domingo, 28 de fevereiro de 2016

A História Interna da Igreja

Capítulo 8: A História Interna da Igreja (107 d.C. - 245 d.C.)


Vamos agora pisar, mais uma vez, em terreno seguro. Temos o privilégio e satisfação de apelarmos para as Escrituras Sagradas. Antes mesmo que o cânon das Escrituras fosse fechado, foi permitido que surgissem muitos dos erros, tanto doutrinais quanto práticos, que vêm desde sempre perturbando e rasgando em pedaços a igreja professa. Estes eram, na sabedoria da graça de Deus, detectados e expostos pelos apóstolos inspirados. Se mantivermos isto em mente, não nos surpreenderemos ao encontrar muitas coisas na história interna da igreja inteiramente contrárias às Escrituras. Nem teremos qualquer dificuldade em resistir a eles. Nós fomos armados pelos apóstolos. O amor ao ofício e preeminência na igreja foi manifestado logo cedo, e muitas observâncias de mera invenção humana foram acrescentadas. A "semente de mostarda" se tornou uma grande árvore - o símbolo do poder político na terra: esta era e continua sendo o aspecto externo da Cristandade; mas internamente, o fermento fez seu trabalho maligno, "até que tudo ficou levedado". (Mateus 13:31-33)

Aqueles que estudaram cuidadosamente Mateus 13 com outras passagens em Atos e nas Epístolas que falam da profissão do nome de Cristo deveriam ter uma ideia bastante correta tanto do que diz respeito ao início da história da igreja quanto ao que se sucedeu. Ela abrange o período inteiro, desde a semeadura da semente pelo Filho do homem, até a colheita, embora sob a semelhança com o reino dos céus. Isto é um grande alívio para a mente, e nos prepara para uma cena sombria e angustiante, perversamente perpetrada sob o justo nome e sob a capa de Cristianismo. Vamos agora nos voltar para algumas dessas passagens.

1. Nosso bendito Senhor, na parábola do joio e do trigo, prediz o que aconteceria. "O reino dos céus", diz Ele, "é semelhante ao homem que semeia a boa semente no seu campo; mas, dormindo os homens, veio o seu inimigo, e semeou joio no meio do trigo, e retirou-se". No decorrer do tempo a erva cresceu e frutificou. Essa foi a rápida propagação do Cristianismo na terra. Mas também lemos que "apareceu também o joio". Estes são os falsos professantes do nome de Cristo. O Senhor Jesus semeou a boa semente. Satanás, através do descuido e falta de firmeza do homem, semeou o joio. Mas o que deveria ser feito com ele? Deveria ser arrancado para fora do reino? O Senhor diz: "Não; para que, ao colher o joio, não arranqueis também o trigo com ele. Deixai crescer ambos juntos até à ceifa", isto é, até o final da era ou dispensação, quando o Senhor vier em juízo. (Mateus 13:24-26,29-30)

Mas aqui, alguns podem perguntar: "Será que o Senhor quis dizer que o trigo e o joio devem crescer juntos na igreja?" Certamente que não. Eles não devem ser arrancados fora do campo, mas devem ser colocados para fora da igreja (assembleia local) quando se manifestarem como pessoas ímpias. A igreja e o reino são coisas bastante distintas, embora seja possível dizer que uma (a igreja) está contida na outra (o reino). O campo é  mundo, não a igreja. Os limites do reino vão muito além dos limites da verdadeira igreja de Deus. Cristo edifica a igreja; os homens é que estendem as proporções da Cristandade. Se a expressão "o reino dos céus" significasse o mesmo que "a igreja de Deus", não deveria haver nenhuma disciplina, afinal. Mas o apóstolo, ao escrever aos coríntios, expressamente diz: "Tirai pois dentre vós a esse iníquo" (1 Coríntios 5:13). Mas ele não deveria ser posto para fora do reino, pois isto só poderia ser feito tirando-lhe a vida. O trigo e o joio devem crescer juntos no campo até a colheita. Então o Próprio Senhor, em Sua providência, vai lidar com o joio. Eles serão amarrados em feixes e lançados no fogo. Nada pode ser mais claro que o ensino do Senhor nessa parábola. O joio deve ser mantido longe da mesa do Senhor, mas não deve ser arrancado do campo. A igreja não deveria usar de punições mundanas para lidar com os ofensores eclesiásticos. Mas infelizmente, contrariamente ao que o Senhor tinha instruído aos discípulos, é exatamente o que acabou acontecendo no decorrer da história, como demonstra dolorosamente a longa lista de mártires. Dores e punições foram introduzidos como disciplina, e os insubmissos eram entregues ao poder civil para serem punidos com fogo e espada.

2. Em Atos 20, lemos que "lobos cruéis" apareceriam na igreja após a partida do apóstolo. Nas Epístolas de Paulo aos Tessalonicenses - que supõe-se serem suas primeiras epístolas inspiradas - ele lhes diz que o mistério da iniquidade já estava operando, e que outras coisas más viriam a seguir. Ao escrever aos Filipenses, ele lhes diz, com tristeza, que muitos andam como "inimigos da cruz de Cristo, cujo fim é a perdição; cujo Deus é o ventre, e cuja glória é para confusão deles, que só pensam nas coisas terrenas" (Filipenses 3:18,19). Muitos estavam se autoproclamando cristãos, mas pensando nas coisas terrenas. Tal estado de coisas não podia escapar ao olho espiritual daquele cujo único objeto de apreço era Cristo em glória e conformidade prática com Seus caminhos enquanto na terra. Em sua Segunda Epístola a Timóteo - provavelmente o último que ele escreveu - ele compara a Cristandade a "uma grande casa", na qual há todo tipo de vasos, "uns para honra e outros para desonra" (2 Timóteo 2:20). Esta é uma imagem exterior da universal igreja. No entanto, os cristãos não podem deixá-la, e a responsabilidade individual nunca pode cessar. Mas o cristão deve se limpar de tudo o que é contrário ao nome do Senhor. As instruções são as mais simples e preciosas para os que possuem a mente espiritual, em todas as épocas. Os cristãos não devem ter qualquer associação com o que é falso. Tal é o significado de se purificar dos vasos para desonra. Ele deve se limpar de tudo que não é para a honra do Senhor. João e os outros apóstolos falam a mesma coisa, e dão as mesmas direções divinas, mas não será necessário, aqui, se delongar mais que isso. Foi apontado o suficiente para preparar o leitor para o que encontraremos naquilo que se autoproclama cristão.

sábado, 27 de fevereiro de 2016

O Poder da Oração

Ao traçar a linha prateada da graça de Deus em Seu povo amado, temos agora que tomar nota de um relato que foi amplamente difundido entre os cristãos após o início do terceiro século. Ocorreu perto do fim do reinado de Aurélio, e que o levou, como dizem alguns, a mudar o rumo de sua política para com os cristãos. Em uma de suas campanhas contra os germânicos e sármatas, ele se viu em uma situação de extremo perigo. O sol ardente brilhava em cheio nas faces de seus soldados; eles foram cercados pelos bárbaros e estavam exaustos por feridas e cansaço, e sedentos: enquanto isso, o inimigo se preparava para atacá-los. Nessa situação extrema, a 12ª legião, que diziam ser composta por cristãos, avançou e se ajoelhou em oração. De repente, o céu ficou coberto de nuvens, e começou a cair uma forte chuva. Os soldados romanos pegaram seus elmos para recolher as refrescantes gotas, mas a chuva logo aumentou e se tornou uma tempestade de granizo, acompanhada de trovões e raios, que deixou os bárbaros tão alarmados que garantiu aos romanos uma vitória fácil.

