domingo, 15 de janeiro de 2017

Um Espírito de Mentira na Boca do Papado

Após lermos cuidadosamente essas antigas epístolas (ver seção anterior), é impossível acreditar que Gregório podia ser tão ignorante a ponto de afirmar tantas coisas a Leão em favor da adoração de imagens que eram certamente falsas: somos mais inclinados a acreditar que ele sabia que eram falsas, mas que apostou na ignorância do imperador. "Dizes", continuou Gregório, "que somos proibidos de venerar coisas feitas pelos mãos dos homens. Mas és uma pessoa iletrada, e deveria, portanto, ter perguntado aos seus eruditos prelados o verdadeiro significado do mandamento. Se não fosses obstinado e intencionalmente ignorante teria aprendido deles que teus atos estão em direta contradição com o testemunho unânime de todos os pais e doutores da igreja, e em particular repugnante à autoridade dos seus concílios gerais". Tão flagrantemente falsas são essas afirmações que podemos apenas nos perguntar como qualquer pessoa poderia ter coragem de escrevê-las como se fossem verdade, especialmente o mais elevado eclesiástico da Cristandade. Mas isto prova que houve, desde o início, um espírito de mentira na boca do papado, assim como houve nos profetas de Baal (1 Reis 22:23). Até mesmo Greenwood {*N. do T.: o historiador} diz: "Em nenhum dos concílios gerais uma palavra sequer sobre adoração de imagens ocorre. A afirmação quanto ao testemunho unânime dos pais é igualmente falha. Com a exceção das obras de Gregório, o Grande, não encontrei nenhuma menção à prática da adoração de imagens nos pais dos seis primeiros séculos da era cristã."*

{* Cathedra Petri, de Greenwood, vol. 3, p. 476.}

Mas o espírito de mentira continua dizendo que a aparência visível de Cristo na carne causou tal impressão nas mentes dos discípulos que "assim que eles lançaram os olhos sobre Ele, apressaram-se em fazer retratos dEle, e os carregavam consigo, exibindo-os por todo o mundo, para que ao vê-los os homens pudessem ser convertidos da adoração de Satanás para o serviço de Cristo -- porém só poderiam adorar as imagens, não com adoração absoluta, mas apenas com uma veneração relativa". Do mesmo modo, o papa assegurou a Leão que "pinturas e imagens tinham sido tomadas de Tiago, o irmão do Senhor, de Estêvão, e de outros santos notáveis. E tendo assim feito, ele os dispersou por cada parte da terra para o aumento manifesto da causa do evangelho."

Por uma estranha perversão ou confusão quanto aos fatos bíblicos, o papa compara o imperador ao "ímpio Uzias que", diz ele, "sacrilegamente removeu a serpente de bronze que Moisés tinha erguido, e a quebrou em pedaços". Aqui podemos dar ao papa o benefício da ignorância. Era menos provável que ele conhecesse sua Bíblia do que os seis concílios gerais. Ele parece ter tido alguma lembrança confusa sobre a história de Uzá, a quem o Senhor feriu por ter estendido a mão para segurar a arca quando os bois tropeçaram, e do ato de Ezequias, que quebrou em pedaços a serpente de bronze expressamente para prevenir que o povo pagasse homenagem divina (i.e. idolatrassem) a ela (1 Crônicas 13:9; 2 Reis 18:4). "Uzias", diz ele, embora fosse na verdade Ezequias -- "Uzias verdadeiramente era teu irmão, obstinado e, como tu, ousava fazer violência aos sacerdotes de Deus". Pode-se então perguntar: o que as crianças de nossas escolas diriam ao papa que confundiu o bom rei Ezequias por um rei perverso, e seu ato de destruição da serpente de bronze por um ato de impiedade? Do mesmo modo podemos esperar que jogassem suas tábuas de escrever na cabeça de Gregório, assim como na de Leão (veja a seção anterior). Mas foi dito o suficiente sobre esse ponto para mostrar ao leitor qual era o espírito e caráter do papado desde sua própria fundação. Sempre foi um sistema descarado, mentiroso e idólatra, embora incontáveis números de santos de Deus tivessem estado nele durante seus mais tenebrosos períodos. O Nome salvador de Jesus sempre manteve-se em meio aos mais grosseiros absurdos e idolatrias, e qualquer que crê nesse Nome certamente será salvo. O dedo da fé que toca mesmo que somente a bainha de Sua veste, mesmo pressionado em meio a uma multidão de idólatras, abre as fontes eternas de todas as virtudes curadoras, e a própria fonte da doença é imediatamente extinta. E qualquer que seja a pressão ou trono Ele olhará ao redor para ver aquele que tocou nEle pela fé, e comunicará paz à alma atribulada (Marcos 5:25-34).  

