domingo, 9 de fevereiro de 2020

A Morte de De Monforte

Com a chegada do velho conde e de seu filho aos muros destruídos de Toulouse, com um grande exército, o medo deu lugar à alegria entusiasmada com que o povo acolheu os Raimundos de volta ao palácio e aos domínios de seus ancestrais. Muitos dos nobres do Languedoque levantaram tropas e  também se dirigiram à cidade. Simão e seu filho, Guido, correram para o local, mas foram vergonhosamente rechaçados. O bispo de Toulouse e a esposa de Simão buscaram a ajuda da França. Uma nova cruzada foi pregada, mas De Monforte não conseguiu manter um exército por mais de quarenta dias, e um grande número se uniu aos Raimundos. O cerco durou nove meses e foi palco de muitos embates ferozes. Na primavera de 1218, De Monforte veio contra Toulouse com uma nova companhia de cem mil cruzados. "Você está prestes a conquistar a cidade", disse o espírito mentiroso, "para invadir as casas, das quais nenhuma alma, nem homem nem mulher, escapará viva; ninguém será poupado na igreja, nem no santuário, nem no hospital!"

Tais eram os conselhos de Roma, mas Deus já havia decretado o contrário. Estando ajoelhado durante uma missa, um grito anunciou que os sitiados haviam feito uma arremetida; levantando-se instantaneamente, Simão colocou-se à frente de seus veteranos e correu para o local do ataque, mas mal imaginava ele que seria pela última vez. Naquele momento, ele foi ferido por uma flecha atirada das muralhas da cidade. Isso evidentemente perturbou seu espírito, e ele tentou se retirar do local por alguns passos quando um pedaço de pedra, atirado de uma máquina, bateu em sua cabeça e a arrancou de seu corpo. Enquanto seu tronco sem vida jazia no chão, seus admiradores ousaram reprovar Deus por sua morte e acusar a justiça divina. Mas devemos ali deixá-los: Simão estava agora diante de Deus, ciente de sua condenação eterna.

O cerco foi retirado e o exército inimigo foi totalmente derrotado. O sino tocou, chamando os cidadãos para oferecerem ações de graças, o que fizeram com tumulto e exultação. Raimundo foi aclamado como seu soberano por direito e agora indiscutível; e novamente o estandarte da casa de St. Gilles ondulava por sobre o palácio e sobre as muralhas de Toulouse.

As Mentiras de Fouquet

O decreto do Concílio de Latrão, que proibia que se continuasse a pregação das cruzadas, privou De Monforte de novos suprimentos. Esse novo estado de coisas reviveu o espírito do jovem Raimundo, que resolveu formar um exército e fazer um esforço heroico para recuperar os domínios conquistados de seu pai. Ele logo estava à frente de uma grande força. A esperança de uma libertação das crueldades de Simão e de ganharem algo de suas soberanias hereditárias animou toda a população de Languedoque. De Monforte, então, tratava Toulouse como uma cidade conquistada, exigindo altos tributos e esforçando-se para adquiri-las das maneiras mais severas. Uma revolta geral dos cidadãos oprimidos era evidente, mas eles imprudentemente aceitaram a traiçoeira mediação de seu bispo, o perverso Fouquet. Ele lhes assegurou que nem um fio de cabelo de suas cabeças seria tocado se concordassem com os termos de De Monforte. Os cidadãos concordaram, e assim ele lhes jurou: "Eu juro por Deus, e pela santa Virgem, e pelo corpo do Redentor, por toda minha ordem, pelo abade e outros dignatários, que vos dou bom conselho, o melhor que eu já dei; se o conde de Monforte infligir sobre vós o mínimo dos males, trazei suas reclamações diante de mim, e Deus e eu vos faremos justiça". Que crueldade! Esse é o papado. Essas eram as ovelhas de seu próprio rebanho. Não estamos falando agora dos direitos ou dos erros da guerra, mas das falsas perfídias daquele que se declarava pastor das ovelhas.

