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domingo, 27 de setembro de 2020

Os Valdenses

Nossa história naturalmente sempre remete à cruzada fatal contra os albigenses no século XIII. Essa região outrora bela, em alguns aspectos a província mais rica e civilizada do império espiritual de São Pedro, vimos ser despovoada e desolada. Os pacíficos habitantes ousaram questionar os dogmas do Vaticano e a autoridade do sacerdócio, o que era um pecado imperdoável contra a majestade de Roma. Os decretos de Inocêncio, a espada de Monforte, as fogueiras de Arnaldo, a traição de Fouquet e a Inquisição de Domingos fizeram seu terrível trabalho. Mas os poderes combinados da Europa, com fogo e espada e masmorras sufocantes, não conseguiram tocar a raiz do que Inocêncio chamou de heresia. O princípio divino e vital do Cristianismo estava muito, muito além de seu alcance. A espada pode cortar os galhos e o fogo pode consumi-los; mas a raiz viva está na verdade e graça de Deus, que nunca pode falhar. O espírito do Cristianismo é mais forte do que a espada do perseguidor, e o braço no qual a fé se apoia é mais poderoso do que as forças combinadas da terra e do inferno. A fraqueza do papado se manifestou em seus aparentes triunfos em Languedoque. Os hereges, como Jezabel pensava, foram afogados em sangue, mas um remanescente ensanguentado foi poupado, na boa providência de nosso Deus, para dar testemunho, em todas as partes da Europa, da injustiça, das crueldades e do despotismo espiritual da Roma papal.

Os exilados do sul da França que haviam escapado da espada foram até os limites extremos da Cristandade pregando as doutrinas da cruz e testemunhando, com santa indignação, contra as falsidades e corrupções da igreja dominante. Em diferentes partes da França, na Alemanha, Hungria e regiões vizinhas, os sectários apareceram em grande número, e os papas encontraram muitos dos reis pouco inclinados a se esforçarem pela supressão dos cátaros, como os chamavam, ou das várias seitas religiosas. Também é mais do que provável que muitos dos perseguidos nessa época procurassem um lugar para descansar nos vales tranquilos do Piemonte. A mais isolada dessas regiões parece ter sido um asilo seguro para as testemunhas de Deus até o século XIV. Embora conhecidos de Cláudio, bispo de Turim, no século IX, eles parecem ter escapado da notoriedade e do conflito até por volta do século XIII, se não mais tarde. Mas à medida que a escuridão do papado se adensava ao redor deles, o brilho do exemplo deles tornou-se mais visível e sentido. Calúnias foram inventadas e os piedosos valdenses foram taxados de cismáticos réprobos. Estavam espalhados pelos vales de ambos os lados dos Alpes Cócios -- Delfinado do lado francês e Piemonte do lado italiano das montanhas.

Desde tempos imemoriais, essas regiões alpinas foram habitadas por uma raça de cristãos que continuou a mesma de geração em geração, que nunca reconheceu a jurisdição do pontífice romano, e que passou através de todos os períodos da história eclesiástica como um ramo puro da igreja apostólica. Mas seus retiros pacíficos, seus lares felizes, sua adoração simples e seus hábitos industriais logo seriam invadidos e desolados pelos inquisidores romanos. A tragédia começa. Do século XV ao presente, sua história é uma narrativa de lutas sanguinárias pela existência, com poucos intervalos de repouso. Muitas vezes eram levados ao desespero, mas a igreja dos vales sobreviveu a tudo isso. Como o arbusto em chamas, queimou, mas não foi consumido. Sua fortaleza não era apenas as montanhas alpinas, mas a verdade do Deus vivo.

Os Precursores da Reforma

Capítulo 29: Os Precursores da Reforma (1150-1594 d.C.)

Em um capítulo anterior, apresentamos a linha de testemunhas da verdade de Deus e do evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo até a grande guerra albigense, durante a qual muitos deles foram mortos. Também trouxemos a história do papado até sua humilhação e queda em Bonifácio VIII, e até seu banimento do trono de São Pedro com toda a sua majestade e glória tradicionais em Clemente V. Agora retornaremos à cadeia de testemunhas que acreditamos ter sido mantida ininterrupta desde os primeiros tempos, embora a linha prateada da graça de Deus muitas vezes tenha sido tão sobreposta e obscurecida a ponto de se tornar difícil traçar seu caminho. Ainda assim, sempre foi brilhante aos olhos de Deus e ao espelho no qual Sua própria graça e glória se refletiam.

domingo, 13 de setembro de 2020

Reflexões sobre a História do Papado

Traçamos, embora brevemente, a origem, o progresso e a altura mais elevada que alcançou o sistema papal. Isso foi alcançado pelas grandes habilidades de Inocêncio III. Mas quão variada e repleta de contrariedades e contradições é essa história pitoresca e misteriosa! Façamos uma pausa por um momento para refletir sobre as hipocrisias e tiranias, a presumida piedade e a crueldade daquela mulher Jezabel. Foi ela quem enviou os mais devotos de seus filhos nos primeiros tempos para habitar nas solitárias cavernas das montanhas ou no claustro secreto, sob o pretexto de ali contemplarem pacificamente a glória de Deus e serem transformados à Sua imagem. Mas novamente a ouvimos com voz alterada reunindo as miríades de hostes da Europa para sair e resgatar a Terra Santa das garras infames dos filisteus incircuncisos, e defender a bandeira da cruz no santo sepulcro. Ela se torna então insensível aos sentimentos comuns da natureza, insensível às misérias da humanidade e manchada com o sangue de milhões. Durante duzentos anos, ela empregou todo o seu poder na promoção da destruição da vida humana pelas ruinosas expedições à Terra Santa. E como cada Cruzada sucessiva se mostrava mais desesperadora e desastrosa do que a anterior, ela redobrava seus esforços para renovar e perpetuar aquelas cenas de insensatez, sofrimento e derramamento de sangue inigualáveis.

