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domingo, 22 de novembro de 2020

A Captura de Constantinopla

Capítulo 32: A Palavra de Deus Impressa (1397-1516 d.C.)

No ano de 1453, após um cerco fechado de 53 dias, a capital da Cristandade oriental caiu nas mãos dos vitoriosos turcos. O imperador, que tinha o nome do fundador de Constantinopla, demonstrou grande bravura durante o cerco; ele jogou fora sua púrpura e lutou na brecha, até que ele, com os nobres que o cercavam, caiu entre os mortos. Este foi o último dos Constantinos e o último imperador cristão de Constantinopla. A maioria dos habitantes que restaram foi vendida como escravos ou massacrada, e cinco mil famílias turcas foram trazidas para a cidade como colonos. Seguiram-se destruição, violência e palavrões, excedendo em muito nossa capacidade de descrevê-los. A antiga igreja de Santa Sofia foi despojada de todas as valiosas oferendas de séculos, as imagens foram quebradas em pedaços e, depois de ter sido palco de grosseiras profanações, foi transformada em uma mesquita. Os tesouros da erudição grega – que alguns dizem terem chegado a cento e vinte mil livros manuscritos – foram destruídos ou dispersos. A conquista estava completa, e Maomé II imediatamente transferiu a sede de seu governo para Constantinopla.

Mas a ambição ilimitada do feroz otomano estava longe de ser satisfeita: ele contemplava nada menos do que a conquista de toda a Cristandade. E de suas vitórias rápidas e fáceis sobre muitos dos principados cristãos menores no Oriente, pareceria que, se a morte não tivesse livrado o mundo de tal tirano, ele poderia ter seguido seu caminho de conquista através do coração da Europa. Que cidade, que reino, que poder, iria prender o invasor feroz? Toda a Europa estremeceu, especialmente a Itália. Dizem que a morte de Nicolau V foi antecipada pela notícia da captura de Constantinopla. A tristeza e o medo partiram o coração do velho. Mas depois de derrubar impérios, reinos e cidades sem número, Maomé II morreu, aos cinquenta anos, de dores internas, supostamente efeitos de veneno.

As notícias sobre essas pesadas calamidades no Oriente espalharam uma profunda escuridão sobre todo o Ocidente. Mas aquilo que ameaçava deter o progresso da civilização e a propagação do Cristianismo foi sobrepujado por uma Providência sábia e boa para o avanço de ambos de uma maneira maravilhosa. A queda de Constantinopla nas mãos dos infiéis levou muitos gregos eruditos para a Itália, e da Itália para muitos outros países da Europa. Aconteceu, justamente nessa época, que o papa reinante, Nicolau V, se distinguiu por seu amor pela literatura, o que ele muito promoveu por sua posição e riqueza. Os refugiados trouxeram os livros que conseguiram resgatar das ruínas de seu império caído. O estudo do grego foi revivido por esses meios e se tornou extremamente popular. Entre esses alunos, aprouve a Deus suscitar homens de mente altamente cultivada e coração devoto, que muito fizeram no preparo do caminho para a grande Reforma.

domingo, 12 de novembro de 2017

A Primeira Cruzada (1096 d.C.)

1. O festival da Assunção, em 15 de agosto de 1096, foi afixado como o dia em que os cruzados começariam sua marcha. Mulheres pediram aos seus maridos, aos seus irmãos e aos seus filhos que tomassem a cruz; e aqueles que recusaram tornaram-se marcas de desprezo geral. Propriedades de todos os tipos foram vendidas para arrecadar dinheiro, mas como todos queriam vender e ninguém queria comprar, as coisas naturalmente caíram a um preço excessivamente baixo, e foram compradas principalmente pelo clero; desse modo quase todas as propriedades do país passaram para as mãos deles. Godofredo prometeu seu castelo de Bulhão, nas Ardenas, ao bispo de Liege. O artesão vendeu suas ferramentas, o fazendeiro seus implementos, para arrecadar dinheiro para a compra de equipamentos para a viagem. O fabuloso esplendor e riqueza do Oriente foram colocados diante da imaginação, já estimulada pelas lendas românticas de Carlos Magno e seus pares. Além do entusiasmo religioso que então animava todas as classes, uma variedade de outros motivos operavam na mente do povo. Para o camponês, antes não havia a oportunidade de deixar sua vida deprimida para pegar nas armas e abandonar o serviço ao seu senhor feudal. Para o ladrão, o pirata, o fora da lei, antes não havia perdão e restauração para a sociedade; para o devedor, antes não havia escape de sua obrigações, e para todos os que tomavam a cruz havia a certeza de que a morte na guerra santa os tornaria participantes da glória e bem-aventurança dos mártires. E tão grande foi a excitação produzida por essa epidemia papal que, muito antes do dia indicado para o início da expedição, a impaciência da multidão não conseguia se conter.

