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domingo, 24 de junho de 2018

A Introdução da Lei Canônica na Inglaterra

Após repetidas tentativas e falhas, da parte do papa, de introduzir um poder legatino* na Inglaterra, isso foi finalmente alcançado durante o reinado de Estêvão, em 1135 d.C. Era algo inteiramente novo no país e extremamente ousado da parte de Roma. Mas como isso diz respeito a uma época distinta e importante na história da igreja inglesa, devemos cuidadosamente tomar nota da mudança. E aqui, para assegurar precisão, citaremos algumas passagens de nosso historiador da área do direito inglês, Tomás Greenwood, livro 12, vol. 5.

{* N. do T.: poder legatino é um poder delegado a uma pessoa por outra, no caso, do papa a um legado. } 

"A publicação e adoção dos decretos isidorianos mudou a ordem e distribuição dos poderes eclesiásticos. Toda função de administração eclesiástica tornou-se investida no clero, ou, o que era a mesma coisa, no papa de Roma como seu chefe supremo. A autoridade do Estado em todos os assuntos dos eclesiásticos, mesmo que remotamente conectados com a vida e costumes, seculares e espirituais, foi veementemente denunciado e repelido: as posses deles foram pronunciados como sagrados e inalienáveis; seus deveres não se submetiam a qualquer censura além daquelas de seus oficiais superiores, e tornaram-se isentos da jurisdição ou punição secular; toda interferência por parte do príncipe ou pessoa secular na nomeação de bispos, sacerdotes ou incumbentes espirituais, foi declarada como sendo de natureza de simonia. Embora esses princípios da legislação da igreja tenham sido cumpridos em poucos exemplos de maneira plena e prática, eles foram recebidos sem contradição, e parcialmente adotados pelo clero da França, da Itália e da Alemanha. Na Normandia, uma completa separação entre a jurisdição secular e eclesiástica já tinha acontecido. Na Inglaterra, no entanto, até então os únicos cânons conhecidos pelo clero ou pelos leigos eram aqueles pronunciados pela própria igreja nacional, com o consentimento e concordância do soberano... Os esforços dos bispos romanizadores da Inglaterra, após a conquista, foram constantemente voltados em direção à introdução dos mais importantes artigos do código isidoriano; mais especialmente no que diz respeito à emancipação da propriedade e dotes da igreja de sua dependência da coroa ou da ordenança secular, e das pessoas e causas de oficiais da interferência dos juízes do rei..."

"As primeiras ordenanças de Guilherme, o Conquistador, para a separação dos tribunais eclesiásticos dos tribunais leigos nunca foram realizados até o ponto de isentar os eclesiásticos da responsabilidade perante a lei. Mas é também verdade que ambos o Conquistador e seus sucessores, até João, esforçaram-se em manter um meio termo entre o canonismo e a prerrogativa do rei. Em sua prontidão em estar sempre bem com a corte de Roma, eles frequentemente tomavam passos que colocavam em perigo sua segurança, mas certamente nunca mudavam de sua base antiga, da lei da terra, ou dos direitos da coroa. Na amarga disputa entre o arcebispo Anselmo da Cantuária e Henrique I, este manteve seu direito de determinar quais dos dois rivais pretendentes ao papado o clero de seus domínios deveria reconhecer. E quando Anselmo, sem o consentimento do rei, insistiu na transferência de sua lealdade espiritual para Urbano II, em preferência ao seu rival Clemente III, Henrique, sem rodeios, o informou de que 'ele não conhecia qualquer lei ou costume que tratasse, sem a licença do rei, de estabelecer um papa próprio sobre o reino da Inglaterra; e que qualquer homem que presumisse tirar de suas mãos a decisão quanto a essa questão teria o mesmo direito de tomar a coroa de sua cabeça!'..."