O povo caiu então na armadilha de Satanás. Eles foram tratados como súditos revoltosos e punidos pelo próprio bispo com toda a sua crueldade implacável. O primeiro ato de De Monforte foi "a exigência de trinta mil marcos de prata, a demolição das muralhas e de todas as fortalezas da cidade, e a pilhagem dos habitantes até o último pedaço de pano e porção de comida". Assim eles tiveram que passar o inverno, mas a primavera seguinte trouxe alívio.

Os Conquistadores Brigam Entre Si

A conquista parecia estar completa, e os conquistadores começaram a dividir os espólios; mas Arnaldo e De Monforte brigaram pela coroa ducal de Narbona. Ambos reivindicavam o ducado. O legado (Arnaldo) tinha assumido o arcebispado de Narbona, e ele afirmava que os direitos de soberania secular estariam a isso vinculados, mas De Monforte, que tomou para si o título de Duque de Narbona, indignou-se que um padre pudesse reivindicar essa autoridade secular que ele declarava ser toda sua, como príncipe e soberano de toda aquela terra. A disputa ficou séria. Simão, chamando Arnaldo e todos os seus seguidores de hereges, invadiu e tomou posse da cidade pela força de seu exército; o legado, exercendo sua autoridade espiritual, excomungou o grande cruzado e colocou todas as igrejas da cidade sob interdito. O papa, considerando com inveja o poder formidável desses grandes rivais, e não sentindo ser conveniente interferir sozinho nesse conflito, convocou, em 1215 d.C., o quarto Concílio de Latrão, de modo a pôr fim à cruzada contra os albigenses, e, finalmente, dispor dos territórios conquistados.

Esse foi o concílio mais numeroso já realizado na Cristandade. Mas não devemos nos aventurar nem mesmo na mais superficial descrição de seus procedimentos. Vamos apenas observar o que diz respeito ao assunto que estamos tratando: "Raimundo e seu filho, acompanhados pelos condes de Foix e de Comminges, com muitos outros nobres de Languedoque, foram recebidos na presença do papa, que se sentava entre seus cardeais e outros prelados. Eles se ajoelharam perante ele: o jovem Raimundo apresentou cartas de seu tio, o rei da Inglaterra. O monarca inglês expressou sua indignação pela usurpação da herança de Raimundo por Simão de Monforte. O papa ficou comovido com a beleza e graciosidade do jovem príncipe, pensou em seus erros e derramou lágrimas." Esse jovem nobre da antiga casa ancestral de Toulouse, que estava ligado, seja pelo sangue ou pelo casamento, a todos os soberanos da Europa, e que nunca tinha sido acusado da mácula da heresia, tinha sido roubado e despojado pelos agentes do papa, e levado ao exílio. O filho foi seguido pelo pai e pelos outros condes, que reclamaram da injustiça do legado e de De Monforte, da pilhagem de sua terras e do massacre sem escrúpulos de seus súditos. As enormes crueldades de Fouquet foram relatadas por todas as testemunhas, que o denunciaram como sendo o destruidor de mais de dez mil dentre o rebanho confiado aos seus cuidados pastorais.

Algo parecido com pena parecia ter tocado, por um momento, o coração de Inocêncio ao ouvir os depoimentos de tantas nobres testemunhas, todos católicos professos. Muitos membros do concílio também foram tocados com remorso, e falaram a favor dos príncipes conquistados. Mas essa tendência a algo parecido com justiça da parte do concílio levou os partidários de Simão à mais veemente indignação. Eles asseguraram à "Sua Santidade" que, se o legado e De Monforte fossem obrigados a entregar os territórios e feudos que conquistaram, ninguém dali em diante jamais embarcaria novamente na causa da igreja, ninguém jamais se colocaria novamente em perigo em sua defesa. Ainda assim, o papa parecia disposto a ouvir as reclamações dos príncipes, e, levantando sua voz, disse: "Dou permissão a Raimundo de Toulouse e a seus herdeiros de recuperarem suas terras e seus feudos de todos os que os tomaram injustamente". Os prelados ficaram furiosos. O papa ficou consternado diante do poder que tinha criado, e pelo qual ele era agora obrigado a exercer a injustiça. De Monforte foi confirmado em todas as suas conquistas, com exceção do Condado Venaissino, que foi reservado para o jovem Raimundo se sua conduta satisfizesse o legado. Filipe Augusto, rei da França, concordando com a sentença, concedeu a Simão de Monforte a investidura dos condados de Toulouse, de Béziers e de Carcassona, e do ducado de Narbona. Simão estava então no trono que ele tinha alcançado por meio da opressão, da tirania e do sangue. Ele foi proclamado soberano de Toulouse e general dos exércitos de Deus, o filho querido da igreja. O clero e o povo foram saudá-lo com a seguinte saudação blasfema: "Bendito aquele que vem em nome do Senhor". Mas o triunfo dos ímpios dura pouco; seu fim e sua recompensa eterna estavam próximos.