Mas volte-se novamente e veja o duplo aspecto de seu caráter ao mesmo tempo. Quando os cruzados avistaram Jerusalém, eles desceram dos cavalos e descobriram os pés para que pudessem se aproximar das paredes sagradas como verdadeiros peregrinos. Gritos altos foram levantados: “Ó Jerusalém! Jerusalém!”, como se um temor sagrado movesse seus corações. Mas quando o governador se ofereceu para admiti-los como peregrinos pacíficos, eles recusaram. Não, eles estavam decididos a abrir o caminho com suas espadas e arrancar, por meio do ardor militar, a cidade sagrada das mãos dos incrédulos. Mal haviam escalado as paredes e se precipitaram para o massacre indiscriminado de muçulmanos e judeus, enchendo de sangue os lugares sagrados. E então, por um breve momento, a obra de carnificina e pilhagem foi suspensa, para que os peregrinos devotos pudessem realizar suas devoções; mas os lugares onde eles se ajoelhavam em adoração estavam cobertos de montes massacrados. Esta é uma verdadeira imagem do espírito e caráter de Jezabel, manifestado em todas as eras e países. Quando o próprio Domingos ficou com vergonha dos missionários ensanguentados de Inocêncio em Languedoque, tendo visto milhares de camponeses pacíficos assassinados a sangue frio, ele se retirou para uma igreja e orou pelo sucesso da boa causa, e assim as vitórias de Monforte e seus rufiões foram atribuídas às orações do espanhol de “mente santa”. Esta foi uma cruzada, não contra turcos e infiéis, mas contra os santos do Senhor porque eles ousaram falar de certos abusos na “santa mãe igreja”. E, para castigar com mais eficácia seus filhos, ela inventou a Inquisição, esse aparato de perseguição doméstica, tortura e morte.

E, por mais estranho que possa parecer hoje em dia, e cruel além de qualquer comparação, a destruição em massa da vida e da propriedade humana era a própria energia vital do papado. Ela enriqueceu apropriando-se das contribuições levantadas para o propósito das Cruzadas; e ela se fortaleceu enfraquecendo os monarcas da Europa, exaurindo seus tesouros e despovoando seus países. Assim foi o zelo papal inflamado a uma paixão ardente pelos cruzados e assim passou de Urbano II e do Concílio de Clermont até seus sucessores. Cada pensamento da mente papal, cada sentimento do coração papal, cada mandato emitido do Vaticano, tinha apenas um objetivo em vista: o enriquecimento e fortalecimento da Sé Romana. Não importa o quão subversiva de toda a paz, quão perniciosa para toda a sociedade, ela perseguia seus próprios interesses com uma obstinação inflexível e insensível. As excomunhões eram usadas para os mesmos fins de engrandecimento papal. "O herege perdia não apenas todas as dignidades, direitos, privilégios, imunidades, e até mesmo todas as propriedades, toda a proteção da lei; ele deveria ser perseguido, roubado e condenado à morte, seja pelo curso normal da justiça -- a autoridade secular era obrigada a executar, mesmo com sangue, a sentença do tribunal eclesiástico – ou, se ele se atrevesse a resistir por qualquer meio, por mais pacífico que fosse, era considerado um insurgente, contra quem toda a cristandade poderia, ou melhor, estava obrigada, à convocação do poder espiritual, para declarar guerra; suas propriedades, e mesmo seus domínios, se um soberano, não eram meramente passíveis de confisco, mas a igreja assumia o poder de conceder a outro os bens e propriedades como lhe parecesse melhor.

"O exército que deveria executar o mandato do papa era o exército da igreja, e a bandeira desse exército era a cruz de Cristo. Então começaram as cruzadas, não nas fronteiras contestadas da Cristandade, não em terras muçulmanas ou pagãs na Palestina, nas margens do Nilo, entre as florestas da Livônia ou nas areias do Báltico, mas no próprio seio da Cristandade; não entre os partidários implacáveis ​​de um credo antagônico, mas no solo da França católica, entre aqueles que ainda chamavam a si mesmos pelo nome de cristãos."*

{* Milman, vol. 4, pág. 168; Waddington, vol. 2, pág. 270.}

Esse era, é e sempre será o espírito e o caráter da igreja de Roma. Quão tenebrosa imagem! Quão triste é a reflexão de que aquela que se autodenomina a verdadeira igreja de Deus, a santa mãe de Seus filhos e a representante de Cristo na terra, tenha sido transformada, por instrumentos satânicos, em um monstro das mais repugnantes hipocrisias, e "abomináveis idolatrias!" Ela se tornou a mãe adotiva da mais aberta e ilimitada adoração de imagens, santos, relíquias e pinturas, e da teoria da transubstanciação e da prática do confessionário. Exteriormente, sua ambição inescrupulosa de glória secular, sua intolerância em perseguir até o extermínio todos os que se aventurassem a contestar sua autoridade, sua sede insaciável por sangue humano não têm paralelo nas eras mais bárbaras do paganismo.