"A disputa entre Henrique e Anselmo foi longa e obstinada. O bispo fugiu para Roma; o rei confiscou os poderes seculares de sua Sé. Enquanto a disputa estava ainda indecidida, um oficial papal apareceu na costa do país anunciando-se como o legado da corte de Roma, sobre quem foi confiado o poder  legatino vindo do papa sobre toda a Inglaterra. Mas o rei tomou como prerrogativa especial de sua coroa aceitar ou rejeitar ao seu bel-prazer tais interferências, considerando ser nada mais do que a tentativa do governo eclesiástico por parte de um príncipe estrangeiro; e o legado foi, então, mandado embora sem ter sido admitido na presença do rei. Cerca de quinze anos depois, o mesmo papa fez uma segunda tentativa de introduzir um legado extraordinário no reino, mas sem melhor sucesso... Uma terceira tentativa do mesmo pontífice foi igualmente mal sucedida. Foi, de fato, nessa época, que ficou muito bem entendido que a lei e o costume da Inglaterra repudiava a comissão legativa como uma interferência ilegal no curso normal do governo eclesiástico, que a lei comum tinha colocado sob a superintendência do soberano."

Mas após a morte do sábio e capaz Henrique I, em 1135, o astuto e perseverante papa -- Alexandre III -- foi mais bem sucedido. No reinado de Estêvão, um monarca fraco, um legado de Roma conseguiu entrar na ilha da Inglaterra. Os clérigos anglicanos compreenderam totalmente a tendência do movimento, e um sínodo realizado em Londres protestou, na presença do legado, contra a presunção de um padre estrangeiro na tomada da cadeira presidencial sobre os arcebispos, bispos, abades, e sobre toda a nobreza de todo o reino da Inglaterra. O protesto, no entanto, permaneceu sem efeito. Um espírito tímido e que se desenvolveria com o tempo estava formigando no coração da igreja anglicana. A ignorância prevalecente da massa de pessoas, o caráter secular do clero, o estado miserável de todo o país durante o reinado de Estêvão, tudo isso favoreceu as sistemáticas invasões do partido romanizador sobre a prerrogativa da coroa e as liberdades da igreja nacional. Os bispos anglo-normandos, na época, eram barões em vez de clérigos, seus palácios eram castelos, seus vassalos pegavam em armas: quase todos usavam armas, se misturavam na guerra, e se entregavam a todas as crueldades e exações da guerra. Tal era o clero da Inglaterra quando Henrique II subiu ao trono em 1154. A oposição de Becket a esse rico e poderoso rei lança uma luz mais clara sobre a ambição secular de Roma do que qualquer dos conflitos que já recordamos. 

sábado, 4 de novembro de 2017

Papa Urbano e as Cruzadas

Em março de 1095, um concílio foi convocado para se reunir com Urbano em Placentia, a fim de realizar uma consulta sobre a guerra santa e outros assuntos importantes. Duzentos bispos, quatro mil clérigos e trinta mil leigos compareceram; e, como não havia edifício grande o suficiente para conter a vasta multidão, as sessões maiores foram realizadas em um campo próximo à cidade. Além do projeto da guerra santa, o papa abraçou a favorável oportunidade de confirmar as leis e afirmar os princípios de Gregório. E ali em Placentia a sanção final foi dada às duas características mais fortes nas doutrinas e na disciplina da igreja romana -- a saber, a transubstanciação e o celibato do clero.*

{* Waddington, vol. 2, p. 102.}

Em novembro do mesmo ano, outro concílio foi convocado para se reunir com o papa em Clermont, na Auvérnia. As citações a esse concílio eram urgentes, e o clero foi encarregado de excitar os leigos na causa da cruzada. Uma vasta assembleia de arcebispos, bispos, abades, etc. foi reunida, as cidades e vilas vizinhas se encheram de estranhos, enquanto muitos foram obrigados a alojar-se em barracas. A sessão durou dez dias. Foram tratados os cânones usuais referentes à condenação da simonia, etc. Urbano se aventurou a avançar um passo além de Gregório, ao proibir não apenas a prática da investidura laica, como também proibindo que qualquer eclesiástico devesse jurar fidelidade a um senhor secular -- uma proibição que pretendia acabar com qualquer dependência da igreja ao poder secular. Assim vemos o astuto papa aproveitando cada vantagem de sua extrema popularidade, enquanto as mentes de todos estavam absorvidas com o assunto da vez: a santa cruzada. Nenhum momento poderia ser mais favorável para o avanço do grande objeto de ambição papal: a supremacia reconhecida sobre a Cristandade latina; ou a elevação do próprio Urbano sobre o papa rival Clemente*, assim como sobre os soberanos seculares que o apoiavam.

