domingo, 27 de agosto de 2017

Roberto Guiscardo Entra em Roma (1084 d.C.)

Para cumprir os desejos do papa, receber sua bênção e derrubar seus inimigos, Roberto juntou um exército de 30.000 soldados de infantaria irregular e 6000 cavaleiros normandos e colocou-os em marcha para Roma. Era uma hoste selvagem e mista, na qual se misturaram aventureiros de várias nações: alguns tinham se juntado ao seu estandarte para resgatar o papa, e outros por amor à guerra. Até mesmos os incrédulos sarracenos tinham se alistado em grandes números. As notícias de que uma força esmagadora estava avançando para vir ao auxílio do papa e de seus seguidores logo chegaram a Roma.

Henrique, sem perceber o perigo, tinha enviado para longe uma grande parte de suas tropas; e, como o restante era desigual demais para ir de encontro ao formidável exército inimigo, ele prudentemente retirou suas forças, assegurando a seus amigos romanos que em breve retornaria. Ele se retirou para Civita Castellana, onde podia observar os movimentos de todas as partes.

Três dias após Henrique ter deixado a cidade, o exército normando apareceu às muralhas. Quão desafortunados os habitantes daquela cidade culpada! Um dia mais tenebroso e pesado do que qualquer outro que ela já tenha passado estava por chegar, e todas as suas calamidades eram devido ao espírito vingativo e implacável de seu sumo sacerdote. Mas por se recusar a ceder ao poder secular, até mesmo o sangue de Roma -- sua própria cidade e capital -- teve de ser derramado. O domínio do papado sobre os reinos do mundo foi sua própria grande ideia, e nenhuma adversidade conseguia induzi-lo a ceder, nem um pouco, de suas sublimes pretensões. Ele foi tão inflexível em uma prisão quanto em um palácio. "Que o rei deite sua coroa e dê satisfações à igreja", eram as orgulhosas e desdenhosas palavras de Hildebrando, mesmo sendo um prisioneiro, e mesmo que o clero e os leigos implorassem para que entrasse em acordo com Henrique. Mas ele desprezou do mesmo modo os murmúrios, as ameaças e as súplicas de todos. Ele deve ter tido conhecimento sobre o caráter daquelas hordas assassinas que estavam nos portões, e quais seriam as consequências no momento em que entrassem. Mas sua mente estava formada, e a qualquer custo de derramamento de sangue humano e miséria ele inexoravelmente perseguiu seus desígnios imperiosos.

Os romanos não estavam preparados para se defenderem, e mal fizeram qualquer demonstração de resistência. O portão de São Lourenço foi rapidamente forçado, e a cidade estava imediatamente dominada. O primeiro ato de Roberto, o filho obediente da igreja, foi libertar o papa de seu longo aprisionamento no Castelo de Santo Ângelo. O normando recebeu formalmente a bênção pontifícia. Erguendo-se dos pés do papa, foi assim abençoado e edificado -- uma horrível zombaria e blasfêmia! Roberto soltou seus bandos de rufiões no meio do rebanho desprotegido do assim proclamado sumo pastor. Por três dias Roma esteve sujeita aos horrores de um saque. Os normando e os infiéis sarracenos se espalharam por cada canto da cidade. Assassinatos, pilhagem, luxúria e violência, estava tudo fora de controle. No terceiro dia, enquanto os normandos faziam festa e se divertiam em descuidada segurança, os habitantes, levados ao desespero, irromperam em uma rebeldia generalizada e correram armados pelas ruas, começando uma terrível carnificina com seus conquistadores. Assim surpreendidos, os normandos logo pegaram nas armas, e imediatamente toda a cidade tornou-se um cenário de conflito selvagem e desesperado.

Henrique e Berta Coroados (1084 d.C.)

Os romanos, finalmente, cansados de suportar as misérias de um cerco, e sem esperança de alívio por parte dos normandos italianos, declararam-se a favor de Henrique. Ele era mestre da maior parte da cidade. Seu primeiro passo foi colocar Guiberto, o arcebispo de Ravena, na cadeira papal, com o nome de Clemente III. Ele foi nomeado por um sínodo de bispos como o futuro papa. Henrique então recebeu a coroa imperial de Clemente, com sua Rainha Berta, e foi saudado como imperador pelo povo romano.