E é esta a igreja -- você pode muito bem exclamar em suas reflexões -- é esta a igreja a que tantos estão se juntando nos dias de hoje? Sim, infelizmente; e muitos das classes superiores e inteligentes! Certamente, essas conversões só podem ser fruto do poder ofuscante de Satanás, o deus deste mundo (2 Coríntios 4:3-4). Muitas jovens das melhores famílias da Inglaterra se submeteram, em devoção cega, a ser despojadas de sua cobertura natural e aprisionadas em um convento pelo resto da vida; e muitos da aristocracia, tanto leigos quanto clericais, aderiram à comunhão da igreja romana. Mas ela não mudou: a mudança é com aqueles cuja luz se tornou em trevas, de acordo com a palavra do profeta: “Dai glória ao Senhor vosso Deus, antes que venha a escuridão e antes que tropecem vossos pés nos montes tenebrosos; antes que, esperando vós luz, ele a mude em sombra de morte, e a reduza à escuridão” (Jeremias 13:16). Assim como ela era nos dias de Gregório VII, de Inocêncio III, do cardeal Pole e da Maria Sangrenta (Maria I da Inglaterra), assim é ela ainda hoje quanto ao seu espírito, faltando-lhe apenas o poder. Mas qual será a culpa dos convertidos atuais, tendo o Novo Testamento diante de si e vendo o contraste entre o bendito Senhor e Seus apóstolos, e o papa e seu clero; entre a graça e a misericórdia do evangelho e a intolerância e crueldade do papado! Em vez disso, que meu leitor se lembre da exortação: "Sai dela, povo meu, para que não sejas participante dos seus pecados, e para que não incorras nas suas pragas… porque todas as nações foram enganadas pelas tuas feitiçarias. E nela se achou o sangue dos profetas, e dos santos, e de todos os que foram mortos na terra” (Apocalipse 18:4,23,24).

domingo, 9 de fevereiro de 2020

Reflexões Sobre as Calamidades de Languedoque

Para toda mente atenciosa, para todo homem de fé, especialmente para aqueles que estudam a história do ponto de vista das Escrituras, as guerras em Languedoque são muito sugestivas. Elas são as primeiras já registradas desse tipo. Foi Inocêncio III o precursor novo tipo de guerra. Houve muitos casos de indivíduos sendo sacrificados por causa do sacerdócio católico, tal como Arnaldo de Bréscia, mas essa foi a primeira experiência em grande escala que a Igreja fez para manter sua supremacia pela força das armas. Observe que não foi o exército da Igreja saindo em santo zelo contra o pagão, o muçulmano ou o negador de Cristo, mas a própria Igreja em armas contra os verdadeiros seguidores de Cristo, contra aqueles que reconheciam Sua divindade e a autoridade da Palavra de Deus.

Podemos encher as páginas com citações de seus piores inimigos quanto à firmeza da fé deles, à pureza de sua moral e à simplicidade de suas maneiras. Daremos apenas dois ou três exemplos vindos das mais altas autoridades da igreja de Roma. "Eles negavam", diz Barônio, "a utilidade do batismo infantil; que o pão e o vinho se tornavam corpo e sangue do Senhor pela consagração de um padre; que ministros infiéis tinham direito ao exercício do poder eclesiástico ou a dízimos ou primícias; que a confissão auricular era necessária. Todas essas coisas os miseráveis ​​afirmavam que aprenderam com os Evangelhos e com as Epístolas, e que nada receberiam que não fosse o que encontravam expressamente contido nelas, rejeitando assim a interpretação dos doutores, embora eles mesmos fossem perfeitamente iletrados". Reinerius, o inquisidor e perseguidor dos albigenses, diz: "Eles eram os inimigos mais formidáveis ​​da igreja de Roma, porque possuem uma grande aparência de piedade, porque vivem retamente diante dos homens, creem corretamente em Deus em todas as coisas, e mantêm todos os artigos do credo; no entanto, eles odeiam e ofendem a igreja de Roma e o clero, e em suas acusações são facilmente cridos pelo povo". São Bernardo, que os conhecia intimamente, tendo vivido entre eles, mas que considerava seu dever opor-se a eles como sendo inimigos do papa, admite francamente: "Se você lhes pergunta sobre sua fé, nada pode ser mais cristão do que a resposta deles; se você observa a sua conversa, nada pode ser mais irrepreensível, e o que eles falam, tornam em bem por suas ações. Você pode ver um homem, pelo testemunho de sua fé, frequentar a igreja, honrar os anciãos, oferecer seus dons, fazer sua confissão, receber o sacramento. O que pode ser mais parecido com um cristão do que isso? Quanto à vida e às maneiras, ele não tenta enganar ninguém, não tenta levar a melhor sobre ninguém, não faz violência a ninguém. Ele jejua muito e não come o pão da ociosidade, mas trabalha com as mãos para o seu próprio sustento".*

{*Veja Milner e Gardner, conforme citados na seção anterior.}

Tal era, portanto, o caráter espiritual, moral e social dos albigenses, como evidenciado por seus próprios inimigos. Eles eram verdadeiras testemunhas de Cristo, evidentemente formadas pela graça de Deus para mostrar Seu louvor no mundo. E, se tivéssemos tantos escritos deles quanto têm os reformadores do século XVI, poderíamos talvez descobrir que eles eram mais simples em certos pontos de doutrina do que esses. Mas, segundo a mente do Senhor, outros trezentos anos foram necessários para amadurecer a Europa para a Reforma; durante esse tempo, as artes da impressão e da fabricação de papel foram descobertas.

Qual então, pode-se perguntar, foi o crime dos albigenses? O cerne da ofensa deles era simplesmente este: negavam a supremacia do papa, a autoridade do sacerdócio e os sete sacramentos, conforme ensinado pela igreja de Roma; e, aos seus olhos, não havia criminosos maiores na face de toda a terra; portanto, o extermínio absoluto deles era seu único decreto imutável. Aqueles que escapavam da espada do cruzado tinham de ser apanhados nas armadilhas do inquisidor.

