sábado, 10 de outubro de 2015

Paulo Diante do Sinédrio

No dia seguinte ele "mandou vir o principais dos sacerdotes, e todo o seu conselho; e, trazendo Paulo, o apresentou diante deles." (Atos 22:30). A política de Lísias aqui é interessante. Ele é ativo em suprimir o tumulto; ele protege um cidadão romano; ele demonstra respeito para com a religião e costumes dos judeus. Esta mistura de política e cortesia em um romano arrogante, sob tais circunstâncias, é digna de um momento de reflexão, mas temos de prosseguir.

Paulo se dirige ao conselho com dignidade e seriedade, mas com uma evidente expressão de integridade consciente. "E, pondo Paulo os olhos no conselho, disse: Homens irmãos, até ao dia de hoje tenho andado diante de Deus com toda a boa consciência." (Atos 23:1). Este inabalável senso de retidão enfureceu tanto Ananias, o sumo sacerdote, que ele ordenou àqueles que estavam próximos a golpeá-lo na boca. Esta arbitrária violação da lei por parte do chefe do conselho despertou tanto os sentimentos do apóstolo, que ele destemidamente exclamou: "Deus te ferirá, parede branqueada; tu estás aqui assentado para julgar-me conforme a lei, e contra a lei me mandas ferir?" (Atos 23:3). É evidente que o sumo sacerdote não estava vestido de modo a ser reconhecido como tal. Portanto Paulo se desculpa por sua ignorância do fato, e cita a formal proibição da lei: "Não dirás mal do príncipe do teu povo" (Atos 23:5).

O apóstolo logo percebeu, como nos é dito, que o conselho estava dividido em duas partes - alguns eram fariseus e outros eram saduceus - e portanto clamou: "Homens irmãos, eu sou fariseu, filho de fariseu; no tocante à esperança e ressurreição dos mortos sou julgado." (Atos 23:6). Esta declaração, seja intencionalmente ou não, teve o efeito de dividir a assembleia, colocando um partido contra o outro. E tão ferozes suas dissensões se tornaram que alguns dos fariseus acabaram ficando do lado de Paulo, dizendo: "Nenhum mal achamos neste homem, e, se algum espírito ou anjo lhe falou, não lutemos contra Deus." (Atos 23:9). A sala de julgamento imediatamente se tornou cenário da mais violenta contenda, e a presença de Cláudio Lísias se fez absolutamente necessária. Paulo é mais uma vez levado recluso à fortaleza.

Assim se passou essa agitada manhã na história de nosso apóstolo. À noite, quando sozinho, será que o coração dele estava desanimado? Pelo que havia acontecido, e pela aparência sombria de tudo à sua volta, o apóstolo nunca esteve em maior necessidade de consolo e força que só a presença do Mestre concede. Mas quem poderia saber disso tão bem, ou poderia sentir tão profundamente pelo solitário prisioneiro como o Próprio Mestre? E assim Ele aparece na mais rica graça para confortar e animar o coração de Seu servo. Foi um conforto divinamente cronometrado. O Senhor apareceu-lhe, como tinha feito em Corinto, e como Ele mais tarde faria em sua viagem a Roma, "e disse: Paulo, tem ânimo; porque, como de mim testificaste em Jerusalém, assim importa que testifiques também em Roma." (Atos 18:9,10; 23:11; 27:23,24). Uma conspiração tramada por mais de quarenta homens para assassinar Paulo é descoberta, e todos os planos malignos, frustrados. Cláudio Lísias imediatamente convoca seus centuriões e soldados, dando-lhes ordens estritas de conduzir Paulo em segurança para Cesareia. Os detalhes sobre este assunto são relatados por Lucas com singular riqueza de detalhes (Atos 23:12-25).

domingo, 4 de outubro de 2015

O Discurso de Paulo nas Escadarias da Fortaleza

Para o tribuno ele tinha falado em grego; para os judeus ele fala em hebraico. Estes pequenos detalhes e considerações são as belas mesclas do amor e da sabedoria, e devem servir de lição para nós. Ele estava sempre pronto para vencer, ao "fazer-se tudo para todos, para por todos os meios chegar a salvar alguns." (1 Coríntios 9:22). Vemos os efeitos maravilhosos de sua influência sobre a massa enfurecida, assim como sobre o oficial comandante. No momento em que ele se dirige a eles, a cena toda muda. Ele acalmou o tumultuoso mar das paixões humanas pelo som de sua língua sagrada, que caiu como óleo sobre as águas agitadas, e então houve imediatamente "grande silêncio". Lemos sua nobre defesa, dirigida a seus irmãos e pais, por extenso em Atos 22:1-21.