A Batalha de Muret

O papa passava por dificuldades, e assim cedeu à necessidade. Ele sozinho tinha convocado o movimento; mas o poder de controlá-lo escapou de suas mãos. Seus agentes estavam apenas cumprindo suas instruções, e ele não tinha o direito de reclamar. Por necessidade, ele repreendeu severamente o rei de Aragão, o principal apoiador da causa católica na Espanha -- acusou-o de falsas declarações, ameaçando-o com uma cruzada, e confirmando sua sentença de excomunhão contra Raimundo e seus aliados. De Monforte foi proclamado o servo ativo de Jesus Cristo e o invencível defensor da fé católica, e assim foi autorizado a manter suas conquistas. A paciência do longânimo rei de Aragão então se acabou, e, provocado pela insolência do clero, correu para a guerra. À frente de mil cavaleiros e um grande exército, ele cruzou os Pireneus e encontrou os cruzados na pequena cidade de Muret, a cerca de nove milhas de Toulouse. À frente dos guerreiros da cruz com mais sete bispos, apareceu Simão de Monforte, pronto para a guerra. "Seu exército", diz Greenwood, "embora menor em números, consistia na cavalaria pesada da França, ansiosa pela vitória sobre o exército de hereges, visando ganhar, com isso, honra imortal, ou pelo martírio serem levados à presença dos santos no paraíso." A batalha que se seguiu foi feroz, curta e decisiva. Dom Pedro II de Aragão, com muitos de seus nobres, foi contado com os mortos. O remanescente de seu exército, privado de seu comando, dispersou-se, e toda a milícia bruta e mal armada de Raimundo e seus aliados ou foram mortos ao fio da espada ou afogados no rio Garona, até o último homem.

A causa dos albigenses, em consequência da grande vitória de Muret, tornara-se desesperada, e o destino daquela terra devota parecia ter sido decidida para sempre. Raimundo foi despojado de seus territórios; De Monforte foi reconhecido príncipe do feudo e da cidade de Toulouse, assim como dos outros condados conquistados pelos cruzados sob seu comando. Sobrepujado por seus infortúnios e pelas censuras da igreja, Raimundo não ofereceu oposição. Fouquet, o bispo do papa, tomou posse do palácio de seus ancestrais, e, com uma impudência cruel que é difícil de descrever em palavras, ordenou que o nobre conde e sua família se retirassem para a obscuridade. Tais eram, e ainda são, as ternas misericórdias do sacerdócio católico, até mesmo para com seu próprio rebanho, se tido por desobediente, pois o próprio Raimundo nunca foi acusado de heresia, mas sim de apenas abrigar hereges em seus domínios -- ou, em outras palavras, de recusar massacrar a sangue frio seus súditos mais obedientes e leais: esse foi todo o seu crime aos olhos de Roma, e isso o céu certamente um dia julgará.

