domingo, 1 de julho de 2018

Tomás A. Becket -- Arcebispo da Cantuária (1162 d.C.)

Cerca de um ano após a morte de Teobaldo, Becket foi nomeado pelo rei arcebispo da Cantuária e primaz de toda a Inglaterra. Antes de sua elevação ao trono, ele fingiu ser totalmente devoto aos interesses de seu mestre real, mas a partir do momento que sua eleição tornou-se conhecida por Alexandre III, e especialmente após sua reunião com ele no Concílio de Tours, todo o seu coração e alma mudaram completamente no que dizia respeito ao seu soberano. Ele retornou de Tours à Cantuária como um vassalo de Roma professo e inflexível, um inimigo de seu rei e das leis de seu país. Tal foi, e é, e sempre será, o espírito do papado. As intenções do rei de limitar o crescente poder da igreja eram bem conhecidas de Becket, que presidira em seu conselho particular. Mas essas intenções tinham de ser combatidas a todo o custo; e assim começou a batalha.

As pretensões da ordem sacerdotal como uma casta separada da humanidade, desde o maior até o menor, tinham se tornado grande causa de perplexidade para o governo civil, e uma grande obstrução a sua administração. A igreja exigiu completa isenção do controle da lei secular. Foi ousadamente mantido que as pessoas e as propriedades do clero deveriam se colocadas além do alcance dos tribunais comuns, de modo que deveriam ser responsáveis apenas pelos seus próprios superiores, e diretamente sujeitos em vida e propriedade aos decretos de Roma. Mas a falta de lei leva à violência, e o resultado dessa agressão papal na Inglaterra foi um terrível aumento da criminalidade, até o perigo iminente da vida e propriedade dos indivíduos. "Por exemplo", diz Greenwood, "foi provado que, desde o início do reinado de Henrique II, nada menos que cem assassinatos tinham sido cometidos por indivíduos pertencentes a ordens com quase absoluta impunidade. Estupro, incêndio criminoso, furto, roubo, foram todos desculpados ou abrigados sob as vestes do sacerdócio ou sob os capuzes dos monges; não existiam penalidades conhecidas pela lei adequadas para a repressão e punição de crimes tão terríveis, e o rei Henrique, com o tempo, foi finalmente levado a tratar da tão significativa questão: 'Se as leis e costumes antigos do reino deveriam ser observados ou não'".

O rei, determinado a trazer uma solução para essas grandes questões,  convocou um parlamento em Westminster e exigiu uma clara resposta a essa questão. A resposta dada pelo clero à questão do rei foi que as antigas leis e costumes do reino deveriam ser observados e mantidos, "sempre afirmando os privilégios de suas ordens". Essa resposta, apesar de terem a aparência de uma evasão, foi na verdade uma recusa. O rei, em estado de grande consternação, interrompeu a assembleia, deixou Londres, e começou a privar Becket de seu poder, e do privilégio e honra de educar seu filho. Os bispos, em alarme, conhecendo o orgulho e poder de Henrique, pediram ao seu primaz que retirasse ou mudasse a resposta ofensiva. Mas ele imediatamente declarou que mesmo se um anjo do céu lhe aconselhasse tal fraqueza, ele o amaldiçoaria. Com o tempo, no entanto, ele cedeu: alguns dizem que foi pela influência do papa Alexandre, pois Henrique ameaçou não pagar o óbolo de São Pedro*. E assim, durante toda a longa discussão, o papa tomou o partido do rei quando precisou do dinheiro, e com Becket quando poderia passar sem isso.

{* Óbolo de São Pedro é o sistema de arrecadação de donativos da Igreja Católica, onde os fieis oferecem ajuda econômica diretamente ao Santo Padre.}

Tomás Becket como Chanceler (1158 d.C.)

