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sexta-feira, 18 de janeiro de 2019

A História das Indulgências

Assim prevaleceu o sistema das indulgências em cada vez maior extensão à medida que avançava o tempo; e embora, como consequência de seus gritantes abusos, alguns dos melhores escolásticos não hesitassem em expressar suas objeções ao comércio que estava ocorrendo na venda de indulgências, outros escreviam em favor, e os homens em geral temiam sofrer um longo período de severa penitência e de desagradáveis austeridades, quando podiam obter absolvição imediata por meio de pagamentos pecuniários, ou dando esmola às igrejas e clérigos. Desde o início foi a prática da igreja de Roma impôr obras ou sofrimentos dolorosos sobre os ofensores quando estes eram submetidos com humildade ao que eles chamavam de satisfações; mas quando a penitência era abreviada ou inteiramente remida por alguma consideração em dinheiro ou boas obras, eles chamavam de indulgência. O preço era regulado de acordo com a natureza do crime e as circunstâncias do comprador.

O seguinte curioso evento, citado por Milner do relato de Burnet, dará ao leitor uma ideia melhor da extensão desse notável comércio do que qualquer coisa que pudéssemos dizer sobre o assunto, e isto aconteceu em uma época em que, devido à Reforma, a venda tinha diminuído consideravelmente: "Burnet nos informa que a escandalosa venda de perdões e indulgências não havia cessado completamente, de maneira alguma, nos países papistas, como é comumente aceito. Ele diz que na Espanha e em Portugal há, em todo o lugar, um comissário que gerencia a venda com as circunstâncias mais infames imagináveis. Na Espanha, o rei, por meio de um acordo com o papa, retém os lucros. Em Portugal, o rei e o papa dividem os lucros.

"No ano de 1709 os corsários de Bristol tomaram de assalto um galeão, no qual acharam quinhentos fardos com indulgências papais... e dezesseis resmas estavam em um fardo, de modo que podia-se contar um total de três milhões e oitocentos e quarenta mil indulgências. Estas eram impostas ao povo e vendidas, a mais barata por três moedas de ouro, mas algumas eram mais caras. Todos eram obrigados a comprá-las durante a Quaresma. Além do relato dado sobre essa viagem, recebi um testemunho em particular sobre isso do Capitão Dampier".*

{* Milner, vol. 3, p. 439}

Mas o leitor estará mais preparado para essa quase incrível afirmação se prosseguirmos até a história do período em que isso ocorreu. Por enquanto, vimos o suficiente para dar ao leitor uma ideia correta do fundamento, caráter e efeitos do tráfico. O sacramento do matrimônio terá um espaço tão importante para nós que precisaremos dar a ele um capítulo especial mais tarde. Assim, deixamos por enquanto o doloroso e interessante assunto sobre a teologia romana, lamentando profundamente as práticas da Cristandade papal, e retornemos a nossa história geral.*

{*Para mais detalhes sobre os sacramentos por escritores católicos, veja Concílio de Trento, de Paulo II, O Catecismo Do Concílio De Trento, de Donovan, End of Controversy, de Milner; e para críticas bastante afiadas sobre essas doutrinas, veja Variations of Popery, de Edgar, assim como os livros de história em geral.}

domingo, 18 de junho de 2017

Extremos de Caráter

Exatamente neste ponto de nossa história encontramos, através da sutileza de Satanás, os caracteres mais extremos e opostos. O único objetivo de Hildebrando era subjugar o mundo exterior; as autoinfligidas crueldades dos outros deveriam subjugar o mundo dentro de si mesmos.

Pedro Damiano, bispo de Óstia, era severamente ascético [voltado ao monasticismo]. Ele se reclusava em roupas de saco, fazia jejuns, vigiava, orava e, tentando domar suas paixões, podia se levantar à noite, ficar por horas debaixo de uma corrente de água até que seus membros ficassem rígidos de frio, e depois passava o resto da noite visitando igrejas e recitando o Saltério*. O objetivo declarado pelo qual ele tanto trabalhava era a restauração da dignidade do sacerdócio e uma disciplina da igreja mais rigorosa. Tal é o poder delusório do inimigo dentro da igreja de Roma. 