{* N. do T.: também conhecido como antipapa Clemente III.}

Na sexta sessão a cruzada foi proposta. Urbano subiu em um alto púlpito no mercado e dirigiu-se às multidões reunidas. Sua discurso foi longo e excitante. Ele falou sobre as glórias antigas da Palestina, onde cada pedaço de chão tinha sido santificado pela presença do Salvador, pela Sua Virgem Mãe, e por outros santos. Ele se alongou sobre a presente condição do território sagrado -- possuído por um povo ímpio, os filhos da serva egípcia; sobre as indignidades, os atentados, a tirania  que infligiram aos cristãos redimidos pelo sangue de Cristo. Ele também não se esqueceu de falar das progressivas invasões dos turcos sobre a cristandade. "Lancemos fora a escrava e seu filho", clamou ele, "Que todos os fiéis armem-se. Ide adiante, e Deus estará convosco. Redimi vossos pecados -- vossa rapinagem, vossos incêndios, vossos derramamentos de sangue -- pela obediência. Que as famosas nações dos francos demonstrem seu valor em uma causa onde a morte é a certeza da bem-aventurança. Considerai uma alegria morrer por Cristo onde Cristo morreu por vós. Não pensai nos parentes ou no lar; vós deveis a Deus um amor maior, pois para um cristão qualquer lugar é exílio, qualquer lugar lhes é lar e país". O egoísta papa não deixou de apelar para uma paixão sequer. Mas seu verdadeiro desígnio e grande objetivo era dispor de barões rebeldes e monarcas obstinados, envolvendo-os em uma distante e ruinosa expedição, e, na ausência deles, reunir em suas próprias mãos todas as linhas desse grande movimento e consolidar os elevados esquemas de seu predecessor e mestre, Hildebrando.

Concluindo, o papa blasfemo ofereceu absolvição para todos os pecadores -- os pecadores de assassinato, adultério, assalto, incêndio criminoso -- e isso sem penitência a todos que tomassem as armas nessa causa sagrada. Ele prometeu vida eterna a todos os que sofressem a gloriosa calamidade da morte na Terra Santa, ou até mesmo em seu caminho até lá. Os cruzados passariam imediatamente para o paraíso. A grande batalha entre a Cruz e a Crescente* seria decidida para sempre no solo da Terra Santa. Em relação a ele próprio, como ele mesmo disse, ele devia permanecer em casa; o cuidado da igreja o detinha. Se as circunstâncias permitissem, ele seguiria, porém, como Moisés, enquanto eles estivessem matando os amalequitas, ele estaria perpetuamente engajado em fervente e prevalecente oração pelo sucesso deles.**

{* N. do T.: a [lua] crescente símbolo do islamismo }

{** Robertson, vol. 2, p. 630; Milman, vol. 3, p. 233; Waddington, vol. 2, p. 77.}

O discurso do papa foi interrompido por uma entusiástica exclamação de toda a assembleia: "Deus o quer! -- Deus o quer!", palavras que mais tarde se tornariam o grito de guerra dos cruzados, e toda a assembleia declarou-se o exército de Deus. O contagioso frenesi se espalhou com uma rapidez inconcebível. "Nunca, talvez", disse alguém, "um único discurso de um homem operou resultados tão extraordinários e duradouros como o de Urbano II no Concílio de Clermont". "Foi a primeira explosão de fanatismo", disse outro, "que sacudiu toda o tecido da sociedade, desde as extremidades do Ocidente até o coração da Ásia, por mais de dois séculos".

Tendo assim declarado de forma tão clara e concisa quanto possível as causas ostensivas das Cruzadas, ou melhor, os motivos do papado, precisamos apenas falar mais um pouco sobre algumas datas e sobre mais alguns detalhes de cada expedição.

domingo, 3 de setembro de 2017

Reflexões sobre a Luta entre Henrique e Gregório

Temos apresentado, assim, um relato mais detalhado do que o usual sobre a luta entre Gregório e Henrique, de modo que o leitor possa ter diante de si uma amostra justa do espírito e das obras do papado na Idade Média. E que saibamos que seu espírito nunca muda: suas obras podem mudar, de acordo com o poder e as oportunidades do papa reinante. Como era antes, assim ainda é, e sempre será o mesmo. Nenhum idioma é capaz de exagerar a blasfêmia, crueldade e tirania do papado; e o mesmo espírito permeia, mais ou menos, em cada membro de sua comunidade. Pois qual, pode-se perguntar, em termos simples, foi o crime que Henrique cometeu para ter trazido sobre si uma perseguição tão implacável durante sua vida e até mesmo após sua morte? O leitor deve se lembrar que a disputa surgiu sobre o assunto das investiduras.