O Papa Rejeita os Decretos de Leão

A inteligência do primeiro assalto de Leão III contra as imagens de Constantinopla encheu os italianos de dor e indignação; mas quando as ordens chegaram para forçar esses decretos fatais dentro das dependências italianas do império, todos levantaram seus braços contra isso, desde os maiores até os menores. O papa se recusou a obedecer as ordens e desafiou o imperador; e todo o povo jurou viver e morrer em defesa do papa e das imagens sagradas. Mas a complicação política dos assuntos naquele momento tornou impossível para o imperador forçar seus decretos nos domínios papais. Gregório se dirigiu ao imperador com grande tensão; o tom de sua resposta ao manifesto imperial respira um espírito do mais sedicioso desafio. Os monges, que viam seu ofício em perigo -- a superstição à qual deviam sua riqueza e influência -- pregavam contra o imperador como a um apóstata abandonado. Ele foi pintado por esses escravos da idolatria como alguém que combinava em sua pessoa todas as heresias que já haviam poluído a fé cristã e que ameaçavam as almas dos homens. Mas, exibindo o verdadeiro espírito do papado, tanto na defesa de sua querida superstição e idolatria, quanto em seu desafio ao poder secular, transcreveremos partes das epístolas originais do segundo e terceiro Gregório, deixando ao leitor que examine o quadro.

O papa Gregório II disse ao imperador: "Durante dez puros e afortunados anos temos provado os confortos anuais de tuas cartas reais, assinadas em tinta púrpura por tua própria mão, nas quais pudemos ver as sagradas promessas de teu apego ao credo ortodoxo de teus pais. Que deplorável mudança! Que tremendo escândalo! Tu agora acusas os católicos de idolatria; e pela acusação, trais tua própria impiedade e ignorância. A esta ignorância somos obrigados a adaptar a descortesia de nosso estilo e argumentos: os primeiros elementos das cartas sagradas são suficientes para tua confusão; e, se o imperador entrasse em uma escola de gramática e se declarasse o inimigo de nossa adoração, as simples e piedosas crianças lançariam suas tábuas de escrever em tua cabeça." 

Após essa desleal e ofensiva saudação, o papa tenta, como de costume, defender a adoração de imagens. Ele se esforça para provar a Leão a vasta diferença entre imagens cristãs e ídolos da antiguidade. Os últimos eram a representação fantasiosa de demônios, e as primeiras seriam a semelhança genuína de Cristo, de Sua mãe e de Seus santos. Ele então apela para as decorações no templo judaico -- o propiciatório, os querubins e os vários ornamentos feitos por Bezalel para a glória de Deus -- a fim de justificar o culto às imagens. Apenas os ídolos dos gentios, afirma ele, eram proibidos pela lei judaica. Ele nega que os católicos adoravam a madeira e a pedra: estes seriam apenas memoriais destinados a despertar sentimentos de piedade.

