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domingo, 22 de novembro de 2020

A Captura de Constantinopla

Capítulo 32: A Palavra de Deus Impressa (1397-1516 d.C.)

No ano de 1453, após um cerco fechado de 53 dias, a capital da Cristandade oriental caiu nas mãos dos vitoriosos turcos. O imperador, que tinha o nome do fundador de Constantinopla, demonstrou grande bravura durante o cerco; ele jogou fora sua púrpura e lutou na brecha, até que ele, com os nobres que o cercavam, caiu entre os mortos. Este foi o último dos Constantinos e o último imperador cristão de Constantinopla. A maioria dos habitantes que restaram foi vendida como escravos ou massacrada, e cinco mil famílias turcas foram trazidas para a cidade como colonos. Seguiram-se destruição, violência e palavrões, excedendo em muito nossa capacidade de descrevê-los. A antiga igreja de Santa Sofia foi despojada de todas as valiosas oferendas de séculos, as imagens foram quebradas em pedaços e, depois de ter sido palco de grosseiras profanações, foi transformada em uma mesquita. Os tesouros da erudição grega – que alguns dizem terem chegado a cento e vinte mil livros manuscritos – foram destruídos ou dispersos. A conquista estava completa, e Maomé II imediatamente transferiu a sede de seu governo para Constantinopla.

Mas a ambição ilimitada do feroz otomano estava longe de ser satisfeita: ele contemplava nada menos do que a conquista de toda a Cristandade. E de suas vitórias rápidas e fáceis sobre muitos dos principados cristãos menores no Oriente, pareceria que, se a morte não tivesse livrado o mundo de tal tirano, ele poderia ter seguido seu caminho de conquista através do coração da Europa. Que cidade, que reino, que poder, iria prender o invasor feroz? Toda a Europa estremeceu, especialmente a Itália. Dizem que a morte de Nicolau V foi antecipada pela notícia da captura de Constantinopla. A tristeza e o medo partiram o coração do velho. Mas depois de derrubar impérios, reinos e cidades sem número, Maomé II morreu, aos cinquenta anos, de dores internas, supostamente efeitos de veneno.

As notícias sobre essas pesadas calamidades no Oriente espalharam uma profunda escuridão sobre todo o Ocidente. Mas aquilo que ameaçava deter o progresso da civilização e a propagação do Cristianismo foi sobrepujado por uma Providência sábia e boa para o avanço de ambos de uma maneira maravilhosa. A queda de Constantinopla nas mãos dos infiéis levou muitos gregos eruditos para a Itália, e da Itália para muitos outros países da Europa. Aconteceu, justamente nessa época, que o papa reinante, Nicolau V, se distinguiu por seu amor pela literatura, o que ele muito promoveu por sua posição e riqueza. Os refugiados trouxeram os livros que conseguiram resgatar das ruínas de seu império caído. O estudo do grego foi revivido por esses meios e se tornou extremamente popular. Entre esses alunos, aprouve a Deus suscitar homens de mente altamente cultivada e coração devoto, que muito fizeram no preparo do caminho para a grande Reforma.

quinta-feira, 12 de outubro de 2017

Os Lugares Sagrados

Desde os primórdios da cristandade, peregrinações à Terra Santa tornaram-se uma paixão dominante entre os mais devotos e supersticiosos. Jerome fala de multidões que, vindos de todos os lados, se aglomeravam nos lugares sagrados. Mas a suposta descoberta do verdadeiro sepulcro, o local de enterro da verdadeira cruz, e a magnifica igreja construída sobre o sepulcro pela devota Helena e seu filho Constantino, despertaram em todas as classes um entusiasmo selvagem de visitar a Terra Santa. Desde essa época (326 d.C.), o fluxo de peregrinações continuou, aumentando cada vez mais, até o período em que Jerusalém foi capturada pelos muçulmanos sob o califa Omar, em 637. Os peregrinos eram protegidos e cuidados pelo caminho quando encontravam as privações e perigos de uma longa viagem. Mas sob o governo muçulmano eles foram impedidos de entrarem na cidade santa, a menos que comprassem o privilégio pagando tributo aos califas. A partir desse momento, os piedosos logo começaram a se juntar em números reduzidos para realizar suas devoções no santo sepulcro.

Por volta do ano 1067, uma nova raça de conquistadores ganhou a posse da Palestina, que provaram ser mestres ainda mais duros que os sarracenos. Estes eram os seljúcidas, uma tribo de tártaros, hoje familiarmente conhecidos como turcos. Eles vieram originalmente de Tartária. Eles abraçaram a religião islâmica, e tornaram-se então islâmicos mais fanáticos do que os árabes que seguiam o 'profeta'. No entanto, ao zelo intolerante de recém-convertidos ao Islã eles combinaram a tirania e desumanidade dos bárbaros. Sob esses novos senhores da Palestina, a condição dos habitantes e peregrinos cristãos foi grandemente alterada para pior. No lugar de serem tratados meramente como súditos tributários, eles foram desprezados como escravos, e os peregrinos expostos a severas perseguições.

domingo, 9 de abril de 2017

A Ignorância e Credulidade da Época

Tão profunda era a ignorância e credulidade daqueles tempos que as mais absurdas fábulas eram recebidas com grande reverência por todas as classes. Os astutos padres sabiam como vestir suas fraudes religiosas com a mais especiosa piedade, e como cegar tanto o rei como o povo. De acordo com a lenda, Constantino foi curado da lepra pelo papa Silvestre; e assim, o imperador, repleto de gratidão, renunciou, em favor do papa, a livre e perpétua soberania de Roma, da Itália, e das províncias do Ocidente; e resolver fundar uma nova capital para si mesmo no Oriente [Constantinopla].

O objetivo de Adriano em forjar tal escritura, e em escrever tal carta, foi, sem dúvida, influenciar Carlos Magno para que imitasse a alegada liberalidade de seu grande predecessor. Se ele meramente desse ao papa a posse da dita doação de Constantino, ele estaria apenas agindo como o executor da escritura; se ele aspirasse ser um benfeitor espontâneo da igreja, ele deveria ir além dos limites da escritura de doação original. Mas ainda não sondamos as profundezas dessa falsificação. Ela serviu para provar que: (1) os imperadores gregos, por todos esses séculos, eram culpados de usurpação e de roubar o patrimônio de São Pedro; (2) que era justificável que os papas se apropriassem de seu território e se rebelassem contra a autoridade imperial; (3) que as doações de Pepino e Carlos Magno eram nada mais que a restituição de uma pequena porção dos justos e legítimos domínios originalmente concedidos à cadeira de São Pedro; e (4) que ele, Carlos Magno, deveria considerar-se como devedor de Deus e de Sua igreja enquanto um único item dessa dívida inalienável permanecesse sem ser paga.