No início da primavera de 1096, Pedro [o Eremita], o primeiro missionário da cruzada partiu em sua marcha para o Oriente à frente de um exército selvagem e heterogêneo. Cerca de 6.000 da população dos confins da França e Lorraine reuniram-se em torno do Eremita, e pressionaram-no a liderá-los até o santo sepulcro. Ele então assumia o caráter, sem as capacidades necessárias, de um general, e então marcharam ao longo do Reno e do Danúbio. Gualtério Sem-Haveres, um pobre mas valente soldado, seguiu com eles com quinze mil pessoas. Um monge chamado Godescalco (ou Gottschalk) seguiu de perto Pedro e Gualtério com cerca de vinte mil dos habitantes das aldeias da Alemanha. Um quarto enxame de cerca de duzentos mil da escória do povo, conduzidos por um chamado Conde Emicho, pressionaram-lhe a retaguarda. Essas sucessivas multidões assim contavam totalmente trezentos mil guerreiros da cruz, assim chamados. Mas logo manifestou-se que um outro espírito os animava. Nenhum deles conhecia a cruz, senão como um emblema idólatra exterior. Velhos e enfermos, mulheres e crianças, e os indivíduos mais baixos do populacho ocioso, seguiram o exercito dos cruzados!

Nada podia ser mais melancólico e desastroso do que a conduta e o destino dessas multidões enganadas. Suas necessidades e quantidades logo os compeliram a se separarem. Eles estavam sem ordem ou disciplina, e a maioria deles desprovidos de armadura ou dinheiro. Eles não tinham nem ideia da distância de Jerusalém, ou das dificuldades que seriam encontradas pelo caminho. Tão ignorantes eram que, ao avistarem a primeira cidade além dos limites de seu conhecimento, logo inquiriram se não seria Jerusalém. Em vez de sobriedade e ordem em sua marcha, esta foi marcada por assassinato, pilhagem, devassidão, e de toda sorte de hábitos infames. Os inofensivos habitantes judeus de cidades às margens do Mosela, do Reno e do Danúbio, através das quais eles marcharam, foram saqueados e mortos por serem assassinos de Cristo e os inimigos da cruz. A população da Hungria e da Bulgária levantou-se contra eles por causa de seus hábitos perturbadores e de pilhagem, e uma grande quantidade deles foram mortos.

Após repetidos desastres e aventuras tolas, eles chegaram em Constantinopla; mas Aleixo, o imperador grego, mais alarmado do que satisfeito com seus aliados, os transferiu rapidamente, se não traiçoeiramente, pelo Bósforo. Uma grande batalha ocorreu logo em seguida, entre os muros de Niceia -- a capital turca. O exército do Eremita foi feito em pedaços por Solimão, o sultão turco de Icônio. Gualtério Sem-Haveres foi morto com a maioria de seus seguidores, e seus ossos foram ajuntados em uma grande pilha para alertar seus companheiros da desesperança de sua empreitada. É comprovado que nessas mal conduzidas expedições, trezentos mil pereceram, e alguns estendem o número para meio milhão. Daqueles que tinham começado sob a direção de Pedro e de seus tenentes, não mais de 20.000 sobreviveram e estes tentaram encontrar seu caminho de volta para casa, mas apenas para contar o triste destino de seus companheiros que tinham morrido pelas flechas dos turcos e dos húngaros, ou pela escassez e fadiga. Dificilmente sequer um dos do exército de Pedro alcançou as fronteiras da Terra Santa. O papa Urbano viveu para ouvir sobre as angústias e misérias de sua própria obra maligna, mas morreu antes da captura de Jerusalém.

domingo, 9 de abril de 2017

A Ignorância e Credulidade da Época

Tão profunda era a ignorância e credulidade daqueles tempos que as mais absurdas fábulas eram recebidas com grande reverência por todas as classes. Os astutos padres sabiam como vestir suas fraudes religiosas com a mais especiosa piedade, e como cegar tanto o rei como o povo. De acordo com a lenda, Constantino foi curado da lepra pelo papa Silvestre; e assim, o imperador, repleto de gratidão, renunciou, em favor do papa, a livre e perpétua soberania de Roma, da Itália, e das províncias do Ocidente; e resolver fundar uma nova capital para si mesmo no Oriente [Constantinopla].