O direito tradicional dos monarcas de ter uma voz na indicação de bispos e dignatários da igreja em seus domínios era reconhecido por séculos. Com não pouca frequência eles nomearam cargos à Sé de Roma assim como a outros bispados em seus domínios. Até mesmo o próprio Hildebrando esperou pacientemente até que sua própria eleição recebesse a ratificação legal do imperador. Mas mal ele foi posto no trono pontifício e já escreveu uma carta insultante ao imperador, ordenando que se abstivesse da simonia e renunciasse ao direito de investidura pelo anel e pelo báculo. Henrique, em autodefesa, afirmou as prerrogativas que seus predecessores tinham exercido sem questionamentos, especialmente desde os dias de Carlos Magno. Gregório então trovejou uma sentença de excomunhão contra ele, libertou seus súditos de seus juramentos de fidelidade, e o declarou deposto por desobediência. O papado então tirava sua máscara, e o mundo já não podia mais ter dúvida sobre os objetivos do poder espiritual. Mas tão grande era a ignorância do período que as pretensões mais selvagens encontraram muitos apoiadores, e tão supersticioso era o povo que foi convencido a acreditar que todos os que levantassem armas contra o rei excomungado deveriam ser considerados os campeões da fé.

Essa foi toda a ofensa de Henrique contra o papado. Esta foi a causa de tanto derramamento de sangue e sofrimento: o implacável padre não cederia em nenhum ponto, o imperador lutou por seus direitos tradicionais, e assim uma grande luta continuou até que a morte fechasse a cena.

domingo, 20 de agosto de 2017

Gregório e Henrique IV

O olho perspicaz do vigilante pontífice tinha, por muito tempo, observado o espírito e os movimentos de toda a Cristandade. Ele era bem familiarizado com a vida moral e política e a força e as fraquezas de todas as nações. Ele pode ser visto na guerra espiritual ao lado dos fortes e dobrando toda a sua força contra os fracos. Ele fala com desdém do fraco rei da França, e reivindica o tributo como um direito antigo. Carlos Magno, dizia ele, foi o colecionador de papas, e concedeu a Saxônia ao apóstolo. Mas para o temido Guilherme da Inglaterra e Normandia sua linguagem é cortesã. O altivo normando manteve sua independência teutônica, criou bispos e abades ao seu bel-prazer, foi senhor absoluto sobre seus eclesiásticos assim como sobre seus senhores feudais.*

{*Cristianismo Latino, de Milman, vol. 3, p. 121.}

Na Espanha e nações do norte, Gregório foi mais suntuoso e bem-sucedido, mas foi contra o império que ele concentrou todas as suas forças, e resolveu medir a força do papado com todo o poder de Henrique. Se ele pudesse humilhar o maior e mais orgulhoso dos monarcas -- o sucessor dos Césares -- a vitória viria sobre todos os outros soberanos.

A juventude e inexperiência de Henrique, as desmoralizantes tendências de sua educação, a revolta dos príncipes germânicos, e os problemas que muitas vezes afligem um país durante uma minoria, encorajou o ousado sacerdote em seus projetos. As decisões do concílio, ocorrido em 1074, contra o pecado universal da simonia e do casamento do clero, foram devidamente comunicadas ao imperador. O astuto papa abraçou a oportunidade de assumir a maior amizade para com Henrique. Ele o admoestou como um pai a retornar ao seio de sua mãe, a santa igreja romana, para governar o império de uma maneira mais digna, para se abster de apresentações simoníacas de benefícios, e para render a devida lealdade ao seu superior espiritual.

O imperador recebeu o legado do papa com cortesia, elogiou seu zelo pela reforma da igreja, e estava completamente mais submisso em seu tom. Mas Gregório não ficou satisfeito com o louvor e o arrependimento aparente. Ele agora desejava permissão, como o árbitro supremo dos assuntos da Alemanha, para convocar concílios ali, pelos quais aqueles acusados de simonia pudessem ser condenados e depostos. Mas nem Henrique nem os bispos concederiam licença aos legados do papa para reunir um concílio na Alemanha para tal propósito. O clero temia sua severa inquisição sobre seus títulos, e o imperador temia que seu próprio patrocínio fosse reduzido. Mas o zelo impaciente do ambicioso padre não toleraria atrasos nem se submeteria a qualquer oposição.

