domingo, 4 de junho de 2017

O Aprendizado dos Árabes Importado para a Cristandade

O papa Silvestre II, que ocupava a cadeira de São Pedro quando nasceu a primeira manhã do século XI sobre a Europa, formou o elo entre a sabedoria e erudição dos árabes e a ignorância e credulidade dos romanos. Ele tinha estudado nas escolas muçulmanas na cidade real de Córdova, onde tinha adquirido muito conhecimento útil quanto a esta vida, os quais ele começou a ensinar e praticar em Roma. Mas tal era a sombria superstição do povo em geral que eles atribuíram suas grandes conquistas às artes mágicas, e acreditavam que tais poderes podiam apenas ser possuídos através de um pacto com o maligno. Por eras após o papa Silvestre ele foi lembrado com horror, como se o trono de São Pedro tivesse sido ocupado por um necromante. Mas à medida que o tempo passou e as trevas do século X ficavam cada vez mais para trás, ergueu-se uma raça de homens que eram distintos, não apenas por grandes realizações filosóficas, mas também pelo estudo das Sagradas Escrituras e pela devoção  ao progresso do cristianismo. Pessoas aprendendo a ler e a buscar o significado das palavras, naquele tempo, especialmente em conexão com os escritos sagrados, foram bênçãos para a humanidade. A superioridade do século XI sobre o século X deve ser atribuída principalmente às melhorias e avanços no aprendizado, como um meio nas mãos do Senhor para a bênção do povo.

Mas devemos nos ocupar com mais algumas palavras sobre Silvestre. Seria injusto deixar um homem tão importante e tão bom sob a escura sombra dos preconceitos do povo. Ele é mencionado pela história esclarecida e imparcial como o mais eminente prelado de sua época. Seu nome próprio era Gerbert. "De erudição sem igual, e de piedade irrepreensível, foi Gerbert de Ravena", diz Milman. Ele foi tutor, guia e amigo de Roberto, o filho e sucessor do rei Hugo Capeto, que, por uma grande mas silente revolução, foi levado ao trono da imbecil raça de Carlos Magno no ano 987. O pupilo real parece ter tirado proveito das instruções de Gerbert. Ele subiu ao trono da França por volta do ano 996, e reinou até o ano 1031. Ele foi um grande amigo do aprendizado e da erudição, morreu em lamentos e foi apelidado de "o Sábio". Em 998 Gerbert foi apontado como papa por Oto III, Imperador da Alemanha, quando tomou o nome de Silvestre II. Ele morreu em 22 de maio de 1003.

domingo, 28 de maio de 2017

O Reavivamento das Letras pelos Árabes

Encontramo-nos agora com um fenômeno um tanto curioso e inesperado na história da literatura durante essa Idade das Trevas, e embora possa não dizer respeito propriamente à linha de nossa história da igreja, é interessante e importante demais para ser ignorado. Os professos mestres da Cristandade estavam, nessa época, como é bem conhecido, mergulhados nas profundezas da ignorância. Mas descobrimos que os sarracenos tinham se levantado para ser os estudantes e os mestres da literatura nacional da Grécia. E este era o marcante estado das coisas no início do século XI.

Já vimos que no século VII os companheiros e sucessores de Maomé desolaram a face da terra com seus exércitos, e a obscureceu pela sua ignorância e pelos atos de barbárie atribuídas a eles -- tais como o incêndio da biblioteca de Alexandria, o que atestava seu desprezo pelo aprendizado, e a aversão pelos monumentos que destruíam. No século VIII eles parecem ter se estabelecido nos países que subjugaram e, com as vantagens de um clima mais agradável e um solo mais rico, começaram a estudar as ciências e os conhecimentos úteis. "No século IX", diz o decano Waddington, "sob o favor de um sábio e magnânimo califa, eles aplicaram o mesmo ardor pela busca de literatura que tinham até então pelos exércitos e armas. Amplas escolas foram fundadas nas principais cidades da Ásia, Bagdá, e Cufa, e Bassora; numerosas bibliotecas foram formadas com cuidado e diligência, e homens de erudição e ciência foram solicitamente convidados para a esplêndida corte de Almamunis. A Grécia, que tinha civilizado a república romana, e estava destinada, em eras posteriores, a iluminar as extremidades do Ocidente, foi então chamada a tornar o fluxo de seu conhecimento em direção ao seio estéril da Ásia; pois a Grécia ainda era a única terra que possuía uma literatura original. Suas produções mais nobres foram então traduzidas para a língua dominante do Oriente, e os árabes tiveram prazer em perseguir as especulações, ou a se submeter às regras, de sua filosofia.