O objetivo de Adriano em forjar tal escritura, e em escrever tal carta, foi, sem dúvida, influenciar Carlos Magno para que imitasse a alegada liberalidade de seu grande predecessor. Se ele meramente desse ao papa a posse da dita doação de Constantino, ele estaria apenas agindo como o executor da escritura; se ele aspirasse ser um benfeitor espontâneo da igreja, ele deveria ir além dos limites da escritura de doação original. Mas ainda não sondamos as profundezas dessa falsificação. Ela serviu para provar que: (1) os imperadores gregos, por todos esses séculos, eram culpados de usurpação e de roubar o patrimônio de São Pedro; (2) que era justificável que os papas se apropriassem de seu território e se rebelassem contra a autoridade imperial; (3) que as doações de Pepino e Carlos Magno eram nada mais que a restituição de uma pequena porção dos justos e legítimos domínios originalmente concedidos à cadeira de São Pedro; e (4) que ele, Carlos Magno, deveria considerar-se como devedor de Deus e de Sua igreja enquanto um único item dessa dívida inalienável permanecesse sem ser paga.

Tais eram alguns dos convenientes efeitos do documento para os propósitos de Adriano na época; mas, embora possa ter sido produtivo de grandes vantagens ao papado, tanto então como depois, a falsificação há muito foi exposta. Com a restauração das cartas e da liberdade, a escritura fictícia foi condenada, assim como seus Falsos Decretos -- a mais audaciosa e elaborada de todas as fraudes religiosas. Falando nos Decretos, Milman observa: "Eles são então abandonados por todos; nenhuma voz é erguida em seu favor; o máximo que é feito por aqueles que não podem suprimir todos os lamentos por sua exposição é aliviar a culpa do falsificador, questionar ou enfraquecer a influência que eles tiveram em seus próprios dias e por toda a história posterior do cristianismo."*

{* Milman, vol. 2, p. 375; Greenwood, livro 6, capítulo 3, p. 82.}

domingo, 8 de janeiro de 2017

O Segundo Decreto é Publicado

O segundo decreto era tão avassalador que os oficiais do império, conta-se, foram até mesmo além de suas ordens. As mais sacras estátuas e imagens foram, em todo lugar, impiedosamente quebradas, rasgadas em pedaços, ou publicamente lançadas nas chamas debaixo dos olhos dos enfurecidos adoradores. "Correndo risco de morte", diz Greenwood, "homens, mulheres e até crianças correram para a defesa dos objetos como se fossem tão queridos para eles como a própria vida. Eles atacavam e matavam os oficiais do império envolvidos na obra de destruição; estes, apoiados pelas tropas regulares, retaliavam com igual ferocidade; e as ruas da metrópole exibiam tal cena de indignação e abate como só pode ser proveniente de paixões religiosas envenenadas. Os líderes do tumulto foram, a maior parte, condenados à morte no local; as prisões se encheram totalmente; e multidões, após sofrerem várias punições corporais, foram transportadas a lugares de exílio".*

{* Cathedra Petri, de Greenwood, vol. 3, p. 474}

O populacho ficou então excitado à fúria; mesmo a presença do imperador não os intimidava. Os oficiais do império tinham ordens de destruir uma estátua do Salvador que ficava sobre o Portão de Bronze do palácio imperial, e que era conhecida pelo nome de Segurança. Esta imagem era famosa por seus milagres, e recebia grande veneração do povo. Multidões de mulheres de reuniram em torno do lugar e ansiosamente suplicaram ao soldado que poupasse sua imagem favorita. Mas ele subiu na escada, e com seu machado atingiu o rosto que elas tão frequentemente contemplavam, e que, pensavam elas, benignamente olhava para elas. Os céus não interferiram, como esperavam; mas as mulheres tomaram a escada, derrubaram o ímpio oficial, e o cortaram em pedaços. O imperador enviou uma guarda armada para suprimir o tumulto; a multidão se uniu às mulheres e um assustador massacre se sucedeu. "A Segurança" tinha sido derrubada, e seu lugar foi preenchido com uma inscrição na qual o imperador dava vazão a sua inimizade contra as imagens.*