No ano seguinte (1075), ele convocou um segundo concílio em Roma, e procedeu às medidas que ele tinha pretendido cumprir pelos sínodos na Alemanha. À frente de seu clero romano, com homens que se comprometeram a sua causa por interesse e orgulho, ele determinou-se, acima de qualquer risco, a atacar a raiz de todos os abusos compreendidos sob o odioso nome da simonia. Nessa ocasião ele excomungou alguns dos favoritos de Henrique; ele depôs o arcebispo de Bremen e os bispos de Estrasburgo, Espira e Bamberga, além de alguns bispos lombardos, e cinco da corte imperial, cuja assistência o imperador tinha usado na venda de benefícios. Ele também decretou que "qualquer que conferisse um bispado ou abadia, ou que recebesse uma investidura das mãos de qualquer leigo, deveria ser excomungado". Henrique novamente professou uma medida de penitência, reconheceu a existência da simonia, e suas intenções futuras para desencorajar a prática, mas que ele próprio não pudesse por quaisquer meios ser induzido a desistir do poder de nomear bispos e abades, e da investidura tão intimamente conectada com esse poder. Gregório, por outro lado, exasperado pela desobediência do rei, e por nomear a Sé de Milão e outros bispados sem aguardar a decisão da Sé apostólica, enviou-lhe a mais autoritária convocação para comparecer a Roma, para responder por todas as suas ofensas diante do tribunal do papa, e diante de um sínodo de eclesiásticos; se ele se recusasse ou demorasse, deveria imediatamente sofrer a sentença da excomunhão. O dia 22 de fevereiro foi o dia indicado para seu comparecimento.

"Assim o rei", diz Milman, "o vitorioso rei dos alemães, foi solenemente citado como um criminoso, para responder a acusações indefinidas, para ser passível de leis que o juiz assumiu o direito de decretar, interpretar e impor. Todos os assuntos do império deveriam ser suspendidos enquanto o rei estivesse diante da barreira de seu imperioso árbitro; nenhum atraso era permitido; a alternativa severa e imutável era a humilde e instantânea obediência ou a sentença que envolvia a deposição do império e a perdição eterna".

O imperador, que era um príncipe exultante e de um temperamento ardente, ficando extremamente indignado com esse mandado, tratou-o como um insulto atrevido e imediatamente convocou uma convenção de bispos alemães em Worms. Seu objetivo era depor o papa que tinha assim declarado guerra, até a morte, contra ele. Esses clérigos, depois de passarem por muitas censuras sob a conduta de Hildebrando [Gregório], o pronunciaram como indigno de sua posição, o depuseram e marcaram uma reunião para a eleição de um novo pontífice. Gregório, ao receber a sentença pelos mensageiros e cartas do rei, não ficou menos perturbado por denúncias tão vazias. Em uma assembleia cheia, com 110 bispos, ele suspendeu os eclesiásticos que tinham votado contra ele. Ele então pronunciou a excomunhão do imperador, declarando "que ele perdeu os reinos da Alemanha e da Itália, e que seus súditos estavam absolvidos de seu juramento de fidelidade".

domingo, 9 de julho de 2017

O Surgimento e o Progresso da Simonia

Enquanto a igreja era pobre, perseguida e desprezada pelo mundo, não havia compradores de benefícios. Quando um homem perdia seu status mundano ao se tornar um cristão, e expunha-se à prisão e morte, qualquer tráfico de preferências eclesiásticas era desconhecido. Mas após a união da igreja com o Estado, e quando a riqueza do mundo começou a fluir para os cofres da igreja, houve uma grande tentação para entrar na ordem sagrada pelos privilégios e imunidades que isto assegurava. A simonia tornou-se, então, a inevitável consequência do rico dote das maiores Sés.