Pela afabilidade de suas maneiras, a aparente flexibilidade de sua disposição, a agudeza de seus sentidos, e as atrações de sua pessoa, ele logo ganhou a confiança e as afeições do rei, que fez dele sua constante companhia em todos os seus divertimentos e prazeres; mas foi nos assuntos mais sérios do governo que Henrique derivou grande vantagem a partir da sabedoria e prudência de seu chanceler. Suas habilidades, conta-se, como um cortesão realizado, como um líder militar superior, e como um estadista experiente, eram incomparáveis. Ao leitor dos dias atuais, um eclesiástico que era detentor de vários benefícios clericais, sendo ainda um bravo general militar, soa bastante estranho. Mas assim era o tão afamado "santo". Um de seus biógrafos remarca: "Na expedição feita pelo rei Henrique para afirmar seus direito aos domínios dos condes de Toulouse, Becket apareceu à frente de setecentos cavalheiros que o serviam, e em toda exploração aventureira estava o valente chanceler. Um pouco mais tarde, ele foi convocado a reduzir certos castelos que se erguiam contra seu mestre, e frequentemente distinguia-se pela bravura e proezas pessoais: ele retornou a Henrique na Normandia à frente de 2000 cavaleiros e 4000 cavalariços, criados e mantidos pelas suas próprias despesas". Outro autor observa: "Quem pode contar a carnificina, a desolação, que ele causou à frente de um forte corpo de soldados? Ele atacou castelos, arrasou vilarejos e cidades até o pó, queimou casas e fazendas sem o mínimo de piedade, e nunca demonstrou a menor misericórdia àqueles que se levantassem em revolta contra a autoridade de seu mestre"*.

{*Milman, vol. 3, p. 450.}

Os clérigos graves e sérios, mesmo naqueles dias, sem dúvida lamentariam sobre tais coisas no arquidiácono da Cantuária; mas a prática era comum demais para excitar grande surpresa. A dignidade secular, infelizmente, tinha se tornado o grande objeto de ambição de quase todos os clérigos, de modo que poderiam ser encontrados muitos mais que admiravam a conduta de Becket do que os que o lamentavam. Sua riqueza, magnificência e poder excediam a de todos os seus precedentes. Ele foi rei em tudo, menos no nome. O mundo, conta-se, nunca tinha visto dois amigos tão próximos. Mas assim como a amizade do mundo, ou de dois homens egoístas, ambiciosos e inescrupulosos, essa amizade durou apenas enquanto serviu aos seus interesses. Isto veremos agora, e de um modo que raramente já foi testemunhado.

domingo, 24 de junho de 2018

Tomás Becket e Henrique II

O nascimento e parentesco de Becket são desconhecidos. A obscuridade de sua origem foi provavelmente oculta pelos seus biógrafos. Mas alguns dizem que ele nasceu no ano de 1119. De acordo com Du Pin, ele iniciou seus estudos em Londres e os terminou em Paris, na melhor escola de francês normando.

Pouco depois de seu retorno à Inglaterra, ele foi fortemente recomendado a Teobaldo, arcebispo da Cantuária, que o empregou na administração de seus negócios. Becket estava então na estrada para o favoritismo. Teobaldo, que suspeitava que o jovem rei Henrique estivesse contaminado com a oposição às pretensões de Roma, estava ansioso por colocar perto de si alguém que pudesse contrariar tal perversidade. O sagaz primaz tinha discernido em seu arquidiácono (Becket), não apenas grandes habilidades para os negócios, como também os elementos de um clérigo elevado, determinado e devoto. Através de sua recomendação, Becket foi elevado à dignidade de chanceler. "Ele tornou-se, então, o segundo poder civil do reino, pois seu selo era necessário para assinar todos os mandatos reais. Nem era sem grande influência eclesiástica, pois nas mãos do chanceler estava a nomeação de todos os capelães reais e a custódia dos bispados, abadias e benefícios vagos". Mas, como Tomás Becket nos é ensinado na escola e nos livros de história inglesa* como um santo e um mártir, vamos olhar brevemente para ele, em primeiro lugar, como um homem do mundo.

