Mostrando postagens com marcador papa Gregório. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador papa Gregório. Mostrar todas as postagens

domingo, 18 de dezembro de 2016

As Características de um Monge Superior

Cria-se que um proficiente na piedade mística daqueles dias podia operar milagres, proferir profecias e desfrutar de visões divinas. Ele era tão cercado por uma espécie de santidade temerosa que ninguém ousava tocar no homem de Deus. Ele saía de sua cela como se viesse de um outro mundo, com ele mesmo e suas vestes cobertas de poeira e cinzas. Ele ousadamente repreendia os vícios dos reis, confrontava os mais cruéis tiranos, ameaçava o derrube de dinastias, e assumia um tom elevado de superioridade sobre todas as dignidades seculares.

Assim era Columbano. Com uma colônia de monges ele partiu de barco da Irlanda por volta do ano 590. Ele pretendia pregar o evangelho para além dos domínios francos, mas aportou na Gália. A fama de sua piedade chegou aos ouvidos de Guntram, rei da Borgonha, que o convidou a se estabelecer naquele país. Recusando a oferta do rei, o abade solicitou permissão para se retirar a algum ermo inacessível. Ele se estabeleceu nos Vosges. Por um tempo os missionário tiveram que suportar grandes dificuldades. Eles frequentemente tinham, por dias, nenhuma outra comida além de ervas selvagens, cascas de árvores e, provavelmente, peixes do córrego. Mas, gradualmente, eles causaram uma impressão favorável sobre as pessoas dos arredores. Todas as classes olhavam para eles com reverência. Provisões lhes eram enviadas, especialmente por aqueles desejosos de lucrar pelas orações daqueles homens santos. O suprimento era descrito como miraculoso. A piedade e poderes maravilhosos do abade logo reuniram muitos ao seu redor. Monastérios se ergueram em diferentes locais, e os devotos se aglomeravam para enchê-los.

Columbano presidiu como abade sobre todas essas instituições. Seu modo de governo foi provavelmente o mesmo que tinha em Bangor, na Irlanda. Embora seu deleite sempre fosse vagar pelos bosques selvagens, ou habitar por dias em sua caverna solitária, ele ainda exercia uma estrita superintendência sobre todos os monastérios que ele tinha formado. O trabalho, a dieta, a leitura, o tempo para oração, e o estabelecimento das punições eram todos ditados por ele mesmo. Com o tempo, ele caiu em disputas com seus vizinhos quanto ao dia de guardar a Páscoa. Ele escreveu sobre o assunto ao Papa Gregório e a Bonifácio, colocando a igreja de Jerusalém acima da de Roma, como sendo o local da ressurreição do Senhor. Ele também trabalhou em Meltz, Suíça e Itália. Após fundar muitos monastérios, ele morreu em Roma no ano 610.

O mais celebrado seguidor do grande abade foi seu conterrâneo São Galo, que o acompanhara em todo o seu destino; mas, ficando doente quando seu mestre passava pela Itália, não pôde mais segui-lo e foi deixado em Helvétia. Mais tarde, ele pregou ao povo em sua própria língua, fundou o famoso monastério que leva seu nome, e é honrado como o apóstolo da Suíça. Ele morreu por volta do ano 627. Da época de São Patrício até a metade do século XII a igreja na Irlanda continuou a afirmar sua independência de Roma, e a manter sua posição como um ramo vivo e ativo da igreja, sem possuir qualquer chefe (ou cabeça) terreno*. Vamos nos voltar agora para a Escócia.