Observa-se, ao ler o discurso, que seus compatriotas ouviam com grande atenção, enquanto ele falava a eles sobre sua vida passada, sua perseguição à igreja, sua missão a Damasco, sua miraculosa conversão, sua visão no templo, e sua conversa com Ananias. Mas no momento em que ele menciona sua missão aos gentios, uma explosão de indignação se levanta da multidão, silenciando o apóstolo. Eles não podiam suportar a ideia da graça de Deus se derramar sobre os gentios. Aquele odioso nome os levava à fúria. O orgulho nacional deles se rebelava contra a ideia de que pagãos incircuncisos pudessem ser feitos iguais aos filhos de Abraão. Eles gritavam com desdenhoso desprezo contra cada argumento, humano ou divino, que pudesse influenciar suas mentes. Em vão o apóstolo deu tanta ênfase sobre o que tinha acontecido entre ele e o devoto Ananias. Todo apelo era em vão quando se tratava dos gentios. Uma cena da mais selvagem confusão se seguiu. Eles arrancaram suas roupas, jogaram terra para o ar, "e levantaram a voz, dizendo: Tira da terra um tal homem, porque não convém que viva." (Atos 22:22)

O tribuno, vendo a violência frenética do povo, e não entendendo o que significava, foi lançado em nova perplexidade. Ele viu os resultados de um discurso na língua hebraica - que ele provavelmente não entendia - e, naturalmente concluindo que seu prisioneiro deveria ser culpado de algum crime terrível, ordenou que o prendessem e açoitassem para fazê-lo confessar sua culpa. Mas esse proceder foi imediatamente cancelado quando Paulo torna conhecido o fato de que ele era um cidadão romano.

Os soldados que estavam engajados em prendê-lo retiraram-se alarmados, e alertaram o governador quanto ao que ele estava fazendo. Lísias perguntou de pronto: "Dize-me, és tu romano? E ele disse: Sim. E respondeu o tribuno: Eu com grande soma de dinheiro alcancei este direito de cidadão. Paulo disse: Mas eu o sou de nascimento." (Atos 22:27,28). Lísias se encontrava agora em uma situação difícil, pois tinha violado uma lei romana. Expor um cidadão a tal indignidade era considerado traição contra a majestade do povo romano. Mas a única maneira de salvar a vida de Paulo era mantê-lo sob custódia, e ele felizmente pensou em um outro modo mais brando de determinar a natureza da ofensa de seu prisioneiro.

Paulo no Templo

De acordo com a proposta de Tiago e dos anciãos, Paulo agora prossegue ao templo com "os quatro homens que fizeram voto" (Atos 21:23). Então lemos: "Então Paulo, tomando consigo aqueles homens, entrou no dia seguinte no templo, já santificado com eles, anunciando serem já cumpridos os dias da purificação; e ficou ali até se oferecer por cada um deles a oferta." (Atos 21:26). Na conclusão do voto do nazireado a lei requeria que certas ofertas fossem apresentadas no templo. Estas ofertas envolviam um preço considerável, como podemos ver em Números 6; e era considerado um ato de grande mérito e piedade para um irmão rico prover estas ofertas para um irmão pobre, e assim permitir que ele completasse seu voto. Paulo não era rico, mas ele tinha um grande e terno coração, e ele generosamente comprometeu-se a pagar os custos para os quatro pobres nazireus. Tal prontidão da parte de Paulo em agradar alguns e ajudar outros deveria ter pacificado e conciliado os judeus e, provavelmente, teria se tão somente estivessem presentes os que estavam associados a Tiago. Mas isto teve um efeito oposto nos inveterados zelotes: eles ficaram apenas mais furiosos contra ele. A celebração da festa atraía multidões à cidade santa, de modo que o templo estava repleto de adoradores de todos os lugares.

Dentre esses judeus estrangeiros estavam alguns da Ásia, provavelmente alguns dos velhos antagonistas de Paulo em Éfeso, que ansiavam por uma oportunidade de se vingarem dele, que tinha anteriormente os derrotado. Perto do fim dos sete dias em que os sacrifícios deveriam ser ofertados, estes judeus asiáticos viram Paulo no templo, e imediatamente caíram encima dele, "clamando: homens israelitas, acudi; este é o homem que por todas as partes ensina a todos contra o povo e contra a lei, e contra este lugar; e, demais disto, introduziu também no templo os gregos, e profanou este santo lugar... E alvoroçou-se toda a cidade, e houve grande concurso de povo; e, pegando Paulo, o arrastaram para fora do templo, e logo as portas se fecharam." (Atos 21:28,30). A cidade toda estava agora em polvorosa, e a multidão correu furiosamente ao ponto de ataque. A multidão estava à beira da loucura, e se não fosse pelo zelo deles em não derramar sangue no lugar santo, Paulo teria sido feito em pedaços no mesmo instante. O objetivo deles agora era levá-lo para fora do recinto sagrado. Mas antes que os planos assassinos deles fossem executados, a ajuda do Senhor chegou, e eles foram inesperadamente interrompidos.