"O impulso assim dado ao gênio e indústria da Ásia foi comunicado com inconcebível rapidez ao longo das margens do Egito e da África até as escolas de Sevilha e Córdova; e o choque não foi menos sentido por aqueles que o receberam por último. Dali em diante o gênio da erudição acompanhava até mesmo os exércitos dos sarracenos. Eles conquistaram a Sicília; desde a Sicília invadiram as províncias ao sul da Itália e, como que para completar a excêntrica revolução da literatura grega, a sabedoria de Pitágoras foi restaurada na terra de sua origem pelos descendentes dos guerreiros árabes."*

{* História, de Waddington, vol. 2, p. 44}

O Reavivamento da Literatura

O início do século XI não foi apenas famoso pela difusão de grande habilidade arquitetônica, mas também de energias renovadas da mente humana nos vários departamentos da aprendizagem. A longa, aborrecida e inquestionável crença de eras seria então perturbada por uma investigação livre e saudável.

A energia intelectual da Europa, dizem, esteve em condição de decadência gradual desde o século V até metade do século VIII, e embora a condição das ilhas britânicas e os trabalhos do venerável Beda possam parecer fornecer alguma exceção à regra geral, foi nesses tempos que a ignorância alcançou seus limites mais amplos e obscuros. Bede, como podemos observar de passagem, é referenciado como o homem que mais eminentemente merecia ser chamado de professor da Inglaterra. Ele nasceu no ano 673, na vila de Jarrow, na Nortúmbria; ele foi um monge e um padre, mas um homem muito devoto, laborioso e piedoso: a instrução aos jovens foi um dos grandes objetivos de sua vida, no qual perseverou até suas últimas horas: ele morreu em meio aos seus amados acadêmicos, em 26 de maio de 735.*

{* Neander, vol. 5, p. 197.}

O Espírito de Construção de Igrejas Reavivado

Capítulo 18: Europa (1000 d.C. - 1110 d.C.)


O início do século XI foi marcado por grande atividade na reparação e construção de igrejas*; e, se não fosse pelos muitos usos em que essas edifícios sacros foram aplicados pela população pobre, eles mal poderiam ser dignos de nota. Podemos razoavelmente supôr que, durante os últimos trinta ou quarenta anos, tenha havido pouca disposição para se engajar nessas obras. Mas quando a terrível noite se passou, e quando o primeiro dia do ano 1001 brilhou sobre o mundo, as esperanças de todas as nações reviveram. As mentes dos homens tinham alcançado, com o fim do século X, o ponto mais baixo; mas, à partir dessa data, uma manifesta melhoria era aparente: e a primeira atenção deles foi dada aos edifícios sagrados, por cujas virtudes, como acreditavam, o juízo foi afastado, e o favor do céu restaurado.

{*N. do T.: aqui no sentido de edifícios nos quais cristãos se reuniam, e não no sentido da igreja como corpo de Cristo ou como assembleia reunida somente ao nome do Senhor em uma localidade.}

Esse sentimento supersticioso foi, sem dúvida, o que levou a esses grandes esforços e resultados arquitetônicos que caracterizam esse período. Muitos deles ainda estão de pé para atestar a grandeza do plano e a solidez da obra. "As fundações eram largas e profundas, as paredes de imensa espessura, telhados íngremes e altos, para evitar a chuva e a neve... Altos pilares suportavam a abóbada elevada, em vez dos telhados planos dos dias passados. A grande torre quadrada, que tipificava resistência à agressão mundana, foi trocada pelo alto e gracioso pináculo, que apontava encorajadamente para o céu."*

{* Eighteen Christian Centuries (Dezoito Séculos Cristãos), por James White.}

Mas não devemos supôr que os usos e propósitos desses enormes edifícios eram meramente usados como lugares de adoração pública. A igreja da vila nos tempos medievais equivalia a vários edifícios separados em nossos dias. Era grande o bastante para permitir que a maior parte da população vagasse em seus corredores. As casas dos pobres eram, então, cabanas miseráveis, sem janelas, nas quais eles se retiravam para dormir. Mas o edifício vasto e bonito consagrado pela religião era a mansão do pobre, onde ele passava o seu tempo de lazer, e onde sentia que tudo aquilo pertencia a si mesmo. Era como a praça da cidade, o mercado, a sala de imprensa, a escola e o lugar de encontro de amigos, tudo em um lugar só. Nós, que vivemos nas confortáveis casas do século XIX*, não podemos ter nem ideia dos usos e conveniência de tais edifícios. Mas tudo tendia, como todo o resto naqueles tempos, a aumentar o poder do clero e a servidão do povo. Não só o santuário era santificado como também os padres tornaram-se glorificados, e, aos olhos do povo, possuíam muito mais dignidade do que os reis.