domingo, 19 de janeiro de 2020

O Cerco de Toulouse

Da pilha ardente de quatrocentos seres humanos e dos enforcamentos de vários senhores nobres, o campeão da Igreja, Simão de Monforte, avançou para o cerco de Toulouse. Suas numerosas conquistas tinham feito mais para inflamar do que para satisfazer sua "avidez indisfarçada". Ele esperava acrescentar a seus bens o senhorio de Toulouse e, assim, elevar-se ao nível dos príncipes soberanos. O bispo Fouquet estava em seu acampamento. Esse novo bispo de Toulouse, colocado lá para se adequar ao propósito do papa, é mencionado pelos historiadores como um dos homens mais traiçoeiros, cruéis, sanguinários e sem escrúpulos que já viveram sobre a Terra. Rabenstein foi deposto para que ele tomasse seu lugar, de modo que pudesse trabalhar, de dentro dos portões, a ruína do conde, enquanto os inquisidores e cruzados o faziam do lado de fora. Mas, apesar de toda a perfídia do papa e da bravura de Simão, a maré da sorte estava ao lado de Raimundo. O conde de Toulouse, sob a severa disciplina de uma prolongada calamidade, mostrou que era realmente dotado de coragem e força de caráter. Ele se cercou de seus aliados com seus seguidores, que defenderam a cidade, e também fez ousadas arremetidas por meio de sua guarnição, de tal modo que Simão foi obrigado a encerrar o cerco. Este, no entanto, se vingou devastando os jardins, vinhedos e campos. O estado das coisas agora estava completamente alterado. Raimundo, em vez de agir na defensiva, tornou-se um agressor ativo e enérgico e, antes de decorridos alguns meses, recuperou a maioria dos lugares que haviam sido ocupados pelos cruzados. O princípio feudal dos quarenta dias* causou flutuações contínuas no exército de Simão e, sem dúvida, o impediu de melhorar suas vantagens ao máximo, de modo que seus sucessos foram prejudicados por reveses ocasionais. O triunfo de Raimundo, no entanto, foi apenas uma prorrogação temporária e o prelúdio de uma terrível derrota.

{* Que obrigava os vassalos a servirem por apenas quarenta dias. }

Uma nova cruzada foi pregada na Alemanha e no norte da França; muitos aventureiros, treinados nas guerras da Alemanha e do Oriente, se juntaram ao novo exército. Todas as bênçãos temporais em uma bela região, e, finalmente, o céu, induzia um grande número de pessoas a assumir a cruz dos cruzados. Os arcebispos de Reims e Rouen, os bispos de Paris, Laon e Toul, todos estavam com eles, e Guilherme, arquidiácono de Paris, era o engenheiro chefe do exército. Os pobres e desencorajados albigenses, enquanto se aproximava tal miríade de exércitos, fugiram do campo aberto e buscaram refúgio entre os bosques e montanhas ou nas grandes cidades. Raimundo, sentindo sua própria fraqueza, buscou uma aliança com seu parente Dom Pedro, rei de Aragão, e o galante espanhol prometeu seu apoio; mas antes de se envolver na guerra, fez um apelo ao papa em favor de Raimundo.

Movido pelo apelo do rei e ficando com inveja do crescente poder de De Monforte, o papa, por um momento, pareceu disposto a alterar o rumo de sua política. Ele demonstrou seu descontentamento com os legados: "Eles", disse, "colocaram as mãos em territórios que nunca haviam sido poluídos com heresia". Portanto, ordenou a restituição das terras dos condes de Foix e Comminges e de Gastão de Beam, e também suspendeu suas indulgências aos cruzados. Mas toda essa aparência de justiça ou piedade provinha de um mero sentimento de inveja da mente do papa. Ele logo revogou todas as suas próprias concessões. As cartas de seus legados e inquisidores chegaram absolutamente furiosas -- "Arme-se, meu senhor papa, com o zelo de Fineias; aniquile Toulouse, essa Sodoma, essa Gomorra, com todos os desgraçados que nela há; que nem o tirano, o herege Raimundo, nem mesmo seu jovem filho, levantem suas cabeças, que já estão mais que meio esmagadas, então esmague-as até o final. A purificação de Languedoque não se completará até que a cidade de Toulouse seja arrasada e os cidadãos sejam cortados ao fio da espada. Se os Raimundos puderem erguer a cabeça, tomarão para si outros sete demônios piores que o primeiro. Que a sua sabedoria apostólica triunfe sobre esse mal; não retenha a sua mão desta obra santa e piedosa até que a serpente de nosso Moisés tenha engolido as serpentes desse Faraó; até que os jebuseus com todos os incircuncisos e impuros sejam dispersos, e seu povo se regozije na posse tranquila da terra da promessa."

