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sábado, 20 de fevereiro de 2016

As Perseguições na França (ano 177 d.C.)

Vamos agora nos voltar ao cenário da segunda perseguição sob o reinado do imperador Marco Aurélio. Aconteceu na França, e exatamente dez anos após a perseguição na Ásia. Pode ter havido outras perseguições durante esses dez anos, mas, até onde sabemos, não há registros autênticos de nenhum até o ano de 177. A fonte da qual derivamos nosso conhecimento sobre os detalhes desta última perseguição é uma carta circular das igrejas de Lion e Vienne às igrejas na Ásia. Se há qualquer alusão a esses dez ano históricos nas palavras do Senhor à igreja de Esmirna, não podemos dizer com certeza. As Escrituras não dizem isso. Comparando a história com a epístola, não é difícil ser sugerido tal pensamento. "Tereis uma tribulação de dez dias". Em outras partes desse livro de significado sobrenatural, um dia é considerado como um ano, então pode ser o caso também da epístola à Esmirna. A história nos dá o início e o fim quanto ao tempo, e o leste e o oeste em relação à abrangência da cena. Mas vamos olhar agora para alguns dos detalhes nos quais a semelhança pode ser mais manifesta.

A prisão foi uma das principais características de seus sofrimentos. Muitos morreram pelo ar sufocante das masmorras fétidas. A este respeito diferia da perseguição na Ásia. A excitação popular se ergueu ainda mais alto do que em Esmirna. Os cristãos eram insultados e abusados sempre que apareciam, e eram até mesmo pilhados em suas próprias casas. Enquanto essa fúria popular irrompia durante a ausência do governador, muitos eram lançados na prisão pelos magistrados inferiores para aguardar seu retorno. Mas o espírito da perseguição nesta ocasião, embora tenha surgido da população, não se restringia a ela. O governador, em sua chegada, parece ter sido infectado com o fanatismo das classes mais baixas. Para sua desonra como magistrado, ele começou o exame dos prisioneiros com torturas. E o testemunho dos escravos, contrariamente a uma antiga lei em Roma, não foi apenas recebida contra seus mestres, como também arrancada deles por meio dos sofrimentos mais severos. Consequentemente, eles estavam prontos para dizer o que lhes era requerido para escapar do chicote e da roda {*N. do T.: Antigo instrumento de tortura}. Tendo provado, como diziam, que os cristãos praticavam os mais hediondos e piores crimes em suas reuniões, eles agora acreditavam que era correto submetê-los a qualquer crueldade. Nenhum parentesco, nenhuma condição, nenhuma idade e nenhum sexo era motivo para ser poupado.

Vétio, um jovem de bom nascimento e posição, e de grande caridade e fervor de espírito, ouvindo que tais acusações eram apresentados contra seus irmãos, se sentiu impelido a apresentar-se a si mesmo perante o governador como uma testemunha da inocência deles. Ele exigiu ser ouvido, mas o governador recusou-se a ouvir e apenas perguntou-lhe se ele também era um cristão. Quando ele distintamente afirmou que era, o governador ordenou que ele fosse lançado na prisão com o resto. Mais tarde, ele receberia a coroa do martírio.

O idoso bispo Potino, então com mais de noventa anos de idade, sendo provavelmente aquele que tinha, vindo da Ásia, levado o evangelho a Lion, era, naturalmente, uma boa presa para o leão do inferno. Ele sofria de asma e mal podia respirar, mas mesmo assim ele foi apreendido e arrastado perante as autoridades. "Quem é o Deus dos cristãos?", perguntou o governador. O velho homem calmamente lhe disse que só poderia chegar ao conhecimento do verdadeiro Deus se mostrasse um espírito reto. Aqueles que cercavam o tribunal se esforçaram para conter a explosão de raiva contra o venerável bispo. Ele foi condenado à prisão, e após receber muitos golpes em seu caminho até lá, foi jogado no meio dos outros cristãos, e dois dias depois dormiu em Jesus, nos braços de seu rebanho sofredor.