{* N. do .T.: O autor viveu no seculo XIX na Inglaterra.}

domingo, 7 de maio de 2017

O Ano do Terror

(Continuação da seção anterior)

Os cuidados comuns e afazeres da vida foram deixados de lado. A terra para o cultivo foi abandonada; pois, por que arar, por que semear, se ninguém seria deixado para colher? Foi permitido que casas caíssem  na deterioração; pois, por que construir, por que reparar, por que se incomodar com as propriedades, se daqui a alguns meses todas as coisas terrenas terão um fim? A história foi negligenciada; pois, para que relatar eventos, quando não se esperava que uma posteridade fosse ler os registros? O rico, o nobre, os príncipes, os bispos, abandonaram seus amigos e famílias e correram para as margens da Palestina, persuadidos de que o Monte Sião seria o trono de Cristo quando descesse para julgar o mundo. Grandes somas de dinheiro foram doadas às igrejas e monastérios, como se fossem assegurar uma sentença mais favorável do supremo Juiz. Reis e imperadores imploravam nas portas dos monastérios para serem admitidos como irmãos da ordem sagrada; multidões de pessoas comuns dormiam nas varandas dos edifícios sagrados, ou pelo menos sob suas sombras.

Mas, entretanto, as multidões deviam ser alimentadas. O último dia dos 1000 anos ainda não tinha chegado. Mas não havia comida, e o milho e o gado tinham se esgotado, e nenhuma provisão tinha sido feita para o futuro. As condições extremas mais terríveis foram suportadas, revoltantes demais para serem repetidas aqui. Mas o "dia da desgraça" se aproximava cada vez mais. A última noite dos 1000 anos chegou: uma noite sem sono em toda Europa! A imaginação é suficiente para pintar o doloroso quadro. Mas, em vez de alguma extraordinária convulsão, que todos esperavam trêmulos, a noite passou como todos as outras noites, e de manhã o sol lançou seus raios com a mesma tranquilidade de sempre.  As multidões espantadas, mas então aliviadas, começaram a voltar para suas casas, a repararem seus edifícios, a arar, a semear e a continuar com suas ocupações anteriores.

Assim terminaram os primeiros mil anos da história da igreja; o dia mais sombrio no reinado de Jezabel e nos anais da Cristandade.

O Suposto Fim do Mundo

Nenhum período na história da igreja, ou talvez em toda a história, ou em qualquer país, apresenta uma figura mais tenebrosa do que a Europa cristã ao final do século X. A degradação do papado, o estado corrupto da igreja do lado de dentro, e o número e o poder de seus inimigos do lado de fora, ameaçavam sua completa destruição. Além dos incrédulos islâmicos no Oriente e dos nórdicos pagãos no Ocidente, um novo inimigo -- os húngaros -- apareceram de repente sobre a Cristandade. Na linguagem forte da história, eles pareciam hordas de selvagens, ou bestas selvagens, soltos sobre a humanidade. Sua origem era desconhecida, mas seu número parecia inesgotável. O massacre indiscriminado parecia ser a única lei deles: a civilização e o cristianismo se secaram diante de sua marcha desoladora, e toda a humanidade estava em pânico.

Além dessas terríveis calamidades, fomes prevaleciam e traziam pragas e pestilência consigo. Supostamente, os mais alarmantes sinais eram vistos no sol e na lua. A predição de nosso Senhor parecia ter se cumprido. "E haverá sinais no sol, na lua e nas estrelas; e sobre a terra haverá angústia das nações em perplexidade pelo bramido do mar e das ondas. Os homens desfalecerão de terror, e pela expectação das coisas que sobrevirão ao mundo; porquanto os poderes do céu serão abalados". Mas, embora essas palavras descrevessem adequadamente o estado das coisas de então, a profecia estava longe de ser cumprida, como nosso Senhor imediatamente acrescenta: "Então verão vir o Filho do homem em uma nuvem, com poder e grande glória." (Lucas 21:25-27)

Mas, se alguma vez o homem pudesse ser perdoado pela ilusão de acreditar que o fim do mundo tinha chegado, foi nessa época. O clero pregava isso, e o povo acreditava, e isso logo se espalhou por toda a Europa. Foi ousadamente promulgado que o mundo chegaria a um fim quando expirassem os 1000 anos desde o nascimento do Salvador. Por volta do ano 960 o pânico aumentou, mas o ano 999 era tido como o último que qualquer um jamais viveria. Essa ilusão generalizada, por meio do poder de Satanás, foi fundamentada em uma total falta de entendimento e falsa interpretação da profecia referente ao reino milenial dos santos com Cristo por 1000 anos. "Bem-aventurado e santo é aquele que tem parte na primeira ressurreição; sobre estes não tem poder a segunda morte; mas serão sacerdotes de Deus e de Cristo, e reinarão com ele durante os mil anos." (Apocalipse 20:6)

