domingo, 10 de abril de 2016

As Perseguições sob Severo (ano 202 d.C.)

Não foi até cerca do décimo ano de seu reinado que a ferocidade natural de sua mente sombria e implacável se manifestou contra os cristãos. Em 202, após o retorno do oriente, onde ele tinha conseguido grandes vitórias, e sem dúvida se enchido de orgulho, ele estendeu sua mão e impiedosamente se atreveu a deter o progresso do cristianismo - a carruagem do evangelho. Ele aprovou uma lei que proibia, sob severas penas, que qualquer um de seus súditos se tornasse judeu ou cristão. Esta lei, como era de se esperar, acendeu uma severa perseguição contra novos convertidos e cristãos em geral. Ela estimulou seus inimigos a todo o tipo de violência. Grandes somas de dinheiro foram extorquidas de cristãos tímidos por autoridades corruptas como preço pela paz. Embora alguns tenham se submetido em troca de vida e liberdade, esta prática foi veementemente denunciada por outros. Era considerada pelos mais zelosos como degradante para o cristianismo, e uma vergonhosa barganha das esperanças e glórias do martírio. Ainda assim, a perseguição parece não ter sido geral. Ela deixou cicatrizes mais profundas no Egito e na África.

Em Alexandria, Leônidas, pai do famoso Orígenes, sofreu o martírio. Os jovens nas escolas que estavam recebendo uma educação cristã foram submetidos a severas torturas e alguns de seus professores foram presos e queimados. O jovem Orígenes se distinguiu nesta época por seus trabalhos ativos e destemidos nas agora quase desertas escolas. Ele esperava seguir os passos de seu pai, e mais procurava do que evitava a coroa do martírio. E foi justamente na África, um lugar no qual sempre pensamos como um deserto sombrio, miserável e escassamente povoado, que a linha prateada da maravilhosa graça de Deus foi mais distintamente marcada na celestial paciência e fortaleza dos santos sofredores. Temos de convidar nossos leitores a entrar em alguns detalhes a mais sobre isso.

O Cristianismo sob o Reinado de Severo (anos 194 a 210 d.C.)

No início do reinado de Severo, ele era bastante favorável aos cristãos. Um escravo cristão, chamado Próculo, foi o meio de restaurar a saúde do imperador, ao ungi-lo com óleo. Essa notável cura - sem dúvida em resposta à oração - deu aos cristãos grande favor aos olhos de Severo. Próculo recebeu uma posição honrosa na família imperial, e uma criada e um tutor cristão foram contratados para formar o caráter do jovem príncipe. Ele também protegeu da indignação popular homens e mulheres da mais alta classe em Roma - senadores, suas esposas e famílias - que tinham abraçado o cristianismo. Mas, infelizmente, todo esse favor para com os cristãos era meramente resultado de circunstâncias locais. As leis continuaram as mesmas, e a violenta perseguição eclodiu contra eles em determinadas províncias.

sábado, 9 de abril de 2016

De Cômodo à Ascensão de Constantino (anos 180-313 d.C.)

Capítulo 9: De Cômodo à Ascensão de Constantino (anos 180-313 d.C.)


O cristianismo
, sob os sucessores de Aurélio, desfrutou de uma temporada de relativo repouso e tranquilidade. A depravação de Cômodo foi útil no tocante aos interesses dos cristãos após seus longos sofrimentos sob seu pai, e o breve reinado de muitos dos imperadores que se seguiram não os deram tempo de combater o crescimento do cristianismo. "Durante pouco mais que um século", diz Milman, "desde a ascensão de Cômodo até a de Diocleciano, mais de vinte imperadores passaram como sombras ao longo da trágica cena do palácio imperial. O império do mundo se tornou o prêmio de façanhas mirabolantes, ou o precário troféu da soldadesca sem lei. Uma longa linhagem de aventureiros militares, muitas vezes estranhos ao nome, à raça e à linguagem de Roma - africanos, pireneus, árabes e godos - agarraram o inconstante cetro do mundo. A mudança de soberanias era quase sempre uma mudança de dinastia, ou, por alguma estranha fatalidade, cada tentativa de restabelecer um sucessão hereditária era frustrada pelos vícios ou pela imbecilidade da segunda geração."

