreja!", mas quem pode falar do quanto do coração de Cristo que está aí revelada? Novamente, pense nessas outras duas palavras: "Esta pedra", como se Ele tivesse dito: "A glória da Minha Pessoa, e o poder da Minha vida em ressurreição formam o sólido fundamento da 'Minha igreja'". E de novo: "Eu a edificarei". Vemos, assim, nessas sete palavras, que tudo está nas próprias mãos de Cristo, pois Ele é a "cabeça da igreja, que é o seu corpo, a plenitude daquele que cumpre tudo em todos." (Efésios 1:23)

sexta-feira, 2 de maio de 2014

Um Resumo das Sete Igrejas

  • Éfeso: Em Éfeso o Senhor detecta a raiz de todo o declínio. "Deixaste teu primeiro amor". Ela é ameaçada a ter seu castiçal removido a menos que se arrependa. Período: da era apostólica até o final do segundo século.
  • Esmirna: A mensagem a Éfeso é geral, mas para Esmirna é específica. E, apesar de aplicada àquela assembleia naquele tempo, ela prefigura, de forma muito marcante, as repetidas perseguições pela qual a igreja passou sob os imperadores pagãos. No entanto, Deus pode ter usado o poder do mundo para deter o progresso do mal dentro da igreja. Período: do segundo século até Constantino.
  • Pérgamo: Aqui temos o estabelecimento do Cristianismo por Constantino como a religião do Estado. Em vez de perseguir os cristãos, ele os patrocina. A partir daí a queda da igreja avança rapidamente. Sua aliança profana com o mundo resultou em sua mais triste e profunda queda. Foi então que ela perdeu o verdadeiro sentido de sua relação com Cristo no Céu, e de seu caráter como peregrina e estrangeira na Terra. Período: do começo do quarto século até o sétimo século, quando o papado foi estabelecido*.
  • Tiatira: Em Tiatira vemos o papado da idade média, em semelhança à Jezabel, praticando todo o tipo de maldade, e perseguindo os santos de Deus, sob o disfarce de zelo religioso. No entanto, havia um remanescente temente a Deus em Tiatira, a quem o Senhor conforta com a brilhante esperança de Sua vinda, e com a promessa de poder sobre as ações, quando o próprio Senhor reinará. Mas a palavra de exortação ao remanescente é: "Mas o que tendes, retende-o até que eu venha" (Apocalipse 2:25). Período: do estabelecimento do papado até a vinda do Senhor. Este período vai até o fim, mas é caracterizado pela idade das trevas (idade média).
  • Sardes: Aqui vemos a parte Protestante da Cristandade que surgiu após a grande Reforma. As características falhas do papado desaparecem, mas o novo sistema não tem vida em si mesmo. "Tens nome de que vives, e estás morto" (Apocalipse 3:1). Mas há, ainda, verdadeiros santos dentro desses sistemas sem vida, e Cristo conhece a todos. "Mas também tens em Sardes algumas pessoas que não contaminaram suas vestes, e comigo andarão de branco; porquanto são dignas disso" (Apocalipse 3:4). Período: do século XVI até hoje. Período marcado pelo início do Protestantismo após a Reforma.
  • Filadélfia: A igreja da Filadélfia apresenta um remanescente fraco, porém fiel à palavra e ao nome do Senhor Jesus. O que os caracterizava era o fato de guardarem a palavra da paciência de Cristo, e de não negarem Seu nome. A condição deles não era marcada por qualquer exibição de poder, nem de coisa alguma grande externamente, mas de uma próxima, íntima e pessoal comunhão com o Senhor. Ele está no meio deles como o Santo e o Verdadeiro, e é representado como sendo o dono da casa. Ele possui "a chave de Davi". Os tesouros da palavra profética estão disponíveis para aqueles que estão dentro. Eles estão também desfrutando de Sua paciência, e na expectativa de Sua vinda. "Como guardaste a palavra da minha paciência, também eu te guardarei da hora da tentação que há de vir sobre todo o mundo, para tentar os que habitam na terra." Período: especialmente a partir da primeira parte do século XIX.
  • Laodiceia: Em Laodiceia temos mornidão - indiferença, latitudinarismo** ou ecumenismo - mas com altas pretensões, um espírito arrogante, e grande auto-suficiência. Este é o último estado daquela que leva o nome de Cristo sobre a Terra. Mas, que lástima! Isso é intolerável para Ele. Sua condenação final é chegada. Tendo separado, para Si mesmo, cada verdadeiro crente das corrupções da Cristantade, o Senhor os vomita de Sua boca. Aquilo que deveria ter sido doce a Seu paladar se tornou enjoativo, e é lançado fora para sempre. Período: começando quase em paralelo ao período de Filadélfia, mas especialmente próximo à cena final. Está ativa no período em que vivemos agora.
Tendo assim tomado uma visão geral das sete igrejas, devemos agora nos esforçar, com a ajuda do Senhor, a traçar brevemente estes diferentes períodos da história da igreja. Nosso propósito é examinar mais detalhadamente cada uma das sete epístolas enquanto avançamos com nosso estudo para que possamos verificar, à luz da Palavra, os diferentes períodos por elas referidos, e o quanto os fatos da história da igreja ilustram a história apresentada nas Escrituras nesses dois capítulos. Que o Senhor possa nos guiar, para o refrigério e bênção de Seus queridos.

(* O título "Papa" foi primeiramente adotado por Higino no ano de 139, e o Papa Bonifácio III induziu Focas, Imperador do Leste, a concedê-lo ao prelado de Roma em 606. Ainda com a conivência de Focas, a supremacia do papa sobre a igreja cristã foi estabelecida - Dicionário de Dados de Haydn)
(** Nota do tradutor: latitudinarismo é uma seita inglesa que sustenta a máxima tolerância religiosa e a doutrina de que todos os homens se salvarão. Similar ao universalismo}

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