Os Nórdicos

Se não acreditássemos que esses poderosos inimigos do cristianismo -- os nórdicos, ou piratas das regiões do Norte -- fossem instrumentos nas mãos de Deus para a punição da apóstata igreja de Roma, não estaria em nossos planos apresentá-los. Mas como eles aparecem como nada mais do que o juízo de Deus contra o completo mundanismo de todas as ordens do sacerdócio católico, vamos tomar uma breve nota.

Originalmente, eles vieram das margens do Báltico, na Dinamarca, Noruega e Suécia. Provavelmente eles era uma mistura dos godos, dinamarqueses, noruegos, suecos e frísios. Mas, embora compostos de tantas diferentes tribos, todos concordavam quanto ao mesmo objetivo principal -- saquear e matar. Seus pequenos reis e chefes eram piratas experientes, e os mais ousados que já infestaram os mares ou as margens da Cristandade Ocidental. Eles empurravam seus barcos leves rio acima até onde podiam ir, queimando, matando e saqueando onde quer que chegassem.

"Das margens do Báltico", diz Milman, "das ilhas escandinavas, dos golfos e lagos, suas frotas velejavam para onde a maré ou a tempestade os levassem. Eles pareciam desafiar, em suas embarcações mal formadas, o mais selvagem clima, a fim de poderem desembarcar nas margens mais inacessíveis, a fim de encontrar seu caminho até os riachos mais estreitos e os rios mais rasos. Nada estava seguro, nem mesmo no coração do país, da repentina aparição desses selvagens implacáveis". Eles foram chamados de "os árabes do mar", mas, diferente dos muçulmanos, eles não lutavam uma guerra religiosa. Eles eram pagãos ferozes, e seus deuses, assim como eles próprios, eram guerreiros e piratas. O saque, e não a propagação da fé, era o objetivo deles. O castelo ou o monastério, o senhor nobre, o bispo ou o monge, eram todos iguais aos seus olhos, desde que se pudesse obter um rico montante. As propriedades religiosas, especialmente na França, foram as que mais sofreram. A riqueza e a posição indefesa dos monastérios os tornavam os principais objetivos de ataque.

Um dia de retribuição tinha chegado. A mão de Deus pesava sobre aqueles que chamavam a si mesmos de Seu povo. Sua ira parecia queimar. A igreja tinha agora de pagar caro por sua grandeza e glória mundana. Tinha sido sua ambição por séculos, e Carlos Magno tinha elevado o clero a grande riqueza e honra mundana. Mas, mal eles sentaram em seus palácios e a maré de invasão bárbara começou a assolar o império e a depredar os edifícios religiosos. Quanto mais rica a abadia, mais tentadora a presa, e mais implacável era a espada do bárbaro. Ignorantes das diferentes ordens do clero, eles massacravam indiscriminadamente. Fogo e espada eram as armas que usavam ao longo de suas carreiras. "A França estava coberta de bispos e monges que fugiam de seus claustros arruinados, seus monastérios incendiados, suas igrejas desoladas, levando consigo as preciosas relíquias dos seus santos, e assim aprofundando o pânico universal, e pregando o desespero por onde quer que fossem."

A fim de obter paz com os normandos, que forçaram seu caminho até o rio Sena, e por dois anos sitiaram a cidade de Paris, Carlos, o Simples, da França, cedeu o ducado da Normandia ao líder deles, Rollo, em 905. Assim o pirata do Báltico abraçou a religião cristã, tornou-se o primeiro Duque da Normandia e um dos doze nobres associados da França. William, conquistador da Inglaterra em 1066, foi o sétimo Duque da Normandia.

A Inglaterra, assim como a França, foi muito assediada e desolada pelos nórdicos. A primeira descida, que foi severamente sentida, aconteceu por volta do ano 830. Desde aquele tempo essas invasões foram incessantes. E ali, assim como na França, encontraram o mais rico saqueio nos monastérios indefesos. Os santuários foram degradados com fogo e espada. Com o tempo, após a vitória conquistada por Alfredo sobre Guthrum em 878, um grande território foi cedido aos dinamarqueses no Leste da Inglaterra, sob a condição de que abraçassem o cristianismo e vivessem sob leis iguais com os habitantes nativos. Mas a paz assim obtida duraria apenas por um tempo.*

{*Robertson, vol. 2, p. 360}

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