domingo, 12 de março de 2017

A Soberania dos Pontífices Romanos (775 d.C.)

O papa tornou-se então um príncipe secular. O dia a tanto tempo esperado tinha chegado; o sonho afeiçoado de séculos tinha se realizado. Os sucessores de São Pedro são proclamados soberanos pontífices e os senhores da cidade e dos territórios de Roma. O último elo da sombria vassalidade e subserviência ao Império Grego [ou Império Oriental] está quebrado para sempre, e Roma tornou-se novamente a reconhecida capital do Ocidente.

O grande papa Adriano assumiu imediatamente os privilégios do poder e a linguagem de um soberano secular a quem é devida fidelidade. Murmúrios vindos de Ravena e do Oriente foram rapidamente silenciados, e Roma reinou suprema. A linguagem do papa, até mesmo para com Carlos Magno, era a de um igual: "Como os vossos homens", diz ele, "não estão autorizados a vir a Roma sem vossa permissão e carta especial, do mesmo modo meus homens não estão autorizados a aparecer perante a corte da França sem as mesmas credencias vindas de mim". Ele reivindicou a mesma fidelidade dos italianos que os súditos de Carlos Magno deviam a ele. "A administração da justiça estava no nome do papa; não apenas os assuntos eclesiásticos e nas rendas das propriedades que formavam parte do patrimônio de São Pedro, como também as receitas civis entraram em seu tesouro... Adriano, com o poder, assumiu a magnificência de um grande potentado... Roma, com o aumento das receitas papais, começou a retomar mais de seu antigo esplendor."

Adriano Envia Carlos Magno

O papa então enviou mensagens com a maior pressa pedindo a ajuda imediata de Carlos, e ao mesmo tempo diligentemente supervisionava, em pessoa, os preparativos militares para a defesa da cidade e a segurança de seus tesouros. E, de acordo com uma velha estratégia de Roma, [o papa] Adriano enviou três bispos para intimidar o rei e ameaçá-lo de excomunhão se ele ousasse violar a propriedade da igreja. O papa, deste modo, ganhou tempo, e Carlos, com sua usual rapidez, reuniu suas forças, cruzou os Alpes e sitiou Pavia. Durante o cerco, que continuou por vários meses, Carlos fez uma visita ao papa com grande pompa, e foi recebido com toda a honra. Ele foi aclamado pelos nobres, senadores e cidadãos como patrício de Roma e o filho obediente da igreja, que tinha obedecido tão rapidamente a convocação de seu pai espiritual e veio libertá-los dos odiosos e temidos lombardos. Quando as festividades sacras terminaram, Carlos e seus oficiais retornaram ao exército.

Pavia, com o tempo, caiu. Desidério, sucessor do grande e sábio Luitprando, foi destronado, e tomou refúgio em um monastério -- o habitual asilo dos reis destronados; seu valente filho Adalgis fugiu para Constantinopla; e assim expirou o reino dos lombardos, os inimigos mortais dos italianos, e o grande obstáculo para a agressividade papal. O caminho estava então limpo para que o conquistador desse ao papa um reino, não apenas no papel, como fez seu pai Pepino, mas em cidades, províncias e rendimentos públicos. E assim ele fez, e assim ratificou o magnânimo presente de seu pai. Como senhor pela conquista, Carlos Magno presenteou aos sucessores de São Pedro, por uma concessão absoluta e perpétua, o reino da Lombardia; e, como dizem alguns, de toda a Itália. Ao mesmo tempo Carlos reivindicou o título real, e exerceu um tipo de soberania sobre toda a Itália e até mesmo sobre a própria Roma. Mas o papa, estando então seguro na posse do território, podia bem dispôr-se a permitir todas as honras reais ao seu grande benfeitor.

domingo, 5 de março de 2017

As Guerras Religiosas de Carlos Magno (por volta de 771-814)

A assim chamada história eclesiástica, desde a época de Pepino, está tão entrelaçada com a história dos reis francos e com as vergonhosas intrigas dos papas que devemos ir mais além, embora brevemente, em traçar o curso dos eventos que tem importante influência no caráter do papado e na história da igreja.

O poder crescente de Carlos Magno, o filho mais novo de Pepino, foi assistido pelos ocupantes da cadeira de São Pedro com o maior interesse possível, e habilmente usado por eles para o cumprimento de seus ambiciosos desígnios. O papa Adriano I e Leão III, ambos homens talentosos, sentaram-se no trono papal durante o longo reinado de Carlos, e foram bem-sucedidos em engrandecer muito, através do que é chamado suas guerras religiosas, a Sé Romana.