Que peso de conforto e encorajamento as palavras do bendito Senhor devem ter sido para esses santos sofredores! "Nada temas das coisas que hás de padecer", foi o que o Senhor disse à igreja em Esmirna, e que foi provavelmente levado também às igrejas francesas em Lion e Vienne por Potino. Eles estavam experimentando um exato cumprimento desse solene e profético aviso: "Eis que o diabo lançará alguns de vós na prisão, para que sejais tentados." Eles sabiam quem era o grande inimigo - o grande perseguidor - mesmo que imperadores, governadores e multidões pudessem ser seus instrumentos. Mas o Senhor estava com Seus amados sofredores. Ele não apenas os sustinha e confortava, como também manifestou, da maneira mais bendita, o poder de Sua própria presença nas formas mais débeis da humanidade. Isto era, nos aventuramos a dizer, uma coisa nova na terra. A superioridade dos cristãos frente a todas as aflições de torturas, e a todos os terrores de morte, surpreendeu totalmente a multidão, atingiu em cheio seus algozes, e feriu o orgulho estoico do imperador. O que poderia ser feito com um povo que orava por seus perseguidores e manifestava a compostura e tranquilidade do céu em meio às fogueiras e feras do anfiteatro? Tome um exemplo do que afirmamos - um exemplo digno de todo louvor, em todos os tempos e por toda a eternidade - do poder divino demonstrado na fraqueza humana.

Blandina, uma escrava, se distinguiu do resto dos mártires pela variedade de torturas que suportou. Sua senhora, que também sofreu o martírio, temia que a fé de sua serva pudesse ser deixada de lado sob tais provações. Mas isto não aconteceu, que o Senhor seja louvado! Firme como rocha, mas pacífica e despretensiosa, ela suportou os mais excruciantes sofrimentos. Seus carrascos lhe pressionavam a negar a Cristo e a confessar que as reuniões privadas dos cristãos serviam apenas para suas práticas perversas, e que então eles deixariam de torturá-la. Mas não! Sua única resposta foi: "Sou uma cristã, e não há perversidade entre nós." O flagelo, a roda, a cadeira de ferro quente e as feras selvagens tinham perdido seu terror para ela. Seu coração estava fixado em Cristo, e Ele a manteve em espírito perto de Si. Seu caráter foi completamente formado, não por sua condição social, é claro - que era a mais degradada naqueles tempos - mas por sua fé no Senhor Jesus Cristo, através do poder do Espírito Santo que habitava em si.

Dia após dia ela era levada como um espetáculo público de sofrimento. Sendo uma mulher e uma escrava, os pagãos esperavam forçá-la a negar a Cristo, e a confessar que os cristãos eram culpados dos crimes denunciados contra eles. Mas foi tudo em vão. "Eu sou uma cristã, e não há perversidade entre nós", era sua resposta calma e invariável. Sua constância exauriu a inventiva crueldade de seus algozes. Eles  estavam surpresos por vê-la viver através da temível sucessão de seus sofrimentos. Mas em suas maiores agonias, ela encontrou força e alívio ao olhar para Jesus e testemunhar por Ele. "Blandina foi dotada de tanta coragem", diz a carta da igreja de Lion, escrita a mil e setecentos anos atrás, "que aqueles que sucessivamente a torturavam de dia e de noite ficaram muito desgastados de cansaço, e se deram por vencidos e exaustos de todos os seus aparatos de tortura, e se espantaram de vê-la ainda respirando enquanto seu corpo estava dilacerado e exposto."*

{* Para mais detalhes, veja a História da Igreja, de Milner, vol. 1, p. 194}

Antes de narrarmos as cenas finais de seus sofrimentos, devemos notar o que parece para nós ser o segredo de sua grande força e constância. Sem dúvidas o Senhor a estava sustendo de maneira marcante como uma testemunha para Ele, e como um testemunho para todas as eras do poder do cristianismo sobre a mente humana, comparado a todas as religiões que já existiram sobre a terra. Ainda assim, poderíamos dizer, particularmente, que sua humildade e temor piedoso eram as claras indicações do seu poder contra o inimigo, e de sua inabalável fidelidade a Cristo. Ela estava desenvolvendo sua própria salvação - libertação das dificuldades do caminho - por um profundo senso de sua própria fraqueza consciente, indicada por "medo e tremor".

