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domingo, 6 de setembro de 2020

As Primeiras Ordens Monásticas e as Posteriores

Temos plena consciência de que todos os sistemas humanos devem ser examinados pela Palavra de Deus se quisermos compreender corretamente seu verdadeiro caráter. Não é contrastando o último com o anterior que podemos descobrir o quão longe eles podem ter se distanciado da mente do Senhor. A Palavra do Deus vivo, pela qual todos serão finalmente julgados, deve ser nosso único padrão agora. Pouco importa quais melhorias podem ser encontradas em um sistema em comparação com outro, se ambos são o resultado de invenção humana. Isso é verdade para todas as pessoas e também para todos os sistemas. A Palavra de Deus deve ser a única regra do cristão, e o próprio Cristo a única cabeça e centro, poder e autoridade, no sistema que Ele possui -- a igreja, a assembleia de Deus*. Mas, como em diferentes ocasiões examinamos as escrituras sobre esses pontos, iremos agora, em poucas palavras, falar sobre a diferença entre os sistemas monásticos anteriores e posteriores. **

{*N. do T.: a expressão “assembleia de Deus” aqui não se refere a uma denominação cristã que adotou este nome (tal denominação nem mesmo existia à época do autor), mas sim à igreja de Deus, a universal assembleia (Hebreus 12:23), composta por todos aqueles que pela graça foram salvos e acrescentados a essa igreja (Atos 2:47) ao crerem em Jesus como Salvador.}

{** Ver "Reflexões sobre os Princípios da Asceticismo", Cap. 12.}

O principal, senão o objetivo exclusivo dos primeiros eremitas, anacoretas e ascetas de todos os nomes, era sua própria perfeição religiosa. A instrução ou salvação de outros não fazia parte de seu credo. O isolamento do mundo perigoso e a reclusão em alguma cela solitária, com todas as suas privações, eram considerados necessários para esse fim. À medida que o halo da santidade deles atraía e seduzia outras pessoas, foram construídas casas e cultivadas grandes extensões de terra para as necessidades desta vida. Esses pequenos começos muitas vezes se tornaram os assentamentos mais imponentes de um país. E durante a longa e escura noite da Idade Média, com sua barbárie e feudalismo, os mosteiros frequentemente se mostravam uma grande misericórdia para os doentes, os pobres e os viajantes. Todos devem reconhecer este fato com gratidão. Durante os cinco ou seis séculos que se seguiram à subversão do império ocidental, o sistema monástico tornou-se um poderoso instrumento para corrigir os vícios da sociedade e proteger as classes mais baixas da opressão sem lei do senhor feudal. Hospitalidade, ou o entretenimento de estrangeiros e peregrinos, era um dos usos importantes dos mosteiros naquele tempo. As estalagens para a recepção de viajantes parecem não ter existido antes do século XI. Praticamente os dois únicos edifícios imponentes que chamavam a atenção do viajante naquela época eram o castelo do poderoso barão e a abadia dos monges em oração. Um era guerra, e o outro paz. A religião, o aprendizado e a ciência encontraram um refúgio atrás das paredes do mosteiro, e a verdadeira piedade podia trabalhar pacificamente ali, escrevendo, transcrevendo, coletando e preservando informações úteis.

"Os beneditinos", diz Travers Hill, "eram os depositários do saber e das artes; eles reuniam livros e os reproduziam no silêncio de suas celas, e preservavam dessa forma não apenas os volumes das escrituras sagradas, mas muitas das obras de tradição clássica. Eles começaram a arquitetura gótica; só eles tinham os segredos da química e da ciência médica; eles inventaram muitas cores; foram os primeiros arquitetos, artistas, pintores de vidro, entalhadores e trabalhadores de mosaico nos tempos medievais. Foi um sistema poderoso e fez um bom trabalho no mundo, mas seguiu o caminho de coisas e instituições humanas, ficou intoxicado com seu poder, cegado por seu próprio esplendor e corrompido por sua própria riqueza; seus abades tornaram-se avarentos , seus monges voluptuosos; eles perderam sua simplicidade original; o governo de seu fundador não existia mais na atividade de seus lavradores, seus estudiosos e seus artistas, mas só era encontrado nas palavras mecanicamente lidas na capela. O [HH1] monasticismo engendrou sua própria corrupção, e dessa corrupção veio a morte."

