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domingo, 24 de novembro de 2019

A Cadeia de Testemunhas

Quando comentamos sobre os paulicianos -- as testemunhas de Deus e de Sua verdade no Oriente -- falamos que os encontraríamos novamente no Ocidente. Afirma-se que, em seu zelo missionário, eles se espalharam por toda a Europa; mas se eles continuaram sendo uma seita distinta e característica ou se misturaram-se com outros sectários do Ocidente, esta é uma questão em que não há consenso por parte dos historiadores. Dentre as várias formas de heresia que eram denunciadas pela igreja dominante, dificilmente alguma delas escapou da acusação de maniqueísmo -- o rótulo que era afixado sobre os emigrantes do Oriente. Mas não seria correto dizer, como faziam, que todas as seitas ocidentais eram fruto da missão deles, apesar de serem taxados com o mesmo nome. É mais do que provável, no entanto, que eles tenham encontrado muitos com espírito separatista em relação à igreja católica, embora não o demonstrassem abertamente, e que em tais casos os paulicianos podem ter se tornado seus mestres, podendo, desse modo, perpetuar seus princípios.

As testemunhas ocidentais, sem dúvida, foram o resultado do mesmo espírito de graça e verdade que tinham os paulicianos, através da fidelidade de Deus, que nunca permitiu-Se ficar sem um testemunho na terra, mas não vemos fundamento para falar deles como descendentes dos mal-representados paulicianos. É mais provável que eles fossem uma mistura desses dissidentes da igreja estabelecida.

Procuraremos agora traçar a linha prateada da graça de Deus, que estava trabalhando ativamente, embora sob diferentes formas e nomes, durante o período mais sombrio da opressão papal. Não há dificuldade em identificar as testemunhas de Deus, desde o início da igreja até a Reforma, ou em traçar a cadeia ininterrupta de testemunhas que eram contra a iniquidade de Roma e a favor do verdadeiro evangelho da graça de Deus. Já vimos essa cadeia de testemunhas desde a história dos paulicianos até o século X; veremos agora as seitas mais proeminentes que surgiram no Ocidente antes de e desde esse período.

1. Cláudio de Turim, nascido espanhol, foi um famoso comentarista das Escrituras na corte de Luís, na Aquitânia. Seu patrono, o imperador, o promoveu ao bispado de Turim no ano de 814. Ele é tido na história como o Wycliffe do século IX e um vigoroso defensor do cristianismo primitivo. Ao chegar à diocese, ele encontrou as igrejas cheias de imagens e embelezamentos com flores e guirlandas. Imediatamente e sem cerimônia, ordenou que todos esses ornamentos fossem removidos. Nenhuma distinção deveria ser feita em favor de qualquer imagem, relíquia ou crucifixo; todos deveriam ser retirados para destruição. Ele denunciou a adoração a tais coisas como uma renovação da adoração aos demônios sob outros nomes, o que estava substituindo a pregação da gloriosa ressurreição do Senhor Jesus. Ele declarava também que o ofício apostólico de São Pedro tinha cessado com o fim da vida do apóstolo. Ele, portanto, desprezava as censuras papais e o alegado poder das chaves de São Pedro. Dizem que ele separou sua igreja da comunhão romana.

Mas, como muitos outros reformadores, Cláudio era duro e intemperante em seu zelo. As terríveis corrupções do clero e as idolatrias do povo o levaram a falar e escrever em termos fortes e cheios de paixão, o que não é de se admirar. Mas o Senhor cuidou dele do modo mais maravilhoso possível. Embora fosse um ousado reformador e um destemido iconoclasta em uma cidade italiana, a invisível mão da providência divina permitiu que terminasse seus labores permanecendo ainda nos plenos privilégios de um bispo, apesar de não ter sido livre de oposições.