{* Faiths of the World, de Gardner, vol. 1, p. 150.}

domingo, 4 de dezembro de 2016

A Superstição e a Idolatria de Gregório

Ambição misturada com humildade e superstição misturada com fé caracterizavam o grande pontífice. Esta estranha mistura e confusão era, sem dúvida, o resultado de sua falsa posição. É difícil entender como um homem de tão bom senso pôde se tornar tão degradado pela superstição a ponto de acreditar na operação de milagres por meio de relíquias, e recorrer a tais coisas para a confirmação da verdade das Escrituras. Mas a triste verdade é que, em vez de devotar-se aos interesses de Cristo, ele foi cegado pelo grande e absorvente objetivo: os interesses da igreja de Roma. Paulo podia dizer: "Uma coisa faço"; e também "Uma coisa sei". Primeiro, devemos saber que somos perdoados e aceitos; então, fazer as coisas que agradam a Cristo é o elevado e celestial chamado do cristão. "Para conhecê-lo, e à virtude da sua ressurreição, e à comunicação de suas aflições, sendo feito conforme à sua morte... Irmãos, quanto a mim, não julgo que o haja alcançado; mas uma coisa faço, e é que, esquecendo-me das coisas que atrás ficam, e avançando para as que estão diante de mim, prossigo para o alvo, pelo prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus" (Filipenses 3:10-14). Tal era, e deveria sempre ter sido, o espírito e o anelo do cristianismo. Mas o que encontramos ao final do sexto século? Qual era a "uma coisa" que Gregório tinham em vista? Claramente não eram as reivindicações de um Cristo celestial, e conformidade com Ele em Sua ressurreição, sofrimentos e morte. Podemos seguramente afirmar que o grande objetivo de sua vida pública foi estabelecer além de qualquer disputa o bispado universal de Roma. E para este fim, em vez de levar almas a deliciarem-se nos caminhos de Cristo, assim como nEle Próprio, o que Paulo sempre fez, ele buscava fazer avançar suas reivindicações da Sé Romana pela idolatria e corrupção. Nem mesmo o espírito de perseguição estava totalmente ausente.

O monasticismo, sob o patrocínio de Gregório, especialmente de acordo com as regras mais estritas de Bento, foi grandemente revivido e amplamente estendido. A doutrina do purgatório, respeito por relíquias, a adoração de imagens, a idolatria dos santos e dos mártires, o mérito das peregrinações a lugares santos, foram todos ensinados ou sancionados por Gregório, como coisas conectadas ao seu sistema eclesiástico. E temos de reconhecer que tudo isso são características inegáveis da atividade de Balaão e da corrupção de Jezabel.

Mas agora passemos ao século VII. A Idade das Trevas está próxima, e tenebrosa de fato ela é. O papado começa a assumir uma forma definida. E, como chegamos em nossa história ao final de uma era do cristianismo e ao começo de outra, podemos fazer uma pausa proveitosa por um momento para fazer um levantamento geral do progresso do evangelho em diferentes países.

Reflexões sobre a Missão de Agostinho e o Caráter de Gregório

Agostinho [de Cantuária] é mencionado por alguns historiadores como um cristão devoto, e seu empreendimento missionário como um dos maiores nos anais da igreja. Mas, sem querer diminuir um degrau sequer da grandeza do homem ou de sua missão, não podemos nos esquecer que as Escrituras são o único padrão verdadeiro de caráter e obras. Ali aprendemos que o fruto do Espírito é "amor, gozo, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fé, mansidão, temperança" (Gálatas 5:22). E, certamente, o grande clérigo não manifestou para com seus irmãos, os cristãos britânicos, a graça do amor, a paz, ou a conciliação; pelo contrário, ele era orgulhoso, imperioso, soberbo e vanglorioso.

Esses sérios defeitos em seu caráter não eram desconhecidos a Gregório, como ele diz, em uma carta endereçada a ele: "Eu sei que Deus tem realizado, através de você, grandes milagres entre o povo, mas lembremo-nos de que, quando os discípulos disseram com alegria ao divino Mestre: 'Senhor, pelo teu nome, até os demônios se nos sujeitam', Ele lhes respondeu: 'Alegrai-vos antes por estarem os vossos nomes escritos nos céus'*. Enquanto Deus assim emprega sua agência, lembre-se, meu querido irmão, de julgar a si mesmo secretamente por dentro, e conhecer bem o que você é. Se você ofendeu a Deus em palavras ou ações, preserve essas ofensas em seus pensamentos para reprimir a vanglória de seu coração, e considere que o dom de milagres não lhe é concedido por si mesmo, mas para aqueles cuja salvação você está trabalhando para conseguir". Em outra carta ele o alertou contra a "vaidade e pompa pessoal", e lembrou-lhe "que o pálio de sua dignidade devia ser usado no serviço da igreja, e não para ser colocado em competição com o púrpura real nas ocasiões estatais".

