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sábado, 27 de fevereiro de 2016

O Poder da Oração

Ao traçar a linha prateada da graça de Deus em Seu povo amado, temos agora que tomar nota de um relato que foi amplamente difundido entre os cristãos após o início do terceiro século. Ocorreu perto do fim do reinado de Aurélio, e que o levou, como dizem alguns, a mudar o rumo de sua política para com os cristãos. Em uma de suas campanhas contra os germânicos e sármatas, ele se viu em uma situação de extremo perigo. O sol ardente brilhava em cheio nas faces de seus soldados; eles foram cercados pelos bárbaros e estavam exaustos por feridas e cansaço, e sedentos: enquanto isso, o inimigo se preparava para atacá-los. Nessa situação extrema, a 12ª legião, que diziam ser composta por cristãos, avançou e se ajoelhou em oração. De repente, o céu ficou coberto de nuvens, e começou a cair uma forte chuva. Os soldados romanos pegaram seus elmos para recolher as refrescantes gotas, mas a chuva logo aumentou e se tornou uma tempestade de granizo, acompanhada de trovões e raios, que deixou os bárbaros tão alarmados que garantiu aos romanos uma vitória fácil.

O imperador, perplexo com tal resposta miraculosa às orações, reconheceu a intervenção do Deus dos cristãos, conferiu honra à legião, e emitiu um decreto em favor da religião deles. Depois disto, se não antes, eles passaram a ser chamados de "legião do trovão". Historiadores, a partir de Eusébio, têm tomado nota desse marcante acontecimento.

Mas, como uma lenda frequentemente contada, muitas coisas lhe foram acrescentadas. Há boas razões para crer, no entanto, que uma resposta providencial em favor dos romanos foi dada à oração. Isto parece bastante evidente. E para a fé não há nada incrível em tal evento, embora algumas das circunstâncias relatadas sejam questionáveis. Por exemplo, uma legião romana naquela época provavelmente teria cinco mil homens: embora possa ter havido um grande número de cristãos na 12ª legião, que era uma legião distinta, ainda assim é difícil acreditar que todos eles eram cristãos.

Em seu retorno da guerra, eles sem dúvida relataram a seus irmãos a misericordiosa intervenção de Deus em resposta à oração, pois a igreja registraria e disseminaria a história entre os cristãos, para Seu louvor e glória. Mas os fatos são ainda mais plenamente confirmados pelos romanos. Eles também acreditavam que a libertação tinha vindo do céu, mas em resposta às orações do imperador aos deuses. Assim, o evento foi comemorado, de sua maneira habitual, em colunas, medalhas e pinturas. Nelas, o imperador é representado estendendo as mãos em súplicas; o exército recolhendo a chuva em seus elmos; e Júpiter lançando seus raios sobre os bárbaros, que jazem mortos no chão.

Alguns anos depois desse marcante evento, Marco Aurélio, o filósofo e perseguidor, morreu. Grandes mudanças rapidamente se seguiram. A glória do império, e o esforço para manter a dignidade da antiga religião romana, expirou com ele, mas o cristianismo fez grandes e rápidos avanços. Homens hábeis e eruditos surgiram nessa época e, ousada e poderosamente, defendiam, usando suas penas como instrumento, o cristianismo. Estes eram chamados de Apologistas. Tertuliano, um africano, que dizem ter nascido em 160, pode ser considerado o mais hábil e mais perfeito exemplo dessa classe.

Os mais esclarecidos dentre os pagãos agora começam a sentir que, se a religião deles tinha que suportar o poder agressivo do evangelho, ela deveria ser defendida e reformada. Assim começou a controvérsia, e um certo Celso, um filósofo epicureu, que dizem ter nascido no mesmo ano que Tertuliano, firmou-se como líder do lado controverso do paganismo. Foi por volta desse período - os últimos anos do segundo século - que os registros sobre a igreja começaram a se tornar mais interessantes, por serem mais definidos e confiáveis. Mas antes de prosseguirmos adiante com a história geral, seria interessante refazer nossos passos e olhar brevemente para a história interna da igreja desde o princípio. Veremos, assim, como algumas das coisas que ainda são observadas, e com as quais estamos familiarizados, foram primeiramente introduzidas.

sábado, 20 de fevereiro de 2016

As Perseguições na França (ano 177 d.C.)