{* O autor deste livro era inglês.}

A Introdução da Lei Canônica na Inglaterra

Após repetidas tentativas e falhas, da parte do papa, de introduzir um poder legatino* na Inglaterra, isso foi finalmente alcançado durante o reinado de Estêvão, em 1135 d.C. Era algo inteiramente novo no país e extremamente ousado da parte de Roma. Mas como isso diz respeito a uma época distinta e importante na história da igreja inglesa, devemos cuidadosamente tomar nota da mudança. E aqui, para assegurar precisão, citaremos algumas passagens de nosso historiador da área do direito inglês, Tomás Greenwood, livro 12, vol. 5.

{* N. do T.: poder legatino é um poder delegado a uma pessoa por outra, no caso, do papa a um legado. } 

"A publicação e adoção dos decretos isidorianos mudou a ordem e distribuição dos poderes eclesiásticos. Toda função de administração eclesiástica tornou-se investida no clero, ou, o que era a mesma coisa, no papa de Roma como seu chefe supremo. A autoridade do Estado em todos os assuntos dos eclesiásticos, mesmo que remotamente conectados com a vida e costumes, seculares e espirituais, foi veementemente denunciado e repelido: as posses deles foram pronunciados como sagrados e inalienáveis; seus deveres não se submetiam a qualquer censura além daquelas de seus oficiais superiores, e tornaram-se isentos da jurisdição ou punição secular; toda interferência por parte do príncipe ou pessoa secular na nomeação de bispos, sacerdotes ou incumbentes espirituais, foi declarada como sendo de natureza de simonia. Embora esses princípios da legislação da igreja tenham sido cumpridos em poucos exemplos de maneira plena e prática, eles foram recebidos sem contradição, e parcialmente adotados pelo clero da França, da Itália e da Alemanha. Na Normandia, uma completa separação entre a jurisdição secular e eclesiástica já tinha acontecido. Na Inglaterra, no entanto, até então os únicos cânons conhecidos pelo clero ou pelos leigos eram aqueles pronunciados pela própria igreja nacional, com o consentimento e concordância do soberano... Os esforços dos bispos romanizadores da Inglaterra, após a conquista, foram constantemente voltados em direção à introdução dos mais importantes artigos do código isidoriano; mais especialmente no que diz respeito à emancipação da propriedade e dotes da igreja de sua dependência da coroa ou da ordenança secular, e das pessoas e causas de oficiais da interferência dos juízes do rei..."

"As primeiras ordenanças de Guilherme, o Conquistador, para a separação dos tribunais eclesiásticos dos tribunais leigos nunca foram realizados até o ponto de isentar os eclesiásticos da responsabilidade perante a lei. Mas é também verdade que ambos o Conquistador e seus sucessores, até João, esforçaram-se em manter um meio termo entre o canonismo e a prerrogativa do rei. Em sua prontidão em estar sempre bem com a corte de Roma, eles frequentemente tomavam passos que colocavam em perigo sua segurança, mas certamente nunca mudavam de sua base antiga, da lei da terra, ou dos direitos da coroa. Na amarga disputa entre o arcebispo Anselmo da Cantuária e Henrique I, este manteve seu direito de determinar quais dos dois rivais pretendentes ao papado o clero de seus domínios deveria reconhecer. E quando Anselmo, sem o consentimento do rei, insistiu na transferência de sua lealdade espiritual para Urbano II, em preferência ao seu rival Clemente III, Henrique, sem rodeios, o informou de que 'ele não conhecia qualquer lei ou costume que tratasse, sem a licença do rei, de estabelecer um papa próprio sobre o reino da Inglaterra; e que qualquer homem que presumisse tirar de suas mãos a decisão quanto a essa questão teria o mesmo direito de tomar a coroa de sua cabeça!'..."