"Em centenas de aldeias", diz o historiador, "todos os habitantes foram massacrados. Desde o saque de Roma pelos vândalos, o mundo europeu nunca lamentou um desastre nacional tão amplo em sua extensão ou tão terrível em seu caráter." Que registro! Que testemunha! E se tais são os registros da terra, quais não serão no céu! Oh, Roma! Roma! Embriagada com o sangue dos santos de Deus e coberta com as execrações de milhões, qual será o teu futuro? Como suportarás as acusações daqueles a quem enganaste com tuas mentiras e a quem fizeste perecer com tua espada? Será que alguém ousará pensar que estamos exagerando? Ouçam o discurso de um dos bispos aos cruzados antes da batalha de Muret: "Todo aquele que confessou seus pecados a um padre, ou tem a intenção de fazê-lo após a batalha, ao morrer obterá a vida eterna e escapará da passagem pelo purgatório. Eu serei vossa garantia no dia do julgamento. Parti, em nome de Cristo." Não era essa uma mentira enganadora de almas? Jezabel, porém, ouvirá sobre isso novamente um dia. "Porque já os seus pecados se acumularam até ao céu, e Deus se lembrou das iniquidades dela. Tornai-lhe a dar como ela vos tem dado, e retribuí-lhe em dobro conforme as suas obras; no cálice em que vos deu de beber, dai-lhe a ela em dobro... Portanto, num dia virão as suas pragas, a morte, e o pranto, e a fome; e será queimada no fogo; porque é forte o Senhor Deus que a julga... E nela se achou o sangue dos profetas, e dos santos, e de todos os que foram mortos na terra." (Apocalipse 18:5-24)

Mas Roma, sem saber, traiu seu próprio objetivo. Apesar da terra de Languedoque ter ficado desolada, os albigenses que escaparam da espada fugiram para outros países. Pela graça e boa providência de Deus, eles pregaram o evangelho em quase todas as partes da Cristandade e testemunharam contra as crueldades, as superstições e as falsidades da igreja de Roma. A partir dessa época, começa a perder a confiança e a reverência da humanidade. Assim o Senhor preparou o caminho para Wycliffe e Huss, Melancthon e Lutero.

A Batalha de Muret

O papa passava por dificuldades, e assim cedeu à necessidade. Ele sozinho tinha convocado o movimento; mas o poder de controlá-lo escapou de suas mãos. Seus agentes estavam apenas cumprindo suas instruções, e ele não tinha o direito de reclamar. Por necessidade, ele repreendeu severamente o rei de Aragão, o principal apoiador da causa católica na Espanha -- acusou-o de falsas declarações, ameaçando-o com uma cruzada, e confirmando sua sentença de excomunhão contra Raimundo e seus aliados. De Monforte foi proclamado o servo ativo de Jesus Cristo e o invencível defensor da fé católica, e assim foi autorizado a manter suas conquistas. A paciência do longânimo rei de Aragão então se acabou, e, provocado pela insolência do clero, correu para a guerra. À frente de mil cavaleiros e um grande exército, ele cruzou os Pireneus e encontrou os cruzados na pequena cidade de Muret, a cerca de nove milhas de Toulouse. À frente dos guerreiros da cruz com mais sete bispos, apareceu Simão de Monforte, pronto para a guerra. "Seu exército", diz Greenwood, "embora menor em números, consistia na cavalaria pesada da França, ansiosa pela vitória sobre o exército de hereges, visando ganhar, com isso, honra imortal, ou pelo martírio serem levados à presença dos santos no paraíso." A batalha que se seguiu foi feroz, curta e decisiva. Dom Pedro II de Aragão, com muitos de seus nobres, foi contado com os mortos. O remanescente de seu exército, privado de seu comando, dispersou-se, e toda a milícia bruta e mal armada de Raimundo e seus aliados ou foram mortos ao fio da espada ou afogados no rio Garona, até o último homem.

A causa dos albigenses, em consequência da grande vitória de Muret, tornara-se desesperada, e o destino daquela terra devota parecia ter sido decidida para sempre. Raimundo foi despojado de seus territórios; De Monforte foi reconhecido príncipe do feudo e da cidade de Toulouse, assim como dos outros condados conquistados pelos cruzados sob seu comando. Sobrepujado por seus infortúnios e pelas censuras da igreja, Raimundo não ofereceu oposição. Fouquet, o bispo do papa, tomou posse do palácio de seus ancestrais, e, com uma impudência cruel que é difícil de descrever em palavras, ordenou que o nobre conde e sua família se retirassem para a obscuridade. Tais eram, e ainda são, as ternas misericórdias do sacerdócio católico, até mesmo para com seu próprio rebanho, se tido por desobediente, pois o próprio Raimundo nunca foi acusado de heresia, mas sim de apenas abrigar hereges em seus domínios -- ou, em outras palavras, de recusar massacrar a sangue frio seus súditos mais obedientes e leais: esse foi todo o seu crime aos olhos de Roma, e isso o céu certamente um dia julgará.

domingo, 19 de janeiro de 2020

O Cerco de Toulouse

Da pilha ardente de quatrocentos seres humanos e dos enforcamentos de vários senhores nobres, o campeão da Igreja, Simão de Monforte, avançou para o cerco de Toulouse. Suas numerosas conquistas tinham feito mais para inflamar do que para satisfazer sua "avidez indisfarçada". Ele esperava acrescentar a seus bens o senhorio de Toulouse e, assim, elevar-se ao nível dos príncipes soberanos. O bispo Fouquet estava em seu acampamento. Esse novo bispo de Toulouse, colocado lá para se adequar ao propósito do papa, é mencionado pelos historiadores como um dos homens mais traiçoeiros, cruéis, sanguinários e sem escrúpulos que já viveram sobre a Terra. Rabenstein foi deposto para que ele tomasse seu lugar, de modo que pudesse trabalhar, de dentro dos portões, a ruína do conde, enquanto os inquisidores e cruzados o faziam do lado de fora. Mas, apesar de toda a perfídia do papa e da bravura de Simão, a maré da sorte estava ao lado de Raimundo. O conde de Toulouse, sob a severa disciplina de uma prolongada calamidade, mostrou que era realmente dotado de coragem e força de caráter. Ele se cercou de seus aliados com seus seguidores, que defenderam a cidade, e também fez ousadas arremetidas por meio de sua guarnição, de tal modo que Simão foi obrigado a encerrar o cerco. Este, no entanto, se vingou devastando os jardins, vinhedos e campos. O estado das coisas agora estava completamente alterado. Raimundo, em vez de agir na defensiva, tornou-se um agressor ativo e enérgico e, antes de decorridos alguns meses, recuperou a maioria dos lugares que haviam sido ocupados pelos cruzados. O princípio feudal dos quarenta dias* causou flutuações contínuas no exército de Simão e, sem dúvida, o impediu de melhorar suas vantagens ao máximo, de modo que seus sucessos foram prejudicados por reveses ocasionais. O triunfo de Raimundo, no entanto, foi apenas uma prorrogação temporária e o prelúdio de uma terrível derrota.

