domingo, 30 de abril de 2017

A Conversão das Nações do Norte

A disseminação do evangelho em direção às extremidades ao norte da Europa, durante os séculos IX e X, tem sido tão detalhada nas histórias gerais que faremos pouco mais do que nomear os principais lugares e os principais atores em conexão com a boa obra. Mas nos regozijamos em traçar os passos daqueles missionários abnegados, no próprio coração do reino [ou trono] de Satanás, onde por séculos ele já tinha reinado imperturbável. Já vimos que a espada de Carlos Magno tinha aberto o caminho para os frísios, os saxões, os hunos, e outras tribos.

Na primeira parte do reinado de seu filho Luís, o evangelho foi introduzido entre os dinamarqueses e suecos. Disputas quanto ao trono da Dinamarca entre Haroldo e Godofredo levaram Haroldo a buscar a proteção de Luís. O piedoso imperador pensou que isso poderia ser uma oportunidade conveniente para a introduzir o cristianismo entre os dinamarqueses. Ele, portanto, prometeu ajuda a Haroldo na condição de que ele próprio abraçasse o cristianismo e admitisse pregadores do evangelho em seu país. O rei aceitou os termos e foi batizado em Mentz, no ano 826 d.C., junto a sua rainha e uma numerosa comitiva de súditos. Luís apadrinhou Haroldo, a imperatriz apadrinhou sua rainha, e Lotário o seu filho; e padrinhos de classes adequados foram encontrados para os membros de sua comitiva. Assim cristianizados, como pensava-se naqueles dias, ele voltou para casa, levando consigo dois mestres do cristianismo. E, embora Haroldo não tenha conseguido recuperar seu reino, Luís designou-lhe um território na Frísia.

Ansgarius e Aubert, os dois monges franceses que o acompanharam, trabalharam com grande zelo e sucesso; mas Aubert, um monge de nobre nascimento, morreu dois anos depois entre os trabalhos de missionário.

O infatigável Ansgarius, na morte de seu companheiro, foi para a Suécia. Ele foi igualmente feliz e bem-sucedido em sua obra lá. Em 831, Luís recompensou seus grandes labores tornando-o arcebispo de Hamburgo e de todo o norte. Ele frequentemente encontrou grande oposição, mas comumente desarmava seus perseguidores pela bondade de suas intenções e pela retidão de sua conduta. Ele viveu até o ano 865, e trabalhou principalmente entre os dinamarqueses, os cimbrianos e os suecos.

Luís, o Piedoso

Não há dúvida de que Luís, apelidado de Piedoso, foi um cristão sincero e humilde. Mas nunca houve um homem em uma posição tão falsa como o manso e gentil Luís quando o império caiu em suas mãos. Ele viveu até o ano 840. Mas sua vida é uma das mais tocantes, trágicas e lamentáveis nos anais dos reis. Houve algo parecido com uma rebelião universal quando os princípios de seu governo se tornaram conhecidos. Ele era gentil e escrupuloso demais para seus soldados; piedoso demais para seu clero. Os bispos foram impedidos de usar a espada e armas, ou de andarem com esporas brilhantes em seus calcanhares. Os monges e freiras encontraram nele um segundo São Bento. A permissividade da corte de seu pai rapidamente desapareceu dos recintos sagrados de seu palácio; mas ele pegava muito leve na disciplina de seus filhos. Tal piedade verdadeira, como pode-se facilmente imaginar, acabou sendo considerada ridícula, e não poderia ser suportada por muito tempo. Ele foi abandonado por seus soldados, cujas riquezas deviam aos inimigos saqueados; seus filhos, Pepino, Luís e Lotário ficaram, mais de uma vez, contra ele. O clero, que deveria estar cercando o monarca caído com sua simpatia no dia da adversidade, apenas tomou ocasião para mostrar seu poder degradando-o às profundezas de um claustro; e, para dar uma aparência justa à injustiça deles, ele foi forçado pelos padres a confessar pecados dos quais ele era inteiramente inocente. Eles, juntamente ao seu filho rebelde, Lotário, um homem cruel, que temia sancionar a execução de seu pai, determinaram-se a incapacitar o rei por meio da degradação civil e eclesiástica para o exercício de sua autoridade real. Ele foi obrigado a fazer penitência pública pelos supostos crimes, e foi forçado a deitar sua armadura real e seu vestuário imperial no altar de São Sebastião, e a vestir um manto escuro de luto.*