O imperador, perplexo com tal resposta miraculosa às orações, reconheceu a intervenção do Deus dos cristãos, conferiu honra à legião, e emitiu um decreto em favor da religião deles. Depois disto, se não antes, eles passaram a ser chamados de "legião do trovão". Historiadores, a partir de Eusébio, têm tomado nota desse marcante acontecimento.

Mas, como uma lenda frequentemente contada, muitas coisas lhe foram acrescentadas. Há boas razões para crer, no entanto, que uma resposta providencial em favor dos romanos foi dada à oração. Isto parece bastante evidente. E para a fé não há nada incrível em tal evento, embora algumas das circunstâncias relatadas sejam questionáveis. Por exemplo, uma legião romana naquela época provavelmente teria cinco mil homens: embora possa ter havido um grande número de cristãos na 12ª legião, que era uma legião distinta, ainda assim é difícil acreditar que todos eles eram cristãos.

Em seu retorno da guerra, eles sem dúvida relataram a seus irmãos a misericordiosa intervenção de Deus em resposta à oração, pois a igreja registraria e disseminaria a história entre os cristãos, para Seu louvor e glória. Mas os fatos são ainda mais plenamente confirmados pelos romanos. Eles também acreditavam que a libertação tinha vindo do céu, mas em resposta às orações do imperador aos deuses. Assim, o evento foi comemorado, de sua maneira habitual, em colunas, medalhas e pinturas. Nelas, o imperador é representado estendendo as mãos em súplicas; o exército recolhendo a chuva em seus elmos; e Júpiter lançando seus raios sobre os bárbaros, que jazem mortos no chão.

Alguns anos depois desse marcante evento, Marco Aurélio, o filósofo e perseguidor, morreu. Grandes mudanças rapidamente se seguiram. A glória do império, e o esforço para manter a dignidade da antiga religião romana, expirou com ele, mas o cristianismo fez grandes e rápidos avanços. Homens hábeis e eruditos surgiram nessa época e, ousada e poderosamente, defendiam, usando suas penas como instrumento, o cristianismo. Estes eram chamados de Apologistas. Tertuliano, um africano, que dizem ter nascido em 160, pode ser considerado o mais hábil e mais perfeito exemplo dessa classe.

Os mais esclarecidos dentre os pagãos agora começam a sentir que, se a religião deles tinha que suportar o poder agressivo do evangelho, ela deveria ser defendida e reformada. Assim começou a controvérsia, e um certo Celso, um filósofo epicureu, que dizem ter nascido no mesmo ano que Tertuliano, firmou-se como líder do lado controverso do paganismo. Foi por volta desse período - os últimos anos do segundo século - que os registros sobre a igreja começaram a se tornar mais interessantes, por serem mais definidos e confiáveis. Mas antes de prosseguirmos adiante com a história geral, seria interessante refazer nossos passos e olhar brevemente para a história interna da igreja desde o princípio. Veremos, assim, como algumas das coisas que ainda são observadas, e com as quais estamos familiarizados, foram primeiramente introduzidas.

sábado, 20 de fevereiro de 2016

As Perseguições na França (ano 177 d.C.)

Vamos agora nos voltar ao cenário da segunda perseguição sob o reinado do imperador Marco Aurélio. Aconteceu na França, e exatamente dez anos após a perseguição na Ásia. Pode ter havido outras perseguições durante esses dez anos, mas, até onde sabemos, não há registros autênticos de nenhum até o ano de 177. A fonte da qual derivamos nosso conhecimento sobre os detalhes desta última perseguição é uma carta circular das igrejas de Lion e Vienne às igrejas na Ásia. Se há qualquer alusão a esses dez ano históricos nas palavras do Senhor à igreja de Esmirna, não podemos dizer com certeza. As Escrituras não dizem isso. Comparando a história com a epístola, não é difícil ser sugerido tal pensamento. "Tereis uma tribulação de dez dias". Em outras partes desse livro de significado sobrenatural, um dia é considerado como um ano, então pode ser o caso também da epístola à Esmirna. A história nos dá o início e o fim quanto ao tempo, e o leste e o oeste em relação à abrangência da cena. Mas vamos olhar agora para alguns dos detalhes nos quais a semelhança pode ser mais manifesta.

A prisão foi uma das principais características de seus sofrimentos. Muitos morreram pelo ar sufocante das masmorras fétidas. A este respeito diferia da perseguição na Ásia. A excitação popular se ergueu ainda mais alto do que em Esmirna. Os cristãos eram insultados e abusados sempre que apareciam, e eram até mesmo pilhados em suas próprias casas. Enquanto essa fúria popular irrompia durante a ausência do governador, muitos eram lançados na prisão pelos magistrados inferiores para aguardar seu retorno. Mas o espírito da perseguição nesta ocasião, embora tenha surgido da população, não se restringia a ela. O governador, em sua chegada, parece ter sido infectado com o fanatismo das classes mais baixas. Para sua desonra como magistrado, ele começou o exame dos prisioneiros com torturas. E o testemunho dos escravos, contrariamente a uma antiga lei em Roma, não foi apenas recebida contra seus mestres, como também arrancada deles por meio dos sofrimentos mais severos. Consequentemente, eles estavam prontos para dizer o que lhes era requerido para escapar do chicote e da roda {*N. do T.: Antigo instrumento de tortura}. Tendo provado, como diziam, que os cristãos praticavam os mais hediondos e piores crimes em suas reuniões, eles agora acreditavam que era correto submetê-los a qualquer crueldade. Nenhum parentesco, nenhuma condição, nenhuma idade e nenhum sexo era motivo para ser poupado.

Vétio, um jovem de bom nascimento e posição, e de grande caridade e fervor de espírito, ouvindo que tais acusações eram apresentados contra seus irmãos, se sentiu impelido a apresentar-se a si mesmo perante o governador como uma testemunha da inocência deles. Ele exigiu ser ouvido, mas o governador recusou-se a ouvir e apenas perguntou-lhe se ele também era um cristão. Quando ele distintamente afirmou que era, o governador ordenou que ele fosse lançado na prisão com o resto. Mais tarde, ele receberia a coroa do martírio.

O idoso bispo Potino, então com mais de noventa anos de idade, sendo provavelmente aquele que tinha, vindo da Ásia, levado o evangelho a Lion, era, naturalmente, uma boa presa para o leão do inferno. Ele sofria de asma e mal podia respirar, mas mesmo assim ele foi apreendido e arrastado perante as autoridades. "Quem é o Deus dos cristãos?", perguntou o governador. O velho homem calmamente lhe disse que só poderia chegar ao conhecimento do verdadeiro Deus se mostrasse um espírito reto. Aqueles que cercavam o tribunal se esforçaram para conter a explosão de raiva contra o venerável bispo. Ele foi condenado à prisão, e após receber muitos golpes em seu caminho até lá, foi jogado no meio dos outros cristãos, e dois dias depois dormiu em Jesus, nos braços de seu rebanho sofredor.