A magnífica abadia de Glastonbury já chegou a cobriu sessenta acres. Antes da queda dos mosteiros na Inglaterra, os comissários reais relatam a esse respeito; que eles nunca tinham visto uma casa tão grande, boa e principesca, com quatro parques contíguos, um grande pesqueiro de cinco milhas, bem abastecido com lúcios, percas, douradas e leuciscos; quatro solares, além da capela, hospital, tribunal, escolas e a grande portaria. Muitas das casas de Glastonbury foram construídas com materiais desta outrora soberba abadia.*

{*Gazetteer, de Johnston.}

Os hábitos dos monges modernos contrastavam perfeitamente com os anteriores. Em lugar de morar dentro das paredes de uma abadia soberba, toda a cristandade em um curto período de tempo foi inundada por hostes de dominicanos e franciscanos. Eles vinham de todos os países e falavam, portanto, todas as línguas e dialetos. Eles pregaram a velha fé em seu mais completo rigor inflexível medieval, em quase todas as cidades e vilas. Lealdade inabalável ao papa e a extirpação da heresia eram seus grandes temas. E os pontífices em troca os protegiam e conferiam a eles os mais altos privilégios e vantagens. Antes de encerrar o século, os mosteiros e conventos da ordem minorita atingiram o surpreendente número de oito mil e eram habitados por pelo menos duzentos mil internos.

domingo, 13 de novembro de 2016

Gregório I, Apelidado de "o Grande" (590 d.C.)

Chegamos agora ao final do sexto século do cristianismo. Neste ponto encerra-se a história do período inicial da igreja, e começa a do período medieval. O pontificado de Gregório pode ser considerado como a linha que separa os dois períodos. Uma grande mudança acontece. As igrejas orientais declinam e recebem pouca atenção, enquanto as igrejas do Ocidente, especialmente a de Roma, atraem amplamente a atenção do historiador. E como Gregório pode ser considerado o homem representativo desse período transicional, nos esforçaremos para colocá-lo de forma justa perante o leitor.

Gregório nasceu em Roma por volta do ano 540, sua família sendo de classe senatorial, e ele próprio sendo o bisneto de um papa chamado Félix, de modo que, em sua descendência, ele herdou tanto a dignidade civil quanto a eclesiástica. Pela morte de seu pai ele se tornou possuidor de grande riqueza, que ele imediatamente dedicou a usos religiosos. Ele fundou e manteve sete monastérios: seis na Sicília, e a outra, que era dedicada a Santo André, na mansão de sua família em Roma. Ele liquidou em dinheiro suas roupas e joias caras e seus móveis e distribuiu aos pobres. Quando tinha cerca de 35 anos ele deixou de lado seus compromissos civis, assumiu sua residência no monastério romano e começou uma vida estritamente ascética. Embora fosse seu próprio convento, ele começou com os mais baixos deveres monásticos. Todo seu tempo era gasto em oração, lendo, escrevendo, e fazendo os mais abnegados exercícios. A fama de sua abstinência e caridade se espalhou por toda a parte. Com o decorrer do tempo ele se tornou abade de seu monastério; e, com a morte do papa Pelágio, ele foi escolhido pelo senado, clero e povo para preencher a cadeira vazia. Ele se recusou, e esforçou-se por vários meios a escapar das honras e dificuldades do papado. Mas ele foi forçadamente ordenado, pelo amor do povo, como bispo supremo.

Tirado da quietude de um claustro e de suas pacíficas meditações ali, Gregório via-se então envolvido no gerenciamento dos mais variados e desconcertantes assuntos tanto da igreja como do Estado. Mas ele estava evidentemente preparado para o grande e árduo trabalho que tinha diante de si. Vamos tomar nota, primeiramente, da fervente caridade de Gregório. 

sábado, 1 de outubro de 2016

Reflexões sobre os Princípios do Asceticismo

É realmente triste refletir sobre os muitos e sérios erros dos grandes doutores, ou dos primeiros "pais", como são usualmente chamados. Não sabemos de nada mais grave e solene do que o fato de que eles enganaram muito as pessoas de então, e que por meio de seus escritos eles têm enganado a igreja professa desde então. Quem é capaz de estimar as terríveis consequências de tais ensinos pelos últimos 1400 anos, pelo menos? A má interpretação e má aplicação da Palavra de Deus é evidentemente a regra para esses líderes, e ensinar a sã doutrina é a exceção. E ainda assim eles são o orgulho e a alegada autoridade para uma grande porção da Cristandade até hoje.

