domingo, 20 de maio de 2018

A Concordata* de Worms

{* N. do T.: Concordata é uma convenção entre o Estado e a igreja acerca de assuntos religiosos de uma nação. }

O papa Calisto, embora fosse um defensor inflexível das reivindicações papais, vendo a ânsia geral por paz, deu instruções a seus legados para que convocassem um concílio geral com todos os bispos e clérigos da França e Alemanha em Mentz, com o propósito de que fosse levado em consideração o restabelecimento de uma concordância entre a Santa Sé e o Império. Quando tal celebrado tratado foi passado para o papel e tendo recebido o selo dourado do império, a assembleia foi suspensa de Mentz para um espaçoso prado perto da cidade de Worms. Ali, inúmeras multidões se reuniram para testemunhar a troca das cópias ratificadas do tratado que traria de volta a paz civil e religiosa a toda Europa. A cerimônia foi concluída, de acordo com os costumes da época, com uma missa solene e o entoar do Te Deum* pelo bispo-cardeal de Ostia, durante o qual o legado comunicou ao imperador e em nome do papa deu-lhe o beijo da paz.

{* Te Deum é um hino litúrgico católico atribuído a Santo Ambrósio e a Santo Agostinho. }

Esse tratado tem sido recebido desde aquele dia até hoje como a afirmação fundamental no que diz respeito aos direitos papais e imperiais. Tais eram suas estipulações:

"O imperador entrega a Deus, a São Pedro, e à igreja católica, o direito de investidura pelo Anel e pelo Báculo; ele concede ao clero por todo o império o direito à livre eleição; ele restaura à igreja de Roma, a todas as outras igrejas e nobres, a posse e soberanias feudais que foram apreendidas durante as guerras nos tempos de seu pai e nos seus próprios, aquelas em sua imediata posse, e promete sua influência a fim de obter restituição daquelas que não estão em sua posse. Ele concede paz ao papa e a todos os seus partidários, e se compromete a proteger, sempre que for convocado, a igreja de Roma em todas as coisas."

O papa concedeu, de sua parte, que todas as eleições de bispos e abades fossem realizadas na presença do imperador ou de seus comissários, desde que sem suborno e violência, com direito a apelo em casos de eleições contestadas aos bispos metropolitanos e provinciais. O bispo eleito na Alemanha deveria receber, pelo toque do cetro, todos os direitos seculares, os principados e as posses da Sé, com exceção daquelas sob domínio imediato da Sé Romana. O bispo também deveria cumprir fielmente com todos os deveres, assumidos com o imperador, incidentes a esses principados. Em todas as outras partes do império, os direitos do soberano deveriam ser concedidos ao bispo consagrado dentro de seis meses. O papa concede paz ao imperador e aos seus partidários, e promete ajuda e assistência em todos os assuntos legais."*

{*Milman, vol. 3, p. 320; Greenwood, book 11, p. 673.}

Assim acabou a disputa que tinha desgastado a Alemanha por uma guerra civil por cinquenta anos, e a Itália pelas mais desastrosas invasões. E uma momentânea reflexão sobre os ajustes durante a batalha e as ligeiras concessões feitas de cada lado mostram a terrível iniquidade daqueles que prolongaram a luta. Mas nem Calisto nem Henrique sobreviveram muito tempo após a Concordata de Worms. O papa morreu em 1124, e o imperador em 1125.

Não é necessário falar muito mais sobre os eventos desse século. As grandes características pelas quais foi marcado são as cruzadas e seus resultados, o que já examinamos. Mas pode ser interessante observar brevemente dois ou três homens notáveis que apareceram nessa época, cujos nomes são familiares entre nós até hoje, e cujas histórias nos conduzem aos segredos e profundidades do claustro. Além disso, aprendemos mais sobre o estado geral da religião, literatura e costumes a partir de tais histórias individuais do que de meras declarações abstratas.

domingo, 1 de abril de 2018

A Doação de Matilda

No ano de 1115, "a grande condessa" Matilde da Toscana morreu. Antes de sua morte, ela entregou à Sé romana suas vastas posses. Esta ação era inteiramente contrária à lei feudal, mas estava em total concordância com a lei pontifica. Assim, um novo assunto de conflito entre os papas e os imperadores surgiu dessa doação. Se o papa tivesse permissão de tomar posse pacificamente das propriedades dela, ele se tornaria como um rei na Itália. Mas, não obstante o quão devota a grande mulher fosse à igreja de Roma e sincera em sua doação, a ação era contrária à lei e nunca entrou em vigor completamente, embora tenha contribuído muito para com o poder secular dos papas. Mas não precisamos dar detalhes. O mundo estava se cansando da história dos papas e antipapas, com as facções, perjúrios e hipocrisias; do derramamento de sangue e devastação, que tinha durado mais de um século. "Todos os corações ansiavam por paz", disse alguém, e o amor pela guerra se extinguiu em ambos os lados; a chama da discórdia civil e religiosa, que foi acesa por Gregório e atiçada por seus sucessores, foi extinta em meio às inundações de calamidades. Após muito esforço, a paz foi ratificada entre os legados do papa e o imperador, no ano de 1122, nas condições que veremos a seguir.