Como um elo na cadeia de testemunhas, Cláudio ocupa um lugar muito distinto. Sua influência foi grande e amplamente difundida. Teodomiro, abade de um monastério perto de Nismes, ingenuamente confessou, de acordo com Milman, que a maioria dos grandes clérigos transalpinos* pensavam como Cláudio. Assim, a hostilidade contra a igreja católica e seus muitos sacramentos, que mais tarde prevaleceu nos vales alpinos, tem sido geralmente traçada desde esse reformador, Cláudio. Ele morreu no ano de 839. 

{*Transalpino: que se situa além dos Alpes}

domingo, 26 de fevereiro de 2017

Uma Nova Jezabel no Poder (842 d.C.)

Após a morte do imperador Teófilo, Teodora, sua viúva, governou como regente durante o período de minoridade de seu filho. Seu apego dissimulado à idolatria era bem conhecido do sacerdócio, e não muito tempo após a morte de Teófilo ela se dedicou ao completo cumprimento de seu grande objetivo. Quando o caminho ficou limpo, um festival solene foi marcado para a restauração das imagens. "Todo o clero de Constantinopla, e todos os que podiam se reunir dos arredores, se encontraram diante do palácio do arcebispo e marcharam em procissão com cruzes, tochas e incenso à igreja de Santa Sofia. Ali eles se encontraram com a imperatriz e seu pequeno filho Michael. Eles fizeram o circuito da igreja, com suas tochas ardendo, prestando homenagem a cada estátua e pintura, que foram cuidadosamente restauradas, para nunca mais serem apagadas até tempos depois por iconoclastas ainda mais terríveis, os turcos otomanos."*

{* Cristianismo Latino, vol. 2, p. 202.}

Após um restabelecimento tão triunfante das imagens, o partido vitorioso sem dúvida pensou que havia chegado o tempo de propôr e tentar assegurar outro triunfo; eles agora instavam a imperatriz a empreender a total supressão dos paulicianos. Eles tinham pregado contra imagens, relíquias e a madeira podre da cruz. Eles não podiam continuar vivendo, e os católicos atingiram esse objetivo! Um decreto foi emitido sob a regência de Teodora, que decretou que os paulicianos deveriam ser exterminados por fogo e espada, ou trazidos de volta à igreja grega. Mas eles recusaram todas as tentativas que foram feitas para ganhá-los, e assim o feroz demônio da perseguição foi solto entre eles. Seus inquisidores exploraram as cidades e montanhas da Ásia menor e executaram sua comissão da maneira mais cruel possível. Os números da seita, e a severidade da perseguição, podem ser julgados pelas multidões que foram mortas pela espada, decapitadas, afogadas ou consumidas nas chamas. Afirma-se, tanto pelos historiadores civis quanto eclesiásticos, que, em um curto reinado, cem mil paulicianos foram condenados à morte. Houve alguma vez uma filha mais genuína de Jezabel do que esta? Ela nem mesmo tinha um Acabe para fazer este trabalho cruel por ela, mas com suas próprias mãos, por assim dizer -- infelizmente, as mãos de uma mulher -- por seu próprio decreto, ela assassinou cem mil santos de Deus*, restabeleceu a adoração aos ídolos, e nutriu com favor real os padres idólatras de Roma.

{* Não pretendemos afirmar que todos os que foram mortos por Teodora eram cristãos verdadeiros. Não podemos julgar o coração; mas eles professavam ser e voluntariamente morreram como mártires.}

A história da iconoclastia foi notável pela influência feminina. Helena foi a primeira a sugerir e encorajar a veneração por relíquias; Irene foi a restauradora da adoração de imagens quando ameaçada de destruição; e agora Teodora não apenas restabelece a idolatria que seu marido tinha se esforçado para suprimir, como também persegue os verdadeiros adoradores. Certamente a mulher Jezabel -- símbolo da igreja dominante na Idade das Trevas -- tem seu antítipo nessas três mulheres, especialmente as duas últimas. A semelhança é marcante demais para ser questionada. Mas todo o sistema do catolicismo respira esse terrível espírito, e é caracterizado pelas tenebrosas características do caráter de Jezabel. A palavra do Senhor não pode ser quebrada. "Ninguém fora como Acabe, que se vendera para fazer o que era mau aos olhos do Senhor; porque Jezabel, sua mulher, o incitava". Este é o tipo (figura). O antítipo é: "Mas algumas poucas coisas tenho contra ti que deixas Jezabel, mulher que se diz profetisa, ensinar e enganar os meus servos, para que forniquem e comam dos sacrifícios da idolatria. E dei-lhe tempo para que se arrependesse da sua fornicação; e não se arrependeu." (1 Reis 21:25, Apocalipse 2:20,21)