Tais eram alguns dos convenientes efeitos do documento para os propósitos de Adriano na época; mas, embora possa ter sido produtivo de grandes vantagens ao papado, tanto então como depois, a falsificação há muito foi exposta. Com a restauração das cartas e da liberdade, a escritura fictícia foi condenada, assim como seus Falsos Decretos -- a mais audaciosa e elaborada de todas as fraudes religiosas. Falando nos Decretos, Milman observa: "Eles são então abandonados por todos; nenhuma voz é erguida em seu favor; o máximo que é feito por aqueles que não podem suprimir todos os lamentos por sua exposição é aliviar a culpa do falsificador, questionar ou enfraquecer a influência que eles tiveram em seus próprios dias e por toda a história posterior do cristianismo."*

{* Milman, vol. 2, p. 375; Greenwood, livro 6, capítulo 3, p. 82.}

A Falsificação Papal

Mas a bondade de Carlos Magno apenas excitou a avareza e inveja dos gananciosos padres. Não contentes com suas propriedades e dízimos, eles aspiravam por uma posição muito superior à dos senhores leigos, e até mesmo superior à do próprio monarca. Estimulados por sucessos passados, eles então tentaram, por uma ousada falsificação, alcançar o objetivo de sua ambição secular. Um título de propriedade de poder quase imperial é então, pela primeira vez, após um período de 450 anos, trazido à luz. Por esse ato original de doação foi descoberto que tudo o que Pepino ou Carlos Magno tinham conferido à igreja de Roma não passava de uma parte da doação real para a cadeira de São Pedro feita pelo "piedoso imperador Constantino".

Como nosso principal objetivo através desse período da história da igreja é apresentar o verdadeiro caráter do sistema papal, os meios pelos quais ele alcançou sua incrível influência e poder, e os efeitos secularizantes da aliança da igreja com o Estado, copiamos, de Greenwood, a própria carta do papa. O leitor, sem dúvida, ficará surpreso em ver que qualquer homem com a menor pretensão possível de respeitabilidade -- ainda mais o "chefe da igreja" -- pudesse jamais ter fabricado tal documento, e isso somente para ganhar mais território e poder. Mas devemos nos lembrar que Tiatira era caracterizada pelas "profundezas de Satanás" (Ap 2:24), e assim tem sido o papado desde seu primeiro fôlego, e assim deve ser até que dê o seu último suspiro. Apocalipse 17 e 18 descrevem seu caráter e seu fim.

"Considerando", diz o papa Adriano, "que nos dias do bendito pontífice Silvestre, aquele tão piedoso imperador [Constantino], por sua doação, exaltou e ampliou a santa igreja católica e apostólica de Roma, dando a ela seu supremo poder sobre toda a região do Ocidente, assim agora vos suplicamos que, neste nosso mesmo feliz dia, a mesma santa igreja possa brotar e exultar, e ser cada vez mais e mais exaltada, de modo que todos os povos que dela ouvirem exclamem: 'Deus salve o rei, e nos ouça no dia em que te invocarmos!'. Pois eis que naqueles dias ergueu-se Constantino, o imperador cristão, por quem Deus concedeu todas as coisas a Sua santíssima igreja, a igreja do bendito Pedro, príncipe dos apóstolos. Tudo isso, e muitos outros territórios que imperadores, patrícios e outras pessoas tementes a Deus deram ao bendito Pedro e à santa igreja de Deus apostólica de Roma, para o benefício de suas almas e para o perdão de seus pecados, nas regiões da Toscana, Espoleto, Benevento, Córsega e Savona -- territórios que foram tomados e mantidos pelas ímpias nações dos lombardos -- que tudo isso nos seja restaurado nestes nossos dias, de acordo com o teor de tuas várias escrituras de doação depositadas em nossos arquivos, em Latrão. Com este fim, ordenamos a nossos enviados para que te mostrem tais escrituras, para tua satisfação, e em virtude delas, agora te rogamos que ordenes a restituição ininterrupta desse patrimônio de São Pedro que está em tuas mãos; que para tua conformidade nisto com a santa igreja de Deus, possa ser colocada em plena posse e gozo de seu inteiro direito; de modo que o próprio príncipe dos apóstolos possa interceder perante o trono do Todo-Poderoso por uma longa vida para ti, e prosperidade em todas as tuas obras."

domingo, 8 de janeiro de 2017

O Primeiro Objeto Visível de Veneração Cristã

Por mais de trezentos anos após a primeira publicação do evangelho há boas razões para crer que nem imagens nem qualquer outros objetos visíveis de reverência religiosa eram admitidos no serviço público das igrejas, ou adotados nos exercícios de devoção privada. Provavelmente tal coisa nunca tinha sido pensada pelos cristãos antes dos dias de Constantino; e podemos apenas considerá-la como um dos primeiros frutos da união da igreja com o Estado. Até esse período o grande protesto dos cristãos era contra a idolatria dos pagãos: e por isto eles sofreram até a morte. E não é pouco notável que a imperatriz Helena, a mãe de Constantino, foi a primeira a excitar a mente cristã a esta degradante superstição. Conta-se que ela, em seu zelo por lugares religiosos, tenha descoberto e desenterrado a madeira da "verdadeira cruz". Isto foi o suficiente para o propósito do inimigo. A predileção da natureza humana por objetos de veneração se acendeu; a chama se espalhou rapidamente; e seguiu-se a usual consequência -- a idolatria.