Vamos agora nos voltar ao cenário da segunda perseguição sob o reinado do imperador Marco Aurélio. Aconteceu na França, e exatamente dez anos após a perseguição na Ásia. Pode ter havido outras perseguições durante esses dez anos, mas, até onde sabemos, não há registros autênticos de nenhum até o ano de 177. A fonte da qual derivamos nosso conhecimento sobre os detalhes desta última perseguição é uma carta circular das igrejas de Lion e Vienne às igrejas na Ásia. Se há qualquer alusão a esses dez ano históricos nas palavras do Senhor à igreja de Esmirna, não podemos dizer com certeza. As Escrituras não dizem isso. Comparando a história com a epístola, não é difícil ser sugerido tal pensamento. "Tereis uma tribulação de dez dias". Em outras partes desse livro de significado sobrenatural, um dia é considerado como um ano, então pode ser o caso também da epístola à Esmirna. A história nos dá o início e o fim quanto ao tempo, e o leste e o oeste em relação à abrangência da cena. Mas vamos olhar agora para alguns dos detalhes nos quais a semelhança pode ser mais manifesta.

A prisão foi uma das principais características de seus sofrimentos. Muitos morreram pelo ar sufocante das masmorras fétidas. A este respeito diferia da perseguição na Ásia. A excitação popular se ergueu ainda mais alto do que em Esmirna. Os cristãos eram insultados e abusados sempre que apareciam, e eram até mesmo pilhados em suas próprias casas. Enquanto essa fúria popular irrompia durante a ausência do governador, muitos eram lançados na prisão pelos magistrados inferiores para aguardar seu retorno. Mas o espírito da perseguição nesta ocasião, embora tenha surgido da população, não se restringia a ela. O governador, em sua chegada, parece ter sido infectado com o fanatismo das classes mais baixas. Para sua desonra como magistrado, ele começou o exame dos prisioneiros com torturas. E o testemunho dos escravos, contrariamente a uma antiga lei em Roma, não foi apenas recebida contra seus mestres, como também arrancada deles por meio dos sofrimentos mais severos. Consequentemente, eles estavam prontos para dizer o que lhes era requerido para escapar do chicote e da roda {*N. do T.: Antigo instrumento de tortura}. Tendo provado, como diziam, que os cristãos praticavam os mais hediondos e piores crimes em suas reuniões, eles agora acreditavam que era correto submetê-los a qualquer crueldade. Nenhum parentesco, nenhuma condição, nenhuma idade e nenhum sexo era motivo para ser poupado.

Vétio, um jovem de bom nascimento e posição, e de grande caridade e fervor de espírito, ouvindo que tais acusações eram apresentados contra seus irmãos, se sentiu impelido a apresentar-se a si mesmo perante o governador como uma testemunha da inocência deles. Ele exigiu ser ouvido, mas o governador recusou-se a ouvir e apenas perguntou-lhe se ele também era um cristão. Quando ele distintamente afirmou que era, o governador ordenou que ele fosse lançado na prisão com o resto. Mais tarde, ele receberia a coroa do martírio.

O idoso bispo Potino, então com mais de noventa anos de idade, sendo provavelmente aquele que tinha, vindo da Ásia, levado o evangelho a Lion, era, naturalmente, uma boa presa para o leão do inferno. Ele sofria de asma e mal podia respirar, mas mesmo assim ele foi apreendido e arrastado perante as autoridades. "Quem é o Deus dos cristãos?", perguntou o governador. O velho homem calmamente lhe disse que só poderia chegar ao conhecimento do verdadeiro Deus se mostrasse um espírito reto. Aqueles que cercavam o tribunal se esforçaram para conter a explosão de raiva contra o venerável bispo. Ele foi condenado à prisão, e após receber muitos golpes em seu caminho até lá, foi jogado no meio dos outros cristãos, e dois dias depois dormiu em Jesus, nos braços de seu rebanho sofredor.

