domingo, 7 de abril de 2019

Inocêncio e Filipe Augusto

Vimos a interferência de Inocêncio na elevação de três imperadores ao trono do Império Romano-Germânico, e a política que ele perseguiu de modo a obter um maior poder secular para a Sé romana, e um domínio extensivo sobre as mentes e o modo de vida de toda a humanidade. Agora o seguimos ao reino da França, para ali testemunhar uma expressão do mesmo poder pontifício, mas sobre outras bases, e por outros objetivos. Agora ele aparece como o protetor da inocência contra o erro, o pregador da moral cristã, e o mantenedor da santidade do vínculo matrimonial. Poderíamos estar dispostos a supôr que, em sua disputa com Filipe II da França, ele possa ter atuado por um motivo correto; mas sua conduta exterior é marcada pelo mesmo espírito ditatorial que até então caracterizava seu reinado. Ele assume para si a alta função da suprema direção de todos os assuntos humanos; como árbitro em última instância, seja o assunto um trono contestado ou o santo sacramento do matrimônio. Mas nosso principal objetivo, sob esse título, é dar ao leitor um exemplo de como um reino inteiro foi colocado sob o banimento papal. É difícil, em nossos dias, acreditar nas terríveis consequências disso.

Uma circunstância notável, relacionado ao segundo casamento de Filipe, forneceu a Inocêncio a oportunidade desejada de castigar e humilhar o aliado e apoiador da casa da Suábia. Em seu retorno da cruzada em 1193, ele foi atraído pela fama da beleza e virtudes de Ingeborg, ou Isemburge, irmã do rei da Dinamarca. A mão do rei da França foi prontamente aceita, e o dote fixado. Ela chegou à França sob o comando de uma nobreza dinamarquesa, e o rei apressou-se a encontrá-la em Amiens. No dia seguinte ao casamento deles, o casal real foi coroado; mas, durante a cerimônia de coroação, percebia-se que Filipe estremecia e estava pálido. Logo descobriu-se que ele tinha concebido uma inconquistável aversão por sua nova rainha. Como não se podia achar uma causa verdadeira para tal mudança no rei, o fato foi popularmente atribuído à feitiçaria, ou alguma influência diabólica. Ela é descrita como tendo modos gentis, muito bonita, e uma cristã sincera. Filipe propôs enviá-la de volta para a Dinamarca, mas seus súditos recusaram realizar tal vergonhoso ofício; e ela própria tinha se determinado a permanecer na França.

O rei se encontrava então em grande dificuldade. Ele pediu o divórcio, mas sabia que, a menos que uma dissolução do casamento pudesse ser obtida da forma devida, ele não teria paz. As genealogias das casas reais foram traçadas, e, tendo os bispos devotos ao rei descoberto que o casal real se encontrava dentro dos degraus de parentesco que impossibilitavam o casamento, o clero da França, encabeçado pelo arcebispo de Reims, pronunciou o casamento como nulo e vazio. Quando a sentença foi explicada a Ingeborg, que mal conseguia falar uma palavra sequer em Francês, seus sentimentos de indignação foram expressos ao exclamar: "Maldita França! Roma! Roma!" Seu irmão assumiu sua causa e apelou ao velho papa da época, Celestino; mas este se sentia muito fraco para disputar com o poderoso rei da França, e nenhum passo decidido foi tomado durante o restante de seu pontificado. Enquanto isso, Ingeborg foi encerrada em um convento, e Filipe casou-se com Inês, a bela filha do duque de Merânia. Sua afeição por Inês era tão intensa quanto seu ódio por Ingeborg. A primeira foi introduzida, em todas as ocasiões, para agraciar o círculo real; a último foi arrastada de convento em convento, ou melhor, de prisão em prisão.

Tal era o estado das coisas na França quando Inocêncio defendeu a causa da repudiada princesa da Dinamarca. Ele primeiramente escreveu ao bispo de Paris, e depois ao próprio rei. Depois de defender a santidade do casamento, ele advertiu o rei para que deixasse Inês e restaurasse Ingeborg. O rei orgulhosamente declarou que os assuntos de seu casamento não eram da conta do papa. Mas Filipe logo sentiria o poder e o terror dos trovões papais, e como nunca antes tinham sido sentidos na França.

