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domingo, 22 de maio de 2016

O Quarto Decreto

Por um quarto decreto as ordens que se aplicavam apenas ao clero foram então estendidas a todo o corpo de cristãos. Os magistrados foram instruídos a usar livremente da tortura para forçar todos os cristãos - homens, mulheres e crianças - à adoração aos deuses. Diocleciano e todos os seus colegas estavam agora comprometidos com essa batalha desesperada e desigual. Os poderes das trevas - todo o Império Romano - puseram-se em pé, armados, determinados, comprometidos com a defesa do antigo politeísmo e com o completo extermínio do nome cristão. Recuar seria o mesmo que confessar fraqueza, e para saírem bem-sucedidos o adversário devia ser exterminado; mas não podia haver vitória, pois os cristãos não ofereciam resistência. Historicamente, este foi o confronto final e temível entre o paganismo e o cristianismo; a batalha estava agora em seu auge, e chegando a uma crise.

Uma proclamação pública foi feita através das ruas das cidades, de que homens, mulheres e crianças deviam todos ajudar a reparar os templos dos deuses. Todos deviam ser submetidos à prova de fogo: sacrificar ou morrer. Cada indivíduo foi convocado pelo nome a partir de listas previamente criadas. Às portas das cidades todos eram submetidos a um exame rígido, e aqueles que descobria-se serem cristãos eram imediatamente presos.

Detalhes sobre os sofrimentos e martírios que se seguiram encheriam volumes. À medida que os decretos se seguiam em rápida sucessão e irada severidade, o espírito do martírio revivia, e fortalecia-se mais e mais, até que homens e mulheres, em vez de serem presos e arrastados à fogueiras, lançavam-se nas chamas ardentes, como se subissem ao céu em carruagens de fogo. Famílias inteiras foram submetidas a vários tipos de morte, algumas pelo fogo, outros pela água, após suportarem severas torturas, alguns pereciam de fome, outros por crucificação, e alguns foram presos de cabeça para baixo e deixados vivos, para que morressem uma morte lenta. Em alguns lugares dez, vinte, sessenta e até cem homens e mulheres, com seus pequeninos, foram martirizados por meio de vários tormentos em um único dia.*

{* Para conhecer os nomes e detalhes sobre muitos desses sofredores, veja Milner, vol. 1, pp. 473-506.}

Em quase todas as partes do mundo romano tais cenas de barbárie impiedosa continuaram com mais ou menos severidade pelo longo período de dez anos. Apenas Constâncio, dentre todos os imperadores, inventou meios de proteger os cristãos no Ocidente, especialmente na Gália, onde residia. Mas em todos os outros lugares eles foram entregues a toda a sorte de crueldades e injúrias, sem o direito de poder apelar às autoridades, e sem a mínima proteção do Estado. Foi dada livre licença à população pagã para praticarem toda sorte de excessos contra os cristãos. Sob tais circunstâncias o leitor pode facilmente imaginar ao que eles eram constantemente expostos, tanto em suas vidas quanto em suas propriedades. Os ímpios se sentiam seguros de jamais serem chamados a responder por qualquer violência contra os cristãos pelas quais fossem culpados. Mas os sofrimentos dos homens, embora grandes, pareciam poucos comparados aos das mulheres. O medo da exposição e violência era mais temida do que a mera morte.

Vamos tomar um exemplo. "Certa mulher santa e devota", diz Eusébio, "admirável por sua virtude, e ilustre, acima de tudo, na Antioquia por sua riqueza, família e reputação, tinha educado suas duas filhas - então na flor da idade e conhecidas por sua beleza - nos princípios da piedade. O esconderijo onde estavam foi descoberto, e elas foram capturadas nas malhas da soldadesca. A mãe, preocupada por si mesma e por suas filhas, e sabendo o que estava para lhes acontecer, sugeriu que era melhor morrerem, entregando-se nas mãos de Cristo, do que caírem nas mãos dos brutais soldados. Depois disso, todas concordando com a mesma coisa, e tendo pedido aos guardas um pouco de tempo, se lançaram no rio para escaparem de um mal maior". Embora tal ato não possa ser plenamente justificado, deve ser julgado com muitas considerações. Elas foram levadas pelo desespero. E temos certeza de que o Senhor sabe como perdoar tudo o que é errado em nossas ações, e nos dar total crédito por tudo o que é correto em nossos motivos.