{* Que obrigava os vassalos a servirem por apenas quarenta dias. }

Uma nova cruzada foi pregada na Alemanha e no norte da França; muitos aventureiros, treinados nas guerras da Alemanha e do Oriente, se juntaram ao novo exército. Todas as bênçãos temporais em uma bela região, e, finalmente, o céu, induzia um grande número de pessoas a assumir a cruz dos cruzados. Os arcebispos de Reims e Rouen, os bispos de Paris, Laon e Toul, todos estavam com eles, e Guilherme, arquidiácono de Paris, era o engenheiro chefe do exército. Os pobres e desencorajados albigenses, enquanto se aproximava tal miríade de exércitos, fugiram do campo aberto e buscaram refúgio entre os bosques e montanhas ou nas grandes cidades. Raimundo, sentindo sua própria fraqueza, buscou uma aliança com seu parente Dom Pedro, rei de Aragão, e o galante espanhol prometeu seu apoio; mas antes de se envolver na guerra, fez um apelo ao papa em favor de Raimundo.

Movido pelo apelo do rei e ficando com inveja do crescente poder de De Monforte, o papa, por um momento, pareceu disposto a alterar o rumo de sua política. Ele demonstrou seu descontentamento com os legados: "Eles", disse, "colocaram as mãos em territórios que nunca haviam sido poluídos com heresia". Portanto, ordenou a restituição das terras dos condes de Foix e Comminges e de Gastão de Beam, e também suspendeu suas indulgências aos cruzados. Mas toda essa aparência de justiça ou piedade provinha de um mero sentimento de inveja da mente do papa. Ele logo revogou todas as suas próprias concessões. As cartas de seus legados e inquisidores chegaram absolutamente furiosas -- "Arme-se, meu senhor papa, com o zelo de Fineias; aniquile Toulouse, essa Sodoma, essa Gomorra, com todos os desgraçados que nela há; que nem o tirano, o herege Raimundo, nem mesmo seu jovem filho, levantem suas cabeças, que já estão mais que meio esmagadas, então esmague-as até o final. A purificação de Languedoque não se completará até que a cidade de Toulouse seja arrasada e os cidadãos sejam cortados ao fio da espada. Se os Raimundos puderem erguer a cabeça, tomarão para si outros sete demônios piores que o primeiro. Que a sua sabedoria apostólica triunfe sobre esse mal; não retenha a sua mão desta obra santa e piedosa até que a serpente de nosso Moisés tenha engolido as serpentes desse Faraó; até que os jebuseus com todos os incircuncisos e impuros sejam dispersos, e seu povo se regozije na posse tranquila da terra da promessa."

As Barbáries de Simão e Arnaldo

Simão de Monforte, como senhor feudal do Viscondado de Béziers e Carcassona, foi obrigado, por seu mandato eclesiástico, a extirpar os hereges. Ele, portanto, continuou sua campanha; muitas cidades e castelos caíram em suas mãos, alguns pela força, outros pelo pânico. Na diocese de Albi, sede principal daquelas doutrinas condenadas, a guerra foi conduzida com a mais selvagem crueldade. Quando La Minerve, perto de Narbona, após uma defesa obstinada, se rendeu, alguém em cujo coração ainda restava uma centelha de humanidade propôs que fosse permitido que os vencidos fossem deixados livres caso desistissem de sua heresia; mas termos tão brandos foram contestados pelos monges impiedosos. "Os termos são fáceis demais", exclamaram, "viemos para extirpar hereges, não para lhes mostrar favor!" "Não tenhais medo", respondeu o abade em uma zombaria cruel, "não haverá muitos convertidos". E ele estava certo, mas não no sentido em que falava. Sua intenção era matar todos eles; mas a intenção dos albigenses, ou melhor, o firme propósito que tinham, era aceitar a morte em vez dos termos papais. Enquanto isso, os albigenses se reuniram para orar. O abade de Vaux-Cernay encontrou várias mulheres cristãs em uma casa, silenciosamente envolvidas em oração, e esperando o pior que poderia lhes acontecer. Elas não esperavam piedade desses "santos padres", e estavam preparadas para morrer. Ele também encontrou vários homens de joelhos em outra casa, aguardando pacificamente seu fim. O abade começou a pregar-lhes as doutrinas do papado, mas, em uma só voz, eles o interromperam, e todos exclamaram: "Não queremos nada da sua fé; renunciamos à igreja de Roma, seu trabalho é em vão, pois nem a morte nem a vida nos farão renunciar à verdade que possuímos". Pediu-se que De Monforte falasse com eles. Ele visitou homens e mulheres, ao todo cento e quarenta. "Convertam-se à fé católica", disse ele, "ou subam nessa fogueira". Ele já havia ordenado que uma enorme pilha de madeira seca fosse amontoada. Nenhum dos albigenses vacilou por sequer um momento. Eles negaram a supremacia do papa e a autoridade do sacerdócio; eles não possuíam qualquer cabeça (chefe) senão Cristo, e nenhuma autoridade além de Sua santa Palavra. Irritado de raiva pela constância e calma firmeza deles, ele ordenou que o fogo fosse aceso, e a pilha logo se tornou um monte de chamas. Os destemidos confessores do nome de Jesus, entregando suas almas em Suas mãos, correram voluntariamente para as chamas, como se subissem ao céu em uma carruagem de fogo.