{* J. C. Robertson, vol. 2, p. 83; Milman, vol. 2, p. 156.}

A execução das ordens imperiais foram rejeitadas em todos os lugares, tanto na capital quanto nas províncias; o entusiasmo popular era tão grande que só poderia ser debelada pelos mais fortes esforços do poder civil e militar. Paixões se acendiam dos dois lados, que naturalmente resultaram na mais ousada rebelião e na mais violenta perseguição.

domingo, 13 de novembro de 2016

O Imperador Justiniano

O nome de Justiniano é tão famoso na história, e tão conectado à legislação tanto civil quanto eclesiástica, que seria injusto para com nossos leitores passar por ele sem tomar uma nota, mesmo que ele não esteja imediatamente relacionado à igreja latina. Ele pertencia ao Oriente, e assim dificultava a ascensão do Ocidente.

No ano 527 Justiniano ascendeu ao trono de Constantinopla e o ocupou por quase quarenta anos. Ele delegou os assuntos políticos e militares do império a seus ministros e generais, e devotou seu tempo às coisas que ele pensava serem mais importantes. Ele gastou muito de seu tempo em estudos teológicos e na regulação dos assuntos religiosos de seus súditos, tais como prescrever o que os sacerdotes e o povo devia crer e praticar. Ele gostava de se misturar em controvérsias e de agir como legislador em assuntos religiosos. Sua própria fé -- ou melhor, sua servil superstição -- distinguia-se pela mais rígida ortodoxia, e uma grande porção de seu longo reinado foi gasto na extinção de heresias. Mas isto levou a muitos casos de perseguição, tanto públicas como privadas.

Nesse meio tempo Justiniano viu um novo campo se abrindo para suas energias em outra direção, e imediatamente voltou sua atenção a isto. Após a morte de Teodorico, o Grande, em 526, os assuntos da Itália caíram em uma condição muito confusa, e os novos conquistadores estavam longe de permanecerem firmemente assentados em seus tronos. Despertando a hostilidade dos romanos contra os bárbaros, o exército imperial tornou-se unido e determinado; e, conduzidos pelos capazes generais Belisário e Narses, as conquistas da Itália e África foram alcançadas em um espaço muito curto de tempo. Diante da visão das bem conhecidas águias, os soldados dos bárbaros se recusaram a lutar, e as nações lançaram fora a supremacia dos ostrogodos. Os generais imperiais buscaram então uma guerra de extermínio. Conta-se que durante o reinado de Justiniano a África perdeu cinco milhões de habitantes. O arianismo foi extinto naquela região, e na Itália supõe-se que o número dos que pereceram pela guerra, fome, ou por outros motivos, tenha excedido sua população atual {* N. do T.: Este livro foi escrito no Século XIX}. Os sofrimentos desses países, durante as revoluções desse período, foram maiores do que tinham suportado em qualquer outro, seja em tempos anteriores ou posteriores, de modo que tanto os eventos seculares do reinado de Justiniano quanto seus próprios esforços legislativos tiveram uma influência importante, porém muito infeliz, na história do cristianismo.

Após erigir a igreja* de Santa Sofia, e outras vinte e cinco outras igrejas* em Constantinopla, e após publicar um novo édito  de seu código, ele morreu em 565 d.C.**

{* N. do T.: Aqui provavelmente no sentido de construção religiosa, ou templo, e não no sentido bíblico de "igreja".}

{** Milman, vol. 1, p. 350; J. C. Robertson, vol. 1, p. 473; Milner, vol. 2, p. 336.}


Passemos então ao terceiro grande fundador do edifício papal.

domingo, 6 de novembro de 2016

O Começo do Período Papal

É geralmente admitido que esse período começa com o pontificado de Gregório, o Grande, em 590, e termina com a Reforma na primeira metade do século XVI. Mas, antes de entrarmos na história geral, tentaremos responder a uma questão que tem sido perguntada e que, sem dúvida, está na mente de muitos: Quando, e por que meios, o poder caiu nas mãos do pontífice romano, o que levou a sua supremacia e despotismo durante a Idade Média? É uma pergunta interessante, mas respondê-la plenamente nos levaria além de nossos limites. Podemos apenas apontar alguns poucos fatos na cadeia de eventos que levou à fundação do grande poder e soberania da Sé de Roma.