A Queda de Otão

Otão tinha ficado três anos fora da Alemanha, três anos de inesperada paz naquele país -- e assim suas mãos se tornaram fortes. Os parentes do jovem Frederico ficaram preocupados por sua segurança. Ele tinha agora dezoito anos de idade. O papa foi consultado em segredo. Ele voltou-se e viu boas razões para tomar medidas ativas contra Otão, e para assumir a mais amigável disposição para com Frederico. Havia muitas dificuldades no caminho, por causa da ocupação de Otão; mas dois bravos e leais cavaleiros suábios realizaram a perigosa expedição, conduzindo Frederico com segurança de sua ensolarada cidade de Palermo até as regiões mais frias da Alemanha, onde ele foi recebido de braços abertos para retomar o trono de seus ancestrais. Mas a causa de Frederico contra Otão foi, na verdade, vencida por Filipe Augusto (Filipe II) da França.

Entre os dois rivais pelo império não houve grandes batalhas. A França por muito tempo tinha sido uma amiga constante dos suábios, assim como a Inglaterra o tinha sido dos saxões. Filipe entrou em uma estreita aliança com Frederico. O conde de Flandres, os príncipes do baixo Reno, e o rei da Inglaterra, se associaram a Otão. À frente de um grande exército ele avançou, com o impulso de uma paixão vingativa, em direção às fronteiras da França. Ele considerava Filipe o verdadeiro autor de todos os seus infortúnios. Mas seu vigilante adversário estava pronto para recebê-lo. No dia de 27 de julho de 1214, uma grande batalha foi lutada no vilarejo de Bouvines, não longe de Lila. Filipe Augusto foi vitorioso sobre o último dos de Otão e de seus aliados. Ele sobreviveu à sua queda cerca de cinco anos, os quais lhe foi permitido passar em penitência monástica sem ter sido formalmente deposto.

No ano seguinte, Frederico II foi coroado em Aix-la-Chappele, e no entusiasmo do momento, ele, com muitos outros, fez um voto de ir pessoalmente em uma cruzada à Terra Santa. Essa promessa precipitada foi a ocasião de problemas que ele mal esperava, e que se estenderam por todo o seu longo reinado de trinta e cinco anos.

A Apostasia de Otão

A coroa imperial estava agora na cabeça de Otão. Não apenas ele foi coroado pelas mãos de Inocêncio na cadeira de São Pedro, em Roma, como também foi elevado a tal dignidade pela política astuta e cruel da Sé apostólica. Mas o enganador foi enganado; o traidor foi traído. Mal tinha acabado a cerimônia de coroação e a máscara de obediência sob a qual Otão tinha velado suas verdadeiras intenções foi jogada fora. O efeito da coroa de ferro foi irresistível. Ele sentiu-se um novo homem, em uma nova posição, e obrigado a manter as prerrogativas de sua coroa contra as usurpações do poder espiritual. A partir daquele momento, o imperador e o papa tornaram-se inimigos implacáveis. Tal foi o desapontamento, tendo sido subjugado pelo justo governo de Deus, do inescrupuloso pontífice. Satanás pode governar, mas um Deus todo-sábio tudo anula. "Não erreis", disse o apóstolo, "Deus não se deixa escarnecer; porque tudo o que o homem semear, isso também ceifará" (Gálatas 6:7). Inocêncio tinha ensinado seu candidato a enganar, e agora ele come o amargo fruto de seu próprio ensino.

A força e os números incomuns do exército de Otão, que o acompanhava, e que então se acampavam sob as muralhas de Roma, eram vistos com grande inveja pelos habitantes. As brigas, que se tornaram costumeiras em tais ocasiões, foram renovadas com grande ferocidade. Muitos dos germânicos foram mortos, assim como muitos de seus cavalos -- assim disseram eles, pelo menos. Mas foi o suficiente. A ambição antes sufocada de Otão estava agora inflamada em uma chama de indignação. Ele retirou-se irado da cidade, exigindo compensação. Inocêncio recusou. As tropas foram distribuídas através do patrimônio de São Pedro, para grande dano ao povo e para aumentado alarme por parte do papa. Foi pedido ao imperador que retirasse seus soldados da vizinhança de Roma, mas ele declarou que eles continuariam até que as provisões do país se exaurissem. Ele se enriqueceu com a pilhagem dos peregrinos, a quem seus soldados interceptavam em seu caminho a Roma. Ele marchou até a Toscana, tomou posse de cidades na fronteira do território da condessa Matilde, sitiou cidades e fortalezas que o papa tinha antes ocupado; propriedades e dignidades reivindicadas pelo papa ele entregou ao mais formidável adversário do papa, o conde Diephold, a quem o imperador entregou o ducado de Espoleto. O sucesso infamou sua ambição, e assim ele contemplou a invasão da Sicília, prendendo o jovem Frederico, o último da casa de Hohenstaufen.