Quando o castelo chamado Brau se rendeu, De Monforte arrancou os olhos de mais de cem dentre os defensores e vergonhosamente mutilou os demais, deixando um deles com um olho para que pudesse guiar o resto para fora. Disse o abade de Vaux-Cernay que o conde não se deleitava com tais coisas, "pois dentre todos os homens ele era o mais brando", mas fazia essas coisas porque desejava retaliar o inimigo. Tal foi o julgamento do monge historiador. Em Lavaur, a cidade do bom Roger Bernardo, conde de Foix, as barbáries superaram todas as precedentes, até mesmo as dessa terrível guerra. O conde é tido pelos valdenses como sendo um deles. "De todos os príncipes provinciais", diz Milman, "o conde de Foix era o mais poderoso e o mais detestado pela Igreja como favorecedor de hereges. Nesse caso, a acusação era mais uma honra do que uma calúnia. Ele era um homem profundamente religioso, o primeiro a elevar seu estandarte contra De Monforte, e foi um cavaleiro de valor, representando a fé cristã ". Por fim, a cidade caiu nas mãos dos sitiantes; um massacre geral foi permitido; homens, mulheres e crianças foram esquartejados, até que não restasse nada para matar, exceto alguns da guarnição e outros reservados para um destino mais cruel. Quatrocentos foram queimados em uma grande pilha, o que causou uma grande alegria no acampamento inimigo. E em meio a todo esse tumulto, em diabólica crueldade, os bispos e legados cantavam: "Vem, Espírito Santo". Foi aqui que o senhor Almerico, com oitenta nobres, foi levado diante de De Monforte, que ordenou que fossem enforcados, como já vimos. A piedosa dona Geralda também sofreu aqui, uma mulher de quem se diz: "Nenhum homem pobre jamais saiu de sua porta sem ser alimentado".*

{*Latin Christianity, vol. 4, p. 223; Gardner's Faiths of the World, "Albigenses."}

A Guerra Muda de Caráter

O conde Raimundo correu para Toulouse, e fez com que seu banimento e excomunhão, com os duros termos para sua absolvição, fosse lida publicamente em voz alta; os cidadãos ficaram indignados e declararam que prefeririam se submeter às condições mais extremas do que aceitar condições tão vergonhosas. À medida que as notícias se espalhavam de cidade em cidade, o mesmo entusiasmo prevaleceu em todos os seus domínios. O caráter da guerra tinha então mudado completamente. Era evidente para todos que os cruzados estavam determinados a conquistar as províncias com o objetivo de convertê-las em dependências da Sé de Roma; e as províncias estavam igualmente determinadas a resistir aos cruzados como sendo os maiores hipócritas, e a rejeitar a tirania cruel e usurpadora de Roma. Os propósitos professamente religiosos da cruzada se degeneraram em uma guerra de carnificina e pilhagem universal. A nação inteira ficou, assim, em estado de insurreição geral contra a igreja dominante, como se fosse um invasor estrangeiro.

A guerra foi então proclamada, mas os dois lados combatentes eram desiguais. Raimundo parece ter sido um monarca gentil e indolente, muito amado por seu povo, e ambicioso, exceto pelos prazeres e gratificações desta vida. Não há evidências de que ele fosse inclinado à religião albigense, e professava ser um verdadeiro católico romano. Por outro lado, Simão de Monforte, o grande general de Roma, foi considerado o líder militar mais ousado e hábil de seus dias, e o campeão jurado do papado. Ele era regular nos exercícios de sua religião e ouvia missas diariamente. "Mas", observou alguém, "mesmo com as melhores qualidades de Simão, foram combinados alguns dos vícios que não involuntariamente buscam sua santificação na alta profissão religiosa -- uma grande ambição, uma ousada falta de escrúpulos quanto aos meios de perseguir seus objetivos, uma indiferença implacável ao sofrimento humano e uma avidez excessiva e indisfarçada."* À frente de um novo exército de cruzados, para executar a sentença da igreja e ganhar o nobre prêmio dos domínios de Raimundo, ele marchou por aquela terra devota. Carnificina, estupros e as mais selvagens barbaridades, tais que não podem ser descritas, acompanharam todos os seus passos. Os hereges, ou os suspeitos de heresia, onde quer que fossem encontrados, foram obrigados pelo legado Arnaldo e De Monforte a subir em vastas fogueiras em chamas, enquanto os monges se divertiam com seus sofrimentos e zombavam dos gritos das mulheres em chamas.

{* J.C. Robertson, vol. 3, p. 351.}

Todo o país, à medida que o exército papal avançava, tornou-se o cenário das crueldades mais devassas: destruíram vinhas e plantações, queimaram aldeias e fazendas, massacraram camponeses, mulheres e crianças desarmados, espalharam a desolação por toda a terra e depois ainda falavam de seu zelo santificado pela religião. O povo, exasperado, revidou -- o que não é de se admirar -- e uma guerra selvagem foi travada dos dois lados, mas deixarei os detalhes para o historiador civil. Tendo colocado os reais motivos e objetivos do papa nesse ultraje sem paralelo contra a humanidade e a religião, da maneira mais clara que a brevidade permitiria, agora observaremos apenas alguns dos principais compromissos dessa grande luta, que a levaram a um fim, e que manifestam ainda mais plenamente o caráter de Simão e dos monges de Cister, sob a direção e sanção do pontífice.