Assim os cristãos tiveram cerca de cem anos de relativo descanso e paz. Havia, sem dúvida, muitos casos de perseguição e martírio durante esse período, mas tais casos eram mais o resultado de hostilidade pessoal contra algum indivíduo do que algum tipo de política sistemática do governo contra o cristianismo. O primeiro e imponente objetivo de cada imperador que se sucedia era assegurar seu disputado trono. Eles não tinham tempo de se dedicarem à supressão do cristianismo, ou às mudanças sociais e religiosas dentro do império. Assim a grande Cabeça da igreja - que é também "sobre todas as coisas a cabeça da igreja" (Efésios 1:22) - tornou a fraqueza e insegurança do trono o meio indireto da força e prosperidade da igreja.

Mas embora o reinado de Cômodo tenha sido geralmente favorável ao progresso do cristianismo, houve um notável exemplo de perseguição que devemos tomar nota.

Apolônio, um senador romano, renomado pela erudição e filosofia, era um cristão sincero. Muitos da nobreza de Roma, com toda sua família, abraçaram o cristianismo nessa época. A dignidade do senado romano sentiu-se reduzida por tais novidades. Supõe-se que isto tenha levado à acusação de Apolônio perante o magistrado. Seu acusador, baseado em uma velha e não revogada lei de Antonino Pio, que decretava cruéis punições contra os acusadores dos cristãos, foi sentenciado à morte e executado. O magistrado pediu ao prisioneiro, Apolônio, que desse um relato de sua fé perante o senado e a corte. Ele obedeceu, e ousadamente confessou sua fé em Cristo. Consequentemente, por um decreto do senado, ele foi decapitado. Alguns dizem que este é o único registro, em toda a história, de um julgamento no qual tanto o acusado quanto o acusador sofreram judicialmente. Mas a mão do Senhor estava nisto, e muito acima do acusador e do magistrado, Perenius, que condenou os dois. A partir deste período muitas famílias de distinção e opulência em Roma professaram o cristianismo, e às vezes encontramos cristãos na família imperial.

Após um reinado de cerca de 12 anos, o indigno filho de Aurélio morreu dos efeitos de um copo de vinho envenenado.

Pertinax
, imediatamente após a morte de Cômodo, foi eleito pelo senado para ocupar o trono; mas após um breve reinado de sessenta e seis dias, ele foi morto por insurgentes. Seguiu-se uma guerra civil, e Septímio Severo finalmente obteve o poder soberano de Roma.

sábado, 2 de abril de 2016

A Origem do Bispo Metropolitano

Igrejas assim constituídas e reguladas rapidamente se espalharam por todo o império. No gerenciamento de seus assuntos internos cada igreja era essencialmente distinta da outra, embora andassem em comunhão espiritual com todas as outras e as considerassem parte da única igreja de Deus. Mas, com o aumento do número de crentes e a extensão das igrejas, variações na doutrina e na disciplina surgiram, o que nem sempre podia ser resolvido nas assembleias individuais. Isto deu origem aos concílios, ou sínodos. Estes eram compostos principalmente por aqueles que tomavam parte no ministério. Mas quando os representantes das igrejas eram assim reunidos, logo se descobria que o controle de um presidente era necessário. A menos que haja respeito e submissão pela ação soberana do Espírito Santo na igreja, haverá anarquia sem um presidente. O bispo da capital da província era geralmente apontado para presidir, sob o elevado título de bispo metropolitano. Em seu retorno para casa era difícil deixar de lado essas ocasionais honrarias, então ele logo reivindicava para si o título pessoal e permanente de bispo metropolitano.