domingo, 15 de janeiro de 2017

Helena e Irene

Assim terminou a questão mais crítica que já tinha se erguido desde que o cristianismo tornou-se a religião do mundo romano. Pelo sétimo concílio geral a idolatria foi formal e veementemente estabelecida como a adoração do grande sistema papal, e anátemas foram denunciadas contra todos os que ousassem afastar-se disto. Daí a perseguição implacável aos assim chamados separatistas. Mas é digno de nota, de acordo com nossa visão do caráter de Jezabel, que uma mulher foi a primeira a mover-se em relação ao culto de imagens, e uma mulher foi a restauradora das imagens quando foram derrubadas. Helena, a mãe de Constantino, o Grande, foi uma mulher irrepreensível e devota, mas foi usada pelo inimigo para introduzir relíquias emocionantes e memoriais sagrados que mudaram o cristianismo de uma adoração espiritual pura para aquela forma paganizante de religião que cresceu com tanta rapidez nos séculos seguintes. A esperta Irene foi também usada por Satanás para restaurar e reestabelecer a adoração de imagens. Daquele dia até hoje ambas igrejas grega e latina aderiram a essa forma de culto, e mantiveram a santidade de suas imagens e pinturas.

Os resultados políticos da controvérsia iconoclástica foram igualmente grandes e importantes. Roma então rompeu os laços de sua conexão com o Oriente, separando-se para sempre do Império Bizantino; e o cristianismo grego, a partir de então, tornou-se uma religião separada, e o império um Estado separado. O Ocidente, recebendo uma grande adesão de poder através dessa revolução, finalmente criou seu próprio império, formou alianças com os reis francos, e colocou a coroa do império ocidental na cabeça de Carlos Magno, como já vimos anteriormente.

O Fim da Iconoclastia

Gregório II não sobreviveu muito tempo após ter escrito suas epístolas. No ano seguinte ele foi sucedido por um terceiro papa de mesmo nome. Gregório III também era zeloso na causa das imagens, e trabalhava para aumentar a popular veneração por elas. Em Roma, ele estabeleceu o exemplo de adoração de imagens na mais esplêndida escala. Um concílio solene foi convocado, consistindo de todos os bispos dos territórios lombardos e bizantinos ao norte da Itália, totalizando 93 bispos. A assembleia foi realizada na presença real das relíquias sagradas do apóstolo Pedro e teve a participação de todo o corpo do clero da cidade, dos cônsules e de uma grande multidão. Ali um decreto foi formulado, unanimemente adotado e assinado por todos os presente, com o efeito que: "Se qualquer pessoa, a partir de agora, desprezando os costumes antigos e fiéis de todos os cristãos e da igreja apostólica em particular, aparecer como um destruidor, difamador ou blasfemador das imagens sagradas de nosso Deus e Senhor Jesus Cristo, e de Sua mãe, a imaculada Virgem Maria, dos apóstolos benditos, e de todos os santos, seja ele excluído do corpo e do sangue do Senhor, e da comunhão da universal igreja"*.

