O senado de Zurique recusara terminantemente permitir que Zuínglio partisse para Marburgo, temendo que algum mal lhe sobreviesse. Mas ele sentia que sua presença na conferência era necessária para o bem da Igreja, e que precisava ir! Assim, preparou-se para a viagem e partiu durante a noite, tendo apenas um amigo por companhia — Rodolph Collin, o professor de grego. Deixou a seguinte nota ao Senado: "Se parto sem vos informar, não é por desprezar vossa autoridade, sapientíssimos senhores, mas porque, conhecendo o afeto que me tendes, prevejo que vossa preocupação opor-se-ia à minha partida." Chegaram sãos e salvos a Basileia, onde se lhes uniu Oekolampadius; e a Estrasburgo, onde se agregaram Bucer, Hedio e Sturm. O grupo chegou a Marburgo em 29 de setembro. Lutero e seus companheiros no dia 30. Ambos os partidos foram cortêsmente recebidos pelo landgrave Filipe de Hesse e hospedados no castelo, à sua própria mesa.
O landgrave, ciente dos sentimentos amargos gerados pela recente controvérsia entre os chefes das partes, propôs prudentemente que, antes da conferência pública, os teólogos mantivessem uma entrevista privada, com vistas a preparar o caminho para a reconciliação e unidade. Conhecendo o temperamento dos homens, designou Lutero para dialogar com Oekolampadius, e Melâncton com Zuínglio. Contudo, tantas foram as acusações de falsa doutrina feitas pelos doutores saxões contra os suíços, que pouco se avançou em direção à unidade, e a questão principal tornou-se ainda mais intrincada. Assim, foi marcada a disputa pública para o dia seguinte, 2 de outubro de 1529.
A conferência geral teve lugar em um aposento interior do castelo, na presença do landgrave e seus principais ministros, tanto políticos quanto religiosos, dos delegados da Saxônia, Zurique, Estrasburgo e Basileia, bem como de alguns estrangeiros eruditos. Uma mesa foi disposta para os quatro teólogos — Lutero, Zuínglio, Melâncton e Oekolampadius. Ao se aproximar, Lutero, tomando um pedaço de giz, escreveu com firmeza sobre o veludo que cobria a mesa, em grandes letras: HOC EST CORPUS MEUM — "Isto é o meu corpo." Desejava manter estas palavras sempre diante de si, para que sua confiança não vacilasse, e seus adversários ficassem confundidos. “Sim,” disse ele, “estas são as palavras de Cristo, e desta rocha nenhum adversário me desarraigará.”
Estando todos reunidos, o chanceler de Hesse abriu a conferência. Explicou seu objetivo e exortou os disputantes à moderação cristã e ao restabelecimento da unidade. Então Lutero, em vez de ir diretamente à questão da Eucaristia, insistiu em um entendimento prévio sobre outros artigos de fé, tais como a divindade de Cristo, o pecado original, a justificação pela fé, etc. Os saxões declararam considerar os suíços pouco ortodoxos nesses e em outros pontos. Qual seria o propósito de Lutero em ampliar o campo de debate, não pretendemos conjecturar; mas os suíços replicaram que seus escritos continham provas suficientes de que, em todos esses pontos, não havia divergência entre eles.
O landgrave, a quem cabia a direção da assembleia, manifestou sua anuência, e Lutero viu-se forçado a abandonar seu intento; mas estava visivelmente irritado e desconfortável, dizendo: “Protesto que divirjo de meus adversários quanto à doutrina da Ceia do Senhor, e sempre dela divergirei. Cristo disse: ‘Isto é o meu corpo.’ Que me provem que um corpo não é um corpo. Rejeito a razão, o senso comum, os argumentos carnais e as provas matemáticas. Deus está acima da matemática. Temos a palavra de Deus; devemos adorá-la e cumpri-la.” Tal foi o início desse célebre debate. O impetuoso e obstinado saxão escrevera seu texto no veludo e agora o apontava com o dedo, dizendo: “Nenhuma consideração me induzirá jamais a me afastar do sentido literal destas palavras, e não ouvirei nem a razão nem o senso, tendo diante de mim as palavras de Deus.” E tudo isso foi feito e dito, note-se, antes mesmo de as deliberações serem abertas, ou que um único argumento fosse apresentado. Essa declaração, aliada à notória teimosia de seu autor, bastava para aniquilar toda esperança de um desfecho satisfatório para a conferência.