{* Lucas 10:17-20.}

Agostinho era totalmente inadequado para uma missão que requeria paciência e uma terna consideração pelos outros. A igreja britânica tinha existido por séculos, seus bispos tinham tomado parte em grandes concílios eclesiásticos e assinado seus decretos. Os nomes de Londres, York e Lincoln são encontrados nos registros do Concílio de Arles (314 d.C.), de modo que devemos, no mínimo, respeitar nos britânicos o desejo deles de aderirem à liturgia transmitida pelos seus ancestrais, e de resistir à suposição estrangeira da supremacia espiritual de Roma. Agostinho falhou completamente em se aproveitar das lições de humildade que tinha recebido de seu grande mestre, e assim tem menos motivo de reivindicação sobre nossa estima e admiração.

O grande clérigo Gregório, assim como seu grande missionário, não sobreviveu muito tempo após a conquista espiritual da Inglaterra. Desgastado por seus grandes labores e enfermidades, ele morreu no ano 604, assegurando a seus amigos que a expectativa da morte era seu único consolo, e pedindo-lhes que orassem por sua libertação dos sofrimentos corporais.

A conduta de Gregório durante os treze anos e seis meses em que foi bispo de Roma demonstra um zelo e uma sinceridade dificilmente igualada na história da igreja romana. Ele era laborioso e abnegado no que ele acreditava ser o serviço de Deus, e em seu dever para com a igreja e para com toda a humanidade. A coleção de suas cartas, quase 850 em seu número, carrega um amplo testemunho de sua capacidade e atividade em todos os assuntos dos homens, e em todas as esferas da vida. "De tratar com reis patriarcas ou imperadores sobre as mais elevadas preocupações da Igreja e do Estado, ele passava a dirigir o gerenciamento de uma fazenda, ou ao alívio de algum aflito peticionário em alguma dependência distante de sua Sé. Ele aparece como um papa, como um soberano, como um bispo, como senhorio. Ele toma medidas para a defesa de seu país, para a conversão dos pagãos, para a repreensão e reconciliação dos cismáticos", etc.*

{* J.C. Robertson, vol. 2, p. 4.}

Mas, não obstante as variadas excelências de Gregório, ele era profundamente infectado com os princípios e o espírito da época em que vivia. O espírito de Jezabel estava evidentemente trabalhando ainda em sua juventude. Em vão procuramos por qualquer coisa parecida com a simplicidade cristã na igreja de Deus dessa época. Não podemos duvidar da piedade do próprio Gregório; mas, como um eclesiástico, o que ele era? Envenenado até o fundo do coração pela grosseira ilusão das reivindicações universais da cadeira de São Pedro, ele não podia arriscar nenhum rival, como vemos em sua oposição determinada e amarga às pretensões de João, bispo de Constantinopla; e, o que era ainda mais tenebroso, vemos o mesmo espírito em sua exultação ao saber sobre o assassinato do imperador Maurício e sua família pelo cruel e traiçoeiro Flávio Focas, simplesmente porque Gregório presumiu que Maurício fosse culpado do que ele considerou heresia. Ao que parece, Maurício apoiou o que Gregório julgou ser usurpação da parte de João, ao assumir o título de bispo universal. Mas mesmo sancionar tal afirmação não era qualquer pequeno crime na mente do pontífice romano. E assim foi com Gregório. Quando a notícia da sangrenta tragédia chegou a seus ouvidos, ele se alegrou; pareceu a ele ser uma luz de dispensação providencial para a libertação da igreja de seus inimigos. As própria fontes de caridade parecem ter secado nos corações de todos os que já se sentaram em um trono papal, quando se tratava de rivais eclesiásticos. A justiça, a franqueza, a humanidade, e todo sentimento correto do cristianismo acabam cedendo às dominantes reivindicações da falsa igreja. Até mesmo Gregório se curvou e foi terrivelmente corrompido pela "mulher Jezabel" (Apocalipse 2:20).