Que peso de conforto e encorajamento as palavras do bendito Senhor devem ter sido para esses santos sofredores! "Nada temas das coisas que hás de padecer", foi o que o Senhor disse à igreja em Esmirna, e que foi provavelmente levado também às igrejas francesas em Lion e Vienne por Potino. Eles estavam experimentando um exato cumprimento desse solene e profético aviso: "Eis que o diabo lançará alguns de vós na prisão, para que sejais tentados." Eles sabiam quem era o grande inimigo - o grande perseguidor - mesmo que imperadores, governadores e multidões pudessem ser seus instrumentos. Mas o Senhor estava com Seus amados sofredores. Ele não apenas os sustinha e confortava, como também manifestou, da maneira mais bendita, o poder de Sua própria presença nas formas mais débeis da humanidade. Isto era, nos aventuramos a dizer, uma coisa nova na terra. A superioridade dos cristãos frente a todas as aflições de torturas, e a todos os terrores de morte, surpreendeu totalmente a multidão, atingiu em cheio seus algozes, e feriu o orgulho estoico do imperador. O que poderia ser feito com um povo que orava por seus perseguidores e manifestava a compostura e tranquilidade do céu em meio às fogueiras e feras do anfiteatro? Tome um exemplo do que afirmamos - um exemplo digno de todo louvor, em todos os tempos e por toda a eternidade - do poder divino demonstrado na fraqueza humana.

Blandina, uma escrava, se distinguiu do resto dos mártires pela variedade de torturas que suportou. Sua senhora, que também sofreu o martírio, temia que a fé de sua serva pudesse ser deixada de lado sob tais provações. Mas isto não aconteceu, que o Senhor seja louvado! Firme como rocha, mas pacífica e despretensiosa, ela suportou os mais excruciantes sofrimentos. Seus carrascos lhe pressionavam a negar a Cristo e a confessar que as reuniões privadas dos cristãos serviam apenas para suas práticas perversas, e que então eles deixariam de torturá-la. Mas não! Sua única resposta foi: "Sou uma cristã, e não há perversidade entre nós." O flagelo, a roda, a cadeira de ferro quente e as feras selvagens tinham perdido seu terror para ela. Seu coração estava fixado em Cristo, e Ele a manteve em espírito perto de Si. Seu caráter foi completamente formado, não por sua condição social, é claro - que era a mais degradada naqueles tempos - mas por sua fé no Senhor Jesus Cristo, através do poder do Espírito Santo que habitava em si.

Dia após dia ela era levada como um espetáculo público de sofrimento. Sendo uma mulher e uma escrava, os pagãos esperavam forçá-la a negar a Cristo, e a confessar que os cristãos eram culpados dos crimes denunciados contra eles. Mas foi tudo em vão. "Eu sou uma cristã, e não há perversidade entre nós", era sua resposta calma e invariável. Sua constância exauriu a inventiva crueldade de seus algozes. Eles  estavam surpresos por vê-la viver através da temível sucessão de seus sofrimentos. Mas em suas maiores agonias, ela encontrou força e alívio ao olhar para Jesus e testemunhar por Ele. "Blandina foi dotada de tanta coragem", diz a carta da igreja de Lion, escrita a mil e setecentos anos atrás, "que aqueles que sucessivamente a torturavam de dia e de noite ficaram muito desgastados de cansaço, e se deram por vencidos e exaustos de todos os seus aparatos de tortura, e se espantaram de vê-la ainda respirando enquanto seu corpo estava dilacerado e exposto."*

{* Para mais detalhes, veja a História da Igreja, de Milner, vol. 1, p. 194}

Antes de narrarmos as cenas finais de seus sofrimentos, devemos notar o que parece para nós ser o segredo de sua grande força e constância. Sem dúvidas o Senhor a estava sustendo de maneira marcante como uma testemunha para Ele, e como um testemunho para todas as eras do poder do cristianismo sobre a mente humana, comparado a todas as religiões que já existiram sobre a terra. Ainda assim, poderíamos dizer, particularmente, que sua humildade e temor piedoso eram as claras indicações do seu poder contra o inimigo, e de sua inabalável fidelidade a Cristo. Ela estava desenvolvendo sua própria salvação - libertação das dificuldades do caminho - por um profundo senso de sua própria fraqueza consciente, indicada por "medo e tremor".

Em seu caminho de volta do anfiteatro para a prisão, em companhia de seus companheiros de sofrimento, eles foram rodeados por seus amigos entristecidos quando tiveram uma oportunidade, e em simpatia e amor se dirigiram a eles como "mártires por Cristo". Mas a isso eles instantaneamente responderam, dizendo: "Não somos dignos de tal honra. A luta ainda não acabou, e o digno nome de Mártir pertence apropriadamente a Ele somente, que é verdadeira e fiel testemunha, o primogênito dentre os mortos, o Príncipe da vida, ou, ao menos, apenas àqueles cujo testemunho Cristo selou pela sua constância até o fim. Somos apenas pobres e humildes confessores." Em lágrimas eles rogaram para que seus irmãos orassem por eles para que pudessem ser firmes e verdadeiros até o fim.  Assim a fraqueza deles era sua força, pois os levava a apoiarem-se no Poderoso. E é assim sempre, e sempre foi, tanto em pequenas quanto em grandes provações. Mas uma nova tristeza os aguardava em seu retorno à prisão. Eles encontraram alguns que tinham desistido pelo medo natural, e que tinham negado que eram cristãos. Todavia, nada ganharam por causa disso, pois Satanás jamais os iria libertar. Sob uma acusação de outros crimes, eles foram mantidos na prisão. Com esses fracos, Blandina e os outros oravam com muitas lágrimas, para que pudessem ser restaurados e fortalecidos. O Senhor respondeu suas orações, de modo que, quando levados novamente para uma examinação mais profunda, eles firmemente confessaram sua fé em Cristo, e assim foram condenados à morte e receberam a coroa do martírio.

Segundo os homens, nomes mais nobres do que o de Blandina desapareceram na cena ensanguentada, e nomes honrados também tinham testemunhado com grande coragem, como foi o caso de Vétio, Potino, Santus, Naturus e Atálius. Mas o último dia de sua provação tinha chegado, e a última dor que ela sentiria, e a última lágrima que ela derramaria. Ela foi levada para seu exame final com um jovem de quinze anos, chamado Pôntico. Eles foram obrigados a jurar pelos deuses; eles firmemente recusaram, mas estavam calmos e imóveis. A multidão estava irritada com a magnânima paciência deles. Todo o repertório de barbaridades lhes foi infligido. Pôntico, embora animado e fortalecido pelas orações de sua irmã em Cristo, logo sucumbiu sob as torturas, e adormeceu em Jesus.

E agora vinha a nobre e abençoada Blandina, como a igreja a intitulara. Como uma mãe que precisava confortar e encorajar seus filhos, ela foi mantida até o último dia dos jogos. Seus filhos haviam partido antes dela, e ela estava agora ansiando por seguir após eles. Eles tinham aderido ao nobre exército de mártires acima, e estavam descansando em Jesus, como descansam guerreiros cansados, no pacífico paraíso de Deus. Após ter suportado açoites, sentaram-na em uma cadeira de ferro quente, e então ela foi amarrada em uma rede e jogada a um touro; e tendo sido atingida algumas vezes pelo animal, um soldado mergulhou uma lança em seu lado. Sem dúvida ela já estava morta muito antes da lança tê-la atingido, mas nisto ela teve a honra de ser como seu Senhor e Mestre. Brilhante certamente será a coroa, em meio às muitas coroas no céu, da constante, humilde, paciente e perseverante Blandina.