Contudo, os suíços, a despeito do estilo altivo de Lutero, não recusaram o debate. Sem dúvida, conheciam-lhe o temperamento, pouco se importavam com suas afirmações arrogantes e provavelmente jamais contaram com sua mudança de ideia. “Não se pode negar,” disse Oekolampadius com brandura, “que há figuras de linguagem na Palavra de Deus: como João é Elias, a rocha era Cristo, Eu sou a videira.” Lutero admitiu haver figuras na Bíblia, mas negou que esta última expressão fosse figurativa.
Oekolampadius então lembrou a Lutero que o bendito Senhor disse em João 6: “O espírito é o que vivifica; a carne para nada aproveita.” “Ora, Cristo, que disse ao povo de Cafarnaum que a carne para nada aproveita, rejeitou por estas palavras a manducação* oral do corpo. Logo, não a instituiu na Ceia.”
{* Manducação: ato de mastigar, ou comer. }
“Nego,” retrucou Lutero com veemência, “a segunda dessas proposições. Houve uma alimentação material da carne de Cristo, e houve uma alimentação espiritual. Foi da primeira, da alimentação material, que Cristo declarou não aproveitar nada.”
Oekolampadius sugeriu que isso equivalia, de fato, a ceder ao argumento. Admitia-se que devíamos comer espiritualmente; e, se assim fosse, não se comia corporalmente, sendo então inútil a manducação material.
“Não devemos inquirir de que serve,” replicou Lutero; “tudo o que Deus ordena se torna espírito e vida. Se por ordem do Senhor erguermos uma palha, nesse mesmo ato realizamos uma obra espiritual. Devemos atentar para Aquele que fala, e não para o que é dito. Deus fala: então, vermes, escutai! Deus ordena: que o mundo obedeça! E que todos nós nos prostremos juntos, e humildemente beijemos a palavra.”
Cumpre-nos notar, de passagem, que não há razão para supor que a questão da Eucaristia seja abordada em João 6. Esta sequer fora instituída até então. A encarnação, morte e ascensão de Cristo são as verdades fundamentais que o Senhor ali revela aos judeus, como únicos meios de vida eterna e de todas as bênçãos espirituais. “Ele mesmo, a vida eterna que estava com o Pai antes de todos os séculos, se fez carne para não apenas revelar o Pai e ser o padrão perfeito de obediência como homem, mas para morrer, em graça, por nós, e resolver a questão do pecado para sempre, glorificando plenamente a Deus, e a todo custo, na cruz. A não ser que o grão de trigo, como Ele mesmo nos ensinou, caia na terra e morra, fica só; mas, morrendo, produz muito fruto. Sua morte não é aqui considerada como uma oferta a Deus, como tantas vezes em outros lugares, mas como a apropriação, pelo crente, para si mesmo... Ele somente é a vida, sim, embora isso tenha sido adquirido não em viver, mas em morrer por nós, para que a tenhamos n’Ele e com Ele, fruto de sua redenção: a vida eterna como realidade presente, mas plenamente revelada na ressurreição, já verificada e vista n’Ele, como um homem elevado ao céu, onde antes já se assentava como Deus — e que em breve se verá também em nós, no último dia, manifestados com Ele em glória.”
"Jesus, portanto, descendo à terra, sendo morto e ascendendo novamente ao céu, é a doutrina deste capítulo. Como aquele que desceu e foi morto, Ele é o alimento da fé durante Sua ausência nas alturas. Pois é em Sua morte que devemos nos nutrir, a fim de habitar espiritualmente n'Ele, e Ele em nós."*
{* Para um aprofundamento maior deste assunto, veja Bible Treasury, de W. Kelly, vol. 10, p. 357; e Synopsis of the Books of the Bible, de J. N. Darby, vol. 3, p. 432.}
Voltemos agora a Marburgo.