Desde o tempo do famoso decreto de Milão em 313, a história da igreja mudou de caráter. Ela passou então de uma condição de angústia e perseguição para o auge de uma prosperidade e honra mundana: outras questões além daquelas do cristianismo foram doravante envolvidas em sua história. Tendo entrado em uma aliança com o Estado, seu futuro caminho foi necessariamente formado por suas novas relações. Ela não podia mais agir simplesmente no nome do Senhor Jesus, e de acordo com Sua santa Palavra. Mas nunca poderia haver uma completa amalgamação (mistura entre os dois lados). Um era do céu, e o outro era deste mundo. Eles são, por natureza, opostos um ao outro. Ou a igreja aspirava ser senhora do Estado, ou o Estado invadia o terreno da igreja e desconsiderava seus direitos inerentes. Foi exatamente isto o que aconteceu. Logo após a morte de Constantino, a luta entres esses dois grandes poderes, a igreja e o Estado, pelo governo do mundo, começou; e, de modo a assegurar o êxito nesta guerra, o pontífice romano recorreu a caminhos e meios que não caracterizaremos aqui, uma vez que nos depararemos com eles em breve. 

Antes de Constantino transferir a sede do império a Bizâncio e construir Constantinopla, Roma era a metrópole reconhecida, e seu bispo o primaz. Mas quando Constantinopla tornou-se a cidade imperial, seu bispo foi promovido à categoria de patriarca, e logo começou a reivindicar a dignidade de pontífice romano. Este foi o início da igreja grega como uma comunhão separada, e da longa disputa entre o Oriente e o Ocidente. Havia então quatro patriarcas, de acordo com o plano do imperador: em Roma, Constantinopla, Antioquia e Alexandria. A categoria do bispo dependia da superioridade da cidade em que presidia, e como Constantinopla era então a capital do mundo, seus bispos não ficavam atrás de ninguém em honra e magnificência. Os outros ficaram invejosos, Roma queixou-se, a contenda começou, a brecha se alargou. Mas Roma nunca descansou até que tivesse ganhado a ascendência sobre seus rivais mais fracos e menos ambiciosos.

domingo, 28 de agosto de 2016

As Falhas e Virtudes de Teodósio

O defeito mais proeminente no caráter de Teodósio era uma propensão à raiva violenta. Ainda assim, ele conseguia se acalmar e se tornar bastante misericordioso após uma grande provocação, se fosse adequadamente abordado. Temos um exemplo notável disso em seu perdão ao povo da Antioquia. Aconteceu desta forma:

No ano 387, os habitantes se tornaram impacientes por conta de um imposto que o imperador cobrou deles. Como eles tinham sido tratados com arrogância pelos governadores, a quem eles tinham respeitosamente solicitado alívio, um grande tumulto se ergueu na cidade. As estátuas da família imperial foram derrubadas e tratadas com desprezo. No entanto, quando uma companhia de soldados apareceu imediatamente, a sedição foi suprimida. O governador da província, de acordo com o dever de seu ofício, enviou uma fiel narrativa de todo o ocorrido ao imperador. No entanto, como havia 800 milhas de distância entre Antioquia e Constantinopla, deve ter demorado semanas para que uma resposta fosse recebida. Isto deu tempo para que os antíoques refletissem sobre a natureza e consequência de seus crimes. Eles ficaram muito e constantemente agitados com esperanças e medos, como pode se supor. Eles sabiam que seu crime era sério, mas eles tinham confessado isso a Flaviano, o bispo deles, e a outras pessoas influentes, com total garantia de arrependimento genuíno. Finalmente, vinte e quatro dias após a sedição, os comissários imperiais chegaram, trazendo a vontade do imperador, e a sentença de Antioquia. O seguinte mandato imperial  mostrará ao leitor como as coisas dependiam muito da vontade ou paciência de um único homem naqueles tempos.