Por um momento, os perseguidores em vão imaginaram que iriam triunfar sobre a queda do cristianismo. Pilares foram erguidos e medalhas foram cunhadas para a honra de Diocleciano e Galério, por terem extinguido a superstição cristã e por restaurarem a adoração aos deuses. Mas aquEle que está assentado no céu estava no mesmo momento anulando a própria ira desses homens para a completa libertação e triunfo de Seu povo, e para a reconhecida derrota e queda de seus inimigos. Eles podiam martirizar cristãos, demolir "igrejas" e queimar livros; mas as fontes vivas do cristianismo estavam além de seu alcance.

O Primeiro Decreto

Por volta do dia 24 de fevereiro de 303, o primeiro decreto foi emitido. Ele ordenava que todos os que se recusassem a sacrificar aos ídolos deveriam perder seus cargos, suas propriedades, sua classe, e os privilégios civis; que os escravos que persistissem em professar o evangelho fossem excluídos da esperança da liberdade, que todos os cristãos de todas as classes deviam ser destruídos, que as reuniões religiosas deviam ser suprimidas, e que as Escrituras deviam ser queimadas. A tentativa de exterminar as Escrituras foi uma característica nova nessa perseguição e, sem dúvida, foi sugerida pelos filósofos que frequentavam o palácio. Eles estavam bem conscientes de que seus próprios escritos teriam pouca influência sobre a opinião pública se as Escrituras e outros livros sagrados estivessem em circulação. Imediatamente após essas medidas terem sido tomadas a igreja de Nicomédia foi atacada, os livros sagrados foram queimados, e os edifícios inteiramente demolidos em poucas horas. Por todo o império as "igrejas" dos cristãos deveriam ser derrubadas até o pó, e os livros sagrados deviam ser entregues aos oficiais do império. Muitos cristãos que recusaram entregar as Escrituras foram condenados à morte, enquanto aqueles que as entregaram para serem queimadas foram considerados pela igreja como traidores de Cristo, e mais tarde houve grandes problemas no exercício da disciplina para com tais pessoas. *

{* Pode ser do interesse do leitor saber que nenhum dos manuscritos do Novo Testamento existentes datam de antes da metade do quarto século. Um fato responsável por isso, em grande medida, é a destruição dos escritos cristãos, especialmente as Escrituras, no reinado de Diocleciano durante a primeira parte daquele século. Sob Constantino sabe-se que esforços especiais foram empreendidos para criar cópias fidedignas, das quais o famoso crítico Tischendorf acredita que os manuscritos do Sinai sejam uma.}

Mal este cruel decreto tinha sido afixado no local costumeiro e um cristão de classe nobre o rasgou. Sua indignação com a injustiça o levou de modo tão flagrante a um ato de zelo imprudente - a uma violação daquele preceito do evangelho que ordena o respeito para com todos em posição de autoridade. Foi uma ocasião adequada para sentenciar um cristão de classe alta à morte. Ele foi queimado vivo em fogo baixo, e suportou seus sofrimentos com uma serenidade tão digna que surpreendeu e humilhou seus carrascos. A perseguição tinha agora começado. O primeiro passo contra os cristãos tinha sido tomado, e o segundo não demorou.

Não muito tempo após a publicação do decreto houve um incêndio no palácio de Nicomédia que se espalhou quase até a câmara do imperador. A origem do fogo parece ser desconhecida, mas obviamente a culpa foi jogada sobre os cristãos. Diocleciano acreditou nisto. Ele ficou alarmado e indignado. Multidões foram lançadas na prisão, sem discriminação daqueles que eram ou não suspeitos, e as mais cruéis torturas foram empregadas para que houvesse uma confissão; mas foi em vão. Muitos foram queimados até a morte, decapitados e afogados. Cerca de quatorze dias depois, um segundo incêndio irrompeu no palácio. Tinha se tornado então evidente que era obra de um incendiário. Os pagãos novamente acusaram os cristãos, e em alta voz clamaram por vingança, mas como não havia provas que pudessem ser encontradas de que os cristãos tivessem algo a ver com esses incêndios fatais, uma forte e, cremos, verdadeira suspeita, repousava sobre o próprio imperador Galério. Seu grande objetivo desde o início era incriminar os cristãos e alarmar Diocleciano por meio de suas próprias medidas violentas. Estando plenamente consciente da consequência desses eventos na mente sombria, tímida e supersticiosa do velho imperador, ele imediatamente deixou Nicomédia, alegando que não se considerava seguro na cidade.

Mas o objetivo foi alcançado, superando a extensão que até mesmo Galério e sua mãe pagã podiam ter desejado. Diocleciano, agora completamente incitado, irou-se ferozmente contra toda sorte de homens e mulheres que levavam o nome de cristão. Ele obrigou sua esposa Prisca e sua filha Valéria a oferecer sacrifício. Oficiais do palácio, da mais alta classe e nobreza, e todos os habitantes do palácio, foram expostos às mais cruéis torturas, pela ordem, e até mesmo na presença, do próprio Diocleciano. Os nomes de alguns de seus ministros de estado foram proferidos por preferirem as riquezas de Cristo à grandeza de seu palácio. Um dos eunucos foi trazido perante o imperador e foi torturado com grande severidade por rejeitar o sacrifício aos ídolos. Procurando fazer dele um exemplo para os outros, uma mistura de sal e vinagre foi derramada em suas feridas abertas, mas foi tudo em vão. Ele confessou sua fé em Cristo como seu único Salvador, e que não possuía nenhum outro Deus. Ele foi então gradualmente queimado até a morte. Doroteus, Gorgônio e Andrea, eunucos que serviam no palácio, também foram condenados à morte. Antimo, o bispo de Nicomédia, foi decapitado. Muitos foram executados, muitos foram queimado vivos, mas se tornou tedioso destruir homens individualmente, e então grandes fogueiras eram acesas para queimar muitos de uma só vez, e outros foram levados para o meio de um lado e lançados à água com pedras presas em seus pescoços.

A partir da Nicomédia, o centro da perseguição, as ordens imperiais foram despachadas, requerendo a cooperação dos outros imperadores na restauração da dignidade da religião antiga, e a completa supressão do cristianismo. Assim a perseguição se ergueu por todo o mundo romano, com exceção da Gália. Ali governava o brando Constâncio, e, embora ele tenha demonstrado concordância com as medidas de seus colegas, pela demolição das "igrejas", ele se absteve de toda violência contra as pessoas cristãs. Embora ele próprio não fosse um cristão decidido, ele era naturalmente humano, e evidentemente amigável ao cristianismo e aos que o professavam. Ele presidia sobre o governo da Gália, Grã-Bretanha e Espanha. Mas o temperamento feroz de Maximiano e a crueldade selvagem de Galério apenas aguardavam o sinal para levar em efeito as ordens vindas da Nicomédia. E agora os três monstros se erguiam, na plena força do poder civil contra os seguidores indefesos e inocentes do manso e humilde Jesus, o Príncipe da Paz.
"A graça que começou terminará em glória;
Jesus, dEle é a vitória
Em Sua própria triunfante história
Está o registro da nossa própria história."

sábado, 21 de maio de 2016

Os Atos de Diocleciano e o Fim do Período de Esmirna

Até aqui a igreja já havia passado por nove perseguições sistemáticas. A primeira foi sob Nero, depois sob Domiciano Trajano, Marco Aurélio, Severo, Maximino, Décio, Valeriano e Aureliano. E agora chegara o temível momento, quando ela enfrentaria a décima perseguição, de acordo com a palavra profética do Senhor: "E tereis uma tribulação de dez dia" (Apocalipse 2:10). E não é pouco notável que, não apenas houve exatamente dez perseguições do governo, como também que a última tenha durado exatamente dez anos. E, como vimos na parte inicial do período de Esmirna, exatamente dez anos passaram desde o início da perseguição sob Aurélio, no Oriente, até seu fim no Ocidente. O estudante cristão pode traçar outras características semelhantes: preferimos sugerir tais características do que forçar sua aceitação, embora acreditemos que elas tenham sido prefiguradas na epístola à Esmirna.

O reinado de Diocleciano é de grande importância histórica. Primeiro, porque se distinguiu pela introdução de um novo sistema de governo imperial. Ele virtualmente transferiu a capital da antiga Roma para a Nicomédia, na qual estabeleceu sua sede e residência. Lá ele manteve uma corte de esplendor oriental, para a qual ele convidada homens de erudição e filosofia. Mas o filósofos que frequentavam sua corte, todos nutrindo extremo ódio contra o cristianismo, usaram de sua influência com o imperador para exterminar uma religião pura demais para atender às suas mentes poluídas. Isto levou à última e maior perseguição aos cristãos. E é esta última que nos interessa. E como todas as histórias sobre este período são recolhidas principalmente dos registros de Eusébio e Lactâncio, que escreveu nessa época e testemunhou muitas execuções, podemos fazer pouco mais do que selecionar e transcrever a partir do que já está escrito, consultando os vários autores já mencionados.

Os sacerdotes pagãos e filósofos acima mencionados, não tendo sido bem-sucedidos em seus artifícios com Diocleciano a fim de criar uma guerra contra os cristãos, fizeram uso do outro imperador, Galério, seu genro, para cumprir seus propósitos. Este homem cruel, impelido em parte por sua própria inclinação, em parte por sua mãe, uma pagã muito supersticiosa, e em parte pelos sacerdotes, não deu sossego ao seu sogro enquanto não o convenceu.

Durante o inverno do ano 302-303, Galério fez uma visita a Diocleciano na Nicomédia. Seu grande objetivo era excitar o velho imperador contra os cristãos. Diocleciano, por um tempo, resistiu à sua importunação. Ele era avesso, por algum motivo, às medidas sanguinárias propostas por seu parceiro. Mas a mãe de Galério, uma inimiga implacável dos cristãos, empregou toda a sua influência sobre seu filho para inflamar sua mente com hostilidades imediatas e ativas. Diocleciano, com o tempo, cedeu. Antes disso, Galério tinha tomado o cuidado de remover do exército todos os que se recusavam a sacrificar aos ídolos. Alguns foram dispensados, e outros foram sentenciados à morte.

Um Exame da Condição da Igreja (ano 303 d.C.)

Diocleciano ascendeu ao trono em 284. Em 286, ele se associou a Maximiano, como Augusto, e em 292 Galério e Constâncio foram adicionados ao número de príncipes com o título inferior de César. Assim, quando começou o quarto século, o império romano tinha quatro soberanos. Dois levavam o título de Augusto; e dois, o título de César. Diocleciano, embora supersticioso, não nutria nenhum ódio contra os cristãos. Constâncio, o pai de Constantino, o Grande, era amigável a eles. No início, os assuntos cristãos pareciam ser vistos de forma razoavelmente brilhante e feliz, mas os sacerdotes pagãos estavam raivosos, e conspiravam contra os cristãos. Eles viam sua ruína nos triunfos da grande disseminação do cristianismo. Por plenos cinquenta anos a igreja tinha sido muito pouco incomodada pelo poder secular. Durante esse período os cristãos tinham atingido um grau de prosperidade sem precedentes; mas era algo apenas exterior: eles tinham declinado profundamente da pureza e simplicidade do evangelho de Cristo.

Igrejas tinham surgido na maioria das cidades do império, e com uma certa demonstração de esplendor arquitetural. Vestimentas e utensílios sagrados de prata e ouro começaram a ser usados. Convertidos eram reunidos de todas as classes da sociedade; até mesmo a esposa do Imperador e sua filha Valéria, casada com Galério, aparentemente estiveram entre esses convertidos. Os cristãos ocupavam altos cargos no estado e na casa imperial. Eles ocupavam posições de distinção, e até de suprema autoridade, nas províncias e no exército. Mas, infelizmente, esse longo período de prosperidade exterior tinha produzido suas usuais consequências. A fé e o amor decaíram; o orgulho e ambição aumentaram. A dominação sacerdotal começou a exercer seus poderes usurpados, e o bispo a assumir a linguagem e a autoridade de vigário de Deus. Invejas e dissensões distraíam as comunidades pacíficas, e disputas às vezes prosseguiam até a violência aberta. A paz dos cinquenta anos tinha corrompido toda a atmosfera cristã: o relâmpago da ira de Diocleciano foi permitido por Deus para refiná-la e purificá-la.

Tal é a confissão melancólica dos próprios cristãos que, de acordo com o espírito dos tempos, analisavam os perigos e as aflições aos quais eram expostos sob a luz dos julgamentos divinos.*

{* Milman, vol. 2. 261.}

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