Ao falar de sua própria edificação ao contemplar as pinturas e imagens nas igrejas*, temos uma passagem de grande interesse histórico que mostra os temas habituais dessas pinturas: "O retrato miraculoso de Cristo enviado por Abgaro, rei de Edessa; as pinturas dos milagres do Senhor; a virgem mãe com o menino Jesus em seu colo, cercada por coros de anjos; a última ceia; a ressurreição de Lázaro; o milagre que deu vista ao cego; a cura do paralítico e do leproso; a alimentação das multidões no deserto; a transfiguração; a crucificação, sepultamento, ressurreição e ascensão de Cristo; o dom do Espírito Santo; e o sacrifício de Isaque."*

{* Cristianismo Latino, de Milman, vol. 2, p. 160.}


Gregório aborda longamente os argumentos comuns em defesa das imagens, e reprova o imperador pela violação dos mais solenes compromissos, e então irrompe em um tom desdenhoso, tal como: "Tu exiges um concílio: revogue teus decretos, cesse a destruição de imagens; um concílio não será necessário. Tu nos atacas, ó tirano, com um grupo carnal e militar: desarmado e nu só podes implorar a Cristo, o príncipe das hostes celestiais, pois Ele enviará a ti um demônio para a destruição de teu corpo e salvação de tua alma. Tu declaras, com tola arrogância: 'Despacharei minhas ordens a Roma, quebrarei em pedaços a imagem de São Pedro; e Gregório, como seu predecessor Martinho, será transportado em correntes, e em exílio, aos pés do trono imperial'. Quisera Deus que me fosse permitido pisar as pegadas do santo Martinho; mas que o destino de Constâncio possa servir de alerta aos perseguidores da igreja. Mas é nosso dever viver para a edificação e apoio ao povo fiel; e também não iremos arriscar nossa segurança no evento de um combate. Incapaz como és de defender teus súditos romanos, a situação marítima da cidade pode talvez expô-la a tuas depredações; mas só temos de nos retirar à primeira fortaleza dos lombardos, e então poderás, do mesmo modo, perseguir os ventos. Ignora tu que os papas são o vínculo de união, os mediadores da paz entre o Oriente e o Ocidente? Os olhos das nações estão fixados em nossa humildade; e elas reverenciam, como um Deus sobre a terra, o apóstolo São Pedro, cuja imagem tu ameaças destruir." 

{* N. do T.: aqui no sentido de edifícios onde cristãos se reuniam, e não no sentido bíblico do corpo de Cristo, composto por todos os verdadeiros crentes em Jesus, ou de uma assembleia reunida somente ao nome do Senhor.}


A conclusão da carta do papa evidentemente se refere a seus novos aliados além dos Alpes. Os francos tinham escutado obedientemente à recomendação papal de Bonifácio, o "apóstolo" da Alemanha. Negociações secretas já tinham começado para garantir a ajuda deles. A história e os resultados disso já examinamos em um capítulo anterior. Por isso o papa assegurou ao seu correspondente real que "os reinos remotos e interiores do Ocidente apresentam sua homenagem a Cristo e a Seu vice-gerente: e agora nos preparamos para visitar um dos mais poderosos monarcas, que deseja receber de nossas mãos o sacramento do batismo. Os bárbaros se submeteram ao jugo do evangelho, enquanto tu, sozinho, estás surdo à voz do Pastor. Esses piedosos bárbaros se acendem de raiva, têm sede de vingar as perseguições do Oriente. Abandona tua empreitada precipitada e fatal; reflita, trema e arrepende-te. Se persistires, somos inocentes do sangue que será derramado nessa disputa; que ele caia sobre tua cabeça."*

{* Veja Cathedra Petri, de Greenwood, vol. 3.}

domingo, 8 de janeiro de 2017

O Segundo Decreto é Publicado

O segundo decreto era tão avassalador que os oficiais do império, conta-se, foram até mesmo além de suas ordens. As mais sacras estátuas e imagens foram, em todo lugar, impiedosamente quebradas, rasgadas em pedaços, ou publicamente lançadas nas chamas debaixo dos olhos dos enfurecidos adoradores. "Correndo risco de morte", diz Greenwood, "homens, mulheres e até crianças correram para a defesa dos objetos como se fossem tão queridos para eles como a própria vida. Eles atacavam e matavam os oficiais do império envolvidos na obra de destruição; estes, apoiados pelas tropas regulares, retaliavam com igual ferocidade; e as ruas da metrópole exibiam tal cena de indignação e abate como só pode ser proveniente de paixões religiosas envenenadas. Os líderes do tumulto foram, a maior parte, condenados à morte no local; as prisões se encheram totalmente; e multidões, após sofrerem várias punições corporais, foram transportadas a lugares de exílio".*