Mas a raiva feroz e selvagem dos pagãos, instigados por Satanás, ainda não tinha alcançado seu limite. Eles começaram uma nova guerra contra os corpos mortos dos santos. O sangue deles ainda não os tinha saciado. Eles queriam suas cinzas. Assim os corpos mutilados dos mártires foram coletados e queimados, e lançados no rio Ródano com o fogo que os consumia, para que nenhuma partícula fosse deixada para poluir a terra. Mas a raiva, embora feroz, finalmente se esgotaria: e a natureza, embora selvagem, ficaria cansada de derramamento de sangue, e assim muitos cristãos sobreviveram a essa terrível perseguição.

Temos, portanto, entrado em detalhes, mais do que o usual, ao falar das perseguições sob o reinado de Marco Aurélio. Até então elas são um cumprimento, cremos, dos solenes e proféticos avisos da carta à Esmirna, e também, de modo marcante, da graça do Senhor prometida. Os sofredores foram cheios e animados por Seu próprio Espírito. "Até mesmo seus perseguidores", diz Neander, "nunca foram mencionados por eles com ressentimento; mas eles oravam a Deus para que fossem perdoados aqueles que os tinham sujeitado a tais cruéis sofrimentos. Eles deixaram um legado para seus irmãos, não de conflito e guerra, mas de paz e alegria, unanimidade e amor."
 
Estás em casa finalmente, cada poste do caminho passado,
Tendes apressado alcançar ao alvo antes de mim;
E ó, as minhas lágrimas caem grossas e rápido
Como as esperanças que tinham florescido sobre ti.
Os meus lábios recusam dizer, Adeus,
Porque nada pode separar nossa vida interligada;
Bem cedo tendes ido com Cristo habitar,
Onde ambos para sempre estaremos.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

O Martírio de Policarpo

O comportamento do venerável bispo de Esmirna, em vista de seu martírio, foi muito cristão e nobre. Ele estava preparado e pronto para seus perseguidores, sem ser impulsivo ou imprudente, como alguns que, em meio à excitação, tinham sido. Quando ouviu os gritos das pessoas exigindo sua morte, era sua intenção permanecer em silêncio na cidade, e esperar a decisão que Deus tomaria para si. Mas, pelas súplicas da igreja, ele se permitiu ser persuadido a se refugiar em uma vila vizinha. Ali ele passou o tempo, com alguns amigos, ocupado, noite e dia, em oração por todas as igrejas em todo o mundo. Mas seus perseguidores logo descobriram seu retiro. Quando lhe disseram que os oficiais públicos estavam à porta, ele os convidou a entrar, pediu que lhe servissem carne e bebida, e pediu para que lhe concedessem uma hora de oração silenciosa. Mas a plenitude do seu coração o levou a duas horas de oração. Sua devoção, idade e aparência impressionaram muito os pagãos. Ele devia ter mais de noventa anos de idade.

Chegou o momento de levá-lo à cidade O procônsul aparentemente não era pessoalmente hostil contra os cristãos. Ele evidentemente sentia pelo idoso Policarpo, e fez o que pôde para salvá-lo. Ele pediu-lhe que jurasse pelo gênio - ou espírito - do imperador e desse prova de seu arrependimento. Mas Policarpo foi calmo e firme, com seus olhos erguidos para o céu. O procônsul novamente pediu-lhe, dizendo: "Negue a Cristo, e te libertaremos." O velho homem respondeu: "Oitenta e seis anos O tenho servido, e Ele só me fez bem; e como eu poderia negá-Lo, meu Senhor e Salvador?". O governador, vendo que tanto promessas como ameaças eram em vão, foi forçado a proclamar no anfiteatro: "Policarpo se declarou cristão." A população pagã, com um grito enfurecido, respondeu: "Este é o mestre do ateísmo, o pai dos cristãos, o inimigo de nossos deuses, por culpa dele tantos têm deixado de oferecer os sacrifícios." Assim que o governador cedeu às exigências do povo, de que Policarpo deveria morrer na estaca, judeus e pagãos se apressaram para trazer madeira para esse fim. Quando estavam prestes a fixá-lo com pregos à estaca, ele disse: "Deixem-me assim: aquEle que tem me fortalecido para enfrentar as chamas também me capacitará a ficar firme na estaca." Antes que acendessem o fogo ele orou: "Senhor, Deus Todo-Poderoso, Pai de Teu Filho amado, Jesus Cristo, por meio de quem temos recebido de Ti o conhecimento de Ti mesmo; Deus dos anjos, e de toda a criação, da raça humana, e do justo que viveu em Tua presença, eu Te louvo por ter me achado digno deste dia e desta hora, de fazer parte do rol de Tuas testemunhas no cálice de Teu Cristo."

O fogo começou a arder, mas as chamas se movimentavam ao redor do corpo formando a figura de uma vela de navio soprada pelo vento. Os supersticiosos romanos, temendo que o fogo não o consumisse, mergulharam uma lança em seu lado: e assim Policarpo foi coroado com a vitória.

Estes são apenas breves extratos dos relatos que têm sido passados adiante até nós sobre o martírio do honrado e admirável bispo. As histórias de mártires estão cheias de pormenores. Mas o Senhor abençoou grandemente a maneira cristã pela qual Policarpo sofreu pelo bem da igreja. A fúria do povo foi aplacada, como se tivessem ficado satisfeitos com a vingança, e a sede de sangue pareceu se extinguir por um tempo. O procônsul, também, cansado de tanto abate, se recusou absolutamente a ter mais cristãos trazidos perante o tribunal. Quão manifesta é a mão do Senhor nessa maravilhosa e repentina mudança! Ele tinha limitado os dias da tribulação deles antes de serem lançados na fornalha, e agora esses dias estavam cumpridos, e nenhum poder na terra ou no inferno poderia prolongá-los uma hora sequer. Eles tinham sido fiéis até a morte, e receberam a coroa da vida.

sábado, 13 de fevereiro de 2016

Versos Sobre o Martírio, por um Centurião Romano

"Dê o cristão ao leão!"
Clama descontroladamente a multidão romana
"Sim, ao leão castanho amarelado da África!"
Gritam os fortes e corajosos guerreiros.
"Deixe o faminto leão os rasgarem!"
Ecoa o riso contente da multidão;
"Arremessam-no - arremessam-no ao leão!"
Gritou alto a nobre matrona.

"Dê o cristão ao leão!"
Falaram em tom grave e lento,
De seus assentos de altos dignatários,
Senadores em vistosas fileiras.
Então de voo em voo, ecoa
O grito, o aplauso, e rajadas de risos
Até o gigante Coliseu
Debaixo do tumulto parecia oscilar;

E o clamor do povo
Rola através do Arco de Tito,
Todos para baixo do fórum romano,
Ao violento Capitólio,
Então uma pausa - mas silêncio, e ouça
Esse berro feroz e selvagem;
Esse é o leão do Saara,
Enfurecido em sua jaula!