Que peso de conforto e encorajamento as palavras do bendito Senhor devem ter sido para esses santos sofredores! "Nada temas das coisas que hás de padecer", foi o que o Senhor disse à igreja em Esmirna, e que foi provavelmente levado também às igrejas francesas em Lion e Vienne por Potino. Eles estavam experimentando um exato cumprimento desse solene e profético aviso: "Eis que o diabo lançará alguns de vós na prisão, para que sejais tentados." Eles sabiam quem era o grande inimigo - o grande perseguidor - mesmo que imperadores, governadores e multidões pudessem ser seus instrumentos. Mas o Senhor estava com Seus amados sofredores. Ele não apenas os sustinha e confortava, como também manifestou, da maneira mais bendita, o poder de Sua própria presença nas formas mais débeis da humanidade. Isto era, nos aventuramos a dizer, uma coisa nova na terra. A superioridade dos cristãos frente a todas as aflições de torturas, e a todos os terrores de morte, surpreendeu totalmente a multidão, atingiu em cheio seus algozes, e feriu o orgulho estoico do imperador. O que poderia ser feito com um povo que orava por seus perseguidores e manifestava a compostura e tranquilidade do céu em meio às fogueiras e feras do anfiteatro? Tome um exemplo do que afirmamos - um exemplo digno de todo louvor, em todos os tempos e por toda a eternidade - do poder divino demonstrado na fraqueza humana.

Blandina, uma escrava, se distinguiu do resto dos mártires pela variedade de torturas que suportou. Sua senhora, que também sofreu o martírio, temia que a fé de sua serva pudesse ser deixada de lado sob tais provações. Mas isto não aconteceu, que o Senhor seja louvado! Firme como rocha, mas pacífica e despretensiosa, ela suportou os mais excruciantes sofrimentos. Seus carrascos lhe pressionavam a negar a Cristo e a confessar que as reuniões privadas dos cristãos serviam apenas para suas práticas perversas, e que então eles deixariam de torturá-la. Mas não! Sua única resposta foi: "Sou uma cristã, e não há perversidade entre nós." O flagelo, a roda, a cadeira de ferro quente e as feras selvagens tinham perdido seu terror para ela. Seu coração estava fixado em Cristo, e Ele a manteve em espírito perto de Si. Seu caráter foi completamente formado, não por sua condição social, é claro - que era a mais degradada naqueles tempos - mas por sua fé no Senhor Jesus Cristo, através do poder do Espírito Santo que habitava em si.

Dia após dia ela era levada como um espetáculo público de sofrimento. Sendo uma mulher e uma escrava, os pagãos esperavam forçá-la a negar a Cristo, e a confessar que os cristãos eram culpados dos crimes denunciados contra eles. Mas foi tudo em vão. "Eu sou uma cristã, e não há perversidade entre nós", era sua resposta calma e invariável. Sua constância exauriu a inventiva crueldade de seus algozes. Eles  estavam surpresos por vê-la viver através da temível sucessão de seus sofrimentos. Mas em suas maiores agonias, ela encontrou força e alívio ao olhar para Jesus e testemunhar por Ele. "Blandina foi dotada de tanta coragem", diz a carta da igreja de Lion, escrita a mil e setecentos anos atrás, "que aqueles que sucessivamente a torturavam de dia e de noite ficaram muito desgastados de cansaço, e se deram por vencidos e exaustos de todos os seus aparatos de tortura, e se espantaram de vê-la ainda respirando enquanto seu corpo estava dilacerado e exposto."*

{* Para mais detalhes, veja a História da Igreja, de Milner, vol. 1, p. 194}

Antes de narrarmos as cenas finais de seus sofrimentos, devemos notar o que parece para nós ser o segredo de sua grande força e constância. Sem dúvidas o Senhor a estava sustendo de maneira marcante como uma testemunha para Ele, e como um testemunho para todas as eras do poder do cristianismo sobre a mente humana, comparado a todas as religiões que já existiram sobre a terra. Ainda assim, poderíamos dizer, particularmente, que sua humildade e temor piedoso eram as claras indicações do seu poder contra o inimigo, e de sua inabalável fidelidade a Cristo. Ela estava desenvolvendo sua própria salvação - libertação das dificuldades do caminho - por um profundo senso de sua própria fraqueza consciente, indicada por "medo e tremor".

