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domingo, 1 de novembro de 2020

O Julgamento de Sigismundo

Tendo o tribunal ouvido o prisioneiro, o imperador levantou-se e disse: "Ouvistes as acusações contra Hus, algumas confessadas por ele mesmo, algumas provadas por testemunhas de confiança. Em minha opinião, cada um desses crimes merece a morte. Se ele não renunciar a todos os seus erros, ele deve ser queimado... o mal deve ser extirpado raiz e ramo, e se algum de seus partidários estiver em Constança, eles devem ser julgados com a maior severidade, especialmente seu discípulo Jerônimo de Praga." Quando Hus foi informado do julgamento do imperador, ele simplesmente respondeu: "Fui alertado a não confiar em seu salvo-conduto. Tenho estado sob uma triste ilusão; ele me condenou antes mesmo de meus inimigos."

Depois desse arremedo de julgamento e audiência final, ele foi deixado na prisão por quase um mês. Durante esse tempo, pessoas do mais alto escalão o visitaram e imploraram para que abjurasse os erros que lhe foram imputados. Esperava-se que, por meio do aumento da enfermidade corporal e da importunação privada, ele acabasse cedendo. Mas não foi o caso. Aquele que o capacitou a permanecer firme diante das ameaças e insultos públicos ainda estava com ele. "Se eu abjurar os erros", disse ele, "que foram falsamente atribuídos a mim, isso seria nada menos do que perjúrio." Ele considerou seu destino selado, embora durante todo o seu julgamento e prisão ele professasse estar disposto a renunciar a qualquer opinião que pudesse ser provada falsa pelas Escrituras. O verdadeiro objetivo dessas solicitações privadas por parte dos prelados era abalar sua constância e induzi-lo a se retratar. Com a visão tão belamente expressa por Waddington, concordamos inteiramente: "Muitos indivíduos de diferentes caracteres, mas igualmente ansiosos por salvá-lo da última inflicção, visitaram sua prisão e pressionaram-no com uma variedade de motivos e argumentos; mas todos foram embotados pela retidão de sua consciência e a singeleza de seu propósito. Um de seus mais ferrenhos inimigos, chamado Paletz, estava entre esses; mas, embora seus conselhos tivessem sido bem-sucedidos em degradar a pessoa do reformador, eles falharam em seduzi-lo à infâmia."

Na véspera do dia destinado à sua execução, foi visitado pelo seu verdadeiro e fiel amigo, John de Chlum -- nome que merece ser registado com toda a honra em toda a parte -- um nome que representa quase que exclusivamente o sentimento cristão e a virtude naquela vasta assembleia de supostos mestres cristãos, e que redime nossa humanidade comum da traição e da crueldade. "Meu caro mestre", disse o nobre discípulo, "sou analfabeto e, consequentemente, incapaz de aconselhar alguém tão iluminado como você. No entanto, se você está secretamente consciente de qualquer um dos erros que te foram publicamente imputados, eu rogo-te que não sintas vergonha de o retratar; mas se, pelo contrário, estás convencido da tua inocência, estou tão longe de te aconselhar a dizer algo contra a tua consciência, que te exorto, antes, a suportar toda forma de tortura do que renunciar a qualquer coisa que consideras ser verdadeira." Hus ficou muito impressionado com o conselho sábio e afetuoso de seu amigo fiel, e respondeu com lágrimas, "que Deus era sua testemunha de quão pronto ele sempre esteve, e ainda estava, a retirar um juramento, e de todo o coração, no exato momento em que fosse convencido de qualquer erro por evidências da Sagrada Escritura. "

É perfeitamente evidente, em toda a história, que nos sofrimentos e na fortaleza de Hus não há vestígios de orgulho ou teimosia. Ele era firme, mas era humilde; ele esperava a morte, ele se preparou para enfrentá-la, mas nunca planejou escapar dela. "Eu apelei", disse ele, "a Jesus Cristo, o Único Juiz todo-poderoso e justo; a Ele entrego minha causa, que julgará a cada homem, não de acordo com falsos testemunhos e concílios errôneos, mas de acordo com a verdade e o deserto do homem." Este foi o ato culminante de sua suposta iniquidade; a hora fatal havia chegado.


sábado, 29 de julho de 2017

Gregório e as Investiduras (1075 d.C.)

O empossamento formal de um bispo ou abade pela entrega de um anel e um báculo tinha sido algo habitual junto aos imperadores, reis e príncipes da Europa, muito antes do estabelecimento do sistema feudal por Carlos Magno -- provavelmente desde os tempos de Clóvis. E até então, se tivermos em mente a relação da igreja com o Estado, e a fonte original do privilégio, parece justo e certo, embora para uma mente espiritual ser uma combinação incompatível dos poderes seculares e espirituais, e ruinosa para ambos. "Quando os primeiros conquistadores do Ocidente", diz Waddington, "conferiram subsídios territoriais à igreja, os indivíduos que viriam a usufruir deles eram obrigados a apresentar-se à corte para jurar lealdade ao rei, e para receber de suas mãos algum símbolo de prova de que os bens foram colocados em sua posse. A mesma cerimônia, de fato, era imposta ao eclesiástico do mesmo modo que ao proprietário leigo ou senhor feudal, e era chamada de investidura. Mais tarde, quando os príncipes tomaram o direito de oferta referente a todos os benefícios valiosos, mesmo daqueles que não tinham sido derivados da recompensa real, eles não introduziam qualquer distinção, fundamentados nas diferentes fontes de receita, mas continuaram a sujeitar aqueles que eles nominavam ao mesmo grau de fidelidade, e à mesma cerimônia de investidura, com os leigos."*