Aquele que tinha se proclamado infalível estava desesperado. Após todos os seus trabalhos, todos os seus sacrifícios, todas as suas traições, ele tinha levantado para si um antagonista mais formidável, um inimigo mais amargo do que qualquer um dos da família suábia tinham sido. Os mais fervorosos apelos à sua gratidão, as mais solenes admoestações, os mais altos trovões de excomunhão, foram igualmente desconsiderados pelo pupilo obstinado de Ricardo Coração de Leão.    

domingo, 31 de março de 2019

A Morte de Filipe

A paz então parecia ter sido assegurada de ambos os lados. Filipe tinha alcançado seu maior objetivo. Uma proposta de casamento entre Otão e Beatriz, a filha de Filipe, tinha sido sancionada pelo papa, sob a pretensão de curar a longa disputa entre as casas da Suábia e da Saxônia. Mas incerto é o mandato de toda a grandeza e glória humana. Em 21 de junho de 1208, o imperador Filipe, um dos mais hábeis e gentis de sua raça, foi assassinado pelo conde palatino de Baviera por alguma ofensa particular. O país ficou paralisado pelas notícias sobre o terrível crime. A execração da humanidade perseguiu o assassino; seu castelo foi derrubado até o chão e o assassino foi morto com muitas feridas.

Inocêncio então retraçou seus passos. O crime do bávaro o aliviou da humilhação de sua apostasia. Ele apressou-se a escrever aos príncipes germânicos, os exortando a estarem de acordo com a manifesta declaração de divina providência em favor de Otão. Ele usou todos os meios em seu poder para prevenir uma nova eleição, e para unir todos os partidos em seu apoio, e calorosamente exortou Otão à moderação e conciliação. Em ambos os lados havia um ardente desejo por paz, e Otão foi então eleito o indiscutível imperador.

No ano seguinte, 1209, ele foi para a Itália para receber a coroa imperial. Ele foi recebido por príncipes, prelados e nobres do império, com um numeroso exército de dependentes militares. A marcha deles foi uma sucessão de recepções festivas. As cidades abriram seus portões para dar as boas vindas ao defensor da igreja e imperador escolhido pelo papa. Inocêncio e Otão se encontraram em Viterbo. "Eles se abraçaram, enxugaram lágrimas de alegria, em lembrança de suas provações em comum, enquanto eram transportados ao seu triunfo em comum". Mas o papa não esqueceu a prerrogativa de seu trono pontifício. Ele exigiu, por segurança, que Otão entregasse, imediatamente após sua coroação, as terras da igreja, e entregasse toda pretensão à herança longamente disputada da condessa Matilde. Mas tão bom, tão humilde e tão submisso foi Otão, enquanto se ajoelhava para receber o diadema, que seu coração se entristeceu ante a aparente suspeita de sua lealdade por seu santo padre. "Tudo o que eu fui", exclamou ele, "tudo o que sou,  tudo o que eu serei, depois de Deus, eu devo a ti e à igreja." 

A Guerra Civil na Alemanha

Ricardo, rei da Inglaterra, e Filipe Augusto (Filipe II), rei da França -- que abraçou calorosamente a causa de Filipe -- não pouparam elogios e confissões para conquistar o papa para o partido de seus respectivos candidatos. Mas ele postergou a decisão de tomar partido, tendo em vista outros objetivos para ser tão direto. Enquanto isso, a guerra estourava ao longo do rio Reno. Filipe, no início, ganhou grandes vantagens, avançando quase até os portões de Colônia, mas um poderoso exército dos prelados do Reno e de nobres de Flandres obrigou Filipe a se retirar. A maior e mais poderosa parte do império reconhecia e apoiava a causa de Filipe; o clero e o Conde de Flandres estavam quase sozinhos ao lado de Otão.