Sobre o assunto do asceticismo, qualquer um com conhecimento comum das Escrituras pode enxergar a ignorância que tinham da mente de Deus, e o quanto pervertiam Sua Palavra. Somos exortados, por exemplo, a "mortificar as obras do corpo", mas nunca a mortificar o próprio corpo. O corpo é do Senhor, e deve ser cuidado. "Não sabeis vós", diz o apóstolo, "que os vossos corpos são membros de Cristo?". Verdadeiramente, devem ser reduzidos à servidão, mas este é o modo mais sábio de cuidar do corpo (Romanos 8:13, 1 Cor 6:15, 9:27). Novamente, o apóstolo diz: "Mortificai, pois, os vossos membros, que estão sobre a terra", e então ele explica o que são esses membros: "a fornicação, a impureza, o afeição desordenada, a vil concupiscência, e a avareza, que é idolatria" (Colossenses 3:5). Estas são as obras do corpo que devemos mortificar -- que devemos entregar à morte de maneira prática; e isto sobre o fundamento de que a carne foi condenada à morte na cruz. "E os que são de Cristo crucificaram a carne com as suas paixões e concupiscências" (Gálatas 5:24). Observe que o versículo não diz que estão crucificando, ou que deveriam crucificar a carne, mas que já a crucificaram. Deus a colocou fora de Sua vista pela cruz, e devemos mantê-la fora de nossa vista pelo auto-julgamento. O corpo, pelo contrário, tem no Novo Testamento um lugar muito importante como o templo do Espírito Santo, mas a tendência do asceticismo é de maltratar o corpo e alimentar a carne. "As quais têm, na verdade, alguma aparência de sabedoria, em devoção voluntária, humildade, e em disciplina do corpo, mas não são de valor algum senão para a satisfação da carne" (Colossenses 2:23).

Os "pais" parecem ter se esquecido que o asceticismo era fruto da filosofia pagã, e de modo nenhum do cristianismo divino, mas eles parecem nunca terem olhado com cuidado para as Escrituras para conhecerem a mente de Deus sobre esses assuntos. Não tendo entendido a total ruína do homem na carne, eles em vão pensavam que ela podia ser melhorada, e foram assim desviados de inumeráveis maneiras, especialmente quanto à obra de Cristo, o julgamento da carne por Deus, o verdadeiro princípio da adoração, e todo o caminho do serviço cristão.

Tendo visto o estabelecimento do grande sistema monástico que exerceria uma influência tão poderosa em conexão com o cristianismo, a literatura e a civilização através da idade das trevas, deixemos o assunto por enquanto e retornemos à nossa história geral.

domingo, 11 de setembro de 2016

A Origem e Crescimento do Monasticismo

Antes de abordarmos o período da "igreja de Tiatira", pode ser interessante tomar nota do surgimento e crescimento das primeiras tendências ascéticas. A influência do monasticismo foi, de fato, muito grande durante a idade das trevas, e em todas as igrejas ocidentais. Vamos traçar seu caminho desde sua fonte. É interessante conhecer o início das coisas, especialmente de coisas importantes e influentes.

Durante a violência da perseguição sob Décio, por volta do ano 251, muitos cristãos fugiram ao exílio voluntário. Dentre esses estava um jovem chamado Paulo de Alexandria, que fez sua morada no deserto de Tebas, no Alto Egito. Pouco a pouco ele se tornou ligado ao modo de vida que adotou por necessidade, e é celebrado como o primeiro eremita cristão, embora não tivesse fama ou influência na época: não tanta como seu grande sucessor imediato.