Em seu caminho de volta do anfiteatro para a prisão, em companhia de seus companheiros de sofrimento, eles foram rodeados por seus amigos entristecidos quando tiveram uma oportunidade, e em simpatia e amor se dirigiram a eles como "mártires por Cristo". Mas a isso eles instantaneamente responderam, dizendo: "Não somos dignos de tal honra. A luta ainda não acabou, e o digno nome de Mártir pertence apropriadamente a Ele somente, que é verdadeira e fiel testemunha, o primogênito dentre os mortos, o Príncipe da vida, ou, ao menos, apenas àqueles cujo testemunho Cristo selou pela sua constância até o fim. Somos apenas pobres e humildes confessores." Em lágrimas eles rogaram para que seus irmãos orassem por eles para que pudessem ser firmes e verdadeiros até o fim.  Assim a fraqueza deles era sua força, pois os levava a apoiarem-se no Poderoso. E é assim sempre, e sempre foi, tanto em pequenas quanto em grandes provações. Mas uma nova tristeza os aguardava em seu retorno à prisão. Eles encontraram alguns que tinham desistido pelo medo natural, e que tinham negado que eram cristãos. Todavia, nada ganharam por causa disso, pois Satanás jamais os iria libertar. Sob uma acusação de outros crimes, eles foram mantidos na prisão. Com esses fracos, Blandina e os outros oravam com muitas lágrimas, para que pudessem ser restaurados e fortalecidos. O Senhor respondeu suas orações, de modo que, quando levados novamente para uma examinação mais profunda, eles firmemente confessaram sua fé em Cristo, e assim foram condenados à morte e receberam a coroa do martírio.

Segundo os homens, nomes mais nobres do que o de Blandina desapareceram na cena ensanguentada, e nomes honrados também tinham testemunhado com grande coragem, como foi o caso de Vétio, Potino, Santus, Naturus e Atálius. Mas o último dia de sua provação tinha chegado, e a última dor que ela sentiria, e a última lágrima que ela derramaria. Ela foi levada para seu exame final com um jovem de quinze anos, chamado Pôntico. Eles foram obrigados a jurar pelos deuses; eles firmemente recusaram, mas estavam calmos e imóveis. A multidão estava irritada com a magnânima paciência deles. Todo o repertório de barbaridades lhes foi infligido. Pôntico, embora animado e fortalecido pelas orações de sua irmã em Cristo, logo sucumbiu sob as torturas, e adormeceu em Jesus.

E agora vinha a nobre e abençoada Blandina, como a igreja a intitulara. Como uma mãe que precisava confortar e encorajar seus filhos, ela foi mantida até o último dia dos jogos. Seus filhos haviam partido antes dela, e ela estava agora ansiando por seguir após eles. Eles tinham aderido ao nobre exército de mártires acima, e estavam descansando em Jesus, como descansam guerreiros cansados, no pacífico paraíso de Deus. Após ter suportado açoites, sentaram-na em uma cadeira de ferro quente, e então ela foi amarrada em uma rede e jogada a um touro; e tendo sido atingida algumas vezes pelo animal, um soldado mergulhou uma lança em seu lado. Sem dúvida ela já estava morta muito antes da lança tê-la atingido, mas nisto ela teve a honra de ser como seu Senhor e Mestre. Brilhante certamente será a coroa, em meio às muitas coroas no céu, da constante, humilde, paciente e perseverante Blandina.

Mas a raiva feroz e selvagem dos pagãos, instigados por Satanás, ainda não tinha alcançado seu limite. Eles começaram uma nova guerra contra os corpos mortos dos santos. O sangue deles ainda não os tinha saciado. Eles queriam suas cinzas. Assim os corpos mutilados dos mártires foram coletados e queimados, e lançados no rio Ródano com o fogo que os consumia, para que nenhuma partícula fosse deixada para poluir a terra. Mas a raiva, embora feroz, finalmente se esgotaria: e a natureza, embora selvagem, ficaria cansada de derramamento de sangue, e assim muitos cristãos sobreviveram a essa terrível perseguição.

Temos, portanto, entrado em detalhes, mais do que o usual, ao falar das perseguições sob o reinado de Marco Aurélio. Até então elas são um cumprimento, cremos, dos solenes e proféticos avisos da carta à Esmirna, e também, de modo marcante, da graça do Senhor prometida. Os sofredores foram cheios e animados por Seu próprio Espírito. "Até mesmo seus perseguidores", diz Neander, "nunca foram mencionados por eles com ressentimento; mas eles oravam a Deus para que fossem perdoados aqueles que os tinham sujeitado a tais cruéis sofrimentos. Eles deixaram um legado para seus irmãos, não de conflito e guerra, mas de paz e alegria, unanimidade e amor."
 