Foi uma guerra civil feroz e bárbara. Ao final do primeiro ano, a sorte favoreceu a causa de Filipe. A morte de Ricardo, em 1199, tinha privado Otão de seu mais poderoso aliado. João, que o sucedeu, não estava disposto a investir parte de seu dinheiro em um jogo tão distante e incerto. A guerra podia então ter terminado com uma boa demonstração de honra, até mesmo para Otão; mas a vingança papal contra a odiada casa de Hohenstaufen ainda não estava completa. O papa apoiou abertamente a causa do usurpador, Otão; e por nove anos longos e sombrios, com curtos intervalos de trégua, a Alemanha foi lançada, pelo "tenro pastor" do rio Tibre, a todos os horrores de uma guerra civil. Mas a política fraudulenta de Inocêncio logo tornou-se visível a todos. Seu rebanho sofredor acusou-o e reprovou-o como o culpado por todas as suas misérias, por ter provocado, inflamado e atiçado o desastroso conflito, apenas pela gratificação de seu próprio propósito maligno de arruinar a casa real de Henrique, o Severo. Era necessária toda a sua inteligência, com a ajuda de Satanás, para que pudesse ser absolvido da acusação.

Mas a guerra tinha feito seu trabalho -- seu trabalho de dragão. "Foi uma guerra, não de batalhas decisivas, mas de saqueadores, desolação, devastação de colheitas, pilhagem, destruição de países abertos e sem defesa -- uma guerra, travada por clérigos contra clérigos, por príncipe contra príncipe; boêmios selvagens e soldados bandidos de todas as raças percorriam cada província. Por toda a terra não havia lei; as estradas eram intransitáveis por causa dos salteadores; nada era poupado, nada era tido como sagrado, nem igreja nem claustro". Tal, e daí para pior, foi a guerra civil na Alemanha. No entanto, a mente implacável daquele homem desgraçado continuava a trovejar suas anátemas contra Filipe; declarou todos os juramentos que tinham sido feitos a ele nulos e vazios, e regalou de privilégios e imunidades de todos os tipos aos bispos e sociedades monásticas que abraçavam o partido de Otão. Mas os trovões do Vaticano tornaram-se inúteis, e a força de Filipe aumentava ano após ano.*

{* J.C. Robertson, vol. 3, p. 297. Milman, vol. 4, p. 51. Neander, vol. 7, p. 236.}

Nem mesmo a mente inflexível de Inocêncio podia escapar do poder dos acontecimentos. Ele se sentia ameaçado com a humilhação de uma derrota total. Ao final de dez anos, não havia mais esperança para a causa de Otão. Mas como pode o papa esquecer seus votos de implacável inimizade contra a casa da Suábia, ou lutar por seus votos de aliança perpétua com a casa da Saxônia? Ele tinha que encontrar algum motivo santo e piedoso para abandonar a causa de Otão, e abraçar a causa de Filipe. Seu orgulho encontrou grande dificuldade em cobrir a vergonha de sua depreciada posição, mas Filipe fez tantas declarações e promessas ao papa, por meio seus embaixadores, que ele viu como dever receber de volta seu filho penitente, e absolvê-lo das censuras da igreja. O legado papal foi até Metz, e ali o proclamou como imperador vitorioso.

Filipe e Otão

Filipe tinha vinte e dois anos de idade, e Otão vinte e três. "No caráter pessoal", dizem os cronistas, "em riqueza, e em número de aderentes, Filipe tinha a vantagem. Ele foi louvado por sua moderação e seu amor pela justiça. Sua mente tinha sido cultivada pela literatura a um grau muito incomum entre príncipes, e seus modos populares contrastavam favoravelmente com o orgulho e aspereza de Otão. Mas Otão era o favorito do grande corpo de clérigos, a quem Filipe era detestável, sendo representante de uma família que era considerada opositora aos interesses da hierarquia clerical."*