A situação de Gregório agora parecia desesperadora. Ele era um prisioneiro, e logo poderia ser entregue à vingança de Henrique. Ele não podia esperar ajuda alguma de Filipe da França. Guillherme da Inglaterra não estava disposto a se meter nas brigas do papa. Apenas podia confiar em Matilde, a condessa da Toscana. Ela era a mais poderosa, rica e zelosa apoiadora dos interesses da igreja naquele país. Na morte de sua mãe e na de seu marido enquanto ainda era jovem e bonita, o astuto papa a persuadiu a entregar todas as suas posses à igreja de Roma, que foram mais tarde intituladas de propriedades da Igreja. Mas os homens e o dinheiro de Matilde não eram suficientes para a necessidade atual do papa. Em sua grande angústia ele pediu a ajuda de Roberto Guiscardo, um grande guerreiro normando. Ele era suspeito de cumplicidade com Cêncio em sua conspiração contra Gregório, e esteve sob censura da igreja por vários anos. Mas o papa estava disposto a libertá-lo do banimento da excomunhão e até mesmo a oferecer-lhe a coroa imperial se ele viesse imediatamente ao seu auxílio. O grande normando aceitou os termos do papa e colocou sua espada implacável ao serviço de Gregório.

Os Efeitos da Política Papal

Gregório logo percebeu que tinha ido longe demais -- que a humilhação em Canossa não poderia jamais ser esquecida e nunca poderia sossegar até que fosse vingada. A compaixão, assim como o interesse, moveu muitos príncipes e prelados a se reunirem em torno do rei caído, agora que estava liberto do banimento da excomunhão. Hildebrando (Gregório VII) era odiado pela maioria por causa de sua tirania política, e temido por causa de suas censuras eclesiásticas. Os revoltados príncipes da Alemanha ficaram secretamente encorajados pelo papa a disputar a posse do trono com Henrique, o que aumentou sua perplexidade e o preveniu de voltar seus exércitos contra Roma. Ele rezou para que Henrique nunca pudesse prosperar na guerra e, no nome e com as bênçãos dos apóstolos, concedeu o reino da Alemanha ao rebelde Rodolfo, duque da Suábia. O papa até mesmo se aventurou a profetizar que dentro de um ano Henrique estaria morto ou deposto; e, como se soubesse o fim desde o início, enviou uma coroa ao futuro rei, com uma inscrição significando que aquilo era o presente de Cristo a São Pedro, e de São Pedro a Rodolfo. Mas logo ele provou-se um profeta mentiroso, assim como um padre mentiroso, e o fomentador sem remorsos de uma guerra civil.*

{*Robertson, vol. 2, p. 594.}


A força do rei aumentou gradualmente apesar de todas as tramas iníquas e cruéis de Gregório. Após anos da mais terrível guerra civil e derramamento de sangue, os exércitos de Henrique e de seu rival, Rodolfo, se encontraram uma vez mais nas margens do rio Elster, em outubro de 1080. A batalha foi longa e obstinada, mas a queda de Rodolfo deu a Henrique a vitória. Ele recebeu sua ferida de morte, conta-se, da lança de Godofredo, mais tarde o primeiro rei de Jerusalém, e um golpe de sabre de um outro decepou sua mão direita. Relata-se que o príncipe moribundo, olhando para sua mão decepada, reconheceu com tristeza: "Com essa mão eu ratifiquei meu juramento de fidelidade ao meu soberano, Henrique: a punição é justa, e agora perdi a vida e o reino". Após os adversários do rei ficarem, então, desencorajados e paralisados, ele decidiu tornar suas forças contra seu mais formidável e irreconciliável inimigo. Ele cruzou os Alpes, entrou na Itália e sitiou os muros de Roma.