"A disputa entre Henrique e Anselmo foi longa e obstinada. O bispo fugiu para Roma; o rei confiscou os poderes seculares de sua Sé. Enquanto a disputa estava ainda indecidida, um oficial papal apareceu na costa do país anunciando-se como o legado da corte de Roma, sobre quem foi confiado o poder  legatino vindo do papa sobre toda a Inglaterra. Mas o rei tomou como prerrogativa especial de sua coroa aceitar ou rejeitar ao seu bel-prazer tais interferências, considerando ser nada mais do que a tentativa do governo eclesiástico por parte de um príncipe estrangeiro; e o legado foi, então, mandado embora sem ter sido admitido na presença do rei. Cerca de quinze anos depois, o mesmo papa fez uma segunda tentativa de introduzir um legado extraordinário no reino, mas sem melhor sucesso... Uma terceira tentativa do mesmo pontífice foi igualmente mal sucedida. Foi, de fato, nessa época, que ficou muito bem entendido que a lei e o costume da Inglaterra repudiava a comissão legativa como uma interferência ilegal no curso normal do governo eclesiástico, que a lei comum tinha colocado sob a superintendência do soberano."

Mas após a morte do sábio e capaz Henrique I, em 1135, o astuto e perseverante papa -- Alexandre III -- foi mais bem sucedido. No reinado de Estêvão, um monarca fraco, um legado de Roma conseguiu entrar na ilha da Inglaterra. Os clérigos anglicanos compreenderam totalmente a tendência do movimento, e um sínodo realizado em Londres protestou, na presença do legado, contra a presunção de um padre estrangeiro na tomada da cadeira presidencial sobre os arcebispos, bispos, abades, e sobre toda a nobreza de todo o reino da Inglaterra. O protesto, no entanto, permaneceu sem efeito. Um espírito tímido e que se desenvolveria com o tempo estava formigando no coração da igreja anglicana. A ignorância prevalecente da massa de pessoas, o caráter secular do clero, o estado miserável de todo o país durante o reinado de Estêvão, tudo isso favoreceu as sistemáticas invasões do partido romanizador sobre a prerrogativa da coroa e as liberdades da igreja nacional. Os bispos anglo-normandos, na época, eram barões em vez de clérigos, seus palácios eram castelos, seus vassalos pegavam em armas: quase todos usavam armas, se misturavam na guerra, e se entregavam a todas as crueldades e exações da guerra. Tal era o clero da Inglaterra quando Henrique II subiu ao trono em 1154. A oposição de Becket a esse rico e poderoso rei lança uma luz mais clara sobre a ambição secular de Roma do que qualquer dos conflitos que já recordamos. 

domingo, 17 de junho de 2018

A Lei e o Costume Inglês

Desde os mais remotos períodos, os reis da Inglaterra eram reconhecidos tanto pelo clero quanto pelos leigos como tendo o total poder em assuntos pertencentes ao governo externo da igreja. Quer fosse no que diz respeito às propriedades e dotes da igreja, ou das pessoas do clero, a autoridade da coroa era, pela lei e costume do reino, suprema. Eduardo, o rei anglo-saxão, dizia do clero que "eles empunhavam a espada de São Pedro, e ele a espada de Constantino". E de Guilherme, o Conquistador, seu biógrafo diz: "Todos os assuntos, tanto os eclesiásticos quanto os seculares, eram dependentes de seu prazer". Mas durante o século XII, o país gradualmente afundou em um estado de deplorável sujeição à Sé Romana.

Ao mesmo tempo, não podemos nos esquecer que, embora o progresso da igreja tenha ocorrido em direção à Roma, Deus em Sua infinita misericórdia subjugou o poder secular do clero e as grandes conquistas eclesiásticas dos monges para a proteção e bênção dos pobres da terra. Ele sempre pensa -- bendito seja o Seu nome -- no "pobre do rebanho". Pela conquista normanda da Inglaterra, uma hierarquia estrangeira, assim como uma nobreza estrangeira, tinha sido introduzida; mas os baixos ofícios eram geralmente cheios de saxões, cuja linguagem e sentimentos simpatizavam com a população nativa. Isso deu-lhes um imenso poder sobre a mente da população. Eles passaram a ser vistos como os verdadeiros pastores de seus rebanhos, e os guias e consoladores dos aflitos. Os normandos, cuja linguagem e sentimentos eram ainda estrangeiros, eram odiados como seus opressores e espoliadores. O inglês tinha sido sacrificado por Guilherme para suprir as concessões liberais das terras e lugares de honra, que ele concedeu aos seus seguidores, e assim os saxões, por sua vez, foram obrigados a tornarem-se os servos e dependentes de seus conquistadores. Tudo o que o homem semear, isso também ceifará. Seu pecado certamente o encontrará. Mas o sentimento de erro pessoal era outra coisa, e certamente se misturaria em cada novo conflito entre raças. Isso é manifesto na grande batalha entre o rei normando e o primaz inglês, e pode nos ajudar em nosso julgamento sobre seus importantes resultados. Mas devemos primeiramente tomar nota sobre aquilo que conduziu imediatamente à disputa.