{* Cathedra Petri, de Greenwood, vol. 3, p. 480.}

Leão, indignado pela audácia do papa, prendeu seus mensageiros e resolveu montar uma numerosa frota e exército para reduzir a Itália a uma melhor sujeição. Mas a armada grega encontrou uma terrível tempestade no Adriático, deixando a frota incapacitada, e assim Leão foi obrigado a postergar seus desígnios de forçar a execução de seus decretos contra imagens nas dependências italianas do império. Ele se indenizou, no entanto, confiscando as receitas papais na Sicília, Calábria e outras partes de seus domínios, e transferindo a Grécia e o Ilírico do patriarcado romano para o de Constantinopla. Mas aqui, com ambos, a cena se fecha, mas não a disputa. Ambos Gregório e Leão morreram em 741. O imperador foi sucedido por seu filho Constantino, cujo reino se estendeu pelo incomum período de 34 anos. Gregório foi sucedido por Zacarias, um homem de grande capacidade e profundamente imbuído do espírito do papado. Ao final de seu reinado, Constantino era implacável em sua inimizade contra os adoradores de imagens. Ele é culpado por grande crueldade contra os monges, mas ele foi, sem dúvidas, provocado até o último grau pelo comportamento violento e fanático deles.

Irene, esposa do filho e herdeiro de Constantino, uma princesa ambiciosa, intrigante e altiva, apoderou-se do governo na morte de seu fraco marido, em nome de seu filho, que tinha apenas dez anos de idade. Ela escondeu por um tempo seus desígnios pela restauração das imagens. A política e a idolatria, juntas, tomaram lugar em seu coração. Ela era ciumenta, astuta e cruel. Sua história é o registro do ódio interior e da traição com aparência exterior de cortesia. Mas estamos interessados apenas na parte religiosa de seu reinado.

O Papa Rejeita os Decretos de Leão

A inteligência do primeiro assalto de Leão III contra as imagens de Constantinopla encheu os italianos de dor e indignação; mas quando as ordens chegaram para forçar esses decretos fatais dentro das dependências italianas do império, todos levantaram seus braços contra isso, desde os maiores até os menores. O papa se recusou a obedecer as ordens e desafiou o imperador; e todo o povo jurou viver e morrer em defesa do papa e das imagens sagradas. Mas a complicação política dos assuntos naquele momento tornou impossível para o imperador forçar seus decretos nos domínios papais. Gregório se dirigiu ao imperador com grande tensão; o tom de sua resposta ao manifesto imperial respira um espírito do mais sedicioso desafio. Os monges, que viam seu ofício em perigo -- a superstição à qual deviam sua riqueza e influência -- pregavam contra o imperador como a um apóstata abandonado. Ele foi pintado por esses escravos da idolatria como alguém que combinava em sua pessoa todas as heresias que já haviam poluído a fé cristã e que ameaçavam as almas dos homens. Mas, exibindo o verdadeiro espírito do papado, tanto na defesa de sua querida superstição e idolatria, quanto em seu desafio ao poder secular, transcreveremos partes das epístolas originais do segundo e terceiro Gregório, deixando ao leitor que examine o quadro.

O papa Gregório II disse ao imperador: "Durante dez puros e afortunados anos temos provado os confortos anuais de tuas cartas reais, assinadas em tinta púrpura por tua própria mão, nas quais pudemos ver as sagradas promessas de teu apego ao credo ortodoxo de teus pais. Que deplorável mudança! Que tremendo escândalo! Tu agora acusas os católicos de idolatria; e pela acusação, trais tua própria impiedade e ignorância. A esta ignorância somos obrigados a adaptar a descortesia de nosso estilo e argumentos: os primeiros elementos das cartas sagradas são suficientes para tua confusão; e, se o imperador entrasse em uma escola de gramática e se declarasse o inimigo de nossa adoração, as simples e piedosas crianças lançariam suas tábuas de escrever em tua cabeça." 

Após essa desleal e ofensiva saudação, o papa tenta, como de costume, defender a adoração de imagens. Ele se esforça para provar a Leão a vasta diferença entre imagens cristãs e ídolos da antiguidade. Os últimos eram a representação fantasiosa de demônios, e as primeiras seriam a semelhança genuína de Cristo, de Sua mãe e de Seus santos. Ele então apela para as decorações no templo judaico -- o propiciatório, os querubins e os vários ornamentos feitos por Bezalel para a glória de Deus -- a fim de justificar o culto às imagens. Apenas os ídolos dos gentios, afirma ele, eram proibidos pela lei judaica. Ele nega que os católicos adoravam a madeira e a pedra: estes seriam apenas memoriais destinados a despertar sentimentos de piedade.