Estando a cidade bem provisionada, com as muralhas fortalecidas e com a lealdade dos romanos assegurada pela riqueza de Matilde, Henrique empenhou-se por mais ou menos três anos em bloquear e sitiar Roma, mas no verão de 1083 ele ganhou posse da cidade culpada. Gregório tomou refúgio no forte castelo de Santo Ângelo, e alguns de seus partidários em suas casas fortificadas. Henrique estava disposto a fazer acordos com Hildebrando, e a aceitar a coroa imperial de suas mãos. Mas o papa não queria saber de nada que não fosse a submissão incondicional de Henrique. "Que o rei renuncie a sua dignidade e se submeta à penitência", foram os únicos termos de Gregório. O clero -- bispos, abades e monges -- e os leigos suplicaram-lhe que tivesse misericórdia da cidade afligida, e que entrasse em acordo com o rei.

Mas todas as tentativas de negociação foram infrutíferas; o papa inflexível desprezava igualmente súplicas e ameaças. A submissão absoluta de Henrique e a satisfação à igreja eram as altas exigências do papa aprisionado em seu castelo. Mas Henrique não era mais o abandonado, o de espírito quebrantado e suplicante aos seus pés, como tinha sido em Canossa.

A Penitência do Rei

O final do mês de janeiro se aproximava; o ano da graça para o rei estava quase expirando, e Henrique resolveu aceitar as condições do papa. Ele estava determinado a fazer e suportar tudo para que pudesse desapontar os complôs de seus súditos rebeldes e reter o império.

"Em uma triste manhã de inverno", diz Milman, "com o chão coberto de neve, ao rei, o herdeiro de uma longa linhagem de imperadores, foi permitido que entrasse no interior de duas das três paredes que cingiam o castelo de Canossa. Ele tinha deixado de lado toda marca de realeza ou de posição distinta, e vestia-se apenas com o fino vestido branco do penitente, e ali, jejuando, aguardou em humilde paciência a presença do papa. Mas os portões não se fecharam. Ele ficou por mais um dia, no frio, faminto e ridicularizado em vã esperança. E ainda um terceiro dia se passou, de manhã até a noite, sobre a cabeça desprotegida do rei descoroado. Todo coração moveu-se, exceto o do "representante de Jesus Cristo". Mesmo na presença de Gregório havia murmúrios baixos e profundos contra seu orgulho e desumanidade nada dignos de alguém que se proclamava um apóstolo. A paciência de Henrique não conseguia mais aguentar. Ele tomou refúgio em uma capela adjacente de São Nicolau, para implorar, em lágrimas, mais uma vez pela intercessão do já idoso abade de Cluny. Matilde estava presente, e seu coração feminino estava derretido; ela se juntou a Henrique em suas súplicas ao abade. "Tu somente podes fazê-lo", disse o abade à condessa. Henrique caiu de joelhos e, extravasando de tristeza, suplicou por sua interferência misericordiosa. Diante das súplicas femininas de Matilde, Gregório com o tempo cedeu, com desagrado, permissão para que o rei viesse a sua presença. Com os pés descalços, ainda em trajes de penitência, ficou o rei, um homem singularmente alto e nobre, com um semblante acostumado a emitir ordens e terrores sobre seus adversários, perante o papa, um homem grisalho, de baixa e nada imponente estatura e curvado pelo peso dos anos."*

{* Cristianismo Latino, de Milman, vol. 3, p. 168.}


Os termos impostos sobre Henrique eram característicos de um tirano implacável e inexorável; o papa agiu nesse assunto mais como um demônio encarnado do que como um ser humano. Constatando que o penitente real tinha sido trazido de maneira tão humilhada, e que portanto aceitaria quaisquer termos, ele forçou-o a beber as mais amargas borras de humilhação. Não precisamos incomodar o leitor com suas extensas estipulações. Tais exigências jamais tinham sido feitas ou ouvidas antes nos anais da humanidade. Mas seu grande objetivo era a consolidação de seu próprio elaborado esquema de autoridade papal. Tendo colocado seus pés sobre o pescoço do maior monarca do mundo, ele tentou o estabelecimento do direito do pontífice, diante de toda a Europa, de julgar reis, depôr reinos e absolver súditos de seus juramentos de fidelidade a reis excomungados. Isto deu ao papa um enorme poder sobre todo o mundo, e constituiu a rebelião contra um soberano legítimo um dever sagrado à igreja e a Deus.