Henrique V e os Sucessores de Gregório (1186 - 1122 d.C.)

Capítulo 21 - Roma (1106 - 1190 d.C.)


Apresentamos uma história consecutiva das Cruzadas, o que nos levou ao final do século XIII. Retornemos, agora, um pouco, ao ponto em que paramos, para reunirmos as linhas de nossa história geral.

As guerras longas e assoladoras ocasionadas pela disputa entre Gregório e Henrique quanto ao direito de investidura falharam completamente em trazer essa questão a qualquer acordo. Os sucessores de Gregório, profundamente imbuídos desse espírito, esforçaram-se, por todos os meios possíveis, para levar o esquema adiante. Por outro lado, o novo rei Henrique V estava igualmente determinado a se opôr às exigências papais, e também a recuperar tudo o que sua coroa tinha perdido para a tirania espiritual dos papas. Ele investiu bispos com o anel e o báculo, como seus ancestrais haviam feito, e obrigou o clero da Alemanha a consagrá-los. Anátemas e inúmeras excomunhões dos papas e concílios foram fulminados contra o imperador rebelde, mas ele pacificamente permitiu que assim procedessem. Assim continuou a disputa, embora com menos derramamento de sangue do que nos tempos de Gregório. 

domingo, 14 de janeiro de 2018

Os Cavaleiros Templários e Hospitalários

Podemos apenas tomar nota, antes de deixarmos o assunto, que durante essas guerras dos cristãos contra os muçulmanos, três celebradas ordens militares religiosas foram fundadas -- os Cavaleiros do Templo de Jerusalém, os Cavaleiros Hospitalários e os Cavaleiros Teutônicos. Os principais deveres desses cavaleiros, de acordo com seus fundadores, eram de proteger e ajudar os pobres, os doentes e os feridos dentre os peregrinos, e de providenciar, por todos os meios possíveis, para a defesa de Jerusalém e da Terra Santa. Eles logo tornaram-se extremamente populares. Muitos da nobreza da Europa aceitaram a cruz e professaram o voto dos cavaleiros da Palestina. A superstição os enriqueceu, e, mal precisamos acrescentar, também os corrompeu; e a riqueza deles despertou a avareza de outros. Após os cristãos terem perdido a posse da Terra Santa, esses cavaleiros foram dispersos por vários países. A ordem dos templários foi dissolvida pelo Concílio de Viena no século XIV, e a dos teutônicos no século XVII, pelas autoridades alemãs. Os hospitalários obtiveram de Carlos V a posse da ilha de Malta, e são hoje conhecidos como os Cavaleiros de Malta.*

{*Haydn's Dictionary of Dates.}

Reflexões sobre as Cruzadas

Muitas e variadas são as opiniões dos historiadores quanto à origem, caráter e efeitos das cruzadas. Mas que elas tiveram uma imensa influência no curso dos assuntos humanos, especialmente na Europa e na Ásia, isto todos concordam. Elas foram os meios, sob a providência de Deus, pelos quais foi modificada toda a estrutura da sociedade neste* e em outros países. Do servo ao soberano, todos experimentaram uma grande mudança. A condição social do servo e do vassalo aumentou, o número e poder dos senhores feudais diminuiu, e a força dos soberanos aumentou. Pelos mesmos meios o comércio melhorou muito, e os barões não foram nem um pouco empobrecidos. Muitos deles hipotecaram suas propriedades para cidadão ricos, o que, com o tempo, levou ao estabelecimento do terceiro estamento** no reino -- os comuns. As liberdades da Europa, tanto civis quanto religiosas, tiveram sua ascensão nessa classe social.

{* N. do T.: o autor vivia na Inglaterra. }

{** N. do T.: estamento é uma forma de estratificação social com camadas mais fechadas do que as classes sociais, e mais abertas do que as castas, ou seja, possui maior mobilidade social que no sistema de castas, e menor mobilidade social do que no sistema de classes sociais. Os estamentos caracterizaram a sociedade feudal durante a Idade Média. Fonte: Wikipédia. }

Mas o papado foi o principal beneficiado pelas cruzadas. Um vasto aumento de poder, influência e riqueza para o papa, o clero e as instituições monásticas, foi o resultado imediato. Tudo isto era o único grande objetivo da política papal. Aquilo pelo que Hildebrando lutava e via no horizonte, Urbano agarrou e usou com grande astúcia e poder. E essa supremacia ele obteve por meios aparentemente bons e santos, mas verdadeiramente muito sutis e satânicos. A teoria era esta: "o cruzado era o soldado da igreja, e a esta devia submissão acima de tudo, tendo o libertado de todas as outras submissões". Nunca houve uma teoria mais ampla, niveladora e injusta proposta à humanidade. Mas, em sua aparente piedade, encontra sua profunda sutileza.