Zuínglio, justamente nesse momento, interveio na discussão. Com argumentos extraídos das Escrituras, da ciência, dos sentidos, etc., pressionou e perturbou profundamente o espírito de Lutero, embora inicialmente se apoiasse firmemente sobre o terreno das Escrituras. Após citar diversas passagens nas quais o símbolo é descrito pela própria coisa significada, ele retomou o argumento iniciado por Oekolampadius pela manhã, a saber, João 6. Concluiu que, diante da declaração do Senhor — "a carne para nada aproveita" —, devemos interpretar de modo semelhante as palavras relativas à Eucaristia.
Lutero — "Quando Cristo diz que 'a carne para nada aproveita', Ele não fala de Sua própria carne, mas da nossa."
Zuínglio — "A alma se alimenta do Espírito, e não da carne."
Lutero — "É com a boca que comemos o corpo; a alma não o come — comemos espiritualmente com a alma."
Zuínglio — "O corpo de Cristo seria, então, um alimento corporal, e não espiritual."
Lutero — "Você é capcioso."
Zuínglio — "De modo algum; mas vós proferis coisas contraditórias."
Lutero — "Se Deus me apresentasse maçãs selvagens, eu as comeria espiritualmente. Na Eucaristia, a boca recebe o corpo de Cristo, e a alma crê em Suas palavras."
A essa altura, a linguagem de Lutero tornava-se cada vez mais confusa e contraditória; como se as quatro palavras ["Isto é o Meu corpo"] não devessem ser tomadas nem "figurada nem literalmente", e ainda assim parecesse ensinar que deveriam ser compreendidas em ambos os sentidos. Zuínglio julgou ter-se alcançado o absurdo, e que não se obteria mais nenhum proveito seguindo por tal trilha argumentativa. Defendeu, com base numa visão mais ampla das Escrituras, que o pão e o vinho da santa Eucaristia não são o verdadeiro corpo e sangue do Senhor Jesus, mas apenas representações destes.
Lutero, contudo, não se deixou abalar. Repetiu: "Isto é o Meu corpo", apontando com o dedo para as palavras escritas diante dele. "'Isto é o Meu corpo', e nem o próprio diabo me afastará disso. Tentar compreendê-lo é afastar-se da fé."
Embora nenhuma impressão favorável tenha sido causada na mente de Lutero, muitos dos ouvintes ficaram impressionados com a clareza e simplicidade dos argumentos de Zuínglio, e muitos corações se abriram para a verdade sobre este tema tão importante. Francis Lambert, o principal teólogo da Hesse, que até então professara constantemente a doutrina luterana da Eucaristia, estava entre os mais notáveis convertidos. Era amigo pessoal e grande admirador de Lutero, mas a consciência o impeliu a confessar a verdade. "Quando vim a esta conferência", disse ele, "desejava ser como uma folha de papel em branco, sobre a qual o dedo de Deus pudesse escrever Sua verdade. Agora vejo que é o Espírito que vivifica; a carne para nada aproveita. Creio com Oekolampadius e Zuínglio." Os doutores de Wittenberg lamentaram profundamente essa deserção; mas tentaram minimizar exclamando: "Volubilidade típica de estrangeiro!" — ao que o ex-franciscano, outrora de Avinhão, respondeu: "Acaso foi São Paulo volúvel por ter-se convertido do farisaísmo? E nós mesmos, fomos volúveis por termos abandonado as seitas perdidas do papado?"
Grande agitação se instalou na sala, mas a hora do intervalo chegara, e os disputantes retiraram-se com o príncipe para o jantar.
À tarde, a conversa foi retomada por Lutero, que disse: "Creio que o corpo de Cristo está no céu, mas também creio que está no sacramento. Pouco me importa se isso contraria a natureza, desde que não contrarie a fé. Cristo está substancialmente no sacramento, tal como nasceu da Virgem."
Oekolampadius, citando 2 Coríntios 5:16, declarou: "Não conhecemos mais Cristo segundo a carne."
"Segundo a carne significa", disse Lutero, "neste versículo, segundo nossas afeições carnais."
"Então responda-me, Dr. Lutero," disse Zuínglio, "Cristo ascendeu aos céus; e se está no céu em relação ao Seu corpo, como pode estar no pão? A Palavra de Deus nos ensina que Ele foi, em tudo, feito semelhante a Seus irmãos (Hebreus 2:17). Logo, não pode estar, ao mesmo tempo, presente em cada um dos mil altares onde se celebra a Eucaristia."