Feroz, com fome e em grilhões,
Sacode ele sua juba castanho amarelado!
Para sua presa viva, impaciente,
Lutando contra suas barras e correntes.
Mas uma voz rouba fracamente
Da próxima jaula, fria e escura;
É o canto do cristão condenado à morte
Suave e baixo seu hino de morte;

Com as mãos erguidas está orando
Pelos homens que pedem seu sangue!
Com uma fé santa pleiteia
Por aquela multidão que grita.
Eles estão esperando! Levante a grade
Vem ele adiante, sereno para morrer:
Com uma radiância em torno da testa,
E um brilho nos olhos.

Nunca! quando legiões de romanos no meio,
Com o elmo em sua testa
Pressiona-o para a frente da batalha
Com um passo mais firme que agora.
Erga a grade! Ele está esperando.
Deixe o leão selvagem vir!
Ele só pode romper uma passagem
Para a alma alcançar seu lar!

O Martírio de Justino, Chamado o Mártir

Justino nasceu em Neápolis, em Samaria, de pais gentios. Quando jovem, ele cuidadosamente estudou as diferentes seitas filosóficas; mas não encontrando a satisfação que seu coração ansiava, ele foi levado a ouvir o evangelho. Nisto ele descobriu, através da bênção de Deus, um perfeito descanso para sua alma, e cada desejo de seu coração integralmente cumprido. Ele se tornou um cristão sincero e um celebrado escritor em defesa do cristianismo.

No início do reinado de Aurélio, Justino era um homem marcado. Acusações foram feitas contra ele por um homem chamado Crescente, um filósofo da seita dos cínicos. Ele foi preso com seis de seus companheiros, e todos foram levados perante o prefeito. Eles foram requisitados a sacrificar aos deuses. "Ninguém", respondeu Justino, "cujo entendimento é são, vai abandonar a verdadeira religião por causa do erro e impiedade." "A menos que se sujeite", disse o prefeito, "você será atormentado sem misericórdia." "Não desejamos nada mais, sinceramente", ele respondeu, "além de suportar torturas por nosso Senhor Jesus Cristo". O restante concordou, e disseram: "Somos cristãos, e não podemos sacrificar aos ídolos." O governador então pronunciou a sentença: "Quanto a esses que se recusam a sacrificar aos deuses, e a obedecer os decretos imperiais, que sejam primeiro açoitados, e depois decapitados, de acordo com as leis." Os mártires se alegraram, a louvaram Deus, e sendo levados de volta à prisão, foram açoitados, e depois decapitados. Isto aconteceu em Roma, por volta do ano 165. Assim dormiu em Jesus um dos primeiros "Pais", e ganhou o título glorioso de "Mártir", que geralmente acompanha seu nome. Seus escritos têm sido cuidadosamente examinados por muitos, e lhes são atribuídos grande importância.

A Perseguição na Ásia (ano 167 d.C)

Na Ásia Menor, a perseguição irrompeu com grande violência, como nunca se viu antes. O cristianismo era agora tratado como um crime direto contra o Estado. Isto mudou a face de tudo. Contrariamente ao documento oficial de Trajano e à conduta dos imperadores mais amenos, Adriano e Antonino, os cristãos deviam ser procurados como criminosos comuns. Eles eram arrancados de suas casas pela violência do povo, e submetidos às mais severas torturas. Se eles se recusassem obstinadamente a sacrificar aos deuses, eles eram condenados. Animais selvagens, a cruz, as estacas e o machado eram as formas cruéis de morte que os fiéis do Senhor encontravam em todo lugar.

O prudente e honrado Melito, bispo de Sardes, ficou tão comovido por tais barbaridades inéditas que compareceu perante o imperador como defensor dos cristãos. Seu discurso lança muita luz tanto sobre a lei quanto sobre a conduta das autoridades públicas, como segue: - "A estirpe dos adoradores de Deus neste país é perseguida como nunca antes, pelos novos decretos; pois os desavergonhados bajuladores, gananciosos pelas posses dos outros - uma vez que tais éditos lhes deram a oportunidade de fazê-lo - saqueiam vítimas inocentes de dia e de noite. E que assim seja certo se for feito sob seu comando, uma vez que um imperador justo nunca resolverá algo sob nenhuma medida de injustiça, assim como alegremente iremos levar o honrável quinhão de tal morte. Ainda assim, gostaríamos de enviar este único pedido, de que o senhor deveria se informar a respeito do povo que excita a contenção, e que deveria decidir imparcialmente se eles merecem a punição e a morte, ou a liberdade e a paz. Mas se essa resolução, e esse novo decreto - um decreto que não deveria ser emitido nem mesmo contra bárbaro hostis - vier de você, oramos mais para que não nos deixe expostos a tais roubos públicos."*

{* História Eclesiástica, de Neander, vol.1, p. 142}

Tememos que não haja motivo para acreditar que esse nobre apelo tenha trazido qualquer alívio direto aos cristãos. O caráter e modos de Aurélio têm deixado perplexos os historiadores. Ele era um filósofo da seita dos estoicos, naturalmente humano, benevolente, gentil e piedoso, até mesmo infantil em sua disposição, dizem alguns, pela influência da educação materna; ainda assim ela foi um implacável perseguidor dos cristãos por quase vinte anos. E a perplexidade aumenta quando olhamos para a Ásia, pois o procônsul, nessa época, não era pessoalmente oposto aos cristãos. Mesmo assim ele cedeu à fúria popular e às demandas da lei. Mas a fé vê além dos imperadores, governadores e do povo. A fé vê o príncipe das trevas governando esses homens ímpios, e o Senhor Jesus sobrepondo-se a todos. "Conheço as tuas obras, e tribulação... Nada temas das coisas que hás de padecer.... Sê fiel até à morte, e dar-te-ei a coroa da vida... O que vencer não receberá o dano da segunda morte." (Apocalipse 2:9-11)

Aurélio, com toda a sua filosofia, era um total estranho à doçura e poder do Nome que, sozinho, pode atender e satisfazer os anseios do coração humano. Todas as especulações e vanglórias da filosofia nunca foram capazes de fazer isso. Daí a inimizade do coração humano contra o evangelho. Auto-suficiência, que leva ao orgulho e à presunção, é o assunto principal da religião estoica. Com essa visão não poderia haver humilhação, nem senso de pecado, e nem ideia de um Salvador. E quanto mais seriamente ele levasse sua própria religião, mais amarga e veementemente ele seria contra o cristianismo.

Em uma carta circular escrita pela igreja de Esmirna para outras igrejas cristãs temos um relato detalhado dos sofrimentos dos fiéis até a morte. "Eles tornaram isso evidente para todos nós", diz a igreja, "de que no meio desses sofrimentos eles estavam ausentes do corpo, ou melhor, que o Senhor estava com eles, e andava no meio deles, e permanecendo na graça de Cristo, eles desafiaram os tormentos do mundo." Alguns, com um estranho entusiasmo momentâneo, se apressando com auto-confiança ao tribunal, se declararam cristãos; mas quando os magistrados os pressionavam, manipulando seus medos ao mostrar a eles os animais selvagens, eles cediam e ofereciam incenso aos deuses. "Nós, portanto", acrescenta a igreja, "não louvamos aqueles que voluntariamente se entregaram, pois o evangelho não nos ensina isso." Nada menos que a presença do Senhor Jesus poderia fortalecer a alma para suportar com tranquilidade e compostura os mais agoniantes tormentos, e as mais terríveis mortes. Mas milhares levaram com brandura, e até mesmo com alegria, o máximo que o poder das trevas e da quarta besta de Daniel poderia fazer. Os espectadores pagãos eram frequentemente levados a sentir pena pelos sofrimentos dos cristãos, mas nunca podiam entender a serenidade da mente, amor pelos seus inimigos, e prontidão para morrer.