{* Cathedra Petri, de Greenwood, vol. 3, p. 474}

O populacho ficou então excitado à fúria; mesmo a presença do imperador não os intimidava. Os oficiais do império tinham ordens de destruir uma estátua do Salvador que ficava sobre o Portão de Bronze do palácio imperial, e que era conhecida pelo nome de Segurança. Esta imagem era famosa por seus milagres, e recebia grande veneração do povo. Multidões de mulheres de reuniram em torno do lugar e ansiosamente suplicaram ao soldado que poupasse sua imagem favorita. Mas ele subiu na escada, e com seu machado atingiu o rosto que elas tão frequentemente contemplavam, e que, pensavam elas, benignamente olhava para elas. Os céus não interferiram, como esperavam; mas as mulheres tomaram a escada, derrubaram o ímpio oficial, e o cortaram em pedaços. O imperador enviou uma guarda armada para suprimir o tumulto; a multidão se uniu às mulheres e um assustador massacre se sucedeu. "A Segurança" tinha sido derrubada, e seu lugar foi preenchido com uma inscrição na qual o imperador dava vazão a sua inimizade contra as imagens.*

{* J. C. Robertson, vol. 2, p. 83; Milman, vol. 2, p. 156.}

A execução das ordens imperiais foram rejeitadas em todos os lugares, tanto na capital quanto nas províncias; o entusiasmo popular era tão grande que só poderia ser debelada pelos mais fortes esforços do poder civil e militar. Paixões se acendiam dos dois lados, que naturalmente resultaram na mais ousada rebelião e na mais violenta perseguição.

As Tentativas de Leão de Abolir a Adoração de Imagens (por volta de 726 d.C.)

O imperador Leão III, de sobrenome Isáurico, um príncipe de grandes habilidades, teve a ousadia de empreender, em face de tantas dificuldades, a purificação da igreja de seus detestáveis ídolos. Como os escritos do partido vencido foram cuidadosamente suprimidos ou destruídos, a história é silente quanto aos motivos do imperador: mas estamos dispostos a acreditar que o novo credo e o sucesso de Maomé influenciaram muito Leão. Além disso, havia um sentimento bastante generalizado entre os cristãos no Oriente de que a crescente idolatria da igreja era o que tinha trazido sobre eles o castigo de Deus pela invasão maometana. Os cristãos constantemente ouviam tanto dos judeus quanto dos islâmicos o odioso nome dos idólatras. A grande controvérsia evidentemente surgiu a partir dessas circunstâncias.

Leão subiu ao trono do Oriente no ano 717 e, após assegurar o império contra os inimigos estrangeiros, começou a se preocupar com os assuntos religiosos. Ele em vão pensou que podia mudar e melhorar a religião de seus súditos por seu próprio comando imperial. Por volta do ano 726, ele emitiu um decreto contra o uso supersticioso de imagens -- não sua destruição. Não podemos supôr que Isáurico estava agindo por temor ao verdadeiro Deus, mas sim que seus motivos eram puramente egoístas. Sendo chefe do império e ainda ostensivamente o chefe da igreja, ele sem dúvidas pensou que por seus decretos poderia cumprir a abolição total e simultânea da idolatria por todo o império, e estabelecer uma autocracia eclesiástica. Mas Leão superestimou demais seu poder secular nos assuntos espirituais. Havia passado o tempo de decretos imperiais mudarem a religião do império. Ele ainda tinha que aprender, para sua profunda mortificação, o desdenhoso, insolente e arrogante orgulho e poder dos pontífices, e o apego religioso do povo a suas imagens.