Os bispos e presbíteros, até por volta desse tempo, eram geralmente vistos como iguais, ou a mesma coisa, sendo os termos usados como sinônimos. Mas agora os bispos se consideravam investidos com poder supremo na direção da igreja, e estavam determinados a se manterem nessa autoridade. Os presbíteros se recusavam a lhes conceder essa nova e auto-assumida dignidade, e buscavam manter sua própria independência. Assim se ergueu a grande controvérsia entre os sistemas presbiterianos e episcopais, que continuam até hoje, e da qual poderemos tratar com mais detalhes mais adiante. Foi dito o suficiente para mostrar ao leitor o início de muitas coisas que ainda vivem diante de nós na igreja professa. Na consagrada ordem do clero será encontrada a semente da qual surgiu todo o sacerdócio medieval, o pecado da simonia {*N. do T.: simonia é a venda de "favores divinos"}, as leis do celibato, e a terrível corrupção da idade das trevas. *

{* Para mais detalhes, veja Neander, vol.1, p. 259; Mosheim, vol. 1, p. 91; Bingham, vol. 1.}

Tendo visto o que estava acontecendo dentro da igreja desde o início, e especialmente entre seus líderes, vamos agora continuar a história geral a partir da morte de Marco Aurélio.

A Origem das Dioceses

Os bispos que viviam nas cidades eram, quer pelas suas próprias pregações, quer pela pregação dos outros - presbíteros, diáconos ou o povo - os responsáveis pelo surgimento de novas igrejas nas cidades e vilas vizinhas. Essas assembleias jovens, muito naturalmente, continuavam sob o cuidado e proteção das igrejas das cidades por meio das quais eles tinham recebido o evangelho e se tornado em novas igrejas. Províncias eclesiásticas eram, assim, formadas gradualmente, o que os gregos mais tarde denominaram dioceses. Os bispos das cidades reivindicavam o privilégio de nomear ofícios e cargos a essas "igrejas rurais"; e as pessoas a quem eles concediam suas instruções e cuidados eram chamados de bispos distritais. Estes formavam uma nova classe que ficava entre os bispos e presbíteros, sendo considerados inferiores àqueles e superiores a estes. Assim foram criadas novas distinções e divisões, e os ofícios e cargos se multiplicaram.

O Que Era um Bispo Nos Primeiros Tempos?

O mais humilde camponês está familiarizado com a grandeza mundana de um bispo, mas ele pode não saber como um ministro de Cristo, e um sucessor de um humilde pescador da Galileia, chegou a tal dignidade. Nos dias dos apóstolos, e por mais de cem anos depois, o ofício de um bispo era uma obra laboriosa, mas uma "boa obra". Ele era encarregado de uma única igreja, que podia estar normalmente reunida em uma casa particular. Ele não estava lá como um "senhor sobre a herança de Deus" (1 Pedro 5:3), mas na realidade como um ministro e servo, instruindo o povo, e cuidando dos doentes e pobres pessoalmente. Os presbíteros, sem dúvida, ajudavam na gestão dos assuntos gerais da igreja, e também os diáconos; mas o bispo tinha a parte principal do serviço. Ele não tinha autoridade, no entanto, de decretar ou sancionar qualquer coisa sem a aprovação do presbitério e do povo. Não havia, então, o pensamento de "clero inferior" sob ele. E nesse tempo as igrejas não tinham renda, com exceção de contribuições voluntárias do povo que, moderados como sem dúvidas eram, deixavam uma pequena quantia para o bispo para ajudar os pobres e necessitados.