A Hierarquia Católica Romana Formada na Inglaterra

Gregório, ao ouvir sobre o grande sucesso de Agostinho, enviou-lhe mais missionários, que carregaram com eles um número de livros, incluindo os Evangelhos, utensílios cerimoniais, vestimentas, relíquias, e o pálio que deveria investir Agostinho como Arcebispo da Cantuária. Ele também orientou-lhe que consagrasse doze bispos em sua província; e, caso achasse vantajoso para a propagação da fé, que estabelecesse outro metropolita em York, que deveria então ter autoridade de nominar outros doze bispos para os distritos nortenhos da ilha. Tais foram os rudimentos da igreja inglesa; e tal era a exagerada impaciência de Gregório pela supremacia eclesiástica, que ele estabelecia um plano de governo para locais antes de terem sido visitados pelos evangelistas.

"Na visão eclesiástica do caso", diz Greenwood, "a igreja anglo-saxônica era a filha genuína de Roma. Mas, além dos limites desse estabelecimento, nenhum direito de parentesco pode ser atribuído a ela dentro das ilhas britânicas. Uma numerosa população cristã ainda existia nos distritos nortenhos e ocidentais, cujas tradições não davam apoio à alegação romana de maternidade. O ritual e disciplina das igrejas britânicas, galesas e irlandesas diferiam em muitos pontos daquelas de Roma e dos latinos em geral. Eles celebravam a festa da Páscoa em conformidade com a prática das igrejas orientais, e na forma de tonsura*, assim como no rito batismal, ele seguiam o mesmo modelo: diferenças que, por si só, parecem suficientes para excluir toda a probabilidade de um pedigree puramente latino".**

{* N. do T.: Corte circular, rente, do cabelo, na parte mais alta e posterior da cabeça, que se faz nos clérigos; cercilho, coroa. Novo Dicionário da Língua Portuguesa, Aurélio Buarque de Holanda Ferreira.}

{** Cathedra Petri, livro 3, p. 215.}


Agostinho, então à frente da hierarquia composta de doze bispos, imediatamente fez a ousada tentativa de trazer a antiga igreja britânica sob a jurisdição romana. Através da influência de Etelberto ele obteve uma conferência com alguns dos bispos britânicos em um lugar que, naquela época, foi chamado de "carvalho de Agostinho", em Severn. Ali o clero romano e o britânico se encontraram pela primeira vez; e a primeira e imperiosa exigência de Agostinho foi: "Reconheçam a autoridade do bispo de Roma". "Desejamos amar todos os homens", eles humildemente responderam, "e qualquer coisa que fizermos por vocês, faremos também a este a quem chamam de Papa". Surpresos e indignados com sua recusa, Agostinho os exortou a adotarem os costumes romanos quanto à celebração da Páscoa, à tonsura e à administração do batismo, para que uma uniformidade de disciplina e adoração pudesse ser estabelecida na ilha. A isto eles positivamente se recusaram. Tendo recebido o cristianismo, primeiramente, não de Roma, mas do Oriente, e nunca tendo reconhecido a igreja romana como sua mãe, eles viam-se como independentes da Sé de Roma. Um segundo e um terceiro concílio foi realizado, mas sem melhores resultados. A Agostinho foi claramente dito que a igreja britânica não reconheceria homem algum como supremo na vinha do Senhor. O arcebispo exigiu, argumentou, censurou, realizou milagres; mas tudo sem efeito -- os britânicos eram firmes. Por fim, lhe disseram que eles não podiam se submeter nem à soberba dos romanos, nem à tirania dos saxões. Despertado à irada indignação pela quieta firmeza deles, o zangado sacerdote exclamou: "Se vocês não receberem os irmãos que lhes trazem paz, vocês receberão inimigos que lhes trarão guerra. Se vocês não se unirem conosco para mostrar aos saxões o caminho da vida, vocês receberão deles o golpe da morte". O arrogante arcebispo retirou-se, e supõe-se que tenha morrido pouco tempo depois, em 605 d.C., mas sua profecia de mal agouro cumpriu-se logo após sua morte.