Ao falar de sua própria edificação ao contemplar as pinturas e imagens nas igrejas*, temos uma passagem de grande interesse histórico que mostra os temas habituais dessas pinturas: "O retrato miraculoso de Cristo enviado por Abgaro, rei de Edessa; as pinturas dos milagres do Senhor; a virgem mãe com o menino Jesus em seu colo, cercada por coros de anjos; a última ceia; a ressurreição de Lázaro; o milagre que deu vista ao cego; a cura do paralítico e do leproso; a alimentação das multidões no deserto; a transfiguração; a crucificação, sepultamento, ressurreição e ascensão de Cristo; o dom do Espírito Santo; e o sacrifício de Isaque."*

{* Cristianismo Latino, de Milman, vol. 2, p. 160.}


Gregório aborda longamente os argumentos comuns em defesa das imagens, e reprova o imperador pela violação dos mais solenes compromissos, e então irrompe em um tom desdenhoso, tal como: "Tu exiges um concílio: revogue teus decretos, cesse a destruição de imagens; um concílio não será necessário. Tu nos atacas, ó tirano, com um grupo carnal e militar: desarmado e nu só podes implorar a Cristo, o príncipe das hostes celestiais, pois Ele enviará a ti um demônio para a destruição de teu corpo e salvação de tua alma. Tu declaras, com tola arrogância: 'Despacharei minhas ordens a Roma, quebrarei em pedaços a imagem de São Pedro; e Gregório, como seu predecessor Martinho, será transportado em correntes, e em exílio, aos pés do trono imperial'. Quisera Deus que me fosse permitido pisar as pegadas do santo Martinho; mas que o destino de Constâncio possa servir de alerta aos perseguidores da igreja. Mas é nosso dever viver para a edificação e apoio ao povo fiel; e também não iremos arriscar nossa segurança no evento de um combate. Incapaz como és de defender teus súditos romanos, a situação marítima da cidade pode talvez expô-la a tuas depredações; mas só temos de nos retirar à primeira fortaleza dos lombardos, e então poderás, do mesmo modo, perseguir os ventos. Ignora tu que os papas são o vínculo de união, os mediadores da paz entre o Oriente e o Ocidente? Os olhos das nações estão fixados em nossa humildade; e elas reverenciam, como um Deus sobre a terra, o apóstolo São Pedro, cuja imagem tu ameaças destruir." 

{* N. do T.: aqui no sentido de edifícios onde cristãos se reuniam, e não no sentido bíblico do corpo de Cristo, composto por todos os verdadeiros crentes em Jesus, ou de uma assembleia reunida somente ao nome do Senhor.}


A conclusão da carta do papa evidentemente se refere a seus novos aliados além dos Alpes. Os francos tinham escutado obedientemente à recomendação papal de Bonifácio, o "apóstolo" da Alemanha. Negociações secretas já tinham começado para garantir a ajuda deles. A história e os resultados disso já examinamos em um capítulo anterior. Por isso o papa assegurou ao seu correspondente real que "os reinos remotos e interiores do Ocidente apresentam sua homenagem a Cristo e a Seu vice-gerente: e agora nos preparamos para visitar um dos mais poderosos monarcas, que deseja receber de nossas mãos o sacramento do batismo. Os bárbaros se submeteram ao jugo do evangelho, enquanto tu, sozinho, estás surdo à voz do Pastor. Esses piedosos bárbaros se acendem de raiva, têm sede de vingar as perseguições do Oriente. Abandona tua empreitada precipitada e fatal; reflita, trema e arrepende-te. Se persistires, somos inocentes do sangue que será derramado nessa disputa; que ele caia sobre tua cabeça."*