As sentinelas nos portões sem dúvida comunicaram imediatamente a guarnição romana, situada defronte do templo, de que havia um tumulto próximo à corte. O tribuno, Cláudio Lísias, imediatamente correu ele mesmo ao local, levando com ele soldados e centuriões. Quando os judeus viram o tribuno e os soldados romanos se aproximando, eles pararam de espancar Paulo. O governador, percebendo que era ele a causa de toda a agitação, prontamente o mandou prender com duas correntes, ou por correntes entre dois soldados. Veja Atos 12:6.

Tendo feito isto, Lísias prosseguiu a fazer um inquérito quanto à real causa do distúrbio, mas, como nenhuma informação certa podia ser obtida da ignorante e agitada multidão, ele ordenou que Paulo fosse levado à fortaleza. A desapontada massa agora vai atrás de sua vítima com enorme ímpeto. Eles viram ele sendo tirado de suas mãos, e pressionaram tão violentamente os soldados que Paulo foi levado em seus braços até para cima das escadas do fortaleza. Enquanto isso, gritos ensurdecedores se erguiam da multidão enraivecida abaixo, como fizeram cerca de trinta anos antes: "Fora com ele, fora com ele".

Neste momento de grande interesse, o apóstolo preservou grande presença de espírito, e perfeitamente controlou a agitação de seus sentimentos. Ele age prudentemente sem comprometer a verdade. Assim que alcançaram a entrada da fortaleza, Paulo dirige-se da maneira mais cortês ao tribuno, e diz: "É-me permitido dizer-te alguma coisa?", e ele disse: "Sabes o grego? Não és tu porventura aquele egípcio que antes destes dias fez uma sedição e levou ao deserto quatro mil salteadores?".  Mas Paulo lhe disse: "Na verdade que sou um homem judeu, cidadão de Tarso, cidade não pouco célebre na Cilícia; rogo-te, porém, que me permitas falar ao povo." (Atos 21:37-39). Por incrível que pareça, esse pedido lhe foi concedido. Paulo já tinha ganhado o respeito do governador romano. Mas a mão do Senhor estava nisso, Ele estava vigiando sobre Seu servo. Paulo havia jogado a si mesmo nas mãos de seus inimigos ao procurar agradar os crentes judeus. Mas Deus estava com ele, e sabia como livrá-lo de seu poder, e usá-lo para a glória de Seu próprio grandioso nome. (Atos 21:26-40)

sábado, 3 de outubro de 2015

O Fim dos Trabalhos de Paulo em Liberdade

Chegamos agora a uma questão importante, e a um ponto de virada na história de Paulo daqui para a frente. Iria ele direto para o ocidente, em direção a Roma, ou iria passar por Jerusalém? Tudo depende disso. Jerusalém também estava em seu coração. Mas se Cristo o tinha enviado tão longe, para os gentios, poderia o Espírito, da parte de Cristo, conduzi-lo a Jerusalém? Foi apenas aqui, acreditamos, que foi permitido ao grande apóstolo seguir os desejos de seu próprio coração, cujos desejos eram corretos e belos em si mesmos, mas não estavam de acordo com a mente de Deus naquele momento. Ele amava profundamente sua nação, e especialmente os santos pobres em Jerusalém; e, tendo sido muito mal representado ali, ele esperava provar seu amor pelos pobres dentre seu povo levando as ofertas dos gentios pessoalmente. "Assim que", diz ele, "concluído isto, e havendo-lhes consignado este fruto, de lá, passando por vós, irei à Espanha." (Romanos 15:28). Certamente isto era amável e louvável! Sim, mas isto vinha de um lado apenas, e este era o lado da natureza - da carne - e não do Espírito. "E, achando discípulos, ficamos ali sete dias; e eles pelo Espírito diziam a Paulo que não subisse a Jerusalém." (Atos 21:4). Isto parece claro o bastante, mas Paulo naquele momento se inclinou para o lado de suas afeições "pelos pobres do rebanho" em Jerusalém. Será que poderia haver um erro mais perdoável que este? Impossível! Foi seu amor pelos pobres, e o prazer de levar a eles as ofertas dos gentios, que o conduziu a passar por Jerusalém em seu caminho a Roma. No entanto, foi um erro, e um erro que custou a Paulo sua liberdade. Seu trabalhos em liberdade acabam aqui. Ele permitiu liberdade à sua carne, e Deus permitiu que os gentios o prendessem em correntes. Esta era a expressão de puro amor do Mestre para com Seu servo. Paulo era muito precioso para que o Senhor o deixasse sem a justa disciplina nessa ocasião. Também provaria que nem Jerusalém nem Roma poderiam ser a metrópole do cristianismo. Cristo, a Cabeça da igreja, estava no céu, e lá é o único lugar em que a metrópole do cristianismo deve estar. Jerusalém perseguiu o apóstolo, Roma o aprisionou e martirizou. No entanto, o Senhor estava com Seu servo para o seu próprio bem, para o avanço da verdade, para a bênção da igreja, e para a glória de Seu próprio grandioso nome.