O primeiro decreto meramente interditou a adoração de imagens, e ordenou que fossem removidos a tal ponto que não poderiam ser tocados ou beijados. Mas o momento que a ímpia mão do imperador tocou nos ídolos, a excitação foi imensa e universal. A proibição afetou todas as classes: instruídos e não instruídos, sacerdotes e camponeses, monges e soldados, clérigos e leigos, homens, mulheres, e até crianças, se envolveram nessa nova agitação. O efeito do decreto imediatamente ocasionou uma guerra civil tanto no Oriente quanto no Ocidente. A influência dos monges foi especialmente forte. Eles arranjaram um novo pretendente ao trono, armaram a multidão e apareceram em uma frota mal equipada perante Constantinopla. Mas o fogo grego desbaratou os assaltantes desordenados; os líderes foram presos e condenados à morte. Leão, provocado pela resistência que seu decreto tinha encontrado, emitiu um segundo e mais rigoroso decreto. Ele agora ordenava a destruição de todas as imagens, e o branqueamento de todas as paredes nas quais tais coisas tinham sido pintadas.

O Primeiro Objeto Visível de Veneração Cristã

Por mais de trezentos anos após a primeira publicação do evangelho há boas razões para crer que nem imagens nem qualquer outros objetos visíveis de reverência religiosa eram admitidos no serviço público das igrejas, ou adotados nos exercícios de devoção privada. Provavelmente tal coisa nunca tinha sido pensada pelos cristãos antes dos dias de Constantino; e podemos apenas considerá-la como um dos primeiros frutos da união da igreja com o Estado. Até esse período o grande protesto dos cristãos era contra a idolatria dos pagãos: e por isto eles sofreram até a morte. E não é pouco notável que a imperatriz Helena, a mãe de Constantino, foi a primeira a excitar a mente cristã a esta degradante superstição. Conta-se que ela, em seu zelo por lugares religiosos, tenha descoberto e desenterrado a madeira da "verdadeira cruz". Isto foi o suficiente para o propósito do inimigo. A predileção da natureza humana por objetos de veneração se acendeu; a chama se espalhou rapidamente; e seguiu-se a usual consequência -- a idolatria.

Memoriais similares do Salvador, da Virgem Maria, dos Apóstolos inspirados, e dos "Pais da Igreja", foram também "encontrados". As relíquias mais sagradas que estavam escondidas por séculos eram então descobertas por visões. Tão grande e tão bem-sucedida foi a ilusão do inimigo que toda a igreja caiu na armadilha. Da época de Constantino até a época da invasão árabe, a veneração por imagens, pinturas e relíquias gradualmente aumentou. A reverência pelas relíquias era mais característica dos ocidentais, e a reverência por imagens das igrejas orientais. Mas, a partir da época de Gregório, o Grande, o sentimento do Ocidente se tornou mais favorável às imagens. Em consequência da decadência quase total da literatura, tanto entre o clero quanto entre os leigos, o uso de imagens tornou-se uma imensa fonte de poder para o sacerdócio. Pinturas, estátuas e representações visíveis de objetos sagrados tornaram-se o modo mais fácil de dar instruções, encorajar a devoção e fortalecer os sentimentos religiosos nas mentes do povo. Os mais intelectuais ou iluminados dentre o clero podiam se esforçar em manter a distinção entre o respeito por imagens com um meios e não como objetos de adoração. Mas a devoção indiscriminada do vulgar desconsidera totalmente essas sutilezas. O apologista pode estabelecer distinções muito sutis entre imagens como objetos de reverência e como objetos de adoração, mas não pode haver dúvida que, com mentes ignorantes e supersticiosas, o uso, a reverência, a adoração de imagens, seja em pinturas ou estátuas, invariavelmente se degenera em idolatria.

Antes do final do século VI a idolatria estava firmemente estabelecida na igreja oriental, e durante o século VII fez um progresso gradual e muito geral no Ocidente, onde já tinha anteriormente ganhado algum terreno. Tornou-se comum cair prostrado perante imagens, rezar para elas, beijá-las, adorná-las com gemas e metais preciosos, colocar as mãos sobre elas em juramento, e até mesmo empregá-las como madrinhas e padrinhos de batismo.