{* Para detalhes, veja Cristianismo Latino, de Milman, vol. 2}

Mas o orgulho de seus nobres foi insultado por essa exibição da presunção eclesiástica, e a nação chorou pelo destino do bom e gentil imperador. Uma reação foi inevitável. Indignados pelo seu tratamento, o povo exigiu sua restauração. Ele foi tirado do monastério, re-vestido e restaurado, mas apenas para experimentar uma humilhação ainda mais profunda. Ele foi, com o tempo, resgatado, pela mão da misericórdia divina, da conduta estranha de seus filhos e da impiedosa perseguição do clero, que se importava apenas em exibir e estabelecer seu próprio poder. Pressionando um crucifixo sobre seu peito, seus olhos se ergueram para o céu, e respirando perdão ao seu filho Luís -- que estava, então, contra ele -- ele partiu desta vida para estar com Cristo, o que é muito melhor (Filipenses 1:23).

domingo, 23 de abril de 2017

O Despertar da Educação

Embora a ambição sanguinária e a vida dissoluta de Carlos Magno nos impeçam de pensar que ele era possuidor de qualquer princípio cristão, no entanto, é justo reconhecermos que ele foi usado por Deus para o avanço da educação em casa, e para a disseminação do cristianismo em outros países. Escolas foram erguidas, universidades foram fundadas, homens eruditos foram procurados na Itália, Inglaterra e Irlanda, visando elevar seus súditos a um nível moral, religioso e intelectual mais elevado. Próximo ao fim de seu longo reinado, ele estava cercado, em sua residência real em Aix-la-Chapelle, por homens letrados de todas as nações. Os estudiosos, gramáticos e filósofos da época eram recebidos no grande Sala de Audiência. Mas o principal entre esses era o monge anglo-saxão Alcuíno, um nativo da Nortúmbria, e tutor da família imperial.

Alcuíno foi o mais importante, tanto por sua erudição quanto pela extensão de seus trabalhos como um mestre entre os francos. Mas o que é ainda mais importante, ele parece ter tido alguns pensamentos corretos sobre o cristianismo. Ele frequentemente protestava com o imperador contra a imposição dos dízimos aos saxões recém-convertidos, e contra a administração compulsória e indiscriminada do batismo. "A instrução", diz ele, "sobre os grandes pontos da doutrina e prática cristã deve ser primeiramente dada, e então devem seguir-se os sacramentos. O batismo pode ser forçado aos homens, mas não a fé. O batismo recebido sem fé ou entendimento por uma pessoa capaz de raciocinar não passa de um lavagem do corpo sem proveito algum."*

{*Robertson, vol. 2, p. 131.}

Que refrigério para o espírito, e quão verdadeiramente gratos estamos em encontrar tais atos simples e honestos do grande imperador. Isto nos mostra que o Senhor tinha Suas testemunhas em todos os tempos e em todos os lugares. Tenhamos esperança de que ele possa ter sido usado pelo Senhor para a disseminação da verdade e para a benção de almas naqueles círculos superiores.

O fim do grande Carlos se aproximava. Embora ele tivesse se cercado com literatura, música e tudo o que pudesse agradar e gratificar todos os seus gostos e paixões; e embora -- dizem -- suas antecâmaras estivessem cheias com os monarcas caídos de territórios conquistados, aguardando para suplicar seu favor, ou buscando restauração de seus legítimos domínios; apesar de tudo isso, ele teve de ceder ao golpe do qual ninguém pode desviar. Ele morreu em 28 de janeiro de 814, na idade avançada de 72 anos, e após um longo reinado de 43 anos. Ele nomeou seu filho, Luís, como seu sucessor.

A Propagação do Cristianismo (Século IX)

Capítulo 17: Europa (814 d.C. - 1000 d.C.)


É realmente um grande alívio para a mente, tanto do escritor quanto do leitor, afastar-se das regiões sombrias e poluídas de Roma, e traçar, por um momento, a linha prateada da graça salvadora de Deus na disseminação do evangelho e na devoção de muitos de Seus servos. Ao mesmo tempo, não podemos esperar muito de Cristo, ou do que é chamado de um evangelho puro, no testemunho dos missionários nesse período. O estado da Europa em geral no século IX, comparado ao século XIX {*N. do T.: e também ao século XX e XXI}, deve ser considerado se quisermos que nossos corações se elevem a Deus em gratidão pelo dia das coisas pequenas.