Edelfrido
, um dos reis anglo-saxões, ainda um pagão, juntou um numeroso exército e avançou em direção a Bangor, o centro do cristianismo britânico. Os monges fugiram em grande alarme. Cerca de 1250 deles se refugiaram em um local afastado, onde concordaram em continuar juntos em oração e jejum. Edelfrido se aproximou e, ao ver um número de homens desarmados, perguntou quem eram. Ao dizerem-lhe que eram os monges de Bangor que tinham vindo a orar pelo sucesso de seus conterrâneos: "Então", ele clamou, "embora não tenham armas, estão lutando contra nós"; e ordenou a seus soldados que caíssem sobre os monges em oração. Cerca de 1200, conta-se, foram mortos, e apenas cinquenta escaparam em fuga. Assim o domínio de Roma começou na Inglaterra, o que continuou por quase mil anos.

Se Agostinho tinha realmente algo a ver com o assassinato dos monges, parece difícil dizer. Aqueles que tomam uma forte visão protestante do caso afirmam claramente que seus últimos dias foram ocupados em fazer arranjos para o cumprimento de sua própria ameaça. Outros, que tomam uma visão oposta, negam que haja qualquer evidência de que ele influenciou os pagãos para a terrível tragédia. Mas, seja como for, uma suspeita tenebrosa deve sempre pairar sobre a política de Roma. As próprias palavras vingativas de Agostinho, e toda sua história, confirmam a suspeita. Tal era a natureza da intolerante Jezabel -- quando o argumento falhava, ela apelava para a espada. A partir de então o romanismo caracterizou-se pela arrogância e sangue. A antiga igreja da Britânia, que era limitada aos distritos montanhosos do País de Gales, gradualmente diminuiu e desapareceu.*

{* Gardner, vol. 1, p. 391.}

domingo, 20 de novembro de 2016

O Zelo Missionário de Gregório

Apesar do abatimento da igreja e de todas as classes da sociedade através das invasões dos bárbaros, o bendito Senhor zelava pela disseminação do evangelho em outros países. E certamente foi pela Sua misericórdia que as hostes de invasores que se espalharam pelas províncias do império foram logo convertidos ao cristianismo. Eles podem ter tido muito pouco entendimento sobre sua nova religião, mas isto abrandou muito sua ferocidade e mitigou os sofrimentos dos conquistados. Gregório era muito zeloso em seus esforços de estender o conhecimento do evangelho e trazer as nações bárbaras à fé católica. Mas seu plano favorito, e o que tinha estado a muito tempo em seu coração, era a evangelização dos anglo-saxões.

A bela história  do incidente que primeiramente dirigiu a mente de Gregório à conversão da Britânia é prazerosa demais para não merecer um espaço em nosso texto. Nos primeiros dias de sua vida monástica, pelo menos antes de sua elevação ao papado, certo dia chamou-lhe a atenção alguns meninos bonitos de cabelos claros expostos à venda no mercado. Conta-se que ocorreu a seguinte conversa neste lugar. Ele perguntou de que país eles vinham. "Da ilha da Britânia", foi a resposta. "Os habitantes dessa ilha são cristãos ou pagãos?" "Eles ainda são pagãos". "Que infelicidade", disse ele, "que o príncipe das trevas possua gente de tamanha graça! Que tal beleza de rosto possa desejar aquela melhor beleza da alma". Ele então perguntou por qual nome eram chamados. "Anglos", foi a resposta. Brincando com as palavras, ele disse: "Verdadeiramente eles são Anjos! De que província?" "Da província de Deira, na Nortúmbria". "Certamente eles devem ser resgatados 'de ira' -- da ira de Deus, e chamados à misericórdia de Cristo. Qual o nome do rei deles?" "Ella", foi a resposta. "Sim", disse Gregório, "Aleluias devem ser cantadas nos domínios desse rei."