Quando Urbano colocou-se à frente dos exércitos da fé em 1095, ele assumiu ser o diretor de seus movimentos, o dispenseiro de suas bênçãos, e seu infalível conselheiro e legislador. Ele pregou que esta não era uma guerra nacional da Itália, França ou Alemanha, contra o império do Egito, mas uma guerra santa de cristãos contra muçulmanos. Nenhum cristão deveria guerrear contra outro cristão, mas todos deveriam se unir em uma aliança santa contra um inimigo em comum -- os infiéis. Os privilégios prometidos a todos os soldados de Cristo eram grandes e muitos, como pode ser visto pelo discurso de Urbano. Eles foram assegurados da imediata remissão de todos os seus pecados, do paraíso de Deus, se caíssem na batalha, ou se morressem no caminho até a Terra Santa; e ainda, quanto a esta vida, o papa declarou que todas as obrigações temporais, civis e sociais seriam dissolvidas aos que tomassem a cruz. Assim, cada fio que ligava a sociedade foi quebrado, um novo princípio de obediência foi estabelecido, e o papa tornou-se o senhor feudal da humanidade.*

{* Milman, Latin Christianity, vol. 3, p. 242.}

A Cruzada das Crianças (1213 d.C.)

Entre a quinta e a sexta cruzada, por volta do ano 1213, a excitação e a loucura da época produziu uma cruzada de meras crianças. Um menino pastor chamado Estêvão, que vivia próximo a Vendôme na França, professou ter sido encarregado pelo Salvador em uma visão para pregar a cruz. Ele logo reuniu outras crianças em torno dele pelas suas maravilhosas revelações, e começaram sua jornada, esperando conquistar os infiéis cantando hinos e fazendo orações. Elas passaram por cidades e vilas, exibindo bandeiras e cruzes, e cantando: "Ó Senhor, ajuda-nos a recuperar Tua verdadeira e santa cruz". Um movimento similar teve origem na Alemanha quase na mesma época. É dito que os números aumentavam à medida que avançavam, até que cerca de noventa mil meninos, com cerca de dez ou doze anos de idade, estavam prontos para marchar para a Terra Santa. Mas o grupo todo em pouco tempo se desmanchou. Muitas das infelizes crianças morreram pela fome e fadiga; outros foram traídos por capitães de navios, que prometiam deixá-los nas costas da Palestina, mas que supostamente acabaram os vendendo como escravos. Tal era a insanidade daqueles tempos que, em vez de prevenir tal movimento, o papa declarou que o zelo manifestado pelas crianças deveria envergonhar a indiferença dos mais velhos.*

{* Robertson, vol. 3, p. 341.}

As Demais Cruzadas (1195 - 1270 d.C.)

A quarta cruzada, que foi iniciada em 1195 pelo imperador Henrique VI, foi mais política do que religiosa. Ela tinha em vista, não tanto a libertação da Terra Santa, mas sim a destruição do império grego. Mas após alguns combates bem-sucedidos, Henrique morreu, e os alemães resolveram voltar para casa. O papa Celestino III, que instou a expedição, viveu após a morte do imperador apenas alguns meses. Ele morreu em 1198 d.C.

Descrever a quinta e a sexta cruzada envolveria muita repetição, mas a sétima e oitava merecem algumas palavras.

Luís XI, rei da França, que é comumente conhecido pelo nome de São Luís, acreditava que tinha sido curado de uma doença grave pelos céus para realizar a recuperação da Terra Santa. Nada podia dissuadi-lo de realizar seu voto. Após quatro anos de preparação, ele navegou para o Chipre em 1249, acompanhado por sua rainha, seus três irmãos, e todos os cavaleiros da França. Após alguns sucessos emocionantes e a tomada de Damieta, ele foi derrotado e levado cativo juntamente com dois de seus irmãos. O Conde da Salisbúria, que o tinha acompanhado, com quase todos os seus seguidores ingleses, pereceram. A peste e a fome começaram a fazer o seu terrível trabalho entre os francos; a dificuldade aumentou; a frota foi destruída; e os sarracenos, em vastos números, pairavam em torno deles. A liberdade do rei foi, com o tempo, comprada por uma grande quantia e uma trégua foi conseguida para dez anos. Após visitar em segredo alguns dos lugares sagrados, ele voltou para a França. Mas em meio a todos os labores do governo em sua casa, o piedoso Luís nunca esqueceu seu voto de cruzada. Ele se assombrava com a ideia de que tinha sido confiado pelo céu para essa grande missão.

Por fim, em 14 de março de 1270 d.C., ele deu início a sua segunda e à oitava cruzada. Ele estava tão fraco que mal conseguia suportar sua armadura ou permanecer por muito tempo montado no cavalo. Mas mal ele chegou com seu exército nas costas da África, e então todas as suas visões otimistas se foram. As tropas do Sultão, o clima, a necessidade de água e comida, começaram a produzir seus tristes efeitos. Seu exército foi quase totalmente destruído, e o próprio Luís, com seu filho, João Tristão, faleceram no mês de agosto. Os sobreviventes retornaram à Europa; e assim terminaram essas guerras santas, deixando o declarado objetivo dos cruzados tão distante quanto antes dos dias de Pedro, o Eremita.

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