A submissão do rei João a Inocêncio III foi o ponto de virada na história do papado na Inglaterra. Na humilhação do soberano, toda a nação se sentiu degradada. Inocêncio foi longe demais, foi um abuso de poder presumido, mas que se voltou contra si mesmo em seu devido tempo. A Inglaterra jamais poderia esquecer tamanha prostração abjeta de seu rei aos pés de um sacerdote estrangeiro. A partir daquele momento, um espírito de descontentamento com Roma cresceu na mente do povo inglês. As usurpações, as reivindicações exorbitantes do papado, sua interferência na disposição dos bispados ingleses, frequentemente colocando o governo e a igreja em colisão e ampliando a brecha. Mas exatamente quando a paciência dos homens estava quase exaurida pelas muitas queixas práticas contra o papado, foi do agrado de Deus levantar um poderoso adversário para todo o sistema hierárquico -- o primeiro homem que abalou o domínio papal na Inglaterra desde sua fundação, e além disso um homem que amava sinceramente a verdade e pregava-a tanto aos eruditos como às classes mais baixas. Este homem era John Wycliffe, justamente denominado o precursor, ou Estrela da Manhã, da Reforma.
A parte inicial da vida de Wycliffe é envolvida em muita
obscuridade; mas a opinião geral é de que tenha nascido de uma linhagem humilde
nas redondezas de Richmond, em Yorkshire, por volta do ano de 1324. Seu destino
era o de se tornar um estudioso, o que, como somos informados, até os mais
humildes daqueles dias podiam aspirar. A Inglaterra era praticamente uma terra
de escolas; cada catedral, e praticamente cada mosteiro, tinha a sua; mas
jovens com mais ambição, autoconfiança, suposta capacidade e melhores
oportunidades aglomeravam-se em Oxford e Cambridge. Na Inglaterra, assim como
em toda a cristandade, aquela maravilhosa corrida de uma vasta parte da
população em direção ao conhecimento lotou as universidades com milhares de
alunos.*
{* Milman, vol. 6, pág. 100.}
John Wycliffe encontrou seu caminho para Oxford. Ele foi
admitido como aluno do Queen's College, mas logo foi transferido para o Merton
College, a mais antiga, a mais rica e a mais famosa das fundações de Oxford.
Supõe-se que ele teve o privilégio de assistir às palestras do muito piedoso e
profundo Thomas Bradwardine, e que de suas obras ele derivou suas primeiras
visões da liberdade da graça e da absoluta inutilidade de todo mérito humano, no
que diz respeito à salvação. Dos escritos de Grosseteste, ele captou pela primeira
vez a ideia de que o papa era um anticristo.
Wycliffe, de acordo com seus biógrafos, logo se tornou
mestre nas leis civil, canônica e municipal; mas seus maiores esforços foram voltados
para o estudo da teologia, não como meramente era aquela arte estéril que era
ensinada nas escolas, mas como aquela ciência divina que é derivada do espírito,
bem como da letra das Escrituras. No processo de tais investigações, ele teve
numerosas e formidáveis dificuldades contra as quais lutar. Foi um estudo que
a Igreja não aprovou e não previu. O texto sagrado era então negligenciado, os escolásticos
ocupavam o lugar da autoridade das Escrituras; a língua original do Novo, assim
como do Antigo Testamento, era quase desconhecida no reino. Mas, apesar de
todas essas desvantagens e desencorajamentos, Wycliffe seguiu seu caminho com
grande perseverança. "Sua lógica", diz alguém, "sua sutileza
escolástica, sua arte retórica, seu poder de ler as escrituras latinas, sua
erudição variada, podem ser devidos a Oxford; mas o vigor e a energia de seu
gênio, a força de sua linguagem, seu domínio sobre o inglês vernáculo, a alta
supremacia que ele reivindicou para as Escrituras, que por imenso trabalho ele publicou
na língua vulgar – isto vinha dele próprio, estas coisas não podiam ser aprendidas
em nenhuma escola, e nem alcançadas por nenhum dos cursos ordinários de estudo.
"*
{* Latin Christianity, vol. 6, pág. 103.}