Memoriais similares do Salvador, da Virgem Maria, dos Apóstolos inspirados, e dos "Pais da Igreja", foram também "encontrados". As relíquias mais sagradas que estavam escondidas por séculos eram então descobertas por visões. Tão grande e tão bem-sucedida foi a ilusão do inimigo que toda a igreja caiu na armadilha. Da época de Constantino até a época da invasão árabe, a veneração por imagens, pinturas e relíquias gradualmente aumentou. A reverência pelas relíquias era mais característica dos ocidentais, e a reverência por imagens das igrejas orientais. Mas, a partir da época de Gregório, o Grande, o sentimento do Ocidente se tornou mais favorável às imagens. Em consequência da decadência quase total da literatura, tanto entre o clero quanto entre os leigos, o uso de imagens tornou-se uma imensa fonte de poder para o sacerdócio. Pinturas, estátuas e representações visíveis de objetos sagrados tornaram-se o modo mais fácil de dar instruções, encorajar a devoção e fortalecer os sentimentos religiosos nas mentes do povo. Os mais intelectuais ou iluminados dentre o clero podiam se esforçar em manter a distinção entre o respeito por imagens com um meios e não como objetos de adoração. Mas a devoção indiscriminada do vulgar desconsidera totalmente essas sutilezas. O apologista pode estabelecer distinções muito sutis entre imagens como objetos de reverência e como objetos de adoração, mas não pode haver dúvida que, com mentes ignorantes e supersticiosas, o uso, a reverência, a adoração de imagens, seja em pinturas ou estátuas, invariavelmente se degenera em idolatria.

Antes do final do século VI a idolatria estava firmemente estabelecida na igreja oriental, e durante o século VII fez um progresso gradual e muito geral no Ocidente, onde já tinha anteriormente ganhado algum terreno. Tornou-se comum cair prostrado perante imagens, rezar para elas, beijá-las, adorná-las com gemas e metais preciosos, colocar as mãos sobre elas em juramento, e até mesmo empregá-las como madrinhas e padrinhos de batismo.

domingo, 24 de julho de 2016

Reflexões Sobre os Grandes Eventos do Reinado de Constantino

Antes de prosseguirmos com nossa história geral, será interessante fazer uma pausa por um momento e considerar o significado das grandes mudanças que ocorreram, tanto na posição da igreja quanto no mundo, durante o reinado de Constantino, o Grande. Não seria demais dizer que a igreja passou pelas mais importantes crises de sua história, e que a queda da idolatria pode ser considerada como o evento mais importante em toda a história do mundo. Desde um período pouco após o dilúvio, a idolatria tinha prevalecido entre as nações da terra, e Satanás, por seus artifícios, tinha sido o objeto de adoração. Mas todo o sistema da idolatria foi condenado por todo o mundo romano, se não finalmente derrubado, por Constantino; de qualquer modo, ela tinha recebido sua ferida mortal.

A igreja, sem dúvida, perdeu muito por sua união com o Estado. Ela não mais existia como uma comunidade separada, e não era mais governada exclusivamente pela vontade de Cristo. Ela tinha abandonado sua independência, perdido seu caráter celestial, e se tornado inseparavelmente identificada com as paixões e interesses do poder governante. Tudo isso foi extremamente triste, e o fruto de sua própria incredulidade. Mas, por outro lado, o mundo ganhou muito com essa mudança. Isto não pode ser ignorado em nossas lamentações sobre o fracasso da igreja. O estandarte da cruz agora se erguia por todo o império; Cristo era publicamente proclamado como o único Salvador da humanidade; e as santas escrituras eram reconhecidas como a Palavra de Deus, o único guia seguro e certo para a bem-aventurança eterna. Antes mesmo de estar ligada ao poder civil, a igreja professa estava, sem dúvida, espiritualmente fraca, e assim deve ter pensado mais em seu bem-estar do que em sua missão de bênção para os outros; no entanto, Deus pôde agir por meio dessas novas oportunidades, e acelerar o desaparecimento das terríveis abominações da idolatria da face do mundo romano.

A legislação geral de Constantino ostenta evidências do trabalho silencioso dos princípios cristãos, e os efeitos dessas leis humanas seriam sentidas muito além do círculo imediato da comunidade cristã. Ele promulgou leis para a melhor observância do domingo; contra a venda de crianças como escravas, o que era comum entre os pagãos; e também contra o furto de crianças com o objetivo de vendê-las, assim como muitas outras leis, tanto de caráter social quanto moral, que nos são informadas pelas histórias já citadas. Mas o maior e mais influente evento de seu reinado foi o extermínio dos ídolos, e a elevação de Cristo. Dizem que os etíopes e ibéricos foram convertidos ao cristianismo durante esse reinado.

A Morte de Ário

Nem Constantino nem Ário sobreviveram muito tempo após o exílio de Atanásio. Ário assinou um credo ortodoxo, e Constantino aceitou sua confissão. Ele o enviou a Alexandre, bispo de Constantinopla, dizendo-lhe que Ário deveria ser recebido à comunhão no dia seguinte, que era domingo. Alexandre, que tinha quase completado cem anos de idade, ficou muito angustiado pelas ordens do imperador. Ele entrou na "igreja"*, e orou fervorosamente para que o Senhor prevenisse tal profanação. Na noite do mesmo dia, Ário falava alegremente, em tom triunfante, sobre a cerimônia marcada para o dia seguinte. Mas o Senhor tinha ordenado de outra forma; Ele tinha ouvido a oração de Seu velho servo, e naquela noite o grande herege morreu. Seu fim é relacionado a circunstâncias que lembram a morte do traidor Judas. Que efeito o evento teve sobre Constantino, nós não sabemos; mas ele morreu pouco tempo depois, aos 64 anos de idade.**

{* N. do T.: "igreja" aqui se refere aos salões, ou templos, usados pelos cristãos para suas reuniões.}
{** Veja a História da Igreja, de Robertson, vol. 1, p. 199; e as Vidas dos Pais, de Cave, vol. 2, p. 145}

sexta-feira, 22 de julho de 2016

Atanásio Contesta a Autoridade de Constantino

Eusébio da Nicomédia inicialmente recorreu a medidas aparentemente amigáveis para com Atanásio, com o propósito de induzi-lo a readmitir Ário à comunhão da igreja. Mas, falhando completamente, ele influenciou o imperador para que lhe ordenasse a fazê-lo. Um mandato imperial foi emitido para que Ário e todos os seus amigos, que estavam dispostos a se ligarem mais uma vez à igreja católica, fossem recebidos; e informando a Atanásio que, se não o fizesse, ele deveria ser deposto de sua posição e mandado ao exílio. Atanásio, no entanto, não se deixou intimidar pelos decretos imperiais, mas firmemente respondeu que não poderia reconhecer pessoas que tinham sido condenadas por um decreto de toda a igreja. "Constantino agora descobria, para seu espanto", diz Milman, "que um decreto imperial -- que deveria ser obedecido em trêmula submissão de uma ponta à outra do império romano, mesmo se ele tivesse decretado uma revolução política completa, ou prejudicasse as propriedades e privilégios de milhares -- foi recebido com deliberada e decidida indiferença por um único bispo cristão. Durante dois reinados, Atanásio contestou a autoridade do imperador"*. Ele suportou a perseguição, calúnia, exílio; sua vida estava em constante perigo em defesa da grande e fundamental verdade -- a divindade do bendito Senhor. Ele enfrentou o martírio, não pela ampla distinção entre cristianismo e paganismo, mas por essa única doutrina central da fé cristã.