{* Veja Cathedra Petri, de Greenwood, vol. 3.}

domingo, 8 de janeiro de 2017

O Segundo Decreto é Publicado

O segundo decreto era tão avassalador que os oficiais do império, conta-se, foram até mesmo além de suas ordens. As mais sacras estátuas e imagens foram, em todo lugar, impiedosamente quebradas, rasgadas em pedaços, ou publicamente lançadas nas chamas debaixo dos olhos dos enfurecidos adoradores. "Correndo risco de morte", diz Greenwood, "homens, mulheres e até crianças correram para a defesa dos objetos como se fossem tão queridos para eles como a própria vida. Eles atacavam e matavam os oficiais do império envolvidos na obra de destruição; estes, apoiados pelas tropas regulares, retaliavam com igual ferocidade; e as ruas da metrópole exibiam tal cena de indignação e abate como só pode ser proveniente de paixões religiosas envenenadas. Os líderes do tumulto foram, a maior parte, condenados à morte no local; as prisões se encheram totalmente; e multidões, após sofrerem várias punições corporais, foram transportadas a lugares de exílio".*

{* Cathedra Petri, de Greenwood, vol. 3, p. 474}

O populacho ficou então excitado à fúria; mesmo a presença do imperador não os intimidava. Os oficiais do império tinham ordens de destruir uma estátua do Salvador que ficava sobre o Portão de Bronze do palácio imperial, e que era conhecida pelo nome de Segurança. Esta imagem era famosa por seus milagres, e recebia grande veneração do povo. Multidões de mulheres de reuniram em torno do lugar e ansiosamente suplicaram ao soldado que poupasse sua imagem favorita. Mas ele subiu na escada, e com seu machado atingiu o rosto que elas tão frequentemente contemplavam, e que, pensavam elas, benignamente olhava para elas. Os céus não interferiram, como esperavam; mas as mulheres tomaram a escada, derrubaram o ímpio oficial, e o cortaram em pedaços. O imperador enviou uma guarda armada para suprimir o tumulto; a multidão se uniu às mulheres e um assustador massacre se sucedeu. "A Segurança" tinha sido derrubada, e seu lugar foi preenchido com uma inscrição na qual o imperador dava vazão a sua inimizade contra as imagens.*

{* J. C. Robertson, vol. 2, p. 83; Milman, vol. 2, p. 156.}

A execução das ordens imperiais foram rejeitadas em todos os lugares, tanto na capital quanto nas províncias; o entusiasmo popular era tão grande que só poderia ser debelada pelos mais fortes esforços do poder civil e militar. Paixões se acendiam dos dois lados, que naturalmente resultaram na mais ousada rebelião e na mais violenta perseguição.

As Tentativas de Leão de Abolir a Adoração de Imagens (por volta de 726 d.C.)

O imperador Leão III, de sobrenome Isáurico, um príncipe de grandes habilidades, teve a ousadia de empreender, em face de tantas dificuldades, a purificação da igreja de seus detestáveis ídolos. Como os escritos do partido vencido foram cuidadosamente suprimidos ou destruídos, a história é silente quanto aos motivos do imperador: mas estamos dispostos a acreditar que o novo credo e o sucesso de Maomé influenciaram muito Leão. Além disso, havia um sentimento bastante generalizado entre os cristãos no Oriente de que a crescente idolatria da igreja era o que tinha trazido sobre eles o castigo de Deus pela invasão maometana. Os cristãos constantemente ouviam tanto dos judeus quanto dos islâmicos o odioso nome dos idólatras. A grande controvérsia evidentemente surgiu a partir dessas circunstâncias.

Leão subiu ao trono do Oriente no ano 717 e, após assegurar o império contra os inimigos estrangeiros, começou a se preocupar com os assuntos religiosos. Ele em vão pensou que podia mudar e melhorar a religião de seus súditos por seu próprio comando imperial. Por volta do ano 726, ele emitiu um decreto contra o uso supersticioso de imagens -- não sua destruição. Não podemos supôr que Isáurico estava agindo por temor ao verdadeiro Deus, mas sim que seus motivos eram puramente egoístas. Sendo chefe do império e ainda ostensivamente o chefe da igreja, ele sem dúvidas pensou que por seus decretos poderia cumprir a abolição total e simultânea da idolatria por todo o império, e estabelecer uma autocracia eclesiástica. Mas Leão superestimou demais seu poder secular nos assuntos espirituais. Havia passado o tempo de decretos imperiais mudarem a religião do império. Ele ainda tinha que aprender, para sua profunda mortificação, o desdenhoso, insolente e arrogante orgulho e poder dos pontífices, e o apego religioso do povo a suas imagens.