Henrique em Canossa

A chegada inesperada de Henrique na Itália produziu uma grande comoção. Príncipes e bispos se reuniram em grandes números e o receberam com as maiores honrarias. Os italianos esperavam que ele trouxesse soluções para suas queixas. Aqueles que tinham sido excomungados por Hildebrando buscavam ardentemente por vingança, e a nobreza e o clero lombardo esperava que ele tivesse vindo para depôr o temido e detestado Gregório. À medida que ele se aproximava o número de seus seguidores gradualmente aumentava, mas Henrique não podia parar para mergulhar em qualquer novo esquema; ele não podia pôr em risco o trono da Alemanha; ele tinha que obter a absolvição antes do dia fatal de 23 de fevereiro.

Enquanto isso, Gregório partia para a Alemanha, mas a notícia da descida de Henrique para a Itália freou sua marcha. Ele estava incerto se ele estava indo como um humilde suplicante, ou como chefe de um grande exército, e apressou-se a alojar-se em segurança em Canossa, um forte castelo nos Apeninos que pertencia à sua grande amiga e aliada, a "grande condessa" Matilde.

Ao saber disso, Henrique partiu para Canossa. Os bispos e abades que caíram sob o banimento papal seguiram o exemplo do rei, e partiram para lá também. Descalços e vestidos de sacos, esses bispos e abades apresentaram-se perante o pontífice, humildemente implorando o perdão e a absolvição das anátemas emitidas. Após alguns dias de penitência em confinamento solitário, e com alimentação escassa, ele os absolveu, sob a condição de que, até que o rei fosse reconciliado, eles não deveriam manter qualquer comunicação com ele. Para o próprio Henrique estavam reservados termos ainda mais humilhantes.

Ao chegar em Canossa, o rei obteve permissão a uma conversa com Matilde, com a Marquesa Adelaide (sua sogra) e com Hugo, abade de Cluny, que se comprometeram a interceder junto ao papa por uma consideração misericordiosa para o seu caso. Após muitas objeções levantadas pelo implacável papa e pelos apelos instados pelos amigos de Henrique, Gregório afinal propôs "que se ele fosse verdadeiramente penitente, que colocasse sua coroa e todas as insígnias de realeza em minhas mãos, e confessasse abertamente ser indigno do nome real e da dignidade". Este pedido parecia muito duro até mesmo para os ardentes admiradores do papa, que suplicaram-lhe que "não quebrasse o caniço rachado"; e assim ele condescendeu em dar ao rei uma oportunidade de lhe falar pessoalmente.

Henrique Parte para a Itália

O imperador caído estava agora preso nos ardis do inimigo. A política de Gregório tinha sido bem-sucedida. Tendo iniciado uma revolução e causado muito derramamento de sangue entre os príncipes do reino de Henrique, que ele ardilosamente mudou do terreno da queixa individual ou política para o terreno da religião, ele agora fingia ser um pacificador. Daí vieram tais palavras de hipocrisia: "Tratem Henrique com gentileza, e estendam-lhe aquela caridade que cobre uma multidão de pecados". Logo veremos a qualidade da gentileza e caridade de Gregório para com Henrique.

A situação do rei era agora desesperadora. Despojado de todo o seu poder, e até mesmo do sinal de realeza, e sentindo que não tinha nada a esperar de uma assembleia de seus súditos rebeldes e de seu inimigo declarado, ele resolveu, como uma última chance, tentar uma conversa pessoal com o papa e lançar-se como um penitente aos seus pés. Com dificuldade ele coletou de seus poucos amigos restantes dinheiro suficiente para custear suas despesas até a Itália. Ele deixou a cidade de Espira no meio do inverno, com sua esposa e seu filho pequeno, e uma assistente fiel. Mas os Alpes ainda se encontravam entre eles e a Itália. E então até mesmo a natureza parecia conspirar com o papa contra o rei caído. O clima estava excepcionalmente severo. O rio Reno e o rio Pó estavam densamente congelados, e a neve que cobria os Alpes estava tão dura e tão escorregadia como o gelo. Além disso, as travessias eram zelosamente vigiadas pelos duques de Bavária e Caríntia, inimigos de Henrique. Todas as travessias pareciam impossíveis. Mas o esforço teve de ser feito, por mais perigoso que fosse. Segundo o acordo entre Henrique e os príncipes rivais, ou generais dos Estados, ele devia obter a absolvição dentro de um ano e um dia a partir da data da anátema papal, ou perder sua coroa e seu reino para sempre; mas se ele pudesse obter a absolvição destro desse período, eles retornariam a suas posições e dignidades.