{* História do Cristianismo, vol.2, p. 540.}

Uma sucessão de queixas contra Atanásio foram levadas ao imperador pelo partido ariano -- ou, mais propriamente, o partido eusebiano. Mas estaria fora de nosso propósito entrar em detalhes: ainda temos de traçar um pouco mais a linha prateada nessa nobre e fiel testemunha.

A acusação mais pesada era de que Atanásio havia enviado uma soma de dinheiro para uma pessoa no Egito para ajudá-la em um projeto de conspiração contra o imperador. Ele foi intimado a comparecer e responder pela acusação. O clérigo obedeceu e pôs-se diante dele. Mas a aparição pessoal de Atanásio, um homem de poder notável sobre as mentes dos outros, parece ter inspirado temor à alma de Constantino. As acusações frívolas e infundadas foram triunfalmente refutadas por Atanásio perante um tribunal de inimigos, e assim a virtude imaculada de seu caráter foi inegavelmente estabelecida. E tal foi o efeito da presença de Atanásio sobre o imperador que ele denominou-o um homem de Deus e considerou seus inimigos como os autores dos distúrbios e divisões. Mas esta impressão teve curta duração, uma vez que ele continuava governado pelo partido eusebiano.

quinta-feira, 21 de julho de 2016

Constantino Muda de Ideia

Como o imperador não tinha um juízo independente próprio sobre os assuntos eclesiásticos, e certamente não tinha discernimento espiritual para essas controvérsias doutrinárias, não podia-se confiar na continuidade de seu favor. Em pouco mais de dois anos ele mudou completamente de opinião. No entanto, esses dois anos foram cheios de acontecimentos na história doméstica de Constantino que eram muito mais sérios do que uma mudança de ideia quanto ao arianismo. No mesmo ano em que ele convocou o concílio de Niceia, ele deu ordens privadas para a execução de Crispo, seu filho mais velho, e para o sufocamento em banho quente de sua esposa, Fausta, com quem estava casado por cerca de vinte anos. A história não pode encontrar motivos melhores para essas obras das trevas além de um ciúme mesquinho e indigno. Dizem que a sabedoria e bravura de Crispo, na derrubada final de Licínio, excitou o ciúme de seu pai, e isto foi provavelmente fomentado por Fausta, que era sua madrasta. Sabendo que ele foi amargamente reprovado por sua crueldade para com o seu próprio filho, ele ordenou a morte de Fausta em seu remorso e miséria. Como temos expressado um julgamento muito decidido contra a natureza ímpia da ligação entre a igreja e o Estado, já falamos demais sobre a vida privada do imperador, de modo que o leitor pode julgar quanto à aptidão -- ou melhor, inaptidão -- de alguém tão manchado de sangue poder se sentar como presidente em um concílio cristão. Desde aquele dia até hoje a igreja estatal tem sido exposta à mesma contaminação, seja na pessoa do soberano ou do comissário real.

Constância
, a viúva de Licínio e irmã de Constantino, possuía grande influência sobre seu irmão. Ela simpatizava com os arianos e estava sob influência deles. Em seu leito de morte, em 327, ela conseguiu convencer o irmão que uma injustiça tinha sido feita contra Ário, e o persuadiu a convidar Ário para sua corte. Ele o fez, e Ário apareceu apresentando ao imperador uma confissão de sua fé. Ele expressou, de modo geral, sua crença na doutrina do Pai, do Filho e do Espírito Santo, e suplicou que o imperador pusesse um fim às inúteis especulações para que a cisma fosse curada e todos, unidos, pudessem orar pelo reinado pacífico do imperador, e por toda a sua família. Por sua confissão plausível e seus belos discursos, ele alcançou seu objetivo. Constantino expressou estar satisfeito, e assim Ário e seus seguidores, por sua vez, ficaram em posições elevadas no favor imperial. Os que tinham sido banidos foram chamados de volta. Uma lufada de ar real mudou o aspecto externo de toda a igreja. O partido ariano tinha agora posse total da influência de peso do imperador, e logo se apressaram a utilizá-la.

quarta-feira, 20 de julho de 2016

O Concílio de Niceia

Capítulo 11: Roma e seus Governantes (313 d.C. - 397 d.C.)

 

Constantino se via agora obrigado a analisar com mais atenção a natureza da disputa. Ele começou a entender que a questão não tinha nada de insignificante, mas era da mais alta e essencial importância; e assim resolveu convocar uma assembleia de bispos de modo a estabelecer a verdadeiro doutrina, e para dissipar para sempre, como ele em vão esperava, esta propensão à disputa hostil. Tudo o que era necessário para a viagem dos bispos foi fornecido a cargo público, como se fosse um assunto de Estado.

No mês de junho de 325 d.C., o primeiro concílio geral da igreja se reuniu em Niceia, na Bitínia. Cerca de 318 bispos estavam presentes, além de um número muito grande de sacerdotes e diáconos. "A flor dos ministros de Deus", como diz Eusébio, "de todas as igrejas que abundam na Europa, África e Ásia, agora se reuniram". O espetáculo era totalmente novo, e certamente ninguém estava tão surpreso como os próprios bispos. Não havia passado muitos anos desde que foram marcados como os objetos da mais cruel perseguição. Eles tinham sido escolhidos por causa de sua eminência como vítimas peculiares da política de extermínio do governo. Muitos deles levavam em seus corpos as marcas dos sofrimentos por Cristo. Eles tinham conhecido o que era ser conduzido ao exílio, trabalhar em minas, ser exposto a todo o tipo de humilhação e insulto. Mas agora tudo tinha mudado, mudado tanto que eles mal podiam acreditar que aquilo era realidade e não uma visão. Os portões do palácio se abriram para eles, e o imperador do mundo agiu como o moderador da assembleia.