sábado, 28 de dezembro de 2019

O Cerco de Carcassona

De Béziers, de onde nada então restava além de uma pilha de corpos em chamas, os cruzados seguiram em direção a Carcassona. Enquanto avançavam, encontraram os campos desolados. O terrível exemplo de Béziers encheu de terror todos os corações. Os habitantes dos vilarejos indefesos fugiram ao verem as ruínas fumegantes da forte cidade de Béziers. Inúmeros lamentos acompanharam os passos imundos dessas hostes de Satanás. Eles se puseram diante das muralhas de Carcassona: Roger comandava pessoalmente a cidade, suportando um longo cerco com grande coragem. Simão de Monforte era o chefe do lado atacante. Do outro lado, Roger era visto se expondo em todo o lugar como chefe dos defensores, e animava a coragem deles por palavras e por exemplo. Durante quarenta dias o cerco perdurou, e os sitiadores foram repelidos com grandes perdas; e, se não fosse uma traição do abade Arnaldo, Raimundo-Roger teria triunfado. Foi assim que as coisas aconteceram:

Os soldados da cruz eram obrigados a servir por apenas quarenta dias, tanto pela lei feudal quanto como requisito para ganhar todos os privilégios dos cruzados. No final desse período, muitos dos líderes e da grande massa das tropas voltaram para casa desapontados e insatisfeitos. O calor excessivo, a escassez de água, a atmosfera infectada com os mortos não enterrados, a astúcia, crueldade e perfídia dos padres, tudo isso levou muitos a saudar o fim do mandato feudal. Nessas condições extremas e cercado de tropas desordenadas, o abade recorreu à astúcia -- os ardis de Satanás. O nobre e corajoso visconde foi levado a uma conferência. Sob o juramento do legado e dos barões do exército de que a boa fé seria mantida, Roger saiu com trezentos de seus seguidores. Mas uma fé herética tão formidável não deveria ser mantida na mente dos perseguidores, e logo que ele começou a propor termos, o legado exclamou que nenhuma fé deveria ser mantida com alguém que tinha sido tão infiel ao seu Deus, e ordenou que acorrentassem o visconde e prendessem seus seguidores. Mas ele logo foi aliviado de sua humilhação e sofrimento pela morte, que foi popularmente atribuída à mão de Simão. O povo, consternado com a perda de seu chefe, abandonou a cidade e escapou por meio de uma passagem subterrânea, mas os padres se consolaram apreendendo cerca de quatrocentos desses cidadãos, que foram enforcados e queimados pelo crime comum de heresia.

A cidade de Carcassona e a herança nobre de Raimundo-Roger estavam agora nas mãos do partido papal, e, de acordo com a lei da conquista, inteiramente a sua disposição. O legado e seu clero apresentaram essas terras ricas a Simão de Monforte como as primícias de uma vitória gloriosa sobre os hereges, e assim ele foi aclamado como Visconde de Béziers e Carcassona, prometendo manter suas dignidades e territórios, sob a condição de pagar um tributo anual ao papa como suserano dos territórios conquistados.

A eleição de Simão foi confirmada pelo papa, apesar dos grandes princípios de justiça e de fé dos tratados terem sido violados de maneira tão clara e descarada; mas o rei de Aragão, como suserano da região, recusou investir Simão em suas novas posses. A conquista parecia estar completa, mas não foi realmente assim. O duque de Borgonha, o conde de Nevers e outros nobres franceses retiraram-se da cruzada, ficando grandemente ofendidos com a arrogância dos mercenários do papa. Simão de Monforte, sendo assim deixado com uma força comparativamente pequena, foi incapaz de manter sua posição. Muitas cidades e castelos que tinham sido tomados pelo partido papal perderam-se novamente, e uma guerra incessante foi continuada, agora marcada pela feroz exasperação do povo e pelas crueldades mais implacáveis de ambos os lados. De Monforte escreveu desesperado aos prelados da Cristandade pedindo um novo exército.

A trombeta de Roma soou novamente: uma nova cruzada foi anunciada. "Enxames de monges", diz Greenwood, "saídos de inúmeros claustros e mosteiros da ordem cisterciense, pregando perdição aos hereges e perdões ilimitados a todos os que derramassem sangue -- mesmo que fosse de apenas uma pessoa -- da ninhada amaldiçoada. Não havia crime tão terrível, nenhum vício tão enraizado no coração, que uma campanha de quarenta dias contra esses marginalizados não limpasse, até mesmo o último vestígio de culpa, nem deixasse para trás o menor senso de remorso." Atraídos pela promessa de grandes espólios terrenos no sul ensolarado e da eterna felicidade no céu, inumeráveis tropas de fanáticos reuniram-se ao estandarte de De Monforte. Na primavera de 1210, ele recebeu um grande reforço sob o comando de sua esposa, e a guerra recomeçou com nova fúria. 

quinta-feira, 26 de dezembro de 2019

A Chacina e Queimada de Béziers

Raimundo-Roger, um galante jovem de vinte e quatro anos, exibiu um espírito mais corajoso do que seu tio e resolveu defender seu povo contra os cruzados. Suas duas grandes cidades, Béziers e Carcassona, eram sua principal força. Ele se colocou na última, o lugar mais forte. "Os soldados da cruz, os sacerdotes do Senhor", como se denominavam a si mesmos, apareceram diante de Béziers, que tinha sido bem provida e guarnecida pelo visconde. O bispo do lugar também estava no exército, e foi-lhe permitido, por Arnaldo, que oferecesse seu conselho e recomendasse uma rendição à cidade. "Renunciai a vossas opiniões e salvai vossas vidas", foi o conselho do bispo, mas os albigenses firmemente responderam que não renunciariam a uma fé que lhes tinha concedido o reino de Deus e Sua justiça. Os católicos se juntaram aos hereges declarando que, em vez de se renderem, sofreriam a morte em sua pior forma. "Então", disse Arnaldo, "não ficará pedra sobre pedra; o fogo e a espada devorarão os homens, as mulheres e as crianças." A cidade caiu nas mãos dos cruzados, e terrivelmente a ameaça foi cumprida. Os cavaleiros, parando nos portões, perguntaram ao abade como os soldados deveriam distinguir os católicos dos hereges; "Mate todos eles", ele respondeu, "o Senhor conhece os que são Seus." A chacina começou: homens, mulheres, crianças, clérigos, todos foram massacrados indiscriminadamente enquanto os sinos da catedral tocavam até que a matança estivesse completa. Multidões trêmulas fugiram para as igrejas, na esperança de encontrar um santuário dentro das paredes sagradas; mas nenhum ser humano foi deixado vivo. A vasta população de Béziers, que até recentemente se aglomerava nas ruas e mercados, agora jazia em corpos amontoados. Estima-se que o número de mortos foi de vinte a cem mil. Tantos que moravam no campo fugiam para as cidades em busca de refúgio nessas situações que não se pode estimar precisamente os números. A cidade foi entregue aos saqueadores e depois incendiada.