Os Alpes deviam ser cruzados. O dia fatal -- 23 de fevereiro -- se aproximava. Guias bastante conhecedores dos caminhos foram contratados, e algo como um caminho foi pavimentado em meio à neve para a comitiva real. Com grande dificuldade eles alcançaram o topo da travessia, mas a descida era ainda mais perigosa. Parecia um vasto precipício de gelo liso. Mas a dificuldade tinha de ser vencida. Os homens rastejaram, engatinhando, muitas vezes escorregando pelos declives congelados. A rainha, seu filho pequeno e uma mulher assistente foram arrastadas pelos guias em peles de bois, como se fossem trenós. Os cavalos foram descidos por meio de diversos artifícios. Alguns, com os pés amarrados, foram rolados declive abaixo, mas alguns foram mortos e poucos alcançaram os pés dos Alpes em condições úteis.

domingo, 20 de agosto de 2017

Uma Grande Guerra Civil

A guerra então foi amplamente proclamada; o efeito dessas cartas lançadas em um reino já dividido e entre um povo já descontente e acostumado à rebelião foi imensa. Tanto a Igreja quanto o Estado estavam rasgados em pedaços, alguns tomando o partido do rei, e outros do pontífice. Irrompeu-se uma guerra civil que durou 17 anos por todo o império romano; bispo contra bispo, o povo contra o povo, "enquanto", disse alguém, "a terra bebia do sangue que era derramado, e o túmulo se fechava do mesmo modo sobre aqueles que sofriam e aqueles que infligiam a miséria". Toda a Alemanha estava em um estado de loucura, dissensão e prostração.

Os duques da Suábia, tomando vantagem do sentimento geral contra Henrique, e encorajados pelos legados do papa, levantaram-se contra o soberano a quem tinham jurado fidelidade, e elegeram Adolfo como rei. No meio tempo, o próprio Hildebrando não negligenciou nenhum de seus próprios meios de guerra, uma guerra na qual ele era profundamente experiente. Grandes palavras inchadas do mais terrível significado eram suas armas. O "nome de Deus; a paz de Deus; as ordens de Deus; a salvação de Deus; as chaves do bendito Pedro; fechar as portas do céu; abrir as portas do inferno; perdição eterna", etc., eram palavras que incutiam terror em cada mente humana, e eram as algemas com os quais ele prendia seus escravos.

À medida que essa grande luta continuava, o papa ganhava força, e Henrique a perdia e sentia que estava diminuindo rapidamente. Seu coração afundou dentro dele: tudo parecia ter explodido pela maldição de São Pedro; os príncipes se revoltaram; os clérigos e o povo renunciaram à sua fidelidade, e conspirações se ergueram por todos os lados. Tal era a influência maligna do papa, que agora pisava em frente na panóplia [armadura medieval] completa do poder eclesiástico -- ou melhor, diabólico -- para pisotear no pó seu próprio senhor soberano. Sob todas essas circunstâncias deprimentes e esmagadoras, Henrique entrou em acordo com os príncipes rebeldes de que as reivindicações e erros de ambos os partidos fossem submetidas ao papa, que foi convidado a presidir em um concílio que ocorreria em Augsburgo para esse propósito.

O Imperador Deposto pelo Papa

Na assembleia Gregório falou da seguinte maneira: "Agora, portanto, irmãos, convém que saquemos a espada da vingança; devemos agora ferir o inimigo de Deus e de Sua igreja; agora pois sua cabeça ferida, que se levanta em sua soberba contra os fundamentos da fé e de todas as igrejas, caia por terra, ali, de acordo com a sentença pronunciada contra seu orgulho, que caia sobre a sua barriga e coma o pó. Não tema, pequeno rebanho, disse o Senhor, pois é a vontade do Pai conceder-lhes o reino. Por muito tempo já o suportamos; muitas vezes o admoestamos: deixemos que sua consciência sinta os efeitos!" Todo o sínodo respondeu a uma voz: "Que tua sabedoria, santíssimo padre, que a misericórdia divina levantou para governar o mundo em nossos dias, pronuncie tal sentença contra o blasfemador, esse usurpador, esse tirano, esse apóstata, que possa esmagá-lo contra a terra, e torná-lo um aviso para as eras futuras... Retire a espada, passe o juízo, e que o justo possa se regozijar quando ver a vingança, e lave suas mãos no sangue dos ímpios."