A preferência dada aos escritos humanos sobre as Escrituras era, então, um hábito, pelo menos onde a influência de Roma prevalecia. Os paulicianos, provavelmente, e outros que estavam separados da comunhão de Roma, mantinham a autoridade da Palavra de Deus. Mas os missionários romanos eram instruídos e obrigados a cumprir as decisões dos pais [apostólicos]. Apelava-se constantemente aos cânones dos concílios e aos escritos dos grandes doutores, de modo que o volume sagrado (as Escrituras) fosse completamente esquecido. Muito antes desse período, a Palavra de Deus já vinha sendo tratada como obscura, confusa e inadequada para a leitura geral. E assim tem sido considerada pelos católicos desde aqueles dias até hoje. Ainda assim, Deus estava, e está, acima de tudo, subjugando tudo isso para Sua própria glória, para a disseminação do cristianismo, e para a salvação dos pecadores. "Todo o que o Pai me dá", disse Jesus, "virá a mim; e o que vem a mim de maneira nenhuma o lançarei fora", não importa o país, o período, a educação, ou a condição. (João 6:37)

domingo, 9 de abril de 2017

O Resumo de Mosheim

"No Oriente, desígnios sinistros, rancores, contendas e conflitos eram, em todos os lugares, predominantes. Em Constantinopla, ou Nova Roma, eram elevados à cadeira patriarcal aqueles que eram favoráveis à corte; e ao perderem esse favor, um decreto do imperador tirou-lhes de suas posições elevadas. No Ocidente, os bispos rodeavam as cortes dos príncipes, e se entregavam a toda espécie de voluptuosidade: enquanto o clero inferior e os monges eram sensuais e, pelos vícios mais grosseiros, corrompiam o povo a quem se destinavam a reformar. A ignorância do clero, em muitos lugares, era tão grande que poucos deles podiam ler ou escrever. Assim, sempre que uma carta devia ser escrita, or qualquer coisa de importância tivesse de ser firmada por escrito, recorria-se, geralmente, a algum indivíduo cuja fama lhe investia com uma certa destreza em tais assuntos...

"Os bispos e os chefes de monastérios detinham muitos bens imobiliários ou propriedade fundiária pela posse feudal; pelo que, quando uma guerra irrompia, eles eram convocados pessoalmente para o acampamento militar, atendidos por um número de soldados que eram obrigados a se apresentarem aos seus soberanos. Reis e príncipes, além de poderem recompensar seus servos e soldados por seus serviços, muitas vezes se apoderavam de propriedade consagrada, dando-as a seus dependentes; em consequência, os padres e monges, antes apoiados por eles, buscavam alívio para suas necessidades de cometer qualquer tipo de crimes e embustes inimagináveis.

"Poucos daqueles que foram elevados, nessa época, às mais altas posições na igreja, podem ser elogiados por sua sabedoria, erudição, virtude e outros dons adequados a um bispo. A maior parte deles, por seus numerosos vícios, e todos eles, por sua arrogância e cobiça de poder, ocasionaram desgraças às suas próprias memórias. Entre Leão IV, que morreu em 855 d.C., e Bento III, uma mulher que escondeu seu sexo e assumiu o nome de João, conta-se, abriu seu caminho ao trono pontifício por sua própria esperteza e engenhosidade, e governou a igreja por um tempo. Ela é comumente chamada de Papisa Joana. Durante os cinco séculos subsequentes as testemunhas desse evento extraordinário são inúmeras, mas nenhuma, antes da Reforma de Lutero, considerou isso como algo inacreditável ou vergonhoso para a igreja.