Antônio (ou Antão), que é considerado o pai do monasticismo, nasceu em Cooma, no Alto Egito, por volta do ano 251. Na infância e juventude, conta-se que era de disposição contemplativa, séria e com tendência ao isolamento. Ele pouco se importava com o aprendizado mundano, mas desejava ardentemente o conhecimento das coisas divinas. Antes de alcançar a idade de 19 anos, ele perdeu seus pais, e tomou posse de uma propriedade considerável. Uma dia, na igreja, aconteceu do evangelho referente ao jovem rico ter sido lido perante a assembleia. Antônio considerou as palavras do Salvador como se fossem enviadas do céu para ele. "Vende tudo quanto tens, reparte-o pelos pobres, e terás um tesouro no céu; vem, e segue-me" (Lucas 18:22). Ele imediatamente doou sua terra aos habitantes de sua aldeia, vendeu o resto de suas propriedades e deu tudo aos pobres, exceto uma pequena porção que ele reservou para o cuidado de sua única irmã. Em outra ocasião ele ficou profundamente impressionado com as palavras do Senhor: "Não vos inquieteis, pois, pelo dia de amanhã" (Mateus 6:25-34), e tomando essas palavras em sentido literal, despojou-se do resto de suas propriedades e mandou sua irmã a uma sociedade de virgens piedosas para que ela pudesse ser livre de todos os cuidados com coisas terrenas e abraçasse uma vida de rígido asceticismo.

Conta-se que Antônio tenha visitado Paulo, o eremita, e todos os ascéticos mais famosos dos quais tinha ouvido falar, esforçando-se a aprender de cada um suas virtudes distintivas, e a combinar todas as suas graças em sua própria prática. Ele se fechou em uma tumba, onde viveu por dez anos. Por excessivos jejuns, exaustão, e uma imaginação acima do normal, ele imaginava-se atormentado por espíritos malignos, com quem ele tinha muitos e sérios conflitos. Antônio se tornou famoso. Muitos visitavam sua morada fora do comum na esperança de vê-lo, ou de ouvir o barulho de seus conflitos com os poderes das trevas. Mas ele saiu de sua tumba e passou a habitar em um castelo em ruínas perto do Mar Vermelho por outros vinte anos. Ele aumentou suas mortificações visando superar os espíritos malignos, mas as mesmas tentações e conflitos o seguiram.

Estranho como possa parecer, esse marcante e iludido homem tinha um verdadeiro coração para Cristo, e um coração terno para com seu povo. A perseguição sob Máximo (311) o tirou de sua célula para as cenas públicas em Alexandria. Sua aparição causou um grande efeito. Ele se dedicou aos sofredores, exortando-os a manterem inabalável confiança em suas confissões de Cristo, e manifestando grande amor aos confessores nas prisões e nas minas. Ele se expôs, de todas as maneiras, ao perigo, ainda que ninguém se aventurava a tocá-lo. Supunha-se que um tipo de santidade inviolável cercava esse homem misterioso que parecia um fantasma. Quando a fúria da perseguição passou, ele fugiu para um novo lugar de isolamento, ao lado de uma alta montanha. Ali ele cultivou uma pequena porção de terra; multidões se aglomeravam para ouvi-lo; e um grande número o imitava. Os tristes vinham a ele para serem confortados, os perplexos para serem aconselhados, e os inimigos para serem reconciliados. Milagres lhe foram atribuídos, e sua influência não tinha limites.

No ano 352, quando tinha 100 anos de idade, ele apareceu uma segunda vez em Alexandria. Ele o fez para contrariar a propagação do arianismo, e defendeu com toda sua influência a verdadeira fé ortodoxa. Sua aparição produziu uma grande sensação, multidões se aglomeravam para ver o monge -- o homem de Deus, como lhe chamavam -- e ouvi-lo pregar, e muitos pagãos foram convertidos ao cristianismo por meio dele. Antônio e seus monges eram apoiantes firmes e poderosos do credo niceno. Ele viveu até a idade de 105 anos, e morreu apenas alguns dias antes de Atanásio ter encontrado um refúgio entre os monges do deserto, em 356.

sábado, 14 de maio de 2016

O Estado Geral do Cristianismo

Antes de empreendermos um breve relato da perseguição sob Diocleciano, pode ser interessante rever a história e condição da igreja enquanto a luta final se aproximava. Mas, de modo a formar um julgamento correto do progresso e estado do cristianismo ao final de trezentos anos, devemos considerar o poder dos inimigos com quem tinha de contender.