Os Abusos de Roma na Inglaterra (1162 d.C.)

Capítulo 22: Inglaterra (1162 - 1174 d.C.)


Abordaremos agora um período em nossa história que deve despertar peculiar interesse na mente do leitor inglês*. O governo anglo-saxão estava dando lugar ao governo anglo-normando, tanto na igreja quanto no Estado. A completa condição do país, ou estava mudada, ou estava em processo de mudança. Mas o padre italiano estava longe de estar satisfeito com o estabelecimento que eles tinham conseguido sob o reinado dos normandos. A florescente vinha de Nabote (ver 1 Rs 21) era cobiçada e precisava ser possuída, quer por meios justos ou imundos. A Inglaterra, com todo o seu orgulho, riqueza e poder, deveria ser reduzida a um estado de subserviência à Sé Romana. Esse era seu propósito estabelecido e necessário para a realização de seu plano. Observaremos, primeiramente, a posição dos antagonistas, e então a natureza e o fim da feroz batalha.

{*N. do T.: O autor do livro era inglês.}

Durante o reinado de Alexandre III, um pontífice capaz, sutil e vigilante, uma grande disputa surgiu na Inglaterra entre Henrique II e Tomás Becket, arcebispo da Cantuária, que atraiu e absorveu toda a mente da Europa por muitos anos. Isso lembra, em suas principais características, a longa guerra entre Henrique IV e Gregório VII, porém, se é que isso é possível, perseguida com maior amargor e obstinação, e terminando ainda mais tragicamente. Uma colisão tão violenta entre os poderes espirituais e seculares não tinha ocorrido desde os dias de Constantino. O caráter pessoal e a posição dos líderes, sem dúvida, atraíram a atenção do interesse mundial ao conflito. Mas era muito mais que um assunto pessoal: toda a questão do poder de Roma na Inglaterra, a prerrogativa do Soberano e a responsabilidade do assunto, tudo isso estava envolvido nessa nova guerra. Henrique, de verdadeiro sangue normando, estava determinado a se tornar rei e a governar de acordo com as leis e costumes do reino; Becket, um violento eclesiástico, estava igualmente determinado a manter, de acordo com os supostos infalíveis decretos de Roma, que a hierarquia eclesiástica era uma casta separada e privilegiada na comunidade, com direito à isenção de julgamento pelo processo civil, e sujeita apenas a sua própria jurisdição.

O leitor inglês do século XIX ficaria surpreso ao saber que um decreto do vaticano, enviado pelo legado do papa com o propósito de mudar as leis e costumes da Inglaterra, fosse ouvido sequer por um momento. Mas era assim na época; e os mais poderosos monarcas na Europa foram obrigados a se curvarem em humilhante submissão aos pés do pontífice. Mas qual o motivo desse terrível medo de Roma? Nada mais do que a ignorância e superstição do povo em geral. "O sistema romanista, com todas as suas insolentes pretensões, ainda estava envolto em uma auréola sangrenta de reverência supersticiosa, que espantava o pensamento ou o apagava pelo medo da morte temporal e eterna". O astuto padre podia alegar esfregar as chaves de São Pedro na cara de seu oponente, e ameaçar trancá-lo do lado de fora do céu e confiná-lo no inferno, se não obedecesse à igreja. Era sua declarada santidade e sua iníqua perversão das Escrituras que lhe davam tal poder sobre os ignorantes e supersticiosos.