Mas naqueles primeiros tempos os oficiais da igreja continuavam, muito provavelmente, em seus antigos ofícios e ocupações, para sustento de si mesmos e de suas famílias, do mesmo modo que antes. "Um bispo", diz Paulo, "deve ser dado à hospitalidade" (Tito 1:8). E isso ele não poderia ser se sua renda dependesse das ofertas dos pobres. Não foi até por volta do ano 245 que o clero passou a receber salário, e foram proibidos de seguir com seus empregos do mundo; mas próximo ao fim do segundo século surgiram circunstâncias na história da igreja que afetaram grandemente a humildade e simplicidade original de seus supervisores, e que tenderam à corrupção da ordem sacerdotal. "Essa mudança começou", diz Waddington, "perto do início do segundo século; e é certo de que nesse período encontramos as primeiras denúncias de corrupção incipiente  do clero." A partir do momento em que os interesses dos ministros se tornaram totalmente distintos dos interesses do cristianismo, pode-se considerar que muitas e grandes mudanças para pior tinham começado. Vamos tomar nota de algumas circunstâncias, e em primeiro lugar, a origem das dioceses.

sábado, 26 de março de 2016

A Origem da Distinção entre Clérigos e Leigos

O cristianismo, no início, não tinha qualquer ordem sacerdotal. Seus primeiros convertidos iam por toda a parte anunciando o Senhor Jesus. Eles foram os primeiros a disseminar em outros países as boas novas da salvação, antes mesmo dos próprios apóstolos terem deixado Jerusalém (Atos 8:4). No decorrer do tempo, quando eram encontrados convertidos o suficiente em algum lugar para formar uma assembleia, eles se reuniam ao nome do Senhor no primeiro dia da semana para partir o pão e edificarem uns aos outros em amor (Atos 20:7). Quando surgia a oportunidade de visita de um apóstolo a tais reuniões, ele escolhia anciãos para assumir a supervisão do pequeno rebanho; diáconos eram escolhidos pela assembleia. Assim era toda constituição das primeiras igrejas. Se o Senhor levantasse um evangelista, e almas fossem convertidas, elas eram batizadas em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Isto acontecia, é claro, fora da assembleia, e não era um ato eclesiástico. Após devido exame espiritual quanto à genuinidade dos resultados da obra do evangelista, estando a assembleia satisfeita, os novos crentes eram recebidos à comunhão.

Percebe-se, a partir desse breve esboço da ordem divina nas igrejas, que não havia distinções tais como "o clero" e "o leigo". Todos estavam no mesmo patamar quanto ao sacerdócio, adoração e proximidade de Deus. Como os apóstolos Pedro e João dizem: "Vós também, como pedras vivas, sois edificados casa espiritual e sacerdócio santo, para oferecer sacrifícios espirituais agradáveis a Deus por Jesus Cristo." (1 Pedro 2:5). E assim a assembleia inteira podia cantar: "Àquele que nos amou, e em seu sangue nos lavou dos nossos pecados, e nos fez reis e sacerdotes para Deus e seu Pai; a ele glória e poder para todo o sempre. Amém." (Apocalipse 1:5,6). O único sacerdócio, então, na igreja de Deus, é o comum sacerdócio de todos os crentes. O mais humilde servo no palácio de um arcebispo, se lavado no sangue de Cristo, é mais branco que a neve, e pronto para entrar no lugar santíssimo e adorar além do véu.

Não há mais adoração no pátio exterior. A separação de uma classe privilegiada - uma ordem sacerdotal - é desconhecida no Novo Testamento. A distinção entre clero e leigo era sugerida pelo judaísmo, e a invenção humana logo a tornou algo grandioso; mas foi a ordenação episcopal que estabeleceu a distinção e ampliou a separação. O bispo gradualmente assumiu o título de pontífice. Os presbíteros, e até mesmo os diáconos, se tornaram, assim como os bispos, uma ordem sagrada. O lugar de mediação e de grande proximidade de Deus foi assumida pela casta sacerdotal, e também de autoridade sobre os leigos. No lugar de Deus falando diretamente ao coração e consciência por Sua própria Palavra, e sendo o coração e a consciência trazidos diretamente à presença de Deus, apareceu o sacerdócio se colocando entre eles. Assim a Palavra de Deus foi perdida de vista, e a fé ficou à mercê das opiniões dos homens. O bendito Senhor Jesus, como o Grande Sumo Sacerdote de Seu povo, e como o Mediador entre Deus