"Todos concordam que nesses dias sombrios o estado do cristianismo era, em todos os lugares, muito deplorável; não apenas pela incrível ignorância, a mãe da superstição e degradação moral, como também por outras causas... A ordem sagrada, tanto no Oriente quanto no Ocidente, era composta principalmente por homens analfabetos, estúpidos, ignorantes de tudo concernente à religião... O que os pontífices gregos eram é demonstrado pelo único exemplo de Teofilato que, como testificam historiadores confiáveis, fazia tráfico de tudo o que era sacro, e não ligava para nada que não fosse seus cachorros e cavalos. Mas, embora os patriarcas gregos fossem homens muito indignos, ainda assim possuíam mais dignidade e virtude do que os pontífices romanos. Um fato reconhecido por todos os melhores escritores, sem exceção até mesmo daqueles que advogam a autoridade papal, é que a história dos bispos romanos nesse século é uma história, não de homens, mas de monstros, uma história das mais atrozes vilanias e crimes.

"A essência da religião foi pensada, tanto pelos gregos como pelos latinos, de modo a consistir na adoração de imagens,  em honrar os santos que partiram, em buscar por e preservar relíquias e em enriquecer padres e monges. Dificilmente um indivíduo se aventurava a se aproximar de Deus antes do assunto de interesse ter sido devidamente buscado por meio de imagens e santos. Todo o mundo estava insanamente ocupado em juntar relíquias e procurá-las."*

{* História, de Mosheim, vol. 2, p. 184 & 272.}

Nada mais, pensamos, precisa ser dito, no momento, quanto à natureza -- raiz e ramos -- do sistema papal. Pela boca de pelo menos três testemunhas competentes, tudo o que foi dito de Roma, desde o início do período de Tiatira, foi confirmado. E não foi dito nem metade, especialmente sobre o assunto da imoralidade. Não poderíamos transferir para nossas páginas a devassidão dos padres e monges. Alguns pensam que o papado caiu no ponto mais profundo de degradação nos séculos IX e X. Por muitos anos a mitra papal foi usada livremente pela infame Teodora e suas duas filhas, Marózia e Teodora. Tal era seu poder e sua influência maligna, por meio de suas vidas licenciosas, que colocavam na cadeira de São Pedro quem elas queriam -- homens ímpios como elas próprias. Nossas páginas seriam contaminadas por um relato de suas abertas e descaradas imoralidades. Tal foi a sucessão papal. Certamente Jezabel foi realmente representada por essas mulheres, e na influência que obtiveram sobre os papas e sobre a cidade de Roma. Mas, infelizmente, Jezabel, com todas as suas associações, corrupções, tiranias, idolatrias e usos da espada civil, foi muito fielmente representada pelo papado desde sua própria fundação.

Os Fundamentos e o Edifício do Papado

Tais, infelizmente, foram os fundamentos do grande edifício papal. E não estamos errados em sofrer vendo eles serem estabelecidos. Se fôssemos caracterizar as pedras de fundação separadamente, poderíamos nos referir a elas como as mais extravagantes pretensões, a mais insultante arrogância, as mais descaradas falsificações, o mais abertamente confessado -- e até mesmo desafiador da morte -- amor à idolatria, a mais inescrupulosa apropriação de território roubado, o mais implacável espírito de perseguição, e, o que pode ser dito como a pedra (assim como a fundação) mais elevada: o mais desordenado amor pela soberania secular. Mas se olharmos dentro da casa, o que encontramos ali? É cheia de blasfêmias, os piores tipos de corrupções, e concentração de todas as atrações para a carne (Ap 18:12,13). As próprias essências do cristianismo -- tais como o sacrifício, o ministério e o sacerdócio -- ou foram corrompidas ou rejeitadas. A obra consumada de Cristo foi substituída pela missa; o ministério do Espírito de Deus pelo ensino dogmático da igreja; e o comum sacerdócio de todos os crentes, e sim, até mesmo o sacerdócio do Próprio Cristo, foi substituído pelo grande sistema eclesiástico do sacerdócio, ou melhor, pelo poder sacerdotal.