{*J.C. Robertson, vol. 3, p. 292.}

Mas -- pode o leitor perguntar -- e quanto ao jovem Frederico, que tinha sido coroado e ungido, e a quem ambos os príncipes e prelados tinham jurado lealdade, e sobre cujos direitos o papa foi generosamente pago para vigiar e cuidar? A única resposta a essa pergunta é encontrada na política secreta, porém pérfida, de Inocêncio. Seu único grande objetivo em permitir, se não em criar, essa grande disputa nacional pela coroa imperial, era a humilhação da arrogante casa da Suábia, de modo que toda consideração dos subordinados deviam ser sacrificados objetivando a limitação desse poder. Mas à consciência elástica do papado nunca faltava um motivo aparentemente piedoso para a perpetração das maiores iniquidades, ou da mais infiel e traiçoeira conduta. Inocêncio não podia negar as reivindicações de Frederico, e portanto faz uma demonstração de alta equidade ao admiti-la. Essa era a voz do dragão. Ele admite a legalidade de sua eleição, e o juramento de lealdade tomado pelos nobres do império. Mas, por outro lado, ele desenterra o fato de que o juramento foi exigido pelo pai antes do filho ter se tornado um cristão pelo batismo. Ele decretou que uma criança de dois anos de idade, não batizado, era uma nulidade: portanto seus juramentos eram nulos e vazios e todas as obrigações para com o jovem herdeiro foram inteiramente deixadas de lado.

Que caráter, podemos exclamar, para a posteridade contemplar! Ele que assumia ser "o representante da justiça eterna e imutável de Deus sobre a terra, absolutamente acima de toda paixão ou interesse", agora absolve todo o eleitorado da Germânia do mais solene juramento de fidelidade ao herdeiro legítimo do reino. Em vez de manter os direitos de sua ala -- a quem ele escreveu quando aceitou o cargo de cuidador de Frederico, "que apesar de Deus o ter visitado pela morte de seu pai e mãe, ele tinha lhe dado um pai mais digno -- Seu próprio vigário na terra; e uma melhor mãe -- a igreja" -- repreendendo os partidos rivais e os persuadindo à paz, o vemos fomentando a animosidade de ambos; vemos a justiça, a verdade, a paz, e toda reivindicação de humanidade, sacrificada na esperança do aumento e consolidação do poder papal. O astuto papa manteve-se por trás da cena, mas era ele que atiçava e alimentava a chama da contenda, sabendo que ambos os partidos seriam obrigados, pela perda de sangue e tesouros, a colocar a causa aos seus pés, e então ele poderia vir como o soberano diretor dos reis, podendo então ditar seus próprios termos. Essas convicções se confirmaram totalmente pelo seguinte juízo dado pelo historiador e decano Milman: "Dez anos de lutas e guerra civil na Alemanha devem ser traçadas como provenientes da obstinação inflexível do Papa Inocêncio III"*.

{* Latin Christianity, vol. 4, p. 33.}

domingo, 17 de março de 2019

Inocêncio e o Império

Antes do final do ano agitado em que estivemos viajando, Constança, a princesa siciliana e imperatriz germânica, morreu. Em 27 de novembro de 1198, ela deu seu último suspiro. Alguns supõem que sua morte foi acelerada pela preocupação maternal que ela tinha por seu filho pequeno, Frederico. Ele tinha, então, cerca de quatro anos de idade, tinha sido coroado rei da Sicília, e era herdeiro do império. Em seu testamento ela o legou à tutela do papa como seu suserano, e solicitou que trinta mil peças de ouro fossem pagas anualmente ao papa por sua piedosa proteção ao seu filho, e que todas as suas outras despesas fossem pagas por meio dos impostos arrecadados do país.