{*Saltério: Livro dos Salmos}

Mas um monge, chamado Domínico, foi considerado o grande herói dessa guerra contra o pobre e inofensivo corpo. Satanás escondeu dessa dupla a diferença entre o corpo e as obras do corpo. Domínico usava, próximo à pele, uma apertada couraça de ferro, a qual ele nunca tirava. Seu pescoço era carregado de pesadas correntes, suas poucas roupas eram desgastadas como trapos, sua comida era das mais grosseiras, sua pele era tão escura como a de um negro pelos efeitos de sua disciplina. Seu exercício usual era recitar o Saltério duas vezes por dia, enquanto se flagelava com as duas mãos a uma frequência de mil chicotadas a cada dez salmos. Era reconhecido que 3000 chicotadas eram equivalentes a um ano de penitência; o Saltério inteiro, portanto, com esse acompanhamento, era equivalente a cinco anos. Na Quaresma, ou em ocasiões de penitência especial, a média diária subia para três saltérios; ele "facilmente" (?) passava por vinte -- equivalente a cem anos de penitência -- em seis dias. Certa vez, no início da Quaresma, ele implorou para que uma penitência de mil anos fosse-lhe imposta, e cumpriu toda ela antes da Páscoa.   

Supunha-se que essas flagelações tivessem o efeito de uma satisfação pelos pecados de outras pessoas -- obras de supererrogação*, que formavam o capital para a venda de indulgências, das quais ouviremos mais no decorrer da história. A morte misericordiosamente pôs um fim aos seus lamentáveis delírios no ano 1062.

{*Supererrogação: Demasia, excesso.}

Tomemos mais um exemplo da vida eclesiástica, uma vez que Satanás encontrou algo adequado a todos os gostos.

Os clérigos mundanos tinham o hábito de comparecer junto às tropas de soldados, com espadas e lanças. Eles se cercavam de homens armados como um general pagão. Todos os dias desfrutavam de banquetes reais e desfiles diários; a mesa cheia de iguarias; os convidados, seus voluptuosos favoritos. Crime e licenciosidade eram comuns nos palácios do clero. Tão grande era a iniquidade de Roma no século X que os historiadores, em consenso geral, colocam um véu sobre isso pelo bem de nossa humanidade comum. Será que as pessoas que corriam para Roma sabiam que, durante um período de um século e meio, por volta dessa época, eram tão terríveis as cenas do Vaticano, a ponto de "dois papas terem sido assassinados, cinco foram exilados, quatro foram depostos, e três renunciaram a sua perigosa dignidade. Alguns foram levados à cadeira pontifical pelas armas, alguns por dinheiro, e alguns receberam a tiara das mãos de cortesãs principescas... Seria herege dizer que as portas do inferno tinham prevalecido contra o trono e o centro do catolicismo; mas o próprio Barônio pode ser citado para provar que eles tinham recuado de suas articulações infernais para enviar espíritos malignos, comissionados para esvaziar sobre sua cabeça devota os frascos de amargura e ira."*

{* Sir James Stephens, Biografia Eclesiástica, vol. 1, p. 2; Milman, vol. 3, p. 103; Robertson., vol. 2, p. 515.}

Passamos agora ao objeto imediato de nossa história -- a carreira de Hildebrando como Gregório VII, de cujos lábios ouviremos um relato de papas infalíveis muito diferentes dos citados acima.

domingo, 4 de junho de 2017

Traços da Linha Prateada da Graça de Deus (Parte 2)

Lanfranco e Anselmo são nomes famosos na história da igreja dessa época, embora não tanto para a graça quanto para a erudição e controvérsia: ambos foram arcebispos da Cantuária. Ambos tinham sido monges e celebrados mestres nessa humilde classe. Mais de quatro mil estudiosos assistiram as preleções de Lanfranco quando era monge em Caen. Anselmo era de  igual reputação na Normandia. Nanfranco, no entanto, tem a nada invejável reputação de confirmar, por sua grande influência e erudição, o dogma da transubstanciação. Nas trevas do século X essa doutrina fez sua primeira aparição autoritativa na igreja. Esse dogma foi atacado por Berengário de Tours, que usou todas as forças de sua mente e todos os recursos ao seu alcance para demonstrar a falta de credibilidade do dogma. Mas Lanfranco o defendia, e tendo a maioria do clero ao seu lado, Berengário foi rejeitado, despojado de todos os seus privilégios e condenado a uma rigorosa seclusão pelo resto de sua vida. O berengarismo tornou-se um termo de reprovação e foi considerado heresia. Assim o misterioso dogma da Presença Real [de Cristo na Eucaristia] foi estabelecido por volta da metade do século XI. Lanfranco morreu em 1089. Guilherme, o Ruivo, apontou Anselmo como seu sucessor. Ele tem a reputação de ser um cristão sincero e muito irrepreensível em sua vida. Ele morreu em 1109, no décimo sexto ano de seu arcebispado, e aos 76 anos de idade. Ambos Lanfranco e Anselmo, como mal precisamos dizer, foram zelosos apoiadores do poder de Roma.