domingo, 10 de junho de 2018

O Encontro entre Adriano e Frederico

Se não fosse por uma circunstância que consideramos puramente infantil, o encontro entre Adriano e Frederico poderia ter passado sem tomarmos nota, de tão pouca relevância que isso tem para a história da igreja. No entanto, o acontecimento tem relevância ao considerarmos a história do papado, e pensamos ser correto observarmos tudo aquilo que manifesta seu verdadeiro espírito no período de Tiatira. Além disso, o mais insignificante incidente revela, às vezes, o propósito mais profundamente arraigado e a mais inflexível determinação.

A pronta concessão do sangue de Arnaldo não tinha removido da mente sombria de Adriano todas as suspeitas quanto às intenções de Frederico. As negociações, no entanto, foram satisfatórias, e Adriano cavalgou até o acampamento de Frederico. Ele foi gentilmente recebido por alguns dos nobres alemães e conduzido à tenda real. O papa permaneceu em seu cavalo, esperando que o imperador viesse e segurasse seu estribo enquanto desmontava. Mas sua espera foi em vão; Frederico não o fez, e o papa desceu sem sua ajuda. Essa falta de homenagem ao supremo pontífice foi considerada um grande insulto e indicativo de hostilidades. A maioria dos cardeais fugiram alarmados, mas o intrépido Nicolas Breakspeare (Adriano) permaneceu. Frederico alegou ignorância do costume, mas o papa recusou se reconciliar ou dar-lhe o beijo de paz até que ele se humilhasse e passasse pela cerimônia. O arrogante alemão disse que consultaria seus nobres. Uma longa discussão se seguiu. Adriano manteve que aquilo era um costume desde os dias de Constantino, o Grande, que segurava o estribo do papa Silvestre. Essa afirmação era totalmente falsa, pois o primeiro ato de tal homenagem tinha ocorrido cerca de cinquenta anos antes, por Conrado III, o inútil e rebelde filho de Henrique IV. Mas esse era uma questão de pouca importância para o partido papal, desde que o imperador fosse humilhado e o papa exaltado. Alegados precedentes eram produzidos de modo a provar que a prática tinha existido por oitocentos anos; e, consequentemente, "como o imperador tinha se negado às honrarias devidas aos apóstolos Pedro e Paulo, não poderia haver paz entre a igreja e o império até que ele cumprisse esse dever ao pé da letra". Tal era a blasfema suposição desses homens perversos. Eles instavam suas pretensões de homenagem por parte da humanidade ao representarem-se como estando no lugar dos apóstolos -- e de Cristo -- do próprio Deus. Como as evidências pareciam estar a favor do papa e Frederico não se importava muito com o assunto, ele se deixou persuadir de que os precedentes eram verdadeiros, e que devia prestar homenagem ao papa. Assim, no dia seguinte, como um filho obediente da igreja, o imperador desmontou do cavalo quando Adriano se aproximou, pegou o freio e segurou o estribo para o papa desmontar. A amizade exterior estava agora restaurada, e o pai espiritual e filho obsequioso avançaram em direção à cidade santa (Roma) e prosseguiram com a coroação.

Após um reinado de cerca de quatro anos, e, podemos acrescentar, de conflitos incessantes e derramamento de sangue, Adriano morreu em 1159. Ele se preparava para uma declaração aberta de guerra e para a excomunhão do imperador, quando a morte pôs um fim ao conflito. Assim a maioria desses homens viveram e assim morreram, em guerra declarada com o poder secular. Frederico Barbarossa é conhecido como o mais poderoso soberano que reinou na Europa desde Carlos Magno. Ele entrou para a terceira Cruzada, como já vimos, em 1189, e morreu, ou foi afogado, nas correntezas do rio Salepe, próximo a Tarso, em 1190.

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