Nos primeiros dias do episcopado o bispo era eleito pelo clero e pelo povo de sua diocese, mas no decorrer do tempo as eleições episcopais tornaram-se tão importantes que os senhores leigos, e até mesmo os soberanos, eram tentados a interferir, e a finalmente estabelecer e reivindicar o privilégio da nomeação. O próprio Carlos Magno deu o exemplo ao empurrar seus filhos naturais às mais elevadas dignidades eclesiásticas. O privilégio assim usurpado era logo abusado. Os mais importantes cargos e ofícios, ou eram concedidos aos favoritos, ou publicamente vendidos ao melhor postor, sem consideração pelos interesses da religião, santidade de caráter, ou mesmo qualificações literárias.

A prática universal do feudalismo de dar presentes ao soberano, ou ao senhor vassalo, em todo ato de promoção, era seguida pelos eclesiásticos. Quando um bispo ou abade morria, era comum, em primeiro lugar, comunicar a vacância à corte, e então o anel ou o báculo do prelado ou abade falecido era colocado nas mãos de um superior temporário. O próximo bispo ou abade indicado era obrigado pelo costume geral a apresentar um presente ou reconhecimento; isso necessariamente levava a uma transação que assumia o caráter de uma barganha e venda. O presente ou oferta, que no início era aceito como honorário e voluntário, foi com o tempo exigido como um preço com ganância sem escrúpulos. A isso estava conectada a famosa questão da investidura. O anel, o símbolo de seu casamento com sua diocese; o báculo, o cetro de seu domínio espiritual. Esta investidura transmitia o direito às posses ou dotes seculares do benefício. Isso não presumia consagrar, mas permitia à pessoa consagrada executar seu ofício em uma certa esfera determinada, e sob a proteção e garantia do poder civil.

Muitas das Sés eram dotadas com direitos e royalties soberanos dentro de suas respectivas províncias. Bispados e abadias tinham crescido em principados e governos, e a esses príncipes eclesiásticos a maior parte dos ofícios e concílios do Estado tinham sido confiados. No sistema feudal, bispos tinham se tornado, em todos os aspectos, em posição igual aos dos nobres seculares. "Em toda cidade", diz Milman, "o bispo, se não o primeiro dos homens, estava no mesmo nível que o primeiro; além da cidade ele era senhor dos mais amplos domínios. Arcebispos quase se igualavam a reis; pois quem não teria cobiçado a classe e autoridade de um Hincmar, arcebispo de Reims, em vez do fraco monarca carlovíngio?"*

{*Cristianismo Latino, vol. 3, p. 105.}

Mas o clero superior não ficava em nenhum aspecto atrás dos leigos na prática corrupta da venda de ofícios espirituais sob seu patrocínio. Bispos e abades vendiam suas igrejas {*N. do T.: templo}, sem vergonha ou remorso, para que pudessem pagar suas despesas. Aquilo que tinha sido obtido por meios indignos era empregado para fins indignos. Tal era o terrível estado de coisas tanto na igreja quanto no Estado, e tal eram os motivos desprezíveis dos homens para entrar para as ordens sagradas, até que Hildebrando emitiu seu famoso decreto contra todas as práticas simoníacas, e contra todo o direito de investidura concedido por algum soberano secular, príncipe, nobre ou qualquer leigo.

sábado, 8 de julho de 2017

A Heresia Simoníaca

No século XI conta-se que o sistema feudal atingiu sua maturidade, e o pecado da simonia -- ou a venda de benefícios eclesiásticos -- atingiu o ápice de sua impiedade. Nesse período a história nos informa que, desde o papado até a menor cura paroquial, toda dignidade espiritual tinha seu preço em dinheiro  e tornou-se um objeto de troca ou venda. Mesmo o bispado de Roma era tão notoriamente comprado e vendido nessa mesma época que houve três papas simultâneos: Bento IX, que ficava em Latrão; Silvestre III, que tinha o Vaticano; e Gregório VI, que tinha Santa Maria. Mas as discussões eram tão vergonhosas, e tão feroz era a guerra entre os papas e seus amigos, que os italianos imploraram para que o imperador Henrique III fosse a Roma e examinasse as reivindicações conflitantes dos três pontífices. Um concílio ocorreu em Sutri, por volta do ano 1044, quando as imoralidades mais inéditas e a mais flagrante simonia foram provadas contra os papas diante de Henrique. Qual dos três a alta igreja considerava, então, o legítimo sucessor de São Pedro, isso não sabemos; mas não pode haver dúvida de que eles eram todos descendentes lineares de Simão, o Mago, que pensava que o dom de Deus podia ser comprado com dinheiro. Poucos, muito poucos, eram os verdadeiros descendentes de Simão Pedro, que deixou tudo o que tinha e seguiu a Jesus.

