Frequentemente, tem sido observado que, onde o Espírito de
Deus está operando por meio do evangelho, e onde há resultados manifestos na
conversão de almas a Cristo, aí também o inimigo certamente estará ativo. Ele
não vai permitir em silêncio que seu reino seja invadido. Pode ser impedindo o
trabalho pela perseguição, ou corrompendo-o, induzindo à autocondescendência,
ou imitando-o de maneira iníqua e perversa. Temos muitos exemplos tristes de
tais coisas na história de Israel e da Igreja -- casos numerosos demais para
serem mencionados aqui; mas veremos agora, neste período de nossa história das
instituições monásticas, o que explicará o que queremos dizer.
O objetivo especial das novas ordens que surgiram no início
do século XIII era contrabalançar a influência que os pregadores albigenses
adquiriram sobre as classes mais pobres do povo ao se familiarizarem com elas e
constantemente pregarem o evangelho a elas. Pregar o evangelho de Cristo
adequadamente para as classes mais humildes foi completamente negligenciado
durante séculos pelo clero da igreja romana. Vez ou outra, um pregador
fervoroso surgia, tais como Cláudio de Turin, Arnaldo de Bréscia, Fulco de
Neuilly, Henrique, o diácono, ou Pedro Valdo, que se dedicaram à obra do
evangelho e à salvação de almas; mas esses casos foram poucos e distantes entre
si. Mais comumente, as pregações tinham algum objetivo puramente papista, como
as Cruzadas, quando o clero tentava despertar o povo com sua eloquência.
"Em teoria", diz o historiador eclesiástico,
"era um privilégio especial dos bispos pregar, mas havia poucos entre eles
que tinham o dom, a inclinação, o tempo livre de suas ocupações seculares,
judiciais ou bélicas, para pregar até mesmo nas catedrais de suas cidades; no
restante de suas dioceses, sua presença era apenas ocasional, um progresso, ou
uma visitação de pompa e forma, em vez algum tipo de instrução popular. Praticamente
o único meio de instrução religiosa era o Ritual, que, no que diz respeito à
linguagem utilizada, há muito havia deixado de ser inteligível; e os padres
eram quase tão ignorantes quanto o povo; eles apenas aprendiam a passar pelas
observâncias da maneira mais mecânica possível. Os casados, ou clérigos
seculares, como eram chamados, embora fossem de longe os mais morais e
respeitáveis, agiam em oposição às leis da Igreja, e eram até mesmo sujeitos à
acusação de viver em concubinato; portanto, seus ministérios tinham muito pouco
peso para o povo. O clero regular obedecia à regra externa, mas, segundo todos
os relatos, eles violavam tão flagrantemente os princípios mais severos da Igreja,
que seu ensino, se tentassem ministrar um ensino verdadeiro, cairia em
descrédito na mente do povo."*
{*Dean Milman, vol. 4, pág. 243. J.C. Robertson, vol. 3,
pág. 363.}
Tal estado de coisas na Igreja Estabelecida deixou o caminho
aberto para os assim chamados hereges. Eles aproveitaram a oportunidade,
entraram em cena e trabalharam diligentemente para divulgar suas doutrinas ao
povo. Pregar em público e em privado era o segredo, sob a permissão de Deus, do
grande sucesso dos valdenses e albigenses. Esta foi desde os primeiros tempos,
e ainda é, a maneira divina de disseminar a verdade e reunir almas para Jesus.
Quanto mais pública a pregação, melhor. Em todas as épocas agradou a Deus aquilo
que o mundo chama de "loucura da pregação, para salvar os crentes". Pregação
ao ar livre, visitas e ensino de casa em casa, testemunho público dentro e fora
de casa, são maneiras e meios que Deus sempre abençoará. E esses meios parecem
ter sido usados diligentemente por aqueles acusados de heresia em Languedoque
(os albigenses).
O inimigo atento, observando o efeito desse modo de ação,
muda então sua tática. Em vez de calar todos os membros sinceros, fervorosos e
piedosos da igreja de Roma nos mosteiros, para pensarem apenas em si mesmos, instruírem-se,
orarem e pregarem apenas para si mesmos, ele agora os envia como pregadores ao
ar livre e para invadir os próprios campos que haviam sido ocupados por séculos
pelos verdadeiros seguidores de Cristo. Seus emissários tinham ordens estritas,
não apenas para imitar os hereges, mas para superá-los, na simplicidade de
vestir, humildade, pobreza e familiaridade com o povo. Uma mudança completa ocorre
então na história das ordens monásticas; no lugar de monges enclausurados,
isolados dos olhos do mundo, fazendo suas orações, trabalhando nos campos ou
colhendo os frutos de seus jardins, temos frades pregadores nas esquinas de
todas as ruas e em todas as cidades da Europa, sim, implorando de porta em
porta. Mas isto não foi tudo; sendo favoritos dos pontífices, eles tomaram a
direção de quase tudo na Igreja e no Estado por três séculos. “Eles ocupavam os
mais altos cargos, tanto civis quanto eclesiásticos”, diz Mosheim, “ensinavam
com autoridade quase absoluta em todas as escolas e igrejas, e defendiam a
majestade dos pontífices romanos contra os reis, bispos e hereges, com incrível
zelo e sucesso. O que os jesuítas foram depois da Reforma, os mesmos foram os
dominicanos e franciscanos do século XIII até os tempos de Lutero. Eles eram a
alma de toda a Igreja e do Estado, e os projetores e executores de todos tipo
de empreendimento no decorrer de toda essa época."