Margaret, rainha da Escócia, foi evidentemente um canal divino da graça de Deus naqueles dias, não obstante o legalismo do papado. Ela era filha de Etelredo e irmã de Edgar, o Atelingo, o último da linhagem de príncipes saxônicos. A agressividade e a profanação dos príncipes normandos, especialmente de Guilherme, o Ruivo, levou Edgar e Margaret a buscar um retiro seguro na Escócia. O rei Malcolm Canmore se casou com a princesa inglesa. As coisas mais maravilhosas são relatadas sobre sua piedade, liberalidade e humildade. Seu caráter era perfeito para lançar um brilho sobre uma época mais pura. Ela teve com Malcolm seis filhos e duas filhas. Três de seus filhos reinaram sucessivamente, e sua filha, Matilda, foi esposa de Henrique I da Inglaterra, e era considerada uma cristã piedosa.

Como a vida e o caráter de Margaret nos darão uma visão melhor do cristianismo romano em um de seus mais brilhantes exemplos do que poderíamos descrever, citaremos algumas passagens reais de sua vida. "A senhora real, que foi honrada com a canonização, embora muito supersticiosa, e de certo modo ostentosa em seus atos de beneficência, possuía, no entanto, muitas eminentes virtudes, e deve ser classificada entre as melhores de nossas rainhas. Ela exerceu ilimitada influência sobre seu bravo, porém iletrado, marido, que, embora incapaz de ler seus livros de devoção, era fervorosamente acostumado a beijá-los. Toda manhã ela preparava comida para nove órfãos, e de joelhos dobrados os servia. Com suas próprias mãos ela servia à mesa a multidões de pessoas indigentes que se reuniam para compartilhar da doação; e à noite, antes de se retirar para a cama, ela dava ainda mais impressionante prova de sua humildade ao lavar os pés de seis deles. Ela estava frequentemente na igreja, prostrada perante o altar, e ali, com soluços e lágrimas e orações prolongadas, ela se oferecia a si mesma como sacrifício ao Senhor. Quando chegava a época da Quaresma, além de recitar ofícios particulares, lia todo o livro dos Salmos duas ou três vezes em um mesmo dia. Antes de participar da missa pública, ela se preparava para a solenidade ouvindo de cinco a seis missas privadas, e quando todo o serviço religioso acabava, ela alimentava 24 dependentes e assim demonstrava sua fé por suas obras. Enquanto esses não estivessem satisfeitos ela não se retirava para sua própria pequena refeição. Mas com todo esse desfile de humildade, havia também uma igual exibição de orgulho. Seu vestido era lindo, seu séquito enorme e sua comida devia ser servida em pratos de ouro e prata, algo inédito na Escócia até seu tempo.

"Afortunada de ter obtido uma boa educação, Santa Margaret gostava particularmente de demonstrar sua erudição e conhecimento das Escrituras. Ele frequentemente discursava com o clero da Escócia sobre questões teológicas e, através de sua influência, a Quaresma passou a ser observada de acordo com a instituição católica. Ele fez um bom serviço à religião e virtude de muitas formas; mas a vida dessa boa rainha foi encurtada pela severidade de seus jejuns, que pouco a pouco minaram sua saúde... Ela estava deitada, desgastada e moribunda, com o crucifixo diante de si, quando seu filho, Edgar, chegou da batalha de Alnwick. 'O que aconteceu com o Rei e com meu Eduardo?', disse a mãe moribunda. O jovem rapaz ficou em silêncio. 'Eu sei de tudo', gritou ela, 'Eu seu de tudo. Pela santa cruz, pela seu afeto de filho, conjuro-te, diga-me a verdade.' 'Seu marido e seu filho, ambos estão mortos', disse o rapaz. Erguendo suas mãos e seus olhos para o céu, ela devotamente disse, 'Louvor e bênção seja para Ti, Deus Todo-Poderoso, que tens prazer em me fazer suportar uma angústia tão amarga na hora de minha partida, e confio que isso seja para me purificar em alguma medida das corrupções dos meus pecados e Tu, Senhor Jesus Cristo, que, através da vontade do Pai, deu vida ao mundo por Tua morte, oh, liberta-me!' Enquanto as palavras ainda estavam em seus lábios, ela suavemente expirou."*

{* A História da Igreja da Escócia, de Cunningham, vol. 1, p. 97; Milner, vol. 2, p. 566; Robertson, vol. 2, p. 441.}

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