Em seu caminho de volta do anfiteatro para a prisão, em companhia de seus companheiros de sofrimento, eles foram rodeados por seus amigos entristecidos quando tiveram uma oportunidade, e em simpatia e amor se dirigiram a eles como "mártires por Cristo". Mas a isso eles instantaneamente responderam, dizendo: "Não somos dignos de tal honra. A luta ainda não acabou, e o digno nome de Mártir pertence apropriadamente a Ele somente, que é verdadeira e fiel testemunha, o primogênito dentre os mortos, o Príncipe da vida, ou, ao menos, apenas àqueles cujo testemunho Cristo selou pela sua constância até o fim. Somos apenas pobres e humildes confessores." Em lágrimas eles rogaram para que seus irmãos orassem por eles para que pudessem ser firmes e verdadeiros até o fim.  Assim a fraqueza deles era sua força, pois os levava a apoiarem-se no Poderoso. E é assim sempre, e sempre foi, tanto em pequenas quanto em grandes provações. Mas uma nova tristeza os aguardava em seu retorno à prisão. Eles encontraram alguns que tinham desistido pelo medo natural, e que tinham negado que eram cristãos. Todavia, nada ganharam por causa disso, pois Satanás jamais os iria libertar. Sob uma acusação de outros crimes, eles foram mantidos na prisão. Com esses fracos, Blandina e os outros oravam com muitas lágrimas, para que pudessem ser restaurados e fortalecidos. O Senhor respondeu suas orações, de modo que, quando levados novamente para uma examinação mais profunda, eles firmemente confessaram sua fé em Cristo, e assim foram condenados à morte e receberam a coroa do martírio.

Segundo os homens, nomes mais nobres do que o de Blandina desapareceram na cena ensanguentada, e nomes honrados também tinham testemunhado com grande coragem, como foi o caso de Vétio, Potino, Santus, Naturus e Atálius. Mas o último dia de sua provação tinha chegado, e a última dor que ela sentiria, e a última lágrima que ela derramaria. Ela foi levada para seu exame final com um jovem de quinze anos, chamado Pôntico. Eles foram obrigados a jurar pelos deuses; eles firmemente recusaram, mas estavam calmos e imóveis. A multidão estava irritada com a magnânima paciência deles. Todo o repertório de barbaridades lhes foi infligido. Pôntico, embora animado e fortalecido pelas orações de sua irmã em Cristo, logo sucumbiu sob as torturas, e adormeceu em Jesus.

E agora vinha a nobre e abençoada Blandina, como a igreja a intitulara. Como uma mãe que precisava confortar e encorajar seus filhos, ela foi mantida até o último dia dos jogos. Seus filhos haviam partido antes dela, e ela estava agora ansiando por seguir após eles. Eles tinham aderido ao nobre exército de mártires acima, e estavam descansando em Jesus, como descansam guerreiros cansados, no pacífico paraíso de Deus. Após ter suportado açoites, sentaram-na em uma cadeira de ferro quente, e então ela foi amarrada em uma rede e jogada a um touro; e tendo sido atingida algumas vezes pelo animal, um soldado mergulhou uma lança em seu lado. Sem dúvida ela já estava morta muito antes da lança tê-la atingido, mas nisto ela teve a honra de ser como seu Senhor e Mestre. Brilhante certamente será a coroa, em meio às muitas coroas no céu, da constante, humilde, paciente e perseverante Blandina.

Mas a raiva feroz e selvagem dos pagãos, instigados por Satanás, ainda não tinha alcançado seu limite. Eles começaram uma nova guerra contra os corpos mortos dos santos. O sangue deles ainda não os tinha saciado. Eles queriam suas cinzas. Assim os corpos mutilados dos mártires foram coletados e queimados, e lançados no rio Ródano com o fogo que os consumia, para que nenhuma partícula fosse deixada para poluir a terra. Mas a raiva, embora feroz, finalmente se esgotaria: e a natureza, embora selvagem, ficaria cansada de derramamento de sangue, e assim muitos cristãos sobreviveram a essa terrível perseguição.

Temos, portanto, entrado em detalhes, mais do que o usual, ao falar das perseguições sob o reinado de Marco Aurélio. Até então elas são um cumprimento, cremos, dos solenes e proféticos avisos da carta à Esmirna, e também, de modo marcante, da graça do Senhor prometida. Os sofredores foram cheios e animados por Seu próprio Espírito. "Até mesmo seus perseguidores", diz Neander, "nunca foram mencionados por eles com ressentimento; mas eles oravam a Deus para que fossem perdoados aqueles que os tinham sujeitado a tais cruéis sofrimentos. Eles deixaram um legado para seus irmãos, não de conflito e guerra, mas de paz e alegria, unanimidade e amor."
 
Estás em casa finalmente, cada poste do caminho passado,
Tendes apressado alcançar ao alvo antes de mim;
E ó, as minhas lágrimas caem grossas e rápido
Como as esperanças que tinham florescido sobre ti.
Os meus lábios recusam dizer, Adeus,
Porque nada pode separar nossa vida interligada;
Bem cedo tendes ido com Cristo habitar,
Onde ambos para sempre estaremos.

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