As Barbáries de Simão e Arnaldo

Simão de Monforte, como senhor feudal do Viscondado de Béziers e Carcassona, foi obrigado, por seu mandato eclesiástico, a extirpar os hereges. Ele, portanto, continuou sua campanha; muitas cidades e castelos caíram em suas mãos, alguns pela força, outros pelo pânico. Na diocese de Albi, sede principal daquelas doutrinas condenadas, a guerra foi conduzida com a mais selvagem crueldade. Quando La Minerve, perto de Narbona, após uma defesa obstinada, se rendeu, alguém em cujo coração ainda restava uma centelha de humanidade propôs que fosse permitido que os vencidos fossem deixados livres caso desistissem de sua heresia; mas termos tão brandos foram contestados pelos monges impiedosos. "Os termos são fáceis demais", exclamaram, "viemos para extirpar hereges, não para lhes mostrar favor!" "Não tenhais medo", respondeu o abade em uma zombaria cruel, "não haverá muitos convertidos". E ele estava certo, mas não no sentido em que falava. Sua intenção era matar todos eles; mas a intenção dos albigenses, ou melhor, o firme propósito que tinham, era aceitar a morte em vez dos termos papais. Enquanto isso, os albigenses se reuniram para orar. O abade de Vaux-Cernay encontrou várias mulheres cristãs em uma casa, silenciosamente envolvidas em oração, e esperando o pior que poderia lhes acontecer. Elas não esperavam piedade desses "santos padres", e estavam preparadas para morrer. Ele também encontrou vários homens de joelhos em outra casa, aguardando pacificamente seu fim. O abade começou a pregar-lhes as doutrinas do papado, mas, em uma só voz, eles o interromperam, e todos exclamaram: "Não queremos nada da sua fé; renunciamos à igreja de Roma, seu trabalho é em vão, pois nem a morte nem a vida nos farão renunciar à verdade que possuímos". Pediu-se que De Monforte falasse com eles. Ele visitou homens e mulheres, ao todo cento e quarenta. "Convertam-se à fé católica", disse ele, "ou subam nessa fogueira". Ele já havia ordenado que uma enorme pilha de madeira seca fosse amontoada. Nenhum dos albigenses vacilou por sequer um momento. Eles negaram a supremacia do papa e a autoridade do sacerdócio; eles não possuíam qualquer cabeça (chefe) senão Cristo, e nenhuma autoridade além de Sua santa Palavra. Irritado de raiva pela constância e calma firmeza deles, ele ordenou que o fogo fosse aceso, e a pilha logo se tornou um monte de chamas. Os destemidos confessores do nome de Jesus, entregando suas almas em Suas mãos, correram voluntariamente para as chamas, como se subissem ao céu em uma carruagem de fogo.

Quando o castelo chamado Brau se rendeu, De Monforte arrancou os olhos de mais de cem dentre os defensores e vergonhosamente mutilou os demais, deixando um deles com um olho para que pudesse guiar o resto para fora. Disse o abade de Vaux-Cernay que o conde não se deleitava com tais coisas, "pois dentre todos os homens ele era o mais brando", mas fazia essas coisas porque desejava retaliar o inimigo. Tal foi o julgamento do monge historiador. Em Lavaur, a cidade do bom Roger Bernardo, conde de Foix, as barbáries superaram todas as precedentes, até mesmo as dessa terrível guerra. O conde é tido pelos valdenses como sendo um deles. "De todos os príncipes provinciais", diz Milman, "o conde de Foix era o mais poderoso e o mais detestado pela Igreja como favorecedor de hereges. Nesse caso, a acusação era mais uma honra do que uma calúnia. Ele era um homem profundamente religioso, o primeiro a elevar seu estandarte contra De Monforte, e foi um cavaleiro de valor, representando a fé cristã ". Por fim, a cidade caiu nas mãos dos sitiantes; um massacre geral foi permitido; homens, mulheres e crianças foram esquartejados, até que não restasse nada para matar, exceto alguns da guarnição e outros reservados para um destino mais cruel. Quatrocentos foram queimados em uma grande pilha, o que causou uma grande alegria no acampamento inimigo. E em meio a todo esse tumulto, em diabólica crueldade, os bispos e legados cantavam: "Vem, Espírito Santo". Foi aqui que o senhor Almerico, com oitenta nobres, foi levado diante de De Monforte, que ordenou que fossem enforcados, como já vimos. A piedosa dona Geralda também sofreu aqui, uma mulher de quem se diz: "Nenhum homem pobre jamais saiu de sua porta sem ser alimentado".*