Mas a tranquilidade de Roma não estava assegurada por seus grandes sucessos. A guerra civil, com todos os seus horrores, foi renovada. O pontífice não perdeu tempo em dar a conhecer, em mais alta expressão aos nobres da Sicília, sua ascensão ao governo como regente, e encarregou um legado de administrar o juramento de lealdade. Marcovaldo, enquanto isso, ouvindo sobre a morte da imperatriz, apelou para seu título de senescal* do Império, e, por meio de um documento que professava ser a vontade do último imperador, reivindicou a regência da Sicília durante a minoridade do jovem rei. Para apoiar essas reivindicações, ele tinha reunido uma grande força de aventureiros, sitiou e obteve posse de uma das cidades papais, Germano, e quase se tornou o mestre do grande mosteiro de Monte Cassino, que foi defendido por oito anos por uma guarnição do papa; mas um novo suprimento de tropas e provisões de Roma fortaleceram a posição dos monges guerreiros, obrigando o grande duque a levantar o cerco. De acordo com as melhores autoridades, Inocêncio então assumiu a mais bélica atitude. Ele emitiu uma proclamação, convocando todo o reino de Nápoles e Sicília à guerra. Ele reuniu tropas da Lombardia, Toscana, Romanha e Campânia, pagando-as do tesouro papal. Marcovaldo e todos os seus cúmplices foram excomungados da forma mais solene todos os domingos, com o apagar de velas** e o soar das campainhas. Todo o reino foi devastado pelos exércitos do papa e pelos soldados do império. Mas a morte do chefe dos rebeldes, Marcovaldo, no ano de 1202, aliviou o papa de seu mais poderoso e bem-sucedido antagonista.

{*N. do T.: Um senescal era um oficial nas casas de nobres importantes durante a Idade Média. No sistema administrativo francês medieval, o senescal era também um oficial real, encarregado da aplicação da justiça e do controle da administração nas províncias do sul, equivalente ao '"bailio" do norte da França. Fonte: Wikipedia}

{**N. do T.: O apagar de velas representava a extinção das vidas representadas com a comunhão da igreja.}

Voltemos agora um pouco para observar o funcionamento dessa mesma mente poderosa nos complicados assuntos do império.

Um imperador infantil, agora um órfão; um trono vago, ferozmente contestado por príncipes rivais; isso tudo abriu um campo ainda mais amplo para a ambição papal.

O objetivo imediato da política de Inocêncio era separar o reino da Sicília do império. Enquanto ambos permanecessem debaixo das mesmas mãos, um soberano mais poderoso do que ele próprio poderia ser colocado no trono siciliano. A possibilidade de um vizinho tão poderoso deveria ser removida. A disputa então pela posse da coroa deu-lhe a oportunidade desejada. As tropas, sendo solicitadas em seus respectivos territórios, foram retiradas da Sicília, Apúlia e Cápua. As guarnições sendo assim reduzidas, o domínio germânico foi derrubado, os países separados do império, e a autoridade papal estabelecida pela força.

Imediatamente após a morte de Henrique, seu irmão, Filipe, duque da Suábia, tomou posse dos tesouros imperiais, declarou-se regente do reino e protetor dos interesses de seu jovem sobrinho. E até então ele parecia agir por um motivo correto. Mas um imperador infantil era algo contrário ao costume germânico, e inadequado para aqueles tempos difíceis. Um partido adverso rapidamente se ergueu, e se opôs fortemente à eleição do filho como rei. Os partidários da casa de Hohenstaufen pediram a Filipe que se tornasse representante de sua família, em oposição aos outros candidatos à coroa. Ele consentiu, tendo sido escolhido defensor do reino por um grande corpo de príncipes e prelados reunidos em Mulhausen.

O partido que se opunha à família suábia era encabeçada por Adolfo de Altena, arcebispo de Colônia. Essa facção era principalmente composta de grandes clérigos do Reno. Tal era a principal ocupação dos prelados e clérigos naqueles dias. Eles estavam determinados a levantar um antagonista à casa de Hohenstaufen. Após vários príncipes terem recusado tornarem-se candidatos à dignidade imperial, os clérigos voltaram seus pensamentos à casa da Saxônia, a irreconciliável adversária da casa da Suábia. A escolha deles caiu sobre Otão IV, o segundo filho de Henrique, o Leão, duque da Saxônia.

Em consequência da família de seu pai ter caído sob o banimento do império, ele foi levado à corte da Inglaterra. Sua mãe Matilda era irmã do rei Ricardo Coração de Leão. O jovem cavaleiro tinha mostrado sinais de bravura que Ricardo admirava, e criou Otão como o primeiro conde de York e Poitou. Bem guarnecido com ouro inglês e com alguns poucos seguidores, ele partiu, chegou à Colônia, onde foi proclamado imperador do Império Romano-Germânico e defensor da igreja.

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