Antioquia, a metrópole do Oriente, foi rebaixada da condição de cidade; despojada de suas terras, seus privilégios e seus proventos, ela foi subjugada, sob a humilhante denominação de vila, à jurisdição de Laodiceia. Os banhos, o circo e os teatros foram fechados, e, para que qualquer fonte de abundância e prazer pudesse ser interceptada, a distribuição de milho foi abolida. Os comissários então passaram a investigar a culpa dos indivíduos. O mais nobre e rico dos cidadãos da Antioquia foi trazido perante eles acorrentado. O exame foi assistido pelo uso de tortura, e a sentença deles foi pronunciada, ou suspendida, de acordo com o julgamento daqueles extraordinários magistrados. As casas dos criminosos foram postas à venda, suas esposas e crianças subitamente perderam suas riquezas e luxo e foram lançadas na mais abjeta miséria; e uma sangrenta execução podia ser esperada para fechar os horrores daquele dia, que o eloquente Crisóstomo descreveu como uma imagem viva do juízo final do mundo. Mas Deus, que possui os corações de todos os homens em Suas mãos, e em lembrança ao que Antioquia tinha sido nos primeiros dias do cristianismo, moveu os ministros de Teodósio à piedade. Dizem que eles derramaram lágrimas sobre as calamidades do povo, e que ouviram com reverência às solicitações prementes dos monges e eremitas, que desceram em enxames das montanhas. A execução da sentença foi suspensa, e foi acordado que um dos comissários permanecessem em Antioquia enquanto os outros retornassem o mais rápido possível a Constantinopla.

A raiva exasperada de Teodósio tinha arrefecido. Os representantes do aflito povo obtiveram uma audiência favorável. A mão do Senhor estava nisso: Ele tinha ouvido o clamor deles. A graça triunfou em Teodósio. Um perdão livre e geral foi concedido à cidade e aos cidadãos da Antioquia; as portas da prisão foram abertas; os senadores, que tinham perdido as esperanças, recuperaram a posse de suas casas e propriedades; e a capital do Oriente foi restaurada para o gozo de sua antiga dignidade e esplendor. Teodósio condescendeu em elogiar e recompensar o bispo de Antioquia e outros que tinham generosamente intercedido por seus aflitos irmãos; e confessou que, se o exercício da justiça de um soberano é o dever mais importante, a indulgência da misericórdia é o prazer mais requintado.*

{* História do Cristianismo de Milman, vol. 3, p. 140; História da Igreja de Robertson, vol. 1, p. 242; História da Igreja de Milner, vol. 2, p. 28}

Teodósio, Apelidado de O Grande

A medida de nosso interesse na história dos imperadores romanos deve ser proporcional ao conhecimento que eles tinham da verdade, e do tratamento deles para com os cristãos. Se não procurássemos discernir a mão de Deus no governo deles seria cansativo e inútil, nesse distante período, examinar o que resta deles. Mas enxergar a mão de Deus, e ouvir Sua voz, e traçar a linha prateada de Sua graça através desses tempos rudes, nos mantém na companhia dEle próprio, e assim nossa experiência é aumentada. Mas quase tudo depende, quanto ao serviço de Deus, ou à bênção para nós mesmos, do motivo ou objetivo com que estudamos a história da igreja, e quais são seus efeitos. De acordo com esse princípio de estima, Teodósio demanda um estudo sério e cuidadoso. Ele era um ministro de Deus, assim como era o imperador romano, que foi usado por Ele para subjugar o arianismo no Oriente, e para abolir a adoração aos ídolos por todo o mundo romano. A idolatria é o pecado mais ousado do homem, e nunca poderá ser ultrapassado até que "se manifeste o homem do pecado, o filho da perdição, o qual se opõe, e se levanta contra tudo o que se chama Deus, ou se adora; de sorte que se assentará, como Deus, no templo de Deus, querendo parecer Deus." (2 Tessalonicenses 2:3,4). A expressão completa dessa blasfêmia é ainda futura, e sinalizará o julgamento imediato e o amanhecer do dia milenial.