1. Judaísmo. Vimos durante algum tempo, e especialmente na vida do apóstolo Paulo, que o judaísmo foi o primeiro grande inimigo do cristianismo. Teve de lutar, desde sua infância, com os fortes preconceitos dos judeus crentes, e com a amarga malícia dos incrédulos. Em sua região nativa, e onde quer que viajasse, o cristianismo foi perseguido por esse inimigo implacável. E após a morte dos apóstolos, a igreja sofreu muito ao ceder à pressão judaica, levando finalmente a remodelar o cristianismo de acordo com o sistema do judaísmo. O vinho  novo foi posto em odres velhos. 

2. Orientalismo. Próximo ao fim do primeiro século e do início do segundo século, o cristianismo teve de abrir caminho entre os muitos e conflitantes elementos da filosofia oriental. Seu primeiro conflito foi com Simão Mago, como registrado em Atos dos Apóstolos. Embora fosse samaritano de nascença, supõe-se que ele tenha estudado as várias religiões do Oriente em Alexandria. Ao retornar ao seu país de origem, ele avançou em pretensões muito altas em direção a um conhecimento e poder superior, fazendo pasmar o povo de Samaria, anunciando que ele próprio era alguém grande, a quem todos, desde o menor até o maior, davam ouvidos, dizendo: "Este é a grande virtude de Deus". A partir desta observação sobre Simão podemos aprender que influência tais homens tinham sobre as mentes dos ignorantes e supersticiosos, e também que poder terrível de Satanás a igreja tinha que enfrentar. Ele assumiu não somente o elevado título de "grande virtude de Deus", como também se vangloriava de possuir outras perfeições da Divindade. Os escritores geralmente se referem a ele como a cabeça e pai de toda a hoste de impostores e hereges.

Após ter sido tão aberta e vergonhosamente derrotado por Pedro, dizem que Simão Mago deixou Samaria e viajou por vários países, escolhendo especialmente aqueles nos quais o evangelho ainda não tinha chegado. Desde essa época ele introduziu o nome de Cristo em seu sistema, e assim se esforçou em confundir o evangelho com suas blasfêmias, confundindo a mente do povo. Quanto aos seus milagres e mágicas, suas maravilhosas teorias sobre ter ele mesmo descido do céu, e outras emanações, não temos nada a dizer, além de que provam ter sido, especialmente no Oriente, um obstáculo poderoso para o progresso do evangelho.

Os sucessores de Simão, tais como Cerinto e Valentino, sistematizaram de tal modo suas teorias que tornaram-se os fundadores de uma forma de gnosticismo que a igreja teve que enfrentar no segundo século. O nome "gnosticismo" envolve a ideia de ambições por um conhecimento superior. Costuma-se pensar que Paulo se refere a este significado da palavra ao alertar seu filho Timóteo contra a "falsamente chamada ciência" (1 Timóteo 6:20)

Embora esteja fora do escopo deste livro tentar qualquer coisa como um esboço desse tão difundido orientalismo ou gnosticismo, ainda assim devemos dar aos nossos leitores alguma ideia do que era. Isto se provou por um tempo como o mais formidável oponente do cristianismo. Mas à medida que os fatos e doutrinas do evangelho prevaleciam, o gnosticismo declinava.

Sob a cabeça dos gnósticos podem ser incluídos todos aqueles nos primeiros séculos da igreja que incorporaram em seus sistemas filosóficos as doutrinas mais óbvias e convenientes, tanto do judaísmo quanto do cristianismo. Assim o gnosticismo se tornou uma mistura de filosofia oriental, judaísmo e cristianismo. Por meio desta confusão satânica, a bela simplicidade do evangelho foi destruída e, por um longo tempo, em muitos lugares, seu verdadeiro caráter foi obscurecido. Foi um plano bem pensado e um poderoso esforço do inimigo, não apenas para corromper, mas também para minar e subverter todo o evangelho. Logo que o cristianismo apareceu os gnósticos começaram a adotar em seus sistemas algumas de suas mais sublimes doutrinas. O judaísmo já era profundamente modificado com isto antes da era cristã, provavelmente desde o cativeiro.