Uma disputa entre Desidério, rei dos lombardos, e o papa Adriano, levou a uma guerra com a França que acabou na completa derrota do reino lombardo na Itália. Este foi o resultado do grande esquema do papado, e provocado pela política sem princípios e traiçoeira do pontífice. Carlos era genro de Desidério, mas depois de um ano de casamento ele se divorciou de Hermingard, a filha do lombardo, e imediatamente se casou com Hildegard, uma senhora de uma nobre casa da Suábia. O insultado pai, ao receber de volta sua filha repudiada, naturalmente buscou por reparação por meio do papa, o chefe da igreja, de quem Carlos era um filho tão obediente. Mas embora a igreja, adequando-se a seus próprios propósitos, tivesse afirmado em termos fortes a santidade do vínculo matrimonial, a violação aberta no exemplo de Carlos foi ignorada; o papa se recusou a interferir.

Roma reconhecia o bom serviço do grande Carlos e não podia arriscar seu desagrado. Nem uma palavra foi dita contra a conduta do dissoluto monarca. Desidério, por fim, ressentiu-se pelo amargo insulto de Carlos e pela ímpia conivência de Adriano. Ele apareceu à frente de suas tropas na Itália papal, e sitiou, invadiu e espalhou a devastação por toda a parte, e ameaçou o papa em sua capital.

Os Paulicianos na Europa

Por volta da metade do século VIII, o imperador Constantino V, também conhecido como Coprônimo, seja como um favor ou como um castigo, transferiu um grande número de paulicianos para a Trácia, um posto avançado do império, e ali eles agiram como uma missão religiosa. Por essa emigração suas doutrinas foram introduzidas e difundidas na Europa. Eles parecem ter trabalhado com grande sucesso entre os búlgaros. Foi de modo a guardar a jovem igreja da Bulgária que Pedro da Sicília, por volta do ano 870, escreveu ao arcebispo dos búlgaros um tratado alertando-o contra a infecção dos paulicianos. Este documento é a principal fonte de informação quanto à seita. No século X o imperador João Tzimisces conduziu uma nova grande migração dos paulicianos aos vales do monte Haemus. A história deles após esse período se passa na Europa. Eles foram favorecidos com uma livre tolerância na terra de seu exílio, o que muito suavizou a condição deles e fortaleceu sua comunidade. A partir desses assentamentos búlgaros o caminho deles se abriu para a Europa Ocidental. Muitos búlgaros nativos se associaram a eles; daí o nome dos búlgaros, de uma forma pejorativa, ter se tornado uma denominação de ódio vinculada aos paulicianos em todas as regiões.

Quanto à história religiosa subsequente desse interessante povo, os historiadores são bastante divididos. Não se sabe deles senão pelos escritos de seus inimigos; portanto, na justiça comum, somos obrigados a suspender nossa fé em suas declarações. Uma coisa, no entanto, é certa: eles protestavam contra a adoração a santos e imagens dos católicos, e contra a legitimidade do sacerdócio pelo qual a idolatria era defendida. Eles também protestavam contra muitas coisas nas doutrinas, na disciplina e na assumida autoridade da igreja de Roma. Os escritores católicos geralmente falam deles como maniqueístas, o tipo mais odioso de hereges. Mas há alguns escritores protestantes, que examinaram com grande cuidado tudo o que pode lançar luz sobre a história deles, que chegaram à conclusão de que eles eram inocentes das heresias que lhes foram imputadas, e afirmam que eles foram as testemunhas fiéis e verdadeiras de Cristo e de Sua verdade durante um período muito obscuro da Idade Média.*

{* Para detalhes e uma pesquisa mais cuidadosa, veja Hora Apocalyptica, vol. 2, 249-344, 5ª edição.}

Voltemos agora a nossa história geral.

Os Paulicianos de Rebelam Contra o Governo

Do mesmo modo que alguns dos albigenses, hussitas da Boêmia e calvinistas da França, os paulicianos da Armênia e das províncias adjacentes determinaram-se a uma resistência mais decidida aos seus perseguidores. Esta foi a triste falha deles, e o triste fruto de dar ouvidos às sugestões de Satanás. Por quase duzentos anos eles tinham sofrido como cristãos, adornando o evangelho por uma vida de fé e paciência. Até onde podemos julgar, eles parecem ter mantido a verdade através de um longo curso de sofrimento, no nobre, embora passivo, espírito de conformidade a Cristo. Mas a fé e a paciência falharam com o tempo, e eles se rebelaram abertamente contra o governo. Aconteceu assim:

Carbeas
, um oficial do alto escalão no serviço imperial, ao ouvir que seu pai tinha sido empalado pelos inquisidores católicos, renunciou a sua lealdade ao império, e com cinco mil companheiros, buscou um refúgio entre os sarracenos. O califa acolheu com prazer os desertores, e deu-lhes permissão para se estabelecerem dentro de seu território. Carbeas construiu e fortificou a cidade de Tefrique, que se tornou a sede dos paulicianos. Eles naturalmente se afluíram para esse novo lar, buscando um refúgio contra as leis imperiais. Eles logo se tornaram uma poderosa comunidade. Sob as ordens de Carbeas, a guerra foi travada contra o império, e mantida com vários êxitos por mais de trinta anos; mas como os detalhes seriam mais deprimentes do que interessantes, preferimos nos abster deles.

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