O mal se espalhou e toda a ordem clerical foi afetada, se não corrompida, pelo pecado prevalecente. Quando o bispo descobria que tinha gasto demais com sua Sé, ele naturalmente aumentava o preço das posições inferiores para indenizar a si mesmo. Assim os grandes prelados da igreja estavam envolvidos no mais degradante tráfico e especulações secularizantes. Nada podia ser mais baixo, e isso abriu a porta da igreja para os piores dos homens. Leigos, sem educação ou religião; bárbaros, sem civilização, compravam ordens sagradas, e forçavam sua entrada nas sagradas fileiras do sacerdócio, e é claro, traziam com eles a pior impiedade do mundo, e as maiores enormidades dos pagãos. A simonia tornou-se, assim, o pecado abrangente desse período, e cada vício surgiu naturalmente dele. Nos esforçaremos agora em verificar sua origem.

O Celibato e a Simonia

A promulgação desse decreto produziu, bem como concebeu, a maior agitação e angústia possíveis por toda a extensão da Cristandade. Até esse tempo, certo ou errado, o casamento tinha sido a regra, e o celibato a exceção. E a injustiça do decreto o tornou intolerável, pois o fez cair severamente da posição mais virtuosa para a mais viciosa e estigmatizou a todos como culpados de concubinato. Deixaremos que o leitor imagine o efeito de tal decreto em milhares e dezenas de milhares de famílias felizes. Os detalhes encheriam volumes. O decreto dissolveu os mais honráveis casamentos, rasgou o que Deus tinha unido, espalhou maridos, esposas e filhos, deu origem às mais lamentáveis discussões, e espalhou por todo lugar as piores calamidades. Esposas, especialmente, foram levadas ao desespero e expostas às mais amargas tristezas e vergonhas. Mas quanto mais veemente a oposição, mas altas as anátemas contra qualquer atraso na execução plenária dos comandos do pontífice. Os desobedientes eram entregues aos magistrados civis para serem perseguidos, privados de suas propriedades, e sujeitos a indignidades e sofrimentos de vários tipos. Parte de uma das cartas do papa fala sobre esse ponto: "Aquele cuja carne e sangue mover-se à dúvida ou ao atraso é carnal; este já está condenado; este não tem parte na obra do Senhor; este é um ramo podre, um cão estúpido, um membro cancroso, um servo infiel, um servo do tempo, e um hipócrita."

Mas como nenhum dos soberanos da Europa estavam dispostos a lutar pelas esposas do clero, o papa logo tinha todo o assunto sob seu controle, e muitos dos padres não lamentaram ser libertados das obrigações de seus maus caminhos.

Simonia*. O conflito decorrente da lei gêmea para a supressão da simonia era mais difícil de lidar; e, tendo sido prolongada por muitos anos, envolvia tanto a igreja quanto o Estado em muitas e grandes calamidades.

{*simonia: compra ou venda ilícita de coisas espirituais (como indulgências e sacramentos) ou temporais ligadas às espirituais (como os benefícios eclesiásticos). }

domingo, 2 de julho de 2017

Gregório VII e sua Reforma

Por volta do fim do primeiro ano oficial de Gregório como papa (março de 1074), ele reuniu um numeroso concílio em Roma, com o propósito de declarar guerra contra os dois grandes vícios do clero europeu, e os dois grandes obstáculos para seu esquema teocrático -- o concubinato e a simonia, isto é: o casamento de sacerdotes e a venda de benefícios. Muitos que eram favoráveis à reforma achavam o decreto quanto ao celibato não apenas severo, como também injusto, porque se aplicava igualmente aos mais honráveis casamentos e aos de maior desprezo. Foi resolvido no concílio, sem oposição: primeiro, que os padres não deveriam se casar; segundo, que aqueles que estavam casados deveriam deixar suas esposas ou renunciar ao sacerdócio; terceiro, que no futuro ninguém que não professasse continência inviolável deveria ser admitido às ordens sagradas.