Nunca o "abade dragão" disse uma palavra tão verdadeira quanto "O Senhor conhece os que são Seus", embora ele o tenha dito com terrível escárnio, e era ele próprio totalmente estranho à parte restante do versículo: "e qualquer que profere o nome de Cristo aparte-se da iniquidade" (2 Timóteo 2:19). O Senhor certamente conhece a todos os que creem nEle, e infinitamente precioso para Ele é o mais fraco de Seus santos. Arnaldo, um dia, verá, na mesma glória juntamente com o Senhor, aqueles a quem ele denunciou como hereges e a quem matou ao fio da espada. Que dia será quando o perseguidor e o perseguido, o acusador e o acusado, estiverem face a face na presença daquEle que julga com retidão! Até lá, que possamos andar pela fé, buscando apenas agradar ao Senhor.

sexta-feira, 20 de dezembro de 2019

Raimundo -- Um Bandido Espiritual

Inocêncio tinha então obtido o que desejava -- um pretexto decente para o derramamento total dos frascos de sua ira. As honras do martírio foram decretadas à vítima, Raimundo foi denunciado como o autor do crime e proclamado um bandido espiritual; e os fiéis foram chamados a ajudar em sua destruição. "Para cima, soldados de Cristo", escreveu ele a Filipe Augusto da França, "Para cima, ó grande rei cristão! Ouça o clamor de sangue; ajude-nos a cumprir vingança sobre esses malfeitores. Para cima, ó, nobres, cavaleiros da França, as terras ricas e ensolaradas do sul serão a recompensa de vossa coragem." A pregação dessa cruzada foi confiada à ordem cisterciense, comandada pelo fanático abade Arnaldo, "um homem", como diz Milman, "cujo coração estava embainhado com o triplo ferro do orgulho, da crueldade e da intolerância". Justamente nessa época, muitos missionários caíram na conversa do notável espanhol Domingos, que sempre foi famoso por ter sido o fundador da Inquisição e dos frades dominicanos. Seu coração não era nem um pouco mais suave que o de Arnaldo, e foi mais bem-sucedido como pregador. Nenhum momento foi perdido em denunciar o crime de seus perpetradores. Todo coração e toda mão estava engajada em executar vingança pelo insulto a Deus na pessoa de "Seu servo". As mesmas indulgências que sempre tinham sido concedidas aos campeões do santo sepulcro (das primeiras cruzadas a Jerusalém) foram asseguradas àqueles que deveriam entrar na nova cruzada contra Raimundo e os albigenses. O clero, em todo lugar, pregava com zelo incansável sobre essa nova maneira de se obter o perdão dos pecados e a vida eterna.

"Para aquela geração ignorante e supersticiosa", diz Sir James Stephens, "nenhuma convocação poderia ser mais bem-vinda. Perigo, privações e fadiga, em suas formas mais severas, haviam assolado os caminhos acidentados pelos quais os cruzados do Oriente tinham lutado pelo paraíso prometido. Mas, nessa guerra contra os albigenses, a mesma recompensa inestimável seria ganha, não por abnegação, mas por autoindulgência. Todo débito que se devia aos homens seria anulado, toda ofensa já cometida contra a lei de Deus seria perdoada, e uma eternidade de bênção seria ganha, não por uma vida de santidade futura, mas sim por uma vida de crimes futuros; não por meio de restrições, mas por meio das gratificações de suas mais imundas paixões; pelo saciamento de sua crueldade, avareza e luxúria, às custas de um povo cuja riqueza excitava sua cobiça, e cuja superioridade provocava seu ressentimento." O avanço para essa colheita misturada de sangue e pilhagem, de absolvição sacerdotal e fama militar, impeliu todo espírito selvagem da época. A Europa inteira ressoava com os preparativos para a guerra santa.

domingo, 24 de novembro de 2019

Inocêncio e o Sul da França

Capítulo 25: França (814-1229 d.C.)

Um novo campo de sangue e um caráter inteiramente novo de guerra foram trazidos diante da mente do voraz papa de Roma. Era uma guerra não contra os inimigos de uma fé estrangeira, ou contra os reis domésticos insubmissos, mas do exército da igreja romana guerreando contra os seguidores confessos do Senhor Jesus Cristo. Isso era algo novo nos anais da Cristandade.

Pelo favor dos príncipes e pela indiferença do clero, os albigenses tinham sido permitidos, por séculos, a pregar o evangelho e disseminar a verdade sem serem molestados. O catolicismo romano quase perecera nas províncias do conde Raimundo VI. O povo desses locais, em geral, era muito inclinado a quebrar sua conexão com a igreja de Roma definitivamente. Quando esse estado de coisas chegou aos ouvidos de Inocêncio, ele convocou uma cruzada contra os hereges de Languedoque, e não descansou até ter varrido toda essa população do solo da França.

Mas devemos, antes de tudo, retroceder alguns passos de modo a ligarmos a isso a linha de testemunhas de Cristo e de Seu evangelho.

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