Vamos agora concluir esse relato geral da perseguição na Ásia, e observar particularmente as duas pessoas mais eminentes que sofreram a morte nessa época: Justino e Policarpo.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

O Início do Segundo Período da História da Igreja (por volta do ano 167 d.C.)

O reinado de Aurélio é marcado, sob a providência de Deus, por muitas e grandes calamidades públicas. Vemos a mão do Senhor em amor fiel castigando Seu próprio povo redimido e amado, mas Sua ira se acendia contra seus inimigos. O exército oriental, sob comando de Lúcio Vero, ao retornar da guerra contra os partos, trouxeram a Roma uma doença pestilenta que estava se espalhando pela Ásia, e que logo espalhou seus estragos por quase todo o Império Romano. Houve também uma grande inundação no Tibre, que deixou uma grande parte da cidade debaixo da água, e varreu imensas quantidades de grãos dos campos e armazéns públicos. Esses desastres foram naturalmente seguidos por uma fome que consumiu uma grande quantidade de pessoas.

Tais eventos não podiam deixar de aumentar a hostilidade dos pagãos contra os cristãos. Eles atribuíam todos os seus problemas à ira dos deuses, e supunham que a nova religião é que os tinha provocado. Foi assim que a perseguição aos cristãos no Império Romano começou pela população. O clamor contra eles se levantou por parte do povo e dos governantes. "Lancem os cristãos aos leões!" "Lancem os cristãos aos leões!" era o clamor geral: e assim os nomes dos mais proeminentes na comunidade eram exigidos com a mesma hostilidade incontrolável. Um fraco e supersticioso magistrado tremia diante da voz do povo, e se rendia como instrumento de sua vontade.

Mas vamos agora olhar mais de perto, sob a direção das várias histórias que temos ao alcance, para o modo como se dava essas perseguições, e para o comportamento dos cristãos sob elas.

A Carta à Igreja de Esmirna (Apocalipse 2:8-11)

Nosso interesse na história da igreja é muito maior quando vemos que o Senhor marcou clara e distintamente suas sucessivas épocas. A condição exterior da igreja até a morte do primeiro Antonino - até onde pode ser determinado a partir dos registros históricos mais autênticos - responde de forma marcante àquilo que aprendemos das Escrituras, especialmente a carta a Éfeso. Havia consistência e zelo exteriores; eles eram incansáveis. É também evidente que havia caridade, pureza, devoção, santa coragem, até mesmo a ponto da maior prontidão em sofrer de todos os modos por causa do Senhor. Ao mesmo tempo fica claro, tanto das Escrituras quanto da história, que falsas doutrinas estavam progredindo, e que muitos estavam manifestando um desejo mais indigno de conquistar preeminência na igreja. Aquele esquecimento de si mesmo, e aquele cuidado por Cristo e Sua glória, que eram os primeiros frutos de Sua graça, tinham desaparecido. Historicamente chegamos agora ao período da igreja de Esmirna. Para a conveniência do leitor vamos citar o discurso todo:

"E ao anjo da igreja em Esmirna, escreve: Isto diz o primeiro e o último, que foi morto, e reviveu: Conheço as tuas obras, e tribulação, e pobreza (mas tu és rico), e a blasfêmia dos que se dizem judeus, e não o são, mas são a sinagoga de Satanás. Nada temas das coisas que hás de padecer. Eis que o diabo lançará alguns de vós na prisão, para que sejais tentados; e tereis uma tribulação de dez dias. Sê fiel até à morte, e dar-te-ei a coroa da vida. Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às igrejas: O que vencer não receberá o dano da segunda morte." (Apocalipse 2:8-11). Aqui o Senhor enfrenta o declínio com uma severa tribulação. Meios mais amenos não atingiriam os objetivos. Isso não é incomum, embora eles pudessem pensar que algo estranho tinha acontecido com eles. Mas todas as suas aflições eram conhecidas pelo Senhor, calculadas por Ele, e estavam sob Seu controle. "Tereis uma tribulação de dez dias". O período do sofrimento deles é especificado com exatidão. E Ele lhes fala como alguém que tinha conhecido, Ele mesmo, as profundezas da tribulação. "Isto diz o primeiro e o último, que foi morto, e reviveu". Ele tinha passado através da mais profunda tristeza, e através da própria morte - Ele tinha morrido por eles, e estava vivo novamente. Eles tinham esta bendita Pessoa para se refugiarem nas provações. E enquanto Ele olha, e anda, no meio dos Seus em sofrimento, Ele diz: "Sê fiel até à morte, e dar-te-ei a coroa da vida". Assim Ele tem em Suas mãos a coroa de mártir, pronto para colocá-la na cabeça de Seu fiel vencedor.

Vamos agora voltar à nossa história, e observar sua semelhança com essa epístola.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

A Carta à Igreja de Éfeso (Apocalipse 2:1-7)

O grande objetivo da igreja neste mundo era ser "a coluna e firmeza da verdade" (1 Timóteo 3:15). Ela foi criada para ser a portadora da luz de Deus. Ela é assim simbolizada por um "castiçal de ouro" - um suporte de luz. Ela deveria ser uma testemunha verdadeira do que Deus tinha manifestado em Jesus na terra, e do que Ele é agora quando Cristo está no céu. Aprendemos também, dessa carta, que a igreja, sendo um portador do testemunho neste mundo, é ameaçada de ser deixada de lado, a menos que seu primeiro estado seja mantido. Mas infelizmente ela falha, como sempre faz a criatura! Os anjos, Adão, Israel e a igreja não mantiveram seu primeiro estado. "Tenho, porém, contra ti", disse o Senhor, "que deixaste o teu primeiro amor. Lembra-te, pois, de onde caíste, e arrepende-te, e pratica as primeiras obras; quando não, brevemente a ti virei, e tirarei do seu lugar o teu castiçal, se não te arrependeres." (Apocalipse 2:4,5)