{*Latin Christianity, vol. 4, p. 223; Gardner's Faiths of the World, "Albigenses."}

A Guerra Muda de Caráter

O conde Raimundo correu para Toulouse, e fez com que seu banimento e excomunhão, com os duros termos para sua absolvição, fosse lida publicamente em voz alta; os cidadãos ficaram indignados e declararam que prefeririam se submeter às condições mais extremas do que aceitar condições tão vergonhosas. À medida que as notícias se espalhavam de cidade em cidade, o mesmo entusiasmo prevaleceu em todos os seus domínios. O caráter da guerra tinha então mudado completamente. Era evidente para todos que os cruzados estavam determinados a conquistar as províncias com o objetivo de convertê-las em dependências da Sé de Roma; e as províncias estavam igualmente determinadas a resistir aos cruzados como sendo os maiores hipócritas, e a rejeitar a tirania cruel e usurpadora de Roma. Os propósitos professamente religiosos da cruzada se degeneraram em uma guerra de carnificina e pilhagem universal. A nação inteira ficou, assim, em estado de insurreição geral contra a igreja dominante, como se fosse um invasor estrangeiro.

A guerra foi então proclamada, mas os dois lados combatentes eram desiguais. Raimundo parece ter sido um monarca gentil e indolente, muito amado por seu povo, e ambicioso, exceto pelos prazeres e gratificações desta vida. Não há evidências de que ele fosse inclinado à religião albigense, e professava ser um verdadeiro católico romano. Por outro lado, Simão de Monforte, o grande general de Roma, foi considerado o líder militar mais ousado e hábil de seus dias, e o campeão jurado do papado. Ele era regular nos exercícios de sua religião e ouvia missas diariamente. "Mas", observou alguém, "mesmo com as melhores qualidades de Simão, foram combinados alguns dos vícios que não involuntariamente buscam sua santificação na alta profissão religiosa -- uma grande ambição, uma ousada falta de escrúpulos quanto aos meios de perseguir seus objetivos, uma indiferença implacável ao sofrimento humano e uma avidez excessiva e indisfarçada."* À frente de um novo exército de cruzados, para executar a sentença da igreja e ganhar o nobre prêmio dos domínios de Raimundo, ele marchou por aquela terra devota. Carnificina, estupros e as mais selvagens barbaridades, tais que não podem ser descritas, acompanharam todos os seus passos. Os hereges, ou os suspeitos de heresia, onde quer que fossem encontrados, foram obrigados pelo legado Arnaldo e De Monforte a subir em vastas fogueiras em chamas, enquanto os monges se divertiam com seus sofrimentos e zombavam dos gritos das mulheres em chamas.

{* J.C. Robertson, vol. 3, p. 351.}

Todo o país, à medida que o exército papal avançava, tornou-se o cenário das crueldades mais devassas: destruíram vinhas e plantações, queimaram aldeias e fazendas, massacraram camponeses, mulheres e crianças desarmados, espalharam a desolação por toda a terra e depois ainda falavam de seu zelo santificado pela religião. O povo, exasperado, revidou -- o que não é de se admirar -- e uma guerra selvagem foi travada dos dois lados, mas deixarei os detalhes para o historiador civil. Tendo colocado os reais motivos e objetivos do papa nesse ultraje sem paralelo contra a humanidade e a religião, da maneira mais clara que a brevidade permitiria, agora observaremos apenas alguns dos principais compromissos dessa grande luta, que a levaram a um fim, e que manifestam ainda mais plenamente o caráter de Simão e dos monges de Cister, sob a direção e sanção do pontífice.

Postagens populares