Estás em casa finalmente, cada poste do caminho passado,
Tendes apressado alcançar ao alvo antes de mim;
E ó, as minhas lágrimas caem grossas e rápido
Como as esperanças que tinham florescido sobre ti.
Os meus lábios recusam dizer, Adeus,
Porque nada pode separar nossa vida interligada;
Bem cedo tendes ido com Cristo habitar,
Onde ambos para sempre estaremos.

sábado, 13 de fevereiro de 2016

O Martírio de Justino, Chamado o Mártir

Justino nasceu em Neápolis, em Samaria, de pais gentios. Quando jovem, ele cuidadosamente estudou as diferentes seitas filosóficas; mas não encontrando a satisfação que seu coração ansiava, ele foi levado a ouvir o evangelho. Nisto ele descobriu, através da bênção de Deus, um perfeito descanso para sua alma, e cada desejo de seu coração integralmente cumprido. Ele se tornou um cristão sincero e um celebrado escritor em defesa do cristianismo.

No início do reinado de Aurélio, Justino era um homem marcado. Acusações foram feitas contra ele por um homem chamado Crescente, um filósofo da seita dos cínicos. Ele foi preso com seis de seus companheiros, e todos foram levados perante o prefeito. Eles foram requisitados a sacrificar aos deuses. "Ninguém", respondeu Justino, "cujo entendimento é são, vai abandonar a verdadeira religião por causa do erro e impiedade." "A menos que se sujeite", disse o prefeito, "você será atormentado sem misericórdia." "Não desejamos nada mais, sinceramente", ele respondeu, "além de suportar torturas por nosso Senhor Jesus Cristo". O restante concordou, e disseram: "Somos cristãos, e não podemos sacrificar aos ídolos." O governador então pronunciou a sentença: "Quanto a esses que se recusam a sacrificar aos deuses, e a obedecer os decretos imperiais, que sejam primeiro açoitados, e depois decapitados, de acordo com as leis." Os mártires se alegraram, a louvaram Deus, e sendo levados de volta à prisão, foram açoitados, e depois decapitados. Isto aconteceu em Roma, por volta do ano 165. Assim dormiu em Jesus um dos primeiros "Pais", e ganhou o título glorioso de "Mártir", que geralmente acompanha seu nome. Seus escritos têm sido cuidadosamente examinados por muitos, e lhes são atribuídos grande importância.

A Perseguição na Ásia (ano 167 d.C)

Na Ásia Menor, a perseguição irrompeu com grande violência, como nunca se viu antes. O cristianismo era agora tratado como um crime direto contra o Estado. Isto mudou a face de tudo. Contrariamente ao documento oficial de Trajano e à conduta dos imperadores mais amenos, Adriano e Antonino, os cristãos deviam ser procurados como criminosos comuns. Eles eram arrancados de suas casas pela violência do povo, e submetidos às mais severas torturas. Se eles se recusassem obstinadamente a sacrificar aos deuses, eles eram condenados. Animais selvagens, a cruz, as estacas e o machado eram as formas cruéis de morte que os fiéis do Senhor encontravam em todo lugar.

O prudente e honrado Melito, bispo de Sardes, ficou tão comovido por tais barbaridades inéditas que compareceu perante o imperador como defensor dos cristãos. Seu discurso lança muita luz tanto sobre a lei quanto sobre a conduta das autoridades públicas, como segue: - "A estirpe dos adoradores de Deus neste país é perseguida como nunca antes, pelos novos decretos; pois os desavergonhados bajuladores, gananciosos pelas posses dos outros - uma vez que tais éditos lhes deram a oportunidade de fazê-lo - saqueiam vítimas inocentes de dia e de noite. E que assim seja certo se for feito sob seu comando, uma vez que um imperador justo nunca resolverá algo sob nenhuma medida de injustiça, assim como alegremente iremos levar o honrável quinhão de tal morte. Ainda assim, gostaríamos de enviar este único pedido, de que o senhor deveria se informar a respeito do povo que excita a contenção, e que deveria decidir imparcialmente se eles merecem a punição e a morte, ou a liberdade e a paz. Mas se essa resolução, e esse novo decreto - um decreto que não deveria ser emitido nem mesmo contra bárbaro hostis - vier de você, oramos mais para que não nos deixe expostos a tais roubos públicos."*