Seguiu-se a sentença formal: o audacioso padre, da maneira mais blasfema, identifica-se com a majestade divina, e pronuncia a linguagem mais solene na mais suja hipocrisia. Após afirmar, com uma língua mentirosa, que ele tinha sido relutantemente obrigado a ascender ao trono pontifício, ele diz: "Em plena confiança na autoridade sobre todo o povo cristão concedido por Deus à delegação de São Pedro, pela honra e defesa da igreja, no nome do Deus Todo-Poderoso, o Pai, o Filho e o Espírito Santo, e pelo poder e autoridade de São Pedro, eu interdito o rei Henrique, filho de Henrique, o Imperador, que, em seu orgulho sem igual ergueu-se contra a igreja, do governo de todo o reino da Alemanha e Itália. Eu absolvo todos os cristãos dos juramentos que juraram a ele, e proíbo toda a obediência a ele como rei... Pois ele manteve comunhão com os excomungados, e desprezou as admoestações que, como sabes, dei-lhe para sua salvação... Eu prendo-o, portanto, em teu nome, nos laços de sua anátema, para que todas as nações saibam e possam reconhecer que tu és Pedro, e que sobre ti, como sobre uma rocha, o Filho de Deus edificou Sua igreja, e que as portas do inferno não prevalecerão contra ela."

Antes que o sínodo fosse suspendido, Gregório dirigiu cartas a "todos os cristãos", contendo cópias das atas do concílio, e ordenando a todos os homens que desejavam ser contados entre o rebanho do bendito Pedro, a aceitar e obedecer às ordens ali contidas -- mais especialmente aqueles que estavam relacionadas à deposição e anátema contra o rei, seus "falsos bispos e ministros reprovados". E após exortar o povo a resistir a Henrique até o sangue, o padre mentiroso ousou pronunciar: "Deus é aqui nossa testemunha de que não somos movidos por qualquer desejo de vantagem secular ou por respeitos carnais de qualquer tipo, ao reprovarmos príncipes perversos ou padres ímpios; mas que tudo o que fazemos é feito por puro respeito ao nosso alto cargo, e pela honra e prerrogativa da Sé apostólica," etc.

Gregório e Henrique IV

O olho perspicaz do vigilante pontífice tinha, por muito tempo, observado o espírito e os movimentos de toda a Cristandade. Ele era bem familiarizado com a vida moral e política e a força e as fraquezas de todas as nações. Ele pode ser visto na guerra espiritual ao lado dos fortes e dobrando toda a sua força contra os fracos. Ele fala com desdém do fraco rei da França, e reivindica o tributo como um direito antigo. Carlos Magno, dizia ele, foi o colecionador de papas, e concedeu a Saxônia ao apóstolo. Mas para o temido Guilherme da Inglaterra e Normandia sua linguagem é cortesã. O altivo normando manteve sua independência teutônica, criou bispos e abades ao seu bel-prazer, foi senhor absoluto sobre seus eclesiásticos assim como sobre seus senhores feudais.*

{*Cristianismo Latino, de Milman, vol. 3, p. 121.}

Na Espanha e nações do norte, Gregório foi mais suntuoso e bem-sucedido, mas foi contra o império que ele concentrou todas as suas forças, e resolveu medir a força do papado com todo o poder de Henrique. Se ele pudesse humilhar o maior e mais orgulhoso dos monarcas -- o sucessor dos Césares -- a vitória viria sobre todos os outros soberanos.

A juventude e inexperiência de Henrique, as desmoralizantes tendências de sua educação, a revolta dos príncipes germânicos, e os problemas que muitas vezes afligem um país durante uma minoria, encorajou o ousado sacerdote em seus projetos. As decisões do concílio, ocorrido em 1074, contra o pecado universal da simonia e do casamento do clero, foram devidamente comunicadas ao imperador. O astuto papa abraçou a oportunidade de assumir a maior amizade para com Henrique. Ele o admoestou como um pai a retornar ao seio de sua mãe, a santa igreja romana, para governar o império de uma maneira mais digna, para se abster de apresentações simoníacas de benefícios, e para render a devida lealdade ao seu superior espiritual.