A Ceia do Senhor foi gradualmente modificada, da simples lembrança de Seu amor e anúncio de Sua morte para a ideia de um sacrifício. Muitas superstições foram praticadas com o pão consagrado, ou melhor, as hóstias*. Supunha-se que esse "sacrifício" servia tanto para os vivos quanto para os mortos; daí a prática de dar a hóstia aos mortos e enterrá-la com eles. A destrutiva doutrina do purgatório, que tinha sido sancionada por Gregório, o Grande, então se espalhou por toda a parte. Parece ter criado raízes especialmente na igreja inglesa antes do século IX. Mas o engano é manifesto, pois não há purgatório senão o sangue de Jesus Cristo, o Filho de Deus; como disse o apóstolo João: "O sangue de Jesus Cristo, seu Filho, nos purifica de todo o pecado" (1 João 1:7). Graças a Deus, não há limite para o poder purificador {N. do T.: "purgatório" significa "purificador") do sangue de Jesus, Seu Filho. Todos os que têm fé nesse sangue são mais alvos que a neve -- perfeitamente preparados para a presença de Deus. Mas a doutrina do purgatório atinge a própria raiz dessa verdade fundamental, e tornou-se um poderoso instrumento nas mãos dos padres para extorquir dinheiro dos moribundos, e para assegurar grandes legados à igreja; mas quase tudo era, então, feito em subordinação a esses objetivos básicos. A verdade de Deus, a obra de Cristo, o caráter da igreja, as almas e corpos dos homens, foi tudo prontamente sacrificado para o engrandecimento da Sé de Roma, e para o engrandecimento do clero em subordinação ao sistema papal.

{*N. do T.: hóstia significa "vítima expiatória", e traz a ideia de que Cristo é sacrificado novamente em cada missa, anulando a consumada obra expiatória de Cristo, "feita uma vez" (Hebreus 10:10). }

As vidas ímpias daqueles a quem foi confiado o governo da igreja e o cuidado pelas almas são também questões de amarga queixa de todos os historiadores honestos, tanto daqueles tempos como dos atuais. Mas aqui pode ser interessante introduzir um historiador que é bom em relatos -- Mosheim -- como uma testemunha e confirmação do que temos dito sobre esse período.

A Ignorância e Credulidade da Época

Tão profunda era a ignorância e credulidade daqueles tempos que as mais absurdas fábulas eram recebidas com grande reverência por todas as classes. Os astutos padres sabiam como vestir suas fraudes religiosas com a mais especiosa piedade, e como cegar tanto o rei como o povo. De acordo com a lenda, Constantino foi curado da lepra pelo papa Silvestre; e assim, o imperador, repleto de gratidão, renunciou, em favor do papa, a livre e perpétua soberania de Roma, da Itália, e das províncias do Ocidente; e resolver fundar uma nova capital para si mesmo no Oriente [Constantinopla].

O objetivo de Adriano em forjar tal escritura, e em escrever tal carta, foi, sem dúvida, influenciar Carlos Magno para que imitasse a alegada liberalidade de seu grande predecessor. Se ele meramente desse ao papa a posse da dita doação de Constantino, ele estaria apenas agindo como o executor da escritura; se ele aspirasse ser um benfeitor espontâneo da igreja, ele deveria ir além dos limites da escritura de doação original. Mas ainda não sondamos as profundezas dessa falsificação. Ela serviu para provar que: (1) os imperadores gregos, por todos esses séculos, eram culpados de usurpação e de roubar o patrimônio de São Pedro; (2) que era justificável que os papas se apropriassem de seu território e se rebelassem contra a autoridade imperial; (3) que as doações de Pepino e Carlos Magno eram nada mais que a restituição de uma pequena porção dos justos e legítimos domínios originalmente concedidos à cadeira de São Pedro; e (4) que ele, Carlos Magno, deveria considerar-se como devedor de Deus e de Sua igreja enquanto um único item dessa dívida inalienável permanecesse sem ser paga.

Tais eram alguns dos convenientes efeitos do documento para os propósitos de Adriano na época; mas, embora possa ter sido produtivo de grandes vantagens ao papado, tanto então como depois, a falsificação há muito foi exposta. Com a restauração das cartas e da liberdade, a escritura fictícia foi condenada, assim como seus Falsos Decretos -- a mais audaciosa e elaborada de todas as fraudes religiosas. Falando nos Decretos, Milman observa: "Eles são então abandonados por todos; nenhuma voz é erguida em seu favor; o máximo que é feito por aqueles que não podem suprimir todos os lamentos por sua exposição é aliviar a culpa do falsificador, questionar ou enfraquecer a influência que eles tiveram em seus próprios dias e por toda a história posterior do cristianismo."*

{* Milman, vol. 2, p. 375; Greenwood, livro 6, capítulo 3, p. 82.}

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