{* História Eclesiástica, de Neander, vol.1, p. 142}

Tememos que não haja motivo para acreditar que esse nobre apelo tenha trazido qualquer alívio direto aos cristãos. O caráter e modos de Aurélio têm deixado perplexos os historiadores. Ele era um filósofo da seita dos estoicos, naturalmente humano, benevolente, gentil e piedoso, até mesmo infantil em sua disposição, dizem alguns, pela influência da educação materna; ainda assim ela foi um implacável perseguidor dos cristãos por quase vinte anos. E a perplexidade aumenta quando olhamos para a Ásia, pois o procônsul, nessa época, não era pessoalmente oposto aos cristãos. Mesmo assim ele cedeu à fúria popular e às demandas da lei. Mas a fé vê além dos imperadores, governadores e do povo. A fé vê o príncipe das trevas governando esses homens ímpios, e o Senhor Jesus sobrepondo-se a todos. "Conheço as tuas obras, e tribulação... Nada temas das coisas que hás de padecer.... Sê fiel até à morte, e dar-te-ei a coroa da vida... O que vencer não receberá o dano da segunda morte." (Apocalipse 2:9-11)

Aurélio, com toda a sua filosofia, era um total estranho à doçura e poder do Nome que, sozinho, pode atender e satisfazer os anseios do coração humano. Todas as especulações e vanglórias da filosofia nunca foram capazes de fazer isso. Daí a inimizade do coração humano contra o evangelho. Auto-suficiência, que leva ao orgulho e à presunção, é o assunto principal da religião estoica. Com essa visão não poderia haver humilhação, nem senso de pecado, e nem ideia de um Salvador. E quanto mais seriamente ele levasse sua própria religião, mais amarga e veementemente ele seria contra o cristianismo.

Em uma carta circular escrita pela igreja de Esmirna para outras igrejas cristãs temos um relato detalhado dos sofrimentos dos fiéis até a morte. "Eles tornaram isso evidente para todos nós", diz a igreja, "de que no meio desses sofrimentos eles estavam ausentes do corpo, ou melhor, que o Senhor estava com eles, e andava no meio deles, e permanecendo na graça de Cristo, eles desafiaram os tormentos do mundo." Alguns, com um estranho entusiasmo momentâneo, se apressando com auto-confiança ao tribunal, se declararam cristãos; mas quando os magistrados os pressionavam, manipulando seus medos ao mostrar a eles os animais selvagens, eles cediam e ofereciam incenso aos deuses. "Nós, portanto", acrescenta a igreja, "não louvamos aqueles que voluntariamente se entregaram, pois o evangelho não nos ensina isso." Nada menos que a presença do Senhor Jesus poderia fortalecer a alma para suportar com tranquilidade e compostura os mais agoniantes tormentos, e as mais terríveis mortes. Mas milhares levaram com brandura, e até mesmo com alegria, o máximo que o poder das trevas e da quarta besta de Daniel poderia fazer. Os espectadores pagãos eram frequentemente levados a sentir pena pelos sofrimentos dos cristãos, mas nunca podiam entender a serenidade da mente, amor pelos seus inimigos, e prontidão para morrer.

Vamos agora concluir esse relato geral da perseguição na Ásia, e observar particularmente as duas pessoas mais eminentes que sofreram a morte nessa época: Justino e Policarpo.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

O Início do Segundo Período da História da Igreja (por volta do ano 167 d.C.)

O reinado de Aurélio é marcado, sob a providência de Deus, por muitas e grandes calamidades públicas. Vemos a mão do Senhor em amor fiel castigando Seu próprio povo redimido e amado, mas Sua ira se acendia contra seus inimigos. O exército oriental, sob comando de Lúcio Vero, ao retornar da guerra contra os partos, trouxeram a Roma uma doença pestilenta que estava se espalhando pela Ásia, e que logo espalhou seus estragos por quase todo o Império Romano. Houve também uma grande inundação no Tibre, que deixou uma grande parte da cidade debaixo da água, e varreu imensas quantidades de grãos dos campos e armazéns públicos. Esses desastres foram naturalmente seguidos por uma fome que consumiu uma grande quantidade de pessoas.