O imperador recebeu o legado do papa com cortesia, elogiou seu zelo pela reforma da igreja, e estava completamente mais submisso em seu tom. Mas Gregório não ficou satisfeito com o louvor e o arrependimento aparente. Ele agora desejava permissão, como o árbitro supremo dos assuntos da Alemanha, para convocar concílios ali, pelos quais aqueles acusados de simonia pudessem ser condenados e depostos. Mas nem Henrique nem os bispos concederiam licença aos legados do papa para reunir um concílio na Alemanha para tal propósito. O clero temia sua severa inquisição sobre seus títulos, e o imperador temia que seu próprio patrocínio fosse reduzido. Mas o zelo impaciente do ambicioso padre não toleraria atrasos nem se submeteria a qualquer oposição.

No ano seguinte (1075), ele convocou um segundo concílio em Roma, e procedeu às medidas que ele tinha pretendido cumprir pelos sínodos na Alemanha. À frente de seu clero romano, com homens que se comprometeram a sua causa por interesse e orgulho, ele determinou-se, acima de qualquer risco, a atacar a raiz de todos os abusos compreendidos sob o odioso nome da simonia. Nessa ocasião ele excomungou alguns dos favoritos de Henrique; ele depôs o arcebispo de Bremen e os bispos de Estrasburgo, Espira e Bamberga, além de alguns bispos lombardos, e cinco da corte imperial, cuja assistência o imperador tinha usado na venda de benefícios. Ele também decretou que "qualquer que conferisse um bispado ou abadia, ou que recebesse uma investidura das mãos de qualquer leigo, deveria ser excomungado". Henrique novamente professou uma medida de penitência, reconheceu a existência da simonia, e suas intenções futuras para desencorajar a prática, mas que ele próprio não pudesse por quaisquer meios ser induzido a desistir do poder de nomear bispos e abades, e da investidura tão intimamente conectada com esse poder. Gregório, por outro lado, exasperado pela desobediência do rei, e por nomear a Sé de Milão e outros bispados sem aguardar a decisão da Sé apostólica, enviou-lhe a mais autoritária convocação para comparecer a Roma, para responder por todas as suas ofensas diante do tribunal do papa, e diante de um sínodo de eclesiásticos; se ele se recusasse ou demorasse, deveria imediatamente sofrer a sentença da excomunhão. O dia 22 de fevereiro foi o dia indicado para seu comparecimento.

"Assim o rei", diz Milman, "o vitorioso rei dos alemães, foi solenemente citado como um criminoso, para responder a acusações indefinidas, para ser passível de leis que o juiz assumiu o direito de decretar, interpretar e impor. Todos os assuntos do império deveriam ser suspendidos enquanto o rei estivesse diante da barreira de seu imperioso árbitro; nenhum atraso era permitido; a alternativa severa e imutável era a humilde e instantânea obediência ou a sentença que envolvia a deposição do império e a perdição eterna".

O imperador, que era um príncipe exultante e de um temperamento ardente, ficando extremamente indignado com esse mandado, tratou-o como um insulto atrevido e imediatamente convocou uma convenção de bispos alemães em Worms. Seu objetivo era depor o papa que tinha assim declarado guerra, até a morte, contra ele. Esses clérigos, depois de passarem por muitas censuras sob a conduta de Hildebrando [Gregório], o pronunciaram como indigno de sua posição, o depuseram e marcaram uma reunião para a eleição de um novo pontífice. Gregório, ao receber a sentença pelos mensageiros e cartas do rei, não ficou menos perturbado por denúncias tão vazias. Em uma assembleia cheia, com 110 bispos, ele suspendeu os eclesiásticos que tinham votado contra ele. Ele então pronunciou a excomunhão do imperador, declarando "que ele perdeu os reinos da Alemanha e da Itália, e que seus súditos estavam absolvidos de seu juramento de fidelidade".

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