Mas o gnosticismo, devemos lembrar, não era uma corrupção do cristianismo, embora toda a escola de gnósticos seja chamada de herege pelos escritores eclesiásticos. Quanto à sua origem, o gnosticismo remonta desde a muitas religiões do Oriente, tais como a dos caldeus, dos persas, dos egípcios, dentre outras. Até mesmo em nossos dias tais filósofos seriam vistos como infiéis e estranhos ao evangelho de Cristo; mas nos primeiros tempos, o título de herege foi dado a todos os que, de qualquer maneira, introduziam o nome de Cristo em seus sistemas filosóficos. Por isso foi dito: "Se Maomé tivesse aparecido no segundo século, Justino Mártir ou Irineu teriam chamado ele de herege." Ao mesmo tempo, devemos reconhecer que os princípios da filosofia grega, especialmente o platônico, forçaram seu caminho, bem no começo, para dentro da igreja, corrompendo a corrente pura da verdade, e ameaçando, por um tempo, mudar o desígnio e o efeito do evangelho sobre a humanidade.

Orígenes, que nasceu em Alexandria - o berço do gnosticismo - por volta do ano de 185, foi o pai apostólico que deu forma e completude ao método alexandrino de interpretar as Escrituras. Ele distinguia nelas um tríplice sentido - o literal, o moral, e o místico - correspondendo, respectivamente, ao corpo, alma e espírito do homem. O sentido literal, defendia ele, podia ser entendido por qualquer leitor atento; o moral requeria uma inteligência mais elevada; e o místico só poderia ser aprendido por meio da graça do Espírito Santo, que devia ser obtida por oração.

O grande objetivo desse eminente mestre era harmonizar o cristianismo com a filosofia, e este foi o fermento da escola de Alexandria. Ele buscava juntar os fragmentos da verdade espalhados pelos outros sistemas, e uni-los em um esquema cristão, de modo a apresentar o evangelho em uma forma que não ofendesse os preconceitos, e que assegurasse a conversão de judeus, gnósticos e pagãos. Esses princípios de interpretação, e essa combinação do cristianismo com a filosofia, levou Orígenes e seus seguidores a muitos erros graves e sérios, tanto práticos quanto doutrinais. Ele mesmo era um cristão devoto, sincero e zeloso, e verdadeiramente amava o Senhor Jesus, mas a tendência de seus princípios nada mais fizeram, desde aqueles dias até hoje, além de enfraquecer a fé no caráter definitivo da verdade, se não também pervertendo-a toda por meio da espiritualização e alegorização, o que seu sistema ensinava e permitia.

A malignidade da matéria era um dos princípios fundamentais em todos as seitas dos gnósticos, e prevalecia em todos os sistemas religiosos do Oriente. Isto levou às mais loucas teorias quanto à formação e caráter do universo material e todas as substâncias corpóreas. Isto levou muitas pessoas a acreditarem que seus corpos eram intrinsecamente maus, recomendando-se a abstinência e severas mortificações corporais para que a mente, ou o espírito, que era visto como puro e divino, pudesse desfrutar maior liberdade, e ser capaz de contemplar melhor as coisas celestiais. Sem nos alongarmos sobre o assunto - o qual não apreciamos - o leitor poderá observar que o celibato do clero, em anos posteriores, e todo o sistema do asceticismo e monasticismo, tiveram sua origem, não nas Escrituras, mas na filosofia oriental.*

{* Para maiores detalhes sobre as diferentes seitas, veja o Dicionário das Igrejas Cristãs e Seitas, de Marsden. Robertson, volume 1; Neander, volume 2; Milman, volume 2; Mosheim, volume 1. }

3. Paganismo. A igreja não apenas tinha que enfrentar o judaísmo e o orientalismo, como também sofria com a hostilidade do paganismo. Estes eram os três formidáveis poderes de Satanás com os quais ele perturbou a igreja durante os três primeiros séculos de sua história. Na realização de sua alta comissão dada pelo Senhor -  "Fazei discípulos de todas as nações"... "Pregai o evangelho a toda criatura" - ela tinha esses inimigos para enfrentar e superar. Mas estes não poderiam impedir seu curso, se ela tivesse simplesmente andado em separação do mundo e permanecido verdadeira e fiel ao seu celestial e exaltado Salvador. Mas infelizmente, o que o judaísmo, o orientalismo e o paganismo não podiam fazer, as seduções do mundo conseguiram. E isto nos leva a olhar bem de perto para a condição da igreja quando a grande perseguição começou.

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