Tais eventos não podiam deixar de aumentar a hostilidade dos pagãos contra os cristãos. Eles atribuíam todos os seus problemas à ira dos deuses, e supunham que a nova religião é que os tinha provocado. Foi assim que a perseguição aos cristãos no Império Romano começou pela população. O clamor contra eles se levantou por parte do povo e dos governantes. "Lancem os cristãos aos leões!" "Lancem os cristãos aos leões!" era o clamor geral: e assim os nomes dos mais proeminentes na comunidade eram exigidos com a mesma hostilidade incontrolável. Um fraco e supersticioso magistrado tremia diante da voz do povo, e se rendia como instrumento de sua vontade.

Mas vamos agora olhar mais de perto, sob a direção das várias histórias que temos ao alcance, para o modo como se dava essas perseguições, e para o comportamento dos cristãos sob elas.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

O Fim do Primeiro Período e o Início do Segundo

Pode-se dizer que a condição "efesiana" da igreja - isto é, a condição da igreja sob a luz da carta à igreja de Éfeso (Apocalipse 2:1-7) - terminou com a morte de Antonino Pio, no ano 161. E a condição "esmirniana" - isto é, a condição da igreja sob a luz da carta à igreja de Esmirna (Apocalipse 2:8-11) - parece ter começado com o reinado de Marco Aurélio. A perseguição na Ásia irrompeu com grande violência no ano 167, sob os novos decretos desse Imperador; e Esmirna, especialmente, sofreu grandemente: o justamente estimado Policarpo, bispo de Esmirna, sofreu o martírio nesse tempo. Mas, a fim de provar o ponto de vista que tomamos, será necessário dar uma olhada brevemente nas cartas às igrejas de Éfeso e Esmirna.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

Os Reinados de Adriano e dos Antoninos (do ano 117 ao 180 d.C.)

Embora seria injusto classificar Adriano e o primeiro Antonino com os sistemáticos perseguidores da igreja, ainda assim os cristãos foram expostos aos mais violentos sofrimentos e morte durante o domínio deles. O costume cruel de atribuir todas as calamidades públicas aos cristãos, e de pedir pelo sangue deles como expiação para as divindades ofendidas, continuavam, e eram geralmente cedidas pelos governantes locais, e não controladas pelos indiferentes imperadores. Mas sob o reinado do segundo Antonino, Marco Aurélio, o espírito maligno da perseguição aumentou drasticamente. Não era mais confinada às explosões da fúria popular, como também era encorajada pelas mais altas autoridades. A tímida proteção que os decretos ambíguos de Trajano, Adriano e dos Antoninos proporcionavam aos cristãos foi retirada, e as excitadas paixões dos pagãos idólatras não foram refreadas pelo governo. É de grande interesse para o estudante da história da igreja ver como isso podia acontecer sob o reinado de um príncipe que se distinguia pela aprendizagem, filosofia e suavidade geral de caráter.

Os últimos sessenta anos de relativa paz tinha aberto um amplo campo para a propagação do evangelho. Durante esse período houve rápido progresso de muitas maneiras. As congregações cristãs aumentaram em número, influência e riqueza por quase todos os cantos dos domínios romanos. Muitos dos ricos, sendo cheios do amor divino, distribuíam o que tinham aos pobres, viajavam para regiões que ainda não tinham ouvido o som do evangelho e, tendo ali plantado o cristianismo, seguiam para outros países. No entanto, o Espírito Santo não podia trabalhar sem despertar os ciúmes e agitar toda a inimizade dos apoiadores da religião nacional. Aurélio viu com maus olhos o poder superior do cristianismo sobre as mentes dos homens comparado com sua própria filosofia pagã. Ele se tornou, então, um intolerante perseguidor, e encorajou as autoridades provinciais a esmagar o que ele considerava um obstinado espírito de resistência a sua autoridade. Mas o evangelho da graça de Deus estava muito além do alcance de Aurélio, e nem sua espada nem seus leões poderiam prender sua triunfante carreira. Apesar das sangrentas perseguições que ele excitava ou sancionava, o cristianismo era propagado por todo o mundo conhecido.

Mas aqui devemos fazer uma breve pausa para olhar a nossa volta. Há algo muito mais profundo na mudança do governo em relação à igreja do que o mero olhar histórico pode discernir. Cremos estar chegando ao fim do primeiro período e início do segundo período da igreja na terra.

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