"Ser o primeiro missionário desse belo povo", diz Milman, "e conquistar a ilha remota e bárbara, como um César cristão, para o reino de Cristo, tornou-se a santa ambição de Gregório. Ele conseguiu com muito esforço o consentimento do Papa, e tinha já partido e viajado por três dias, quando foi abordado por mensageiros enviados para chamá-lo de volta. Toda a Roma tinha se levantado em piedoso motim e compeliu o Papa a revogar sua permissão"*. Mas embora ele tenha sido assim prevenido de executar sua missão em pessoa, ele nunca perdeu de vista seu nobre objetivo. A partir desse momento ele não foi mais permitido a retornar ao seu monastério. Ele foi forçado a embarcar em assuntos públicos, primeiro como um diácono, e mais tarde como supremo pontífice. Mas tudo isso era uma dignidade compulsória para Gregório. Seu coração estava voltado para a salvação dos jovens de cabelo claro da Inglaterra e preferiria mil vezes ter embarcado em viagem à nossa ilha {*N. do T.: o autor do livro vivia na Inglaterra}, com todas as suas dificuldades e perigos desconhecidos, do que ser coroado com as honras do papado. Mas tal era o caráter de sua mente, que ele perseguia com incansável atenção e devoção qualquer plano de piedade que tivesse planejado anteriormente. Daí aconteceu que, após ter sido elevado à cadeira papal, foi-lhe permitido promover e enviar um grupo de quarenta missionários para as margens da Britânia. Mas antes de falarmos sobre o caráter e resultados dessa missão, será interessante olhar brevemente para a história da igreja nas Ilhas Britânicas desde o início.

{* Cristianismo Latino, vol. 1, p. 434}

A Posição Eclesiástica e Secular de Gregório

O cuidado pastoral da igreja era evidentemente o principal objetivo e deleite do coração de Gregório. Ele acreditava que esta era sua obra, e com prazer teria se dedicado inteiramente a isto; pois, de acordo com a credulidade supersticiosa da época, ele tinha a mais profunda convicção de que o cuidado e governo de toda a igreja pertencia a ele como sucessor de São Pedro; e também, que ele era obrigado a defender a dignidade especial da Sé de Roma. Mas ele foi compelido, a partir do perturbado estado da Itália, e pela segurança de seu povo -- seu querido rebanho -- a empreender muitos tipos de negócios incômodos, totalmente estranhos ao seu chamado espiritual. Os invasores lombardos* eram, naquela época, o terror dos italianos. Os godos tinham sido, em grande medida, civilizados e romanizados. Mas esses novos invasores eram bárbaros sem remorso e impiedosos; embora, por mais estranho que seja dizê-lo, eles eram os autodeclarados campeões do arianismo. E o poder imperial, em vez de proteger seus súditos italianos, agiu apenas como um obstáculo para que eles se defendessem. Guerra, fome e pestilência tinham dizimado e despopulado tanto o país, que todos os corações falhavam, e todos se voltavam ao bispo como o único homem para a emergência desses tempos, de tão firme que era a opinião sobre sua integridade e capacidade entre os homens.