{* History of the Church, Waddington, vol. 2, p. 70.}


No primeiro fervor da conversão, os conquistadores, desde Constantino, tinham o hábito de conceder uma parte de suas recém-adquiridas propriedades a monastérios e igrejas; mas os presentes das sucessivas dinastias eram moderados se comparados aos da casa imperial da Saxônia. Sob os imperadores alemães os bens igreja se acumularam rapidamente e em grande medida. "Nos séculos XI e XII", diz Greenwood, "as propriedades eram possuídas perpetuamente pelas igrejas em grande extensão. Os bispos e abades foram enriquecidos; não, como até então, por presentes de terrenos ou fazendas únicas, mas por concessões de cidades inteiras, e de distritos e condados. Assim Oto I doou ao monastério de Magdeburgo várias vilas com seus arredores e distritos rurais pertencentes a elas. Oto II concedeu três vilas pertencentes aos domínios imperiais à igreja de Aschafemburgo, com todas as terras que lhe pertenciam. Os termos da transmissão não parecem ter diferido totalmente dos utilizados em concessões seculares de natureza similar. E, na prática, não obstante o caráter e a ocupação diferente dos beneficiários, as mesmas ideias de natureza e de requisitos da concessão parecem ter sido entretidas tanto pelos vassalos espirituais quanto leigos. Assim bispos e abades vestiam a armadura, montavam seus carregadores, e marchavam para o campo de batalha, liderando seus subvassalos e arrendatários, no cumprimento de seus deveres feudais no que diz respeito às suas terras. Os subvassalos também não podiam ser facilmente movidos até que fossem conduzidos à ação por seus chefes legais.

"Os grandes eclesiásticos, longe de se oporem a essas exigências pouco profissionais, entraram de coração no esporte da guerra, e deram-se no campo de batalha com um grau de proeza marcial que poderia se tornar mais brava que a cavalaria leiga."*

{ Cathedra Petri, Greenwood, vol. 4, p. 274.}


Tal era o estado do que pode ser chamado de eleitorado cristão quando Hildebrando emitiu seu memorável decreto contra investiduras leigas; e tal era o direito de uso por parte da coroa de nominar e indicar às maiores dignidades e benefícios eclesiásticos. O plano de Hildebrando era abolir inteiramente até mesmo a mais remota reivindicação de interferência, seja a favor ou contra, por parte dos leigos, em indicações espirituais, e privar o soberano do direito de investidura, com a qual a lei e o costume de séculos o tinha armado, e que ele considerava como a mais preciosa prerrogativa de sua coroa. Essa foi a questão levantada, o prêmio em questão e a grande batalha a ser lutada entre os potentados da Europa e o monge do Vaticano. Gregório então se dirigia à disputa, a maior já travada por uma única pessoa em qualquer era.

domingo, 28 de maio de 2017

O Reavivamento das Letras pelos Árabes

Encontramo-nos agora com um fenômeno um tanto curioso e inesperado na história da literatura durante essa Idade das Trevas, e embora possa não dizer respeito propriamente à linha de nossa história da igreja, é interessante e importante demais para ser ignorado. Os professos mestres da Cristandade estavam, nessa época, como é bem conhecido, mergulhados nas profundezas da ignorância. Mas descobrimos que os sarracenos tinham se levantado para ser os estudantes e os mestres da literatura nacional da Grécia. E este era o marcante estado das coisas no início do século XI.

Já vimos que no século VII os companheiros e sucessores de Maomé desolaram a face da terra com seus exércitos, e a obscureceu pela sua ignorância e pelos atos de barbárie atribuídas a eles -- tais como o incêndio da biblioteca de Alexandria, o que atestava seu desprezo pelo aprendizado, e a aversão pelos monumentos que destruíam. No século VIII eles parecem ter se estabelecido nos países que subjugaram e, com as vantagens de um clima mais agradável e um solo mais rico, começaram a estudar as ciências e os conhecimentos úteis. "No século IX", diz o decano Waddington, "sob o favor de um sábio e magnânimo califa, eles aplicaram o mesmo ardor pela busca de literatura que tinham até então pelos exércitos e armas. Amplas escolas foram fundadas nas principais cidades da Ásia, Bagdá, e Cufa, e Bassora; numerosas bibliotecas foram formadas com cuidado e diligência, e homens de erudição e ciência foram solicitamente convidados para a esplêndida corte de Almamunis. A Grécia, que tinha civilizado a república romana, e estava destinada, em eras posteriores, a iluminar as extremidades do Ocidente, foi então chamada a tornar o fluxo de seu conhecimento em direção ao seio estéril da Ásia; pois a Grécia ainda era a única terra que possuía uma literatura original. Suas produções mais nobres foram então traduzidas para a língua dominante do Oriente, e os árabes tiveram prazer em perseguir as especulações, ou a se submeter às regras, de sua filosofia.

"O impulso assim dado ao gênio e indústria da Ásia foi comunicado com inconcebível rapidez ao longo das margens do Egito e da África até as escolas de Sevilha e Córdova; e o choque não foi menos sentido por aqueles que o receberam por último. Dali em diante o gênio da erudição acompanhava até mesmo os exércitos dos sarracenos. Eles conquistaram a Sicília; desde a Sicília invadiram as províncias ao sul da Itália e, como que para completar a excêntrica revolução da literatura grega, a sabedoria de Pitágoras foi restaurada na terra de sua origem pelos descendentes dos guerreiros árabes."*

{* História, de Waddington, vol. 2, p. 44}

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