"Se eu quisesse argumentar assim," replicou Lutero, "poderia provar que Jesus Cristo teve uma esposa, que tinha olhos negros e que viveu em nossa boa terra da Alemanha. Pouco me importam as matemáticas."
"Não se trata aqui de matemática," respondeu Zuínglio, "mas do que diz São Paulo aos Filipenses: que Cristo assumiu a forma de servo e foi feito à semelhança dos homens."
Sentindo-se em perigo de ser movido ou afastado de sua posição original, Lutero recuou às suas quatro palavras, exclamando: "Caríssimos senhores, já que meu Senhor Jesus Cristo disse Hoc est corpus meum, creio que Seu corpo está realmente ali."
Cansado da inflexível obstinação e irracionalidade de Lutero, Zuínglio se aproximou dele com ímpeto e, batendo sobre a mesa, disse: "Manténs, então, doutor, que o corpo de Cristo está localmente na Eucaristia; pois dizes: 'o corpo de Cristo está ali — ali — ali.' Isso é um advérbio de lugar. Logo, o corpo de Cristo é de tal natureza que existe em um lugar. Se está em um lugar, está no céu — e, portanto, não está no pão."
"Repito," respondeu Lutero com veemência, "que nada tenho com provas matemáticas. Assim que as palavras da consagração são pronunciadas sobre o pão, o corpo está ali, ainda que seja o mais ímpio dos padres quem as pronuncie."
Que o leitor atente bem a esta afirmação. Trata-se, certamente, de blasfêmia — ainda que não intencional — proferida por um homem iludido. Segundo este dogma, o Senhor, queira ou não, deve descer ao pão idólatra do padre, por mais iníquo que este seja, no momento em que este murmura as palavras da consagração. Isso é o papismo em sua mais ousada blasfêmia.
O landgrave, percebendo que a discussão se acirrava, propôs uma breve pausa. Como a razão e a justiça estavam de um lado só, pouco interesse restava em acompanhar o curso do debate. Zuínglio e Oekolampadius haviam sustentado suas teses com Escrituras, filosofia e testemunho dos mais antigos pais da Igreja, mas tudo era rebatido com uma única e invariável resposta: "Isto é o Meu corpo." E, como se desejasse insultar e exasperar os teólogos suíços, Lutero tomou o pano de veludo onde estavam escritas as palavras Hoc est corpus meum, arrancou-o da mesa, ergueu-o diante de seus olhos e disse: "Vede, vede, este é o nosso texto. Vós ainda não nos afastastes dele, como havíeis vangloriado, e não nos importam outras provas."
Depois de tamanha exibição de fraqueza e insensatez, acompanhada da pretensão de infalibilidade, não havia esperança de tirar Lutero de sua posição, nem razão alguma para prolongar a conferência. A discussão, contudo, foi retomada na manhã seguinte, mas ao fim do dia, as partes continuavam igualmente distantes da reconciliação. Uma severa epidemia — o suor inglês — assolava a Alemanha naquela época, e havia alcançado Marburgo durante a conferência, o que sem dúvida apressou seu desfecho. Os estragos da peste eram terríveis; todos estavam tomados de temor e desejosos de deixar a cidade.
"Senhores," exclamou o landgrave, "não podeis separar-vos assim; nada mais pode ser feito para sanar a ruptura? Será que esse único ponto de divergência dividirá irremediavelmente os amigos da Reforma?" "Não há meio," disse o chanceler, "dos teólogos chegarem a um entendimento, como tão sinceramente deseja o landgrave?"
"Conheço apenas um meio para isso," respondeu Lutero, "e é este: que nossos adversários creiam como nós." "Não podemos," replicaram os suíços. "Pois bem," disse Lutero, "abandono-vos ao juízo de Deus, e oro para que Ele vos ilumine." "Faremos o mesmo," acrescentou Oekolampadius.
Zuínglio permaneceu em silêncio, imóvel, mas profundamente comovido enquanto essas palavras eram ditas. Por fim, seus afetos vivos romperam o dique, e ele rompeu em lágrimas diante de todos.
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