domingo, 5 de maio de 2019

João e o Papado

Deixemos agora a história civil, e voltemo-nos mais diretamente à história eclesiástica dos assuntos na Inglaterra nesse interessante momento.

Vimos o papa ignorando as graves imoralidades de João, por conta, supomos, dele ter sido um partidário de Otão e o aliado da Santa Sé, mas João era agora culpado de crimes que sua Santidade não podia ignorar. Suas irregularidades matrimoniais, ainda que criminosas, poderiam ser permitidos passar sem censura; mas a deposição de sés (arcebispos), a imposição de impostos sobre os mosteiros e a interferência na nomeação de um primaz o levaram a uma colisão direta com o papado, e o envolveram numa contenda feroz com seu até então aliado, o papa Inocêncio.

Imediatamente após a morte de Hubert Walter, arcebispo de Cantuária, os monges mais jovens apressadamente elegeram seu vice-prior, Reginaldo, à cadeira vazia. Mas logo percebendo que tinham agido imprudentemente, pediram ao rei para que pudessem realizar uma nova eleição. A escolha de um bispo estava realmente nas mãos do soberano, embora nominalmente estivesse nas mãos do clero. Tal era o sistema anglo-normando. O rei recomendou um de seus principais conselheiros, João de Grey, bispo de Norwich, que foi escolhido, investido com as temporalidades da Sé, e enviado a Roma para confirmação. O papa agora via sua oportunidade, e ansioso por ampliar seu poder na Inglaterra, anulou ambas as eleições, tanto de Reginaldo quanto de João de Grey, e ordenou a eleição de Stephen Langton, um inglês de nascimento, homem erudito e prudente, e de excelente caráter. Não havia pessoa mais adequada que o papa pudesse nomear; mas sua ação desafiava o privilégio reivindicado pelos monges, o direito de sufrágio dos bispos, e o próprio rei. Em vão os representantes de Cantuária e os comissários do rei insistiram na necessidade do consentimento do rei. Inocêncio decidiu em contrário. Ele os constituiu para uma comissão baseada na "autoridade de Deus e da Sé Apostólica". Os monges se encontravam então entre dois tiranos -- o espiritual e o temporal. Doze deles estavam sob juramento ao rei para não elegerem qualquer outro além do bispo de Norwich, mas o papa ordenou que eles elegessem Langton, sob pena de excomunhão e anátema. Intimidados por essa terrível ameaça, a comissão finalmente cedeu ao tirano espiritual e prosseguiu à eleição de Stephen, e em 17 de junho de 1207, o papa o consagrou Arcebispo de Cantuária.

Tal interferência com os direitos da igreja estabelecida e com a prerrogativa da coroa era algo totalmente novo na Inglaterra. Se João tivesse sido um príncipe popular cercado pela força e pela aprovação de seu povo insultado, ele poderia ter rido de desprezo da ousada presunção e ameaças de um padre estrangeiro, mas a insensatez e falta de popularidade do rei deu ao papa a oportunidade que ele desejava. Os monges de Cantuária, em seu retorno de Roma, foram acusados de alta traição, e foram consequentemente expulsos de suas residências, e suas propriedades foram confiscadas. Mas a fúria do rei não conhecia limites; ele despachou uma tropa de cavalos para expulsar os monges para fora do país e, em caso de resistência, matá-los. As ordens foram executadas da forma como foram dadas. Os soldados invadiram o mosteiro com espadas desembainhadas; o prior e os monges foram ordenados a deixar o reino, e ameaçados, se resistissem ou se demorassem, a ver seu mosteiro em chamas, e eles próprios lançados nessas chamas. Muitos deles fugiram e encontraram asilo em Flandres. O rei também se entregou à mais insultante e pungente linguagem para com o pontífice, protestando que nunca aceitaria Stephen Langton como primaz, que ele manteria o direito do bispo de Norwich, e, em caso de recusa do papa, que cortaria todas as comunicações entre seus domínios e Roma. Mas o papa prosseguiu com não menos energia que João, mas com uma dignidade mais calma.

No curso de mais algumas trocas de cartas, o papa discorreu mais ainda sobre a erudição e piedade de Langton, e exortou o rei a se abster de tomar armas contra Deus e Sua igreja; mas, como João não fez nenhuma concessão, Inocêncio ordenou que os bispos de Londres, Worcester e Eli colocassem todo o reino sob um interdito. Quando os bispos entregaram a mensagem, a ira do rei irrompeu em juramentos e blasfêmias selvagens. Ele jurou que, se o papa ou o clero colocassem o reino sob um interdito, ele expulsaria os bispos e os prelados do reino "sem olhos, orelhas ou narizes, para serem os espantalhos de todas as nações". Os prelados se retiraram, e, quando estavam a uma distância conveniente de João, publicaram o interdito. 

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