A origem da adoração aos santos pode ser considerada como coincidente com a adoração a Maria, e como o fruto do mesmo solo. De fato, é a mesma coisa; o que difere é que Maria é elevada acima de toda a hoste de santos e mártires por causa de sua santidade peculiar e sua grande influência no céu.
A veneração que era dada nos primeiros séculos do cristianismo àqueles que tinham fielmente testemunhado e sofrido por Cristo sem dúvida levou à prática da invocação aos santos, e de implorar os benefícios da intercessão deles. Um afeto perdoável tornou-se uma veneração supersticiosa, e acabou como uma completa adoração. O passo tomado entre a veneração e a adoração é fácil e natural, embora nem sempre fácil de detectar. Daí a importância do aviso do apóstolo:
"Filhinhos, guardai-vos dos ídolos". De acordo com essa palavra, se não temos diante de nós a Pessoa de Cristo como o único objeto dominante de nossos corações, teremos um ídolo. No mesmo contexto, o apóstolo fala de nosso maravilhoso lugar e bênção nEle:
"E no que é verdadeiro estamos, isto é, em seu Filho Jesus Cristo. Este é o verdadeiro Deus e a vida eterna" (
1 João 5:20,21). Tendo a vida eterna nEle, e estando identificados com Ele quanto a nossa posição perante Deus, certamente Ele deve ser nosso único objeto de adoração. Qualquer outro é um ídolo. E até mesmo o melhor cristão corre o risco de pagar homenagem em exagero a algum mestre ou líder favorito. Como tudo isso se comparará com a epístola de João naquele último grande dia? O Senhor nos guarde da veneração pela criatura, seja viva ou morta!
Um grande e influente sistema surgiu desses pequenos inícios, através da sutileza do sacerdócio, o que acabou por trazer enormes riquezas para a igreja. Peregrinações com suas ofertas de expiação e de vontade própria fazem parte do sistema. Em um período inicial, era costume realizar serviços religiosos com peculiar santidade no túmulo dos santos e mártires. Mas, à medida que as trevas aumentavam, assim como o espírito de superstição, isto não era o suficiente. No século IV, esplêndidas igrejas foram construídas sobre seus anteriormente humildes túmulos; e até mesmo supostas relíquias do santo eram consagradas no edifício erguido em sua honra. Costumava-se afirmar que o corpo do santo miraculoso estava enterrado sob o altar-mor, e de que havia uma eficácia especial na intercessão de tais santos. Isso levou miríades a esses santuários; alguns para ver milagres acontecerem, outros para terem milagres realizados em seu favor, ou para receberem bem em suas almas. Peregrinações logo se tornaram o tipo mais popular de adoração, e à medida que os adoradores abundavam em suas oblações -- com seus corações quentes e ternos -- eram grandemente encorajados por um sórdido sacerdócio. Durante o século VI, um incrível número de templos foram erguidos em honra aos santos, e numerosos festivais foram instituídos para guardar a lembrança desses homens santos.
De acordo com Milman e outros, o culto aos santos tornou-se tão popular que corriam o risco de serem negligenciados por causa da grande quantidade deles. "O calendário lotado não tinha mais mais dias para serem atribuídos a um novo santo sem colidir, ou desapropriar, um antigo. O Oriente e o Ocidente competiam entre si em sua fertilidade. Mas dos incontáveis santos do Oriente, poucos comparativamente foram recebidos no Ocidente, e o Oriente também desdenhosamente rejeitou muitos dos mais famosos a quem o Ocidente adorava com a mais sincera devoção. De qualquer modo, a multiplicidade dos santos testemunha a universalidade da idolatria". A rivalidade de igreja conta igreja, de cidade contra cidade, de reino contra reino, de ordem contra ordem, manteve um estado de competição por séculos, de modo que cada um buscava atrair adoradores ao santuário de seu santo padroeiro. A fama de alguns novos santos celebrados, tal como São Tomás da Cantuária, diminuía, por algum tempo, o tráfego e lucro de outros lugares. Daí a necessidade de criar novidades frescas e excitantes por meio de novas descobertas de algo que viraria a maré em favor do novo santuário. Mesmo enquanto escrevo -- setembro de 1873 -- é triste dizer, mas quase mil peregrinos da Inglaterra estão a caminho, não com os pés descalços como antigamente, para Paray-le-monial, na França, a fim de se curvarem diante do santuário do "Sagrado Coração", em honra da freira e santa Margarida Maria de Alacoque. Isto é muito surpreendente, e desperta profundos pensamentos em muitas mentes quanto ao verdadeiro objetivo na mente do papado. Professadamente, é claro, é para o bem das almas dos peregrinos, para a honra da santa, e para o triunfo da igreja. Se voltarmos até os dias de Orígenes, que foi o primeiro a inculcar a adoração aos santos ou ao santuário de Martinho de Tours, que foi o mais popular nos séculos IV e V, até os dias de hoje, temos cerca de 1400 anos de adoração aos santos e peregrinações, tanto na igreja grega (Ortodoxa) quanto na latina (Católica). Não é de admirar que os muçulmanos concluíram que todos os cristãos eram idólatras.
A maioria de nós conhece bem os nomes dos que podem ser chamados de santos universais, tais como os primeiros pais e os santos padroeiros dos reinos; mas descobrir, por meio de uma busca mais profunda sobre essa idolatria, é algo verdadeiramente aterrador. Através de toda a extensão da Cristandade romana existe, para cada comunidade em cada país e para cada indivíduo, um intercessor com Cristo, que é o Único Grande Intercessor entre Deus e o homem. Muitos católicos escolhem seus santos padroeiros com base em seus aniversários -- o dia do santo e em que nasceram. O santo é considerado o protetor peculiar do indivíduo, da comunidade ou do país, de modo que pouco menos do que o poder e a vontade divina são atribuídos aos santos padroeiros. O argumento é que, tendo sido humanos, e ainda possuindo simpatias humanas, eles são menos terríveis e mais acessíveis do que Cristo, e podem exercer sua influência com Ele para o benefício dos lugares e companheiros de sua jornada terrena. Eles são representados, no entanto, como sendo mutáveis e facilmente ofendidos. Colheitas frutíferas, vitória na guerra, libertação das aflições, segurança na viagem, e misericórdias parecidas, são atribuídas as suas orações; mas, quando ocorrem calamidades, a explicação é de que o santo foi ofendido e deve ser apaziguado. Maior honra deveria, então, ser paga ao seu santuário, e ofertas mais caras deveriam ser colocadas sobre seu altar.