Mas o zelo de Teodósio não era apenas negativo. Ele apoiou o cristianismo, de acordo com sua compreensão, mais vigorosamente do que qualquer de seus predecessores. Ele completou o que Constantino começou e o superou, e muito, em zelo e seriedade cristã. Logo após seu batismo ele reuniu um concílio, que ocorreu em Constantinopla em 2 de maio de 381. Os principais assuntos pelos quais o concílio foi convocado eram os seguintes: dar maior plenitude e definição ao credo niceno; condenar as heresias, tais como as dos arianos, eunomianos, eudoxianos, sabelianos, apolinarianos, e outros; e tomar medidas para a união da igreja.

domingo, 24 de julho de 2016

A Morte de Ário

Nem Constantino nem Ário sobreviveram muito tempo após o exílio de Atanásio. Ário assinou um credo ortodoxo, e Constantino aceitou sua confissão. Ele o enviou a Alexandre, bispo de Constantinopla, dizendo-lhe que Ário deveria ser recebido à comunhão no dia seguinte, que era domingo. Alexandre, que tinha quase completado cem anos de idade, ficou muito angustiado pelas ordens do imperador. Ele entrou na "igreja"*, e orou fervorosamente para que o Senhor prevenisse tal profanação. Na noite do mesmo dia, Ário falava alegremente, em tom triunfante, sobre a cerimônia marcada para o dia seguinte. Mas o Senhor tinha ordenado de outra forma; Ele tinha ouvido a oração de Seu velho servo, e naquela noite o grande herege morreu. Seu fim é relacionado a circunstâncias que lembram a morte do traidor Judas. Que efeito o evento teve sobre Constantino, nós não sabemos; mas ele morreu pouco tempo depois, aos 64 anos de idade.**

{* N. do T.: "igreja" aqui se refere aos salões, ou templos, usados pelos cristãos para suas reuniões.}
{** Veja a História da Igreja, de Robertson, vol. 1, p. 199; e as Vidas dos Pais, de Cave, vol. 2, p. 145}

sábado, 23 de julho de 2016

O Concílio de Tiro

Em 334, Atanásio foi intimado a comparecer perante um concílio na Cesareia. Ele se recusou, alegando que o tribunal era composto de seus inimigos. No ano seguinte, ele foi citado diante de outro concílio que seria realizado em Tiro pela autoridade imperial, no qual ele compareceu. Mais de cem bispos estavam presentes, e uma comissão de leigos do imperador direcionaram o processo. Uma multidão de acusações foram trazidas contra o destemido clérigo; mas o mais tenebroso, e o único que iremos tomar nota, era o crime duplo de magia e assassinato. Disseram que ele tinha matado Arsênio, um bispo de Mileto -- que tinha cortado-lhe uma das mãos, e que tinha usado ela em rituais de magia; uma mão tinha sido forjada como prova. Mas Atanásio estava preparado para a acusação. O Deus da verdade estava com ele. Ele calmamente perguntou se os que estavam presentes ali conheciam Arsênio. Ele era bem conhecido por muitos. Um homem foi, de repente, levado à corte, coberto da cabeça aos pés por um manto. Atanásio primeiro descobriu sua cabeça. Ele foi logo reconhecido como o assassinado Arsênio. Em seguida suas mãos foram descobertas, e assim foi provado que se tratava de Arsênio, vivo e não mutilado. O partido ariano tinha feito o melhor que pôde para esconder Arsênio, mas o Senhor estava com Seu inocente servo, e os amigos de Atanásio conseguiram encontrá-lo. A malícia dos arianos sem escrúpulos foi novamente exposta, e a inocência de Atanásio triunfalmente vindicada.

Mas os inimigos implacáveis do bispo continuaram com suas acusações. Mais uma vez  ordenaram-lhe que comparecesse em Constantinopla, e que respondesse por si mesmo na presença imperial.

As velhas acusações, nesta ocasião, foram retiradas, mas uma nova foi habilmente escolhida, com vista a despertar a desconfiança do imperador. Eles afirmaram que Atanásio tinha ameaçado interromper o fluxo de navios que transportavam milho do porto de Alexandria para Constantinopla. Deste modo, uma fome seria iniciada na capital. Isto tocou o orgulho do imperador e, seja pela crença na acusação, ou pelo desejo de se livrar de uma pessoa tão influente, ele o baniu para Treves, na Gália. A injustiça da sentença é inquestionável.

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