Aqui podemos tomar a permissão para mais uma reflexão. Em quantas histórias, desde a quinta visita de Paulo a Jerusalém, essa cena solene tem sido reproduzida! Quantos santos têm sido amarrados com correntes de diferentes tipos, mas quem pode dizer para quê, ou para quem? Todos nós teríamos dito - se não iluminados pelo Espírito - que o apóstolo não podia ter atuado por um motivo mais digno ao passar por Jerusalém em seu caminho a Roma. Mas o Senhor não havia dito para ele fazer isso. Tudo depende disso. Quão necessário é ver, em cada estágio de nossa jornada, que temos a palavra de Deus para nossa fé, o serviço de Cristo para nossos motivos, e o Espírito Santo para nossa direção. Retornemos agora ao relato dos eventos.

Deixamos Paulo sentado com os anciãos na casa de Tiago. Eles tinham sugerido a ele um modo de conciliar os crentes judeus, e de refutar as acusações de seus inimigos. Deslealdade para com sua nação e com a religião de seus pais era a principal acusação levantada contra ele. Mas sob a superfície dos eventos exteriores, e especialmente tendo a luz das epístolas derramada sobre eles, descobrimos a raiz de toda a questão na inimizade do coração humano contra a graça de Deus. De modo a entender isso, devemos observar que o ministério de Paulo tinha um duplo caráter: (1) Sua missão era pregar o evangelho "a toda criatura debaixo do céu" - não foi apenas além dos limites do judaísmo, como também estava em perfeito contraste com esse sistema; (2) Ele era também o ministro da igreja de Deus, e pregava sua exaltada posição, e seus benditos privilégios, como estando unida a Cristo, o Homem glorificado no Céu. Essas verdades benditas serão vistas erguendo a alma do crente muito acima da religião da carne, sempre tão penosa - sempre tão abundante em ritos e cerimônias. Votos de jejum, festas, ofertas, purificações, tradições e filosofia, são todas excluídas como nada dignas diante de Deus, e opostas à própria natureza do cristianismo. Isto exasperava o judeu religioso com suas tradições, e o grego incircunciso com sua filosofia; e ambos se uniram para perseguir o verdadeiro portador deste duplo testemunho. E assim tem sido sempre. O homem religioso com suas ordenanças, e o homem meramente natural com sua filosofia, por um processo natural, prontamente se uniram em oposição ao testemunho de um cristianismo celestial. Veja Colossenses 1 e 2.

Se Paulo tivesse pregado a circuncisão, a ofensa da cruz teria cessado, pois isto teria dado lugar, e a oportunidade, de ser alguma coisa e fazer alguma coisa, e até mesmo de tomar parte com Deus em Sua religião. Isto era o judaísmo, e isto dava ao judeu sua preeminência. Mas o evangelho da graça de Deus se dirige ao homem como já perdido - como "morto em delitos e pecados" - e não tem mais respeito para com os judeus do que para com os gentios. Assim como o sol no firmamento, ele brilha para todos. Nenhuma nação, tribo, língua ou povo é excluído de seus raios celestiais. "Pregar o evangelho a toda criatura que está debaixo do céu" é a divina comissão e a esfera mais ampla do evangelista; ensinar aqueles que acreditam neste evangelho sua perfeição em Cristo é o privilégio e dever de cada ministro do Novo Testamento.

Tendo assim limpado o terreno quanto aos motivos, objetivos e posição do grande apóstolo, vamos agora traçar brevemente o restante de sua vida agitada. Chegou o tempo em que ele seria levado diante dos reis e governantes, e até mesmo diante do próprio César, por causa do nome do Senhor Jesus.

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