Muitos dos primeiros pais se esforçaram para estabelecer a conexão entre o celibato e a santidade, e a persuadir os homens que aqueles que se casaram com a igreja deveriam evitar a contaminação de uma união terrena. Muitos dos papas também defenderam o celibato; mas, a não ser sob a mais severa disciplina pessoal ou nas comunidades monásticas mais estritas, o celibato era pouco observado e provavelmente nunca tenha sido forçado além das fronteiras da Itália. Mas Gregório fez sua voz ser ouvida e temida quanto a esse assunto, desde o Vaticano até os limites mais longínquos da Cristandade latina. Ele escreveu cartas a todos os arcebispos e bispos, aos príncipes, potentados e oficiais leigos de todos os níveis, sob pena de incorrerem em severa punição ou perdição eterna, para que expulsassem e depusessem, sem misericórdia, todos os padres e diáconos casados, e a recusar seus contaminantes ministérios. Esses despachos estavam cheios de anátemas (maldições) contra todos os que resistissem aos seus decretos; e, assumindo o lugar de Deus, ele diz: "Como obterão perdão por seus pecados aqueles que desprezam aquele que abre e fecha as portas do céu a quem ele se agrada? Que todos se cuidem de não invocarem a ira divina sobre suas próprias cabeças,... como eles incorrem na maldição apostólica, em vez de ganharem essa graça e bênção tão abundantemente derramada sobre eles pelo bendito Pedro! Que fiquem bem certos que nem príncipe nem clérigo escapará da condenação do pecador em deixar de expelir, com rigor inexorável, todos os padres simoníacos e casados, e todos os que ouvirem ao chamado da simpatia ou afeição carnal, ou por qualquer motivo mundano reterem a espada de derramar sangue pela causa de Deus e de Sua igreja, ou permanecerão distantes enquanto essas heresias condenadoras estiverem roendo os sinais vitais da religião,... estes devem ser considerados indiscriminadamente como cúmplices dos hereges, como falsificações e fraudes."*

{* Greenwood, Cathedra Petri, vol. 4, p. 331.}

sábado, 2 de abril de 2016

A Origem do Bispo Metropolitano

Igrejas assim constituídas e reguladas rapidamente se espalharam por todo o império. No gerenciamento de seus assuntos internos cada igreja era essencialmente distinta da outra, embora andassem em comunhão espiritual com todas as outras e as considerassem parte da única igreja de Deus. Mas, com o aumento do número de crentes e a extensão das igrejas, variações na doutrina e na disciplina surgiram, o que nem sempre podia ser resolvido nas assembleias individuais. Isto deu origem aos concílios, ou sínodos. Estes eram compostos principalmente por aqueles que tomavam parte no ministério. Mas quando os representantes das igrejas eram assim reunidos, logo se descobria que o controle de um presidente era necessário. A menos que haja respeito e submissão pela ação soberana do Espírito Santo na igreja, haverá anarquia sem um presidente. O bispo da capital da província era geralmente apontado para presidir, sob o elevado título de bispo metropolitano. Em seu retorno para casa era difícil deixar de lado essas ocasionais honrarias, então ele logo reivindicava para si o título pessoal e permanente de bispo metropolitano.

Os bispos e presbíteros, até por volta desse tempo, eram geralmente vistos como iguais, ou a mesma coisa, sendo os termos usados como sinônimos. Mas agora os bispos se consideravam investidos com poder supremo na direção da igreja, e estavam determinados a se manterem nessa autoridade. Os presbíteros se recusavam a lhes conceder essa nova e auto-assumida dignidade, e buscavam manter sua própria independência. Assim se ergueu a grande controvérsia entre os sistemas presbiterianos e episcopais, que continuam até hoje, e da qual poderemos tratar com mais detalhes mais adiante. Foi dito o suficiente para mostrar ao leitor o início de muitas coisas que ainda vivem diante de nós na igreja professa. Na consagrada ordem do clero será encontrada a semente da qual surgiu todo o sacerdócio medieval, o pecado da simonia {*N. do T.: simonia é a venda de "favores divinos"}, as leis do celibato, e a terrível corrupção da idade das trevas. *

{* Para mais detalhes, veja Neander, vol.1, p. 259; Mosheim, vol. 1, p. 91; Bingham, vol. 1.}

Tendo visto o que estava acontecendo dentro da igreja desde o início, e especialmente entre seus líderes, vamos agora continuar a história geral a partir da morte de Marco Aurélio.

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