{* Os lombardos foram uma tribo germânica de Brandenburg. De acordo com a crença popular, eles tinham sido convidados à Itália por Justiniano para lutar contra os godos. O chefe deles, Alboin, estabeleceu um reino que durou de 568 a 774. O último rei, Desidério, foi destronado por Carlos Magno. Como os encontraremos novamente em conexão com nossa história, apenas tomamos esta breve nota sobre sua origem. -- Dicionário de Datas, de Haydn.}

Assim vemos que o poder secular, em primeira instância, foi imposto ao Papa. Não parece que ele buscava essa posição -- uma posição tão ansiosamente procurada por muitos de seus sucessores; mas vemos que ele entrou com relutância em deveres tão pouco de acordo com o grande objetivo de sua vida. Ele involuntariamente deixou para trás a vida quieta e contemplativa de monge, e entrou em assuntos do estado como um dever a Deus e a seu país. A direção dos interesses políticos de Roma recai sobretudo sobre Gregório. Ele foi guardião da cidade e o protetor da população da Itália contra os lombardas. Toda a história presta testemunho à sua grande capacidade, sua incessante atividade, e a multiplicidade de suas ocupações como o virtual soberano de Roma.

No entanto, por mais inconsciente que Gregório tenha sido quanto aos efeitos de sua grande reputação, ele contribuiu muito para a dominação eclesiástica e secular de Roma. A preeminência em seu caso, por mais triste que fosse para um cristão, era desinteressada e exercida de modo benéfico; mas não foi assim com seus sucessores. A infalibilidade do Papa, a tirania espiritual, a perseguição aos de diferentes opiniões, a idolatria, a doutrina do mérito das obras, o purgatório e as missas pelas almas dos mortos, coisas que se tornaram marcas registradas do papado, ainda não haviam se estabelecido totalmente em Roma; mas, podemos dizer, estavam todas à vista.

Não devemos, no entanto, prosseguir com esse assunto no momento; voltemos a um assunto mais interessante e mais agradável a nossas mentes.

domingo, 13 de novembro de 2016

Gregório I, Apelidado de "o Grande" (590 d.C.)

Chegamos agora ao final do sexto século do cristianismo. Neste ponto encerra-se a história do período inicial da igreja, e começa a do período medieval. O pontificado de Gregório pode ser considerado como a linha que separa os dois períodos. Uma grande mudança acontece. As igrejas orientais declinam e recebem pouca atenção, enquanto as igrejas do Ocidente, especialmente a de Roma, atraem amplamente a atenção do historiador. E como Gregório pode ser considerado o homem representativo desse período transicional, nos esforçaremos para colocá-lo de forma justa perante o leitor.

Gregório nasceu em Roma por volta do ano 540, sua família sendo de classe senatorial, e ele próprio sendo o bisneto de um papa chamado Félix, de modo que, em sua descendência, ele herdou tanto a dignidade civil quanto a eclesiástica. Pela morte de seu pai ele se tornou possuidor de grande riqueza, que ele imediatamente dedicou a usos religiosos. Ele fundou e manteve sete monastérios: seis na Sicília, e a outra, que era dedicada a Santo André, na mansão de sua família em Roma. Ele liquidou em dinheiro suas roupas e joias caras e seus móveis e distribuiu aos pobres. Quando tinha cerca de 35 anos ele deixou de lado seus compromissos civis, assumiu sua residência no monastério romano e começou uma vida estritamente ascética. Embora fosse seu próprio convento, ele começou com os mais baixos deveres monásticos. Todo seu tempo era gasto em oração, lendo, escrevendo, e fazendo os mais abnegados exercícios. A fama de sua abstinência e caridade se espalhou por toda a parte. Com o decorrer do tempo ele se tornou abade de seu monastério; e, com a morte do papa Pelágio, ele foi escolhido pelo senado, clero e povo para preencher a cadeira vazia. Ele se recusou, e esforçou-se por vários meios a escapar das honras e dificuldades do papado. Mas ele foi forçadamente ordenado, pelo amor do povo, como bispo supremo.

Tirado da quietude de um claustro e de suas pacíficas meditações ali, Gregório via-se então envolvido no gerenciamento dos mais variados e desconcertantes assuntos tanto da igreja como do Estado. Mas ele estava evidentemente preparado para o grande e árduo trabalho que tinha diante de si. Vamos tomar nota, primeiramente, da fervente caridade de Gregório. 

Postagens populares