Nada podia confirmar e declarar tanto ao mundo a triste queda da igreja e sua submissão ao Estado como o lugar que tinha o imperador nesses concílios. Ele não chegou em Niceia até o dia 3 de julho. No dia seguinte os bispos se reuniram no hall do palácio, que tinha sido preparado para o propósito. Aprendemos de Eusébio que a assembleia se sentou em profundo silêncio, enquanto os grandes oficiais do Estado e outras pessoas honráveis entravam no salão, e assim esperaram em trêmula expectativa a aparição do imperador. Constantino, com muita demora, entrou; ele estava vestido esplendidamente: os olhos dos bispos ficaram ofuscados com o ouro e as pedras preciosas de seu traje. A assembleia inteira levantou-se para dar-lhe honra. Ele avançou até um assento de ouro preparado para ele, e ali ficou parado em pé, em respeitosa deferência aos dignatários espirituais, até que foi convidado a se sentar. Após cantarem um hino de louvor, ele deu uma exortação sobre a importância da paz e união. O concílio sentou-se ali por pouco mais de dois meses, e Constantino parece ter estado presente durante a maior parte das sessões, ouvindo com paciência, e conversando livremente com os diferentes prelados.

domingo, 17 de julho de 2016

A Primeira Impressão de Constantino sobre a Controvérsia

A dissensão logo se tornou tão violenta que julgou-se necessário apelar ao imperador. Ele, a princípio, considerou a questão toda como totalmente insignificante e sem importância. Ele escreveu uma carta a Alexandre e Ário em conjunto, na qual ele os reprova por contender sobre questões ociosas e diferenças imaginárias, e recomenda que eles suprimissem todos os sentimentos profanos de animosidade, e que vivessem em paz e unidade*. É mais que provável que o imperador não tivesse ideia da séria natureza da disputa, ou não teria falado dela como insignificante e sem importância: mas se a carta foi elaborada por Hosius, bispo de Córdova, como  muitos acreditam, ele não podia alegar ignorância de seu caráter, e deve ter escrito o documento de acordo com os sentimentos expressos por Constantino, e não de acordo com seu próprio julgamento. A carta foi altamente exaltada por muitos como um modelo de sabedoria e moderação, e, se não fosse a questão de maior abrangência que fixar a data da Páscoa, realmente mereceria tal elogio. Mas a Divindade e a glória de Cristo estavam em questão e, consequentemente, a salvação da alma.

{* Veja a Carta em Vida de Constantino, de Eusébio, vol. 2}


Hosius foi enviado ao Egito como o comissário imperial, a quem a resolução do caso foi confiada. Mas ele descobriu que a dissensão ocasionada pela controvérsia tinha se tornado tão séria que ambas as partes se recusaram a ouvir as advertências do bispo, mesmo acompanhado da autoridade do soberano.

A Controvérsia Ariana

Mal tinha a paz exterior da igreja sido assegurada pelo decreto de Milão e ela foi distraída por dissensões internas. Pouco após o rompimento da cisma donatista na província da África, a controvérsia ariana, que tinha sua origem no Oriente, se estendeu a todas as partes do mundo. Já falamos dessas raivosas contendas como o mais amargo fruto da união antibíblica da igreja com o Estado. Não que elas necessariamente surgiram a partir dessa união, mas pelo fato de Constantino ter se tornado o chefe declarado e ostensivo da igreja, e por ele presidir em suas assembleias solenes, questões de doutrina e prática produziam uma agitação por todo o corpo da igreja, e não apenas na igreja como também exerciam uma poderosa influência política sobre os assuntos do mundo. Sendo o império então cristão, ao menos em princípio, tais questões eram de interesse e importância mundial. A partir daí a controvérsia ariana foi a primeira que rasgou todo o corpo de cristãos, e dispôs em quase todas as partes do mundo os partidos hostis em implacável oposição.

Heresias de natureza semelhante à de Ário tinham aparecido na igreja antes de sua ligação com o Estado, mas sua influência raramente se estendia além da região e do período de seu nascimento. Após alguns debates ruidosos e palavras raivosas, a heresia caía em desonra, e era logo quase esquecida. Mas foi muito diferente com a controvérsia ariana. Constantino, que se sentava no trono do mundo e assumia ser a única cabeça da igreja, interpôs sua autoridade de modo a prescrever e definir os princípios precisos da religião que ele tinha estabelecido. A Palavra de Deus, a vontade de Cristo, o lugar do Espírito, as relações celestiais da igreja, foram todas perdidas de vista -- ou melhor, nunca tinham sido vistas pelo imperador. Ele tinha provavelmente ouvido algo sobre as numerosas opiniões pelas quais os cristãos se dividiam; mas ele viu, ao mesmo tempo, que eles eram uma comunidade que tinha continuado a avançar em vigor e magnitude; que eles eram realmente unidos em meio às heresias, e fortes sob a mão de ferro da opressão. Mas ele não podia ver, nem podia entender, que então, apesar de seu fracasso, ela estava olhando para o Senhor e inclinando-se apenas nEle neste mundo. Qualquer outra mão estava contra ela e era guiada pelo trabalho e pelo poder do inimigo. Mas, declaradamente, ela estava prosseguindo através do deserto, encostada em seu Amado, e nenhuma arma forjada contra ela podia prosperar.

O imperador, sendo completamente ignorante das relações celestiais da igreja, pode ter pensado que, como ele podia dar-lhe completa proteção da opressão externa, ele podia também, pela sua presença e poder, dar-lhe paz e descanso das dissensões internas. Mas ele mal sabia que, não obstante estas estarem muito além de seu alcance, a própria segurança, facilidade mundana e indulgência que ele tão generosamente concedia ao clero eram os principais meios que fomentavam discórdias e inflamavam as paixões dos disputantes. E assim aconteceu que ele era continuamente atacado pelas reclamações e acusações mútuas de seus novos amigos.