O primeiro decreto meramente interditou a adoração de imagens, e ordenou que fossem removidos a tal ponto que não poderiam ser tocados ou beijados. Mas o momento que a ímpia mão do imperador tocou nos ídolos, a excitação foi imensa e universal. A proibição afetou todas as classes: instruídos e não instruídos, sacerdotes e camponeses, monges e soldados, clérigos e leigos, homens, mulheres, e até crianças, se envolveram nessa nova agitação. O efeito do decreto imediatamente ocasionou uma guerra civil tanto no Oriente quanto no Ocidente. A influência dos monges foi especialmente forte. Eles arranjaram um novo pretendente ao trono, armaram a multidão e apareceram em uma frota mal equipada perante Constantinopla. Mas o fogo grego desbaratou os assaltantes desordenados; os líderes foram presos e condenados à morte. Leão, provocado pela resistência que seu decreto tinha encontrado, emitiu um segundo e mais rigoroso decreto. Ele agora ordenava a destruição de todas as imagens, e o branqueamento de todas as paredes nas quais tais coisas tinham sido pintadas.

Monotelismo e Iconoclastia

Enquanto os árabes sob Abu Bakr e Omar estavam invadindo os países gregos, e arrancando província após província do império, o imperador contentou-se em enviar exércitos para repeli-los e permaneceu em sua capital para a discussão de questões teológicas. Desde a conclusão de suas guerras bem-sucedidas contra a Pérsia, a religião tinha se tornado quase o objetivo exclusivo de sua solicitude. Duas grandes controvérsias estavam, no momento, agitando todo o mundo cristão. A primeira dessas, a assim chamada controvérsia monotelista, pode ser descrita, em geral, como um reavivamento, sob uma forma um pouco diferente, da velha heresia monofisita, ou de Eutiques. Sob o nome geral dos monofisitas estão compreendidos os quatro principais ramos de separatistas da igreja oriental: os jacobitas sírios, os coptas, os abissinianos e os armênios. O originador dessa numerosa e poderosa comunidade cristã foi Eutiques, abade de um convento de monges em Constantinopla, no século V. Os monofisitas negavam a distinção das duas naturezas em Cristo; os monotelitas, por outro lado, negavam a distinção da vontade, divina e humana, no bendito Senhor. Uma tentativa bem-intencionada, porém frustrada, do imperador Heráclito, foi reconciliar os monofisitas à igreja grega. Mas, como o som da controvérsia é raramente ouvido dentre os sectários orientais após esse período, e como um relato detalhado de suas disputas não seria de nenhum interesse aos nossos leitores, deixamos isto para as páginas da história eclesiástica.*

{* Para maiores detalhes sobre as diferentes seitas, veja Dicionário das Igrejas Cristãs e Seitas, de Marsden, e Crenças do Mundo, de Gardner.}

A iconoclastia, ou o surto de destruição de imagens, merece uma consideração mais detalhada. Ela penetrou no coração da Cristandade como nenhuma outra controvérsia tinha feito até então, e forma uma importante época na história da Sé Romana. Jezabel agora aparece em suas verdadeiras cores, e, deste momento em diante, seu caráter maligno é indelevelmente estampado no papado. Os papas que então preenchiam a cadeira de São Pedro defendiam e justificavam abertamente a adoração a imagens. Este foi, certamente, o início do papado -- a maturidade do sistema de desonra a Deus. Os fundamentos do papado foram descobertos, e assim tornou-se evidente que a perseguição e a idolatria eram os dois pilares sobre os quais seu domínio arrogante repousava.

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