Monotelismo e Iconoclastia

Enquanto os árabes sob Abu Bakr e Omar estavam invadindo os países gregos, e arrancando província após província do império, o imperador contentou-se em enviar exércitos para repeli-los e permaneceu em sua capital para a discussão de questões teológicas. Desde a conclusão de suas guerras bem-sucedidas contra a Pérsia, a religião tinha se tornado quase o objetivo exclusivo de sua solicitude. Duas grandes controvérsias estavam, no momento, agitando todo o mundo cristão. A primeira dessas, a assim chamada controvérsia monotelista, pode ser descrita, em geral, como um reavivamento, sob uma forma um pouco diferente, da velha heresia monofisita, ou de Eutiques. Sob o nome geral dos monofisitas estão compreendidos os quatro principais ramos de separatistas da igreja oriental: os jacobitas sírios, os coptas, os abissinianos e os armênios. O originador dessa numerosa e poderosa comunidade cristã foi Eutiques, abade de um convento de monges em Constantinopla, no século V. Os monofisitas negavam a distinção das duas naturezas em Cristo; os monotelitas, por outro lado, negavam a distinção da vontade, divina e humana, no bendito Senhor. Uma tentativa bem-intencionada, porém frustrada, do imperador Heráclito, foi reconciliar os monofisitas à igreja grega. Mas, como o som da controvérsia é raramente ouvido dentre os sectários orientais após esse período, e como um relato detalhado de suas disputas não seria de nenhum interesse aos nossos leitores, deixamos isto para as páginas da história eclesiástica.*

{* Para maiores detalhes sobre as diferentes seitas, veja Dicionário das Igrejas Cristãs e Seitas, de Marsden, e Crenças do Mundo, de Gardner.}

A iconoclastia, ou o surto de destruição de imagens, merece uma consideração mais detalhada. Ela penetrou no coração da Cristandade como nenhuma outra controvérsia tinha feito até então, e forma uma importante época na história da Sé Romana. Jezabel agora aparece em suas verdadeiras cores, e, deste momento em diante, seu caráter maligno é indelevelmente estampado no papado. Os papas que então preenchiam a cadeira de São Pedro defendiam e justificavam abertamente a adoração a imagens. Este foi, certamente, o início do papado -- a maturidade do sistema de desonra a Deus. Os fundamentos do papado foram descobertos, e assim tornou-se evidente que a perseguição e a idolatria eram os dois pilares sobre os quais seu domínio arrogante repousava.

Reflexões sobre o Islamismo e o Romanismo

Tendo chegado a nossa história, tanto civil quanto eclesiástica, ao final do século VIII, podemos fazer uma breve pausa e refletir sobre o que vimos, onde estamos, e o que esperar. Temos visto o crescimento da Sé Romana no Ocidente, e como ela alcançou o cume de sua ambição. Vimos também o surgimento do grande poder antagonista no Oriente, inferior apenas na extensão de sua influência religiosa e social ao próprio cristianismo de modo geral. O primeiro se espalhou gradualmente no próprio centro da Cristandade iluminada, e o último surgiu de repente em um obscuro distrito de um deserto selvagem. Mas qual -- pode-se perguntar -- é a lição moral a ser tomada do caráter e dos resultados desses dois grandes poderes? Ambos foram permitidos por Deus e, se julgamos corretamente, foram permitidos por Ele como um juízo divino sobre a Cristandade por sua apostasia, e sobre os pagãos por sua idolatria. Por um lado, o grito de guerra foi erguido contra todos os que recusavam a fé ou o tributo ao credo e aos exércitos dos califas; por outro lado, um grito de guerra mais implacável foi erguido contra quem se recusasse a crer na Virgem e nos santos, suas visões e milagres, suas relíquias e imagens, de acordo com as exigência intolerantes da idólatra Roma. As igrejas orientais tinham se enfraquecido e se perdido desde os dias de Orígenes por uma filosofia platônica, na forma de uma teologia metafísica, o que causou contínuas dissensões. No Ocidente as controvérsias tinham sido grandemente evitadas: o poder era o objetivo ali. Roma tinha aspirado, por séculos, o domínio da Cristandade -- e do mundo. Ambos foram tratados judicialmente por Deus no dilúvio de fogo vindo da Arábia; mas o islamismo permanece como o poderoso flagelo de Deus no Oriente, e o romanismo no Ocidente.

Postagens populares