Constantino como o Árbitro das Diferenças Eclesiásticas

Novamente os donatistas suplicaram ao imperador pela causa deles, e nessa ocasião para levar a questão inteiramente por suas próprias mãos, ao que ele concordou, embora ofendido pela obstinação deles. Ele ouviu o caso em Milão no ano 316, onde proferiu a sentença em concordância com os concílios de Roma e Arles. Ele também emitiu decretos contra eles, aos quais ele mais tarde repeliu ao ver as perigosas consequências das medidas violentas. Mas o donatimo logo se tornou uma cisma feroz, generalizada e intolerante na igreja. Já em 330 eles tinham crescido tanto que um sínodo foi realizado por 270 bispos, e em alguns períodos de sua história houve sínodos de cerca de 400 bispos. Eles provaram ser uma grande aflição para as províncias da África por mais de 300 anos - na verdade, até a época da invasão maometana.

sábado, 9 de julho de 2016

O Batismo e Morte de Constantino

O batismo de Constantino deu origem a quase tanta especulação quanto sua conversão. Apesar do grande zelo que ele demonstrava em favor do cristianismo, ele adiou seu batismo e, consequentemente, sua recepção na igreja, até a aproximação de sua morte. Muitos motivos, tanto políticos quanto pessoais, foram sugeridos por diferentes escritores como as razões do adiamento; mas tememos que o verdadeiro era pessoal. A superstição já tinha, nessa época, ensinado os homens a conectarem o perdão dos pecados ao rito do batismo. Sob esse terrível engano Constantino parece ter adiado seu batismo até que não pudesse mais desfrutar de suas honrarias imperiais e saciar suas paixões nos prazeres do mundo. É impossível conceber qualquer indulgência papal mais destrutiva para a alma, mais desonrosa para o cristianismo, e mais perigosa para toda a virtude moral. Era uma licença para que pessoas como Constantino perseguissem os grandes objetos de sua ambição por meio dos tenebrosos caminhos de sangue e crueldade, uma vez que colocava em suas mãos maneiras de conseguir um perdão fácil quando fosse conveniente. Mas, por outro lado, podemos pensar que tenha sido uma grande misericórdia do Senhor que alguém cuja vida privada e doméstica -- assim como sua carreira pública -- fosse tão manchada de sangue, não professasse publicamente o cristianismo ao receber o batismo e participar da ceia do Senhor.

Os bispos, a quem ele chamou ao palácio da Nicomédia em sua última doença, ouviram sua confissão, se deram por satisfeitos e o abençoaram. Eusébio, bispo da Nicomédia, o batizou! Ele agora professava, pela primeira vez, que se Deus poupasse sua vida ele se uniria à assembleia de Seu povo, e que, tendo usado as vestes brancas do neófito, ele jamais usaria novamente o púrpura do imperador. Mas essas decisões foram feitas tarde demais: ele morreu pouco tempo depois de seu batismo, no ano 337.*

{* Vida de Constantino, de Eusébio, p. 147}


Helena, a mãe do imperador, merece uma breve menção. Ele abraçou a religião professada por seu filho. Sua devoção, piedade e generosidade eram grandes. Ela viajou por vários lugares, visitando os lugares sagrados que tinham sido cenários dos principais eventos da história das Escrituras, e ordenou que o templo de Vênus, que Adriano tinha construído no local do santo sepulcro, fosse demolido, e deu instruções para que uma "igreja", que deveria exceder todas as outras em esplendor, fosse construída no local. Ela morreu em 328 d.C.

Já vimos, infelizmente com tanta clareza, a verdade dolorosa das palavras do Senhor, de que a igreja estava habitando onde estava o trono de Satanás. Constantino a deixou lá. Ele a encontrou aprisionada em minas, masmorras e catacumbas, e afastada da luz do céu, e a colocou no trono do mundo. Mas o quadro ainda não está completo: devemos tomar nota de outras características na história, recorrendo à semelhança na epístola.

O reinado de Constantino foi marcado não apenas pela igreja sendo retirada de seu lugar correto através dos enganos de Satanás, mas também pelos amargos frutos dessa mudança degradante. As sementes do erro, da corrupção e da dissensão se espalharam rapidamente, e agora apareciam publicamente perante os tribunais do mundo, e em alguns casos diante do mundo pagão. 

domingo, 26 de junho de 2016

Constantino como "Cabeça da Igreja" e Sumo Sacerdote dos Pagãos

Após a total derrota de Licínio, à qual já nos referimos, todo o mundo romano estava reunido sob o cetro de Constantino. Em sua proclamação emitida aos seus novos súditos no Oriente, ele declara a si mesmo como o instrumento de Deus para a disseminação da verdadeira fé, e que Deus tinha lhe dado a vitória sobre todos os poderes das trevas, de modo que sua própria adoração por seus próprios meios fosse universalmente estabelecida. "Liberdade", diz ele, em uma carta a Eusébio, "sendo mais uma vez restaurada e, pela providência do grande Deus e de meu próprio ministério, o dragão sendo expulso da ministração do Estado, eu confio que o poder divino tenha se tornado manifesto a todos, e que aqueles que, através do medo ou incredulidade tenham caído em muitos crimes, chegarão ao conhecimento do verdadeiro Deus, e à correta e verdadeira ordem em suas vidas." Constantino tinha então tomado seu lugar mais abertamente a todo o mundo como a "cabeça da igreja"; mas ao mesmo tempo retinha o ofício de Pontifex Maximus - o sumo sacerdote do paganismo; a isto ele nunca renunciou, tendo morrido como "cabeça da igreja" e sumo sacerdote do paganismo.

Esta aliança profana, ou mistura profana da qual já falamos, e que é mencionada e lamentada na carta a Pérgamo, se encontra em todos os passos na história desse grande príncipe histórico. Mas tendo já visto algumas explicações sobre a carta, deixaremos que o próprio leitor compare a verdade e a história de forma piedosa. Que misericórdia termos tal guia ao estudarmos esse marcante período da história da igreja!

Dentre os primeiros atos do agora único imperador do mundo estava a revogação de todos os decretos de Licínio contra os cristãos. Ele libertou todos os prisioneiros das masmorras e das minas, ou da servil e humilhante ocupação a qual eles tivessem sido desdenhosamente condenados. Todos os que foram privados de seus postos no exército ou no serviço civil foram restaurados, e restituições foram feitas para as propriedades das quais tinham sido despojados. Ele emitiu um decreto endereçado a todos os seus súditos, aconselhando-lhes a abraçar o evangelho, mas não pressionando ninguém; ele desejava que fosse uma questão de convicção. Ele esforçou-se, no entanto, em torná-lo atraente concedendo lugares e honras a prosélitos das mais altas classes e doações aos pobres - uma atitude que, como reconhece Eusébio, produziu uma grande quantidade de hipocrisia e conversão fingida. Ele ordenou que "igrejas" fossem construídas em todos os lugares, e que tivessem o tamanho suficiente para acomodar toda a população. Ele proibiu a construção de estátuas aos deuses, e não permitia que sua própria estátua fosse colocada nos templos. Todos os sacrifícios oficiais foram proibidos, e de muitas formas ele se esforçou em elevar o cristianismo e suprimir o paganismo.