Havia ainda, no entanto, muito do que Ele podia elogiar, e Ele elogia tudo o que pode. Como uma assembleia, eles tinham paciência, eles tinham trabalhado e não se cansaram, eles não podiam suportar os "{homens} maus", ou aqueles que buscavam os lugares mais elevados na igreja. Mesmo assim, Ele sente que estão abandonando Ele mesmo: "deixaste o teu primeiro amor". Ele fala como alguém desapontado. Eles tinham deixado de se deleitarem no Seu amor por eles, e assim o próprio amor deles por Ele declinou. "Primeiro amor" é o feliz fruto de nossa apreciação do amor do Senhor por nós. "O testemunho externo pode continuar", disse alguém, "mas não é isso o que o Senhor mais valoriza, embora o valorize desde que seja simples, genuíno e fiel. Ainda assim, Ele não pode deixar de apreciar, acima de tudo, os corações devotos a Ele, o fruto de Seu próprio amor pessoal, perfeito e de auto-sacrifício. Ele tem uma esposa sobre a terra, a quem Ele deseja ver tendo como único objeto de afeição Ele Próprio, e mantida pura, para Ele, do mundo e de seus caminhos. Deus nos chamou para isso: não apenas para salvação e para um testemunho para Ele mesmo em piedade, por mais verdadeiro e importante que isso seja; mas acima de tudo, Deus nos chamou para Cristo - uma noiva para Seu Filho! Certamente isto deveria ser nosso primeiro e último pensamento, nosso pensamento constante e terno; pois estamos compromissados com Cristo, e Ele provou a plenitude e fidelidade de Seu amor por nós! Mas e o nosso por Ele?"*

{* Sermões em Apocalipse, por W. Kelly}


Era esse o estado das coisas em Éfeso, e na igreja em geral, que pedia a intervenção do Senhor em fiel disciplina. Aquela igreja, tendo sido plantada por Paulo, já tinha caído de seu primeiro estado. O apóstolo disse: "Porque todos buscam o que é seu, e não o que é de Cristo Jesus” (Filipenses 2:21); e “Os que estão na Ásia todos se apartaram de mim” (2 Timóteo 1:15). Esta é a causa da tribulação da qual fala a carta à igreja de Esmirna. Embora o Senhor seja cheio de graça e amor em todos os Seus modos para com Sua caída e falha igreja, ainda assim Ele é justo e deve julgar o mal. Ele não é visto, nessas cartas, como a Cabeça no céu do "um só corpo", nem como o Noivo de Sua igreja; mas Ele é visto em Seu caráter judicial, andando no meio dos castiçais, tendo os atributos de um juiz. Veja o capítulo 1.

O leitor deve observar que há uma certa distância e reserva no estilo de Seu discurso à igreja em Éfeso. Isto está de acordo com o lugar que Ele toma no meio dos castiçais de ouro. Ele escreve ao anjo da igreja, e não "aos santos que estão em Éfeso, e fiéis em Cristo Jesus", como na Epístola de Paulo aos Efésios.

Há muita discussão sobre quem seria o anjo. Ele era uma pessoa, acreditamos, tão identificada moralmente com a assembleia, que a representava e caracterizava. O Senhor se dirige ao anjo, e não imediatamente à igreja. "O anjo", portanto, dá a ideia de representação. Por exemplo, no Antigo Testamento temos o anjo de Jeová (ou anjo do Senhor), o anjo da aliança, e no Novo Testamento temos os anjos das crianças, e em Atos 12 é dito de Pedro: "É o seu anjo".

Vamos agora dar uma olhada na carta à igreja de Esmirna.

O Fim do Primeiro Período e o Início do Segundo

Pode-se dizer que a condição "efesiana" da igreja - isto é, a condição da igreja sob a luz da carta à igreja de Éfeso (Apocalipse 2:1-7) - terminou com a morte de Antonino Pio, no ano 161. E a condição "esmirniana" - isto é, a condição da igreja sob a luz da carta à igreja de Esmirna (Apocalipse 2:8-11) - parece ter começado com o reinado de Marco Aurélio. A perseguição na Ásia irrompeu com grande violência no ano 167, sob os novos decretos desse Imperador; e Esmirna, especialmente, sofreu grandemente: o justamente estimado Policarpo, bispo de Esmirna, sofreu o martírio nesse tempo. Mas, a fim de provar o ponto de vista que tomamos, será necessário dar uma olhada brevemente nas cartas às igrejas de Éfeso e Esmirna.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

Os Reinados de Adriano e dos Antoninos (do ano 117 ao 180 d.C.)

Embora seria injusto classificar Adriano e o primeiro Antonino com os sistemáticos perseguidores da igreja, ainda assim os cristãos foram expostos aos mais violentos sofrimentos e morte durante o domínio deles. O costume cruel de atribuir todas as calamidades públicas aos cristãos, e de pedir pelo sangue deles como expiação para as divindades ofendidas, continuavam, e eram geralmente cedidas pelos governantes locais, e não controladas pelos indiferentes imperadores. Mas sob o reinado do segundo Antonino, Marco Aurélio, o espírito maligno da perseguição aumentou drasticamente. Não era mais confinada às explosões da fúria popular, como também era encorajada pelas mais altas autoridades. A tímida proteção que os decretos ambíguos de Trajano, Adriano e dos Antoninos proporcionavam aos cristãos foi retirada, e as excitadas paixões dos pagãos idólatras não foram refreadas pelo governo. É de grande interesse para o estudante da história da igreja ver como isso podia acontecer sob o reinado de um príncipe que se distinguia pela aprendizagem, filosofia e suavidade geral de caráter.

Os últimos sessenta anos de relativa paz tinha aberto um amplo campo para a propagação do evangelho. Durante esse período houve rápido progresso de muitas maneiras. As congregações cristãs aumentaram em número, influência e riqueza por quase todos os cantos dos domínios romanos. Muitos dos ricos, sendo cheios do amor divino, distribuíam o que tinham aos pobres, viajavam para regiões que ainda não tinham ouvido o som do evangelho e, tendo ali plantado o cristianismo, seguiam para outros países. No entanto, o Espírito Santo não podia trabalhar sem despertar os ciúmes e agitar toda a inimizade dos apoiadores da religião nacional. Aurélio viu com maus olhos o poder superior do cristianismo sobre as mentes dos homens comparado com sua própria filosofia pagã. Ele se tornou, então, um intolerante perseguidor, e encorajou as autoridades provinciais a esmagar o que ele considerava um obstinado espírito de resistência a sua autoridade. Mas o evangelho da graça de Deus estava muito além do alcance de Aurélio, e nem sua espada nem seus leões poderiam prender sua triunfante carreira. Apesar das sangrentas perseguições que ele excitava ou sancionava, o cristianismo era propagado por todo o mundo conhecido.

Mas aqui devemos fazer uma breve pausa para olhar a nossa volta. Há algo muito mais profundo na mudança do governo em relação à igreja do que o mero olhar histórico pode discernir. Cremos estar chegando ao fim do primeiro período e início do segundo período da igreja na terra.

Os Escritos dos Pais e as Escrituras Sagradas

Mas, embora Inácio possa ser digno de honra como um homem santo de Deus, e como um nobre mártir de Cristo, devemos nos lembrar que suas cartas não são a Palavra de Deus. Elas podem nos interessar e nos instruir, mas não podem comandar nossa fé. Esta pode apenas se firmar no sólido fundamento da Palavra de Deus, e nunca no frágil solo da tradição. "As Escrituras permanecem à parte", disse alguém, "em majestoso isolamento, preeminente em instrução, e separado por uma excelência inigualável de tudo o que foi escrito pelos pais apostólicos: de modo que esses que seguiram de perto os apóstolos nos deixaram escritos que são mais para nossa advertência do que para nossa edificação". Ao mesmo tempo, esses primeiros escritores cristãos têm todo direito ao respeito e veneração com os quais a antiguidade os investiu. Eles eram contemporâneos dos apóstolos, eles desfrutaram do privilégio de ouvir seus ensinos, compartilhavam com eles os labores do evangelho, e conversaram livremente com eles no dia a dia. Paulo fala de um Clemente - um que é conhecido como pai apostólico - como um de seus "cooperadores, cujos nomes estão no livro da vida", e o que ele diz de Timóteo pode ter sido pelo menos em parte verdade para muitos outros: "Tu, porém, tens seguido a minha doutrina, modo de viver, intenção, fé, longanimidade, amor, paciência, perseguições e aflições." (Filipenses 4:3, 2 Timóteo 3:10,11)

Desses que tinham tão alto privilégio deveríamos naturalmente esperar a sã doutrina apostólica - uma fiel repetição das verdades e instruções que foram entregues a eles pelos apóstolos inspirados. Mas, infelizmente, este não é o caso! Inácio foi um dos primeiros pais apostólicos. Ele se tornou um bispo de Antioquia, a metrópole da Síria, por volta do ano 70. Ele era um discípulo do apóstolo João, e morreu apenas cerca de 7 anos após a morte de João. Certamente de alguém assim poderíamos esperar uma estreita semelhança com os ensinos do apóstolo, mas isso não acontece. As afirmações definitivas e absolutas das Escrituras, vindas diretamente de Deus para a alma, são muito diferentes dos escritos de Inácio e de todos os Pais. Nosso único guia seguro e certo é a Palavra de Deus. Quão conveniente, então, é a palavra na Primeira Epístola de João: "Portanto, o que desde o princípio ouvistes permaneça em vós. Se em vós permanecer o que desde o princípio ouvistes, também permanecereis no Filho e no Pai." (1 João 2:24). Esta passagem evidentemente se refere mais especialmente à pessoa de Cristo, e consequentemente às Escrituras do Novo Testamento, nas quais temos a revelação do Pai no Filho, feito conhecido a nós pelo Espírito Santo. Nas Epístolas de Paulo, temos mais plenamente revelados os conselhos de Deus relacionados à igreja, a Israel e aos gentios, de modo que podemos ir mais longe do que "os Pais" para encontrar o verdadeiro fundamento da fé; devemos voltar àquilo que existia desde "O Princípio". Nada tem autoridade divina direta para o crente além daquilo que era "desde o princípio". Isto por si só assegura que continuemos "no Filho e no Pai".

As epístolas de Inácio têm sido muito estimadas pelos episcopais como a principal autoridade no sistema da igreja inglesa {*N. do T.: e certamente para muitas outras seitas cristãs}, e essa é a nossa desculpa para se referir tanto a este "pai" {*N. do T.: O escritor deste livro vivia na Inglaterra no século XIX}. Quase todos os fundamentos do anglicanismo em favor do episcopado vêm de suas cartas. Ele bate tanto a tecla na submissão à autoridade episcopal, e tanto a exalta, que muitos têm sido induzidos a questionar completamente sua autenticidade, e outros têm suposto que essas cartas devem ter sido bastante alteradas para servir aos interesses do clero. Mas quanto a essas controvérsias não temos nada a tratar em nosso livro.*

{* Veja As Genuínas Epístolas de Clemente, Policarpo, Inácio e Barnabé, por Ab. Wake, 6ª ed. Bagster.}

Vamos agora continuar nossa história a partir da morte de Trajano no ano 117, e olhar brevemente para a condição da igreja durante os reinados de Adriano e dos Antoninos.

O Martírio de Inácio

Não há nenhum fato do início da história da igreja mais sagradamente preservado {* N. do T.: com exceção das próprias Escrituras} que o martírio de Inácio, o bispo* da Antioquia. E não há narrativa mais celebrada que sua viagem, como prisioneiro em correntes, da Antioquia para Roma.

{* N. do T.: bispo significa "supervisor" ou "ancião" de uma assembleia (igreja) local. Na Palavra de Deus, o bispo ou ancião nunca aparece como um cargo eclesiástico assalariado (como inventaram os homens no decorrer dos séculos), mas sim como simplesmente um ofício (ou papel) exercido em uma assembleia. Para saber mais leia: Anciaos, Presbiteros [Bispos] e Guias, Existem anciaos hoje?
}

De acordo com a opinião geral dos historiadores, o imperador Trajano, em seu caminho para a guerra da Pártia no ano 107, visitou Antioquia. Por que causa é difícil dizer, mas aparentemente os cristãos foram ameaçados de perseguição por suas ordens. Inácio, portanto, preocupado pela igreja em Antioquia, desejou ser introduzido à presença de Trajano. Seu grande objetivo era prevenir, se possível, a perseguição ameaçada. Com este objetivo em vista, ele apresentou ao imperador o verdadeiro caráter e condição dos cristãos, e se ofereceu a si mesmo para sofrer no lugar deles.

Os detalhes da marcante entrevista são dados em muitas relatos sobre a história da igreja, mas existe um certo ar de suspeita sobre eles que nos absteremos de inserir aqui. De qualquer modo, a história acabou na condenação de Inácio. Ele foi sentenciado pelo imperador a ser levado a Roma, e lançado às feras selvagens para o entretenimento do povo. Ele recebeu a cruel sentença sem reclamar, e de bom grado submeteu-se às cadeias, crendo ser assim por sua fé em Cristo e como um sacrifício pelos santos.

Inácio estava agora sob custódia de dez soldados, que parecem ter ignorado sua idade, tratando-o com grande dureza. Ele tinha sido um bispo da Antioquia por quase quarenta anos, e portanto devia ser um homem idoso. Mas eles o levaram grosseiramente por uma longa viagem, tanto por mar quanto por terra, de modo a chegar a Roma antes dos jogos terminarem. Ele chegou no último dia do festival, e foi logo levado ao anfiteatro, onde sofreu, de acordo com sua sentença, à vista dos espectadores reunidos. E então, o cansado peregrino encontrou o descanso das fadigas de sua longa viagem no bendito repouso do paraíso de Deus.

Alguns têm perguntado o porquê de Inácio ter sido levado pelo longo caminho da Antioquia até Roma para sofrer o martírio. A resposta só pode ser conjectura. Pode ter sido com a intenção de infundir medo aos outros cristãos, pelo espetáculo de alguém tão eminente e tão conhecido ser levado em correntes a uma morte terrível e degradante. Mas se esta foi a expectativa do Imperador, ele deve ter ficado inteiramente desapontado. O martírio de Inácio teve justamente o efeito oposto. Notícias sobre sua sentença e sobre sua rota se disseminaram amplamente, e representantes das igrejas das proximidades foram enviados para encontrá-lo em pontos convenientes durante a viagem. Ele foi, então, saudado e encorajado com calorosas felicitações de seus irmãos; e eles, em troca, se alegraram em ver o venerável bispo e em receber sua bênção de despedida. Muitos dos santos se sentiriam encorajados a enfrentar, e até mesmo a desejar, uma morte de mártir e uma coroa de mártir. Dentre os que o encontraram pelo caminho estavam Policarpo, bispo de Esmirna que, assim como Inácio, tinha sido um discípulo do apóstolo João, e estava também destinado a ser um mártir pelo evangelho. Mas além desses encontros pessoais, dizem que ele escreveu sete cartas durante essa viagem, que foram preservadas pela providência divina e chegaram até nós. Sempre houve grande interesse, e ainda há, nessas cartas.

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