A União da Igreja com o Estado

No mês de março de 313, os proclamas da aliança profana entre a igreja e o Estado foram publicados em Milão. O celebrado decreto daquela data conferiu aos cristãos completa tolerância, e abriu o caminho para o estabelecimento legal do cristianismo e para sua ascensão sobre todas as outras religiões. Isto foi publicamente demonstrado no novo estandarte imperial - o Lábaro. Além das iniciais de Cristo* e do símbolo de Sua cruz, havia também uma imagem do imperador em ouro. Estes signos, ou motes, foram concebidos como objetos de adoração, tanto para os soldados pagãos quanto cristãos, e para animar-lhes o entusiasmo no dia da batalha. Assim, aquele que é chamado de grande imperador cristão uniu publicamente o cristianismo e a idolatria.

{* As letras normalmente empregadas para representar o nome do Salvador eram LH.S, que significa Jesu Hominum Salvator - Jesus, o Salvador dos homens.}

Mas se temos entendido a mente de Constantino corretamente, não podemos hesitar em dizer que, naquele tempo, ele era um pagão de coração, e um cristão apenas por motivos militares. Foi apenas como um soldado supersticioso que ele tinha abraçado o cristianismo. Naquele momento ele estava pronto para receber a assistência de qualquer divindade tutelar em suas lutas pelo império universal. Não podemos ver qualquer traço de cristianismo, muito menos qualquer traço de zelo de um novo convertido: mas podemos facilmente identificar os traços da velha superstição do paganismo na roupagem nova de cristianismo. Se não fosse por tais considerações, o Lábaro teria sido a exibição da mais ousada desonra ao bendito Senhor. Mas foi tudo feito em ignorância. Ele estava também ansioso em atender às mentes de seus soldados e súditos pagãos, e dissipar-lhes os medos quanto à segurança de sua velha religião.

Os primeiros decretos de Constantino, embora favoráveis ao cristianismo em seus efeitos, foram dados em termos cautelosos de modo a não interferir nos direitos e liberdades do paganismo. Mas os cristãos gradualmente foram crescendo em seu favor, e seus atos de bondade e liberalidade falaram mais alto que os decretos. Ele não somente os restaurou quanto aos seus direitos civis e religiosos dos quais tinham sido privados, e as "igrejas" e propriedades que lhes tinham sido publicamente confiscadas na perseguição diocleciana; como também permitiu-lhes, por seus próprios presentes generosos, construir muitos novos lugares para suas assembleias. Ele demonstrou grande favor aos bispos e os tinha constantemente com ele no palácio, em suas viagens e em suas guerras. Ele também demonstrou seu grande respeito pelos cristãos ao entregar a educação de seu filho Crispo nas mãos do celebrado cristão Lactâncio. Mas com todo esse patrocínio real, ele assumiu a supremacia sobre os assuntos da igreja. Ele aparecia nos sínodos dos bispos sem seus guardas, se misturava em seus debates, e controlava a resolução das questões religiosas. A partir desse tempo o termo "Católica" era aplicado invariavelmente, em todos os documentos oficiais, à igreja.

A Condição na Qual Constantino Encontrou a Igreja

Até esse tempo a igreja tinha sido perfeitamente livre e independente do Estado. Ela tinha uma constituição divina direta dos céus - e fora do mundo. Ela trilhava seu caminho, não pelo patrocínio do Estado, mas por poder divino, contra qualquer influência hostil. Em vez de receber apoio do governo civil, ela tinha sido perseguida desde o início como um inimigo estrangeiro, como uma obstinada e pestilenta superstição. Dez vezes foi permitido ao diabo levantar contra ela todo o mundo romano, que dez vezes teve que confessar sua fraqueza e derrota. Se ela tivesse mantido em mente o dia de suas bodas e o amor daquEe que diz "Nunca ninguém odiou a sua própria carne; antes a alimenta e sustenta, como também o Senhor à igreja" (Efésios 5:29), ela nunca teria aceitado a proteção de Constantino ao custo de sua fidelidade a Cristo. Mas a igreja como um todo estava agora muito misturada com o mundo, e muito longe de seu primeiro amor.

Já vimos que, desde os dias dos apóstolos, houve um crescente amor pelo mundo e por sua pompa exterior. Por causa desta tendência, tão natural a nós todos, o Senhor permitiu, em amor, que Satanás a perseguisse. Mas a igreja, em vez de aceitar a prova como um castigo vindo da mão do Senhor, e desejando o mundanismo, se cansou de seu lugar e caminho de rejeição, e pensando que ainda assim poderia agradar e servir ao Senhor, passou a andar sob a luz do mundo. Esta ilusão satânica foi cumprida por Constantino, embora ele não soubesse o que estava fazendo. "Quaisquer que fossem os motivos de sua conversão", diz Milman, "Constantino, sem dúvida, adotou uma política prudente e criteriosa, ao garantir a aliança, em vez de continuar a luta, com um adversário que dividia a riqueza, o intelecto, se não também a propriedade e a população do império."

sábado, 25 de junho de 2016

A História Religiosa de Constantino

Tudo o que sabemos sobre a religião de Constantino até o período de sua assim chamada "conversão" indica que ele era, exteriormente, se não zelosamente, um pagão. O próprio Eusébio admite que ele estava, nesta época, em dúvida sobre qual religião abraçaria. Política, superstição, hipocrisia e inspiração sobrenatural foram as influências decisivas, em menor ou maior grau, em sua futura história religiosa. Mas seria certamente injusto supor que sua profissão do cristianismo, e suas declarações públicas em seu favor, eram nada mais do que uma deliberada e intencional hipocrisia. Tanto seu caminho religioso quanto eclesiástico admitem uma explicação muito mais elevada e natural. Mas também não podemos acreditar que tenha havido algo de inspiração divina, seja em sua visão ao meio-dia ou em seu sonho à noite. Pode ter ocorrido alguma aparição incomum no sol ou nas nuvens, que a imaginação converteu em um sinal miraculoso da cruz; e a outra aparição pode ter sido fruto do exagero de um sonho em decorrência de seu estado de elevada ansiedade: mas toda essa história pode agora ser considerada uma fábula, cheia de bajulações ao grande imperador, e muito gratificante para seu grande admirador e panegirista, Eusébio. Não há como colocá-la entre os registros autênticos da História.

Política e superstição tiveram, sem dúvida, uma grande influência na mudança que se operou na mente de Constantino. Desde sua juventude ele tinha testemunhado a perseguição aos cristãos e deve ter observado uma vitalidade na religião deles que se erguia acima do poder de seus perseguidores, e sobrevivia diante da queda de todos os outros sistemas. Ele tinha visto um imperador após outro, que tinham sido inimigos públicos do cristianismo, morrerem a mais terrível morte. Apenas seu pai - dentre todos os imperadores - o protetor do cristianismo durante a longa perseguição, tinha descido a um túmulo honrado e pacífico. Fatos tão marcantes não poderiam falhar em influenciar a mente supersticiosa de Constantino. Além disso, ele pode ter apreciado com sagacidade política a influência moral do cristianismo, sua tendência a impor obediência pacífica ao governo civil, e a imensa adesão que obviamente havia na mente de quase metade de seu império.

Os motivos do imperador, no entanto, são fazem parte da nossa história, não necessitando nos ocupar por muito mais tempo. Porém, de modo a enxergarmos com mais clareza esse período tão importante e de grande reviravolta na história da igreja, pode ser interessante olhar para o estado da igreja em que Constantino a encontrou em 313, e como ele a deixou em 337.

domingo, 19 de junho de 2016

O Decreto de Constantino e Licínio (313 d.C.)

O vitorioso imperador fez uma rápida visita a Roma. Dentre outras coisas que ele fez ali, ele ordenou que fosse erguida, no fórum, uma estátua sua segurando em sua mão direita o estandarte em forma de uma cruz, com a seguinte inscrição: "Por este sinal salutar, o verdadeiro símbolo de coragem, eu liberto tua cidade do jugo do tirano." Maxêncio foi encontrado no rio Tibre na manhã após a batalha. O imperador evidentemente sentiu que estava em débito para com o Deus dos cristãos e para com o símbolo sagrado da cruz por suas vitórias. E isto, ousamos dizer, foi o ponto máximo de seu cristianismo naquele tempo. Como um homem, ele não tinha sentido necessidade de um Salvador, se é que alguma vez sentiu. Mas como guerreiro, ele abraçou a religião cristã com seriedade. Mais tarde, como um homem do Estado, ele reconheceu e valorizou o cristianismo, mas só Deus sabe se alguma vez, como um pecador perdido, ele aceitou o Salvador. É difícil para príncipes serem cristãos.

Constantino procede, então, em direção ao Ilírico para se encontrar com Licínio, com quem tinha formado uma aliança secreta antes de ir ao confronto contra Maxêncio. Os dois imperadores se encontraram em Milão, onde a aliança deles foi ratificada pelo casamento de Licínio com a filha de Constantino. Foi durante esse momento de paz que Constantino persuadiu Licínio para que consentisse em repelir os decretos de perseguição de Diocleciano, e a emissão de um novo decreto de completa tolerância. Tendo nisto concordado, um decreto público, assinados por ambos Constantino e Licínio, foi emitido em Milão, em 313 d.C., em favor dos cristãos, o que pode ser considerado como a maior garantia oficial da liberdade deles. Completa e ilimitada tolerância lhes foi concedida; suas "igrejas" e propriedades foram restauradas sem compensação; e, assim, exteriormente, o cristianismo florescia.

Mas a paz entre os imperadores, que parecia ter sido estabelecida sobre um fundamento firme, foi logo interrompida. Inveja, amor ao poder e a ambição pela soberania no império Romano não permitiriam que ficassem por muito tempo em paz. Uma guerra irrompeu no ano 314, mas Licínio foi derrotado com grandes perdas, tanto de homens quanto de território. Uma nova época de paz novamente começou, que durou cerca de nove ano. Uma nova guerra tornou-se inevitável, e mais uma vez assumiu a forma de embate religioso entre os imperadores rivais. Licínio aderiu à causa dos sacerdotes pagãos e perseguiu os cristãos. Ele condenou à morte muitos dos bispos que ele sabia que eram muito especiais e favoritos na corte de seu rival. Ambos os partidos faziam agora preparativos para um confronto que deveria resolver definitivamente a questão. Licínio, antes de sair para a guerra, sacrificou aos deuses e os louvou em discurso público. Constantino, por outro lado, confiou no Deus cujo símbolo acompanhava seu exército. Os dois exércitos hostis se encontraram. A batalha foi feroz, obstinada e sanguinária. Licínio não era um adversário qualquer, mas o gênio dominante, a atividade e a coragem de Constantino prevaleceu. A vitória estava completa. Licínio sobreviveu a sua derrota por cerca de apenas um ano. Ele morreu, ou talvez tenha sido assassinado em privado, em 326. Constanino tinha agora alcançado o auge de sua ambição. Ele se tornou o único soberano do Império Romano, e continuou assim até sua morte em 337. Para uma descrição da carreira política e militar desse grande príncipe devemos indicar ao leitor a história civil; vamos agora brevemente tomar nota de sua carreira religiosa.

O Estandarte da Cruz

De acordo com Eusébio, os artífices em ouro e pedras preciosas foram imediatamente chamados, e receberam as ordens dos lábios de Constantino. Eusébio tinha visto o estandarte e fornece um longo relato sobre isso. Como um enorme interesse é lançado sobre essa relíquia da antiguidade por todos os escritores eclesiásticos, daremos ao leitor uma breve, porém minuciosa, descrição dele.

A haste, ou suporte perpendicular, era longa e banhada a ouro. Em seu topo havia uma coroa, composta de ouro e pedras preciosas, com a gravação do símbolo sagrado da cruz e as primeiras letras do nome do Salvador, ou a letra grega X sobreposta à letra P (XPISTOS em grego). Logo sob esta coroa estava a figura do imperador em ouro, e embaixo um crucifico de madeira, no qual pendia uma bandeira quadrada de tecido púrpura, bordada e coberta com pedras preciosas. Isso foi chamado de Lábaro. Esse resplandecente estandarte era carregado à frente dos exércitos imperiais e guardado por cinquenta homens escolhidos, supostamente invulneráveis devido ao caráter deles.

Constantino também mandou chamar mestres cristãos, a quem ele questionou sobre o Deus que lhe apareceu, e a importância do símbolo da cruz. Isto deu-lhes a oportunidade de direcionar sua mente para a Palavra de Deus e de instruí-lo no conhecimento de Jesus e de Sua morte na cruz. A partir de então o imperador se declarava a si mesmo um convertido ao cristianismo. A confiança e expectativas supersticiosas de Constantino e de seu exército estavam agora elevadas ao máximo. A batalha decisiva aconteceu na ponte Mílvia. Constantino conquistou uma notável vitória sobre seu inimigo, embora suas tropas não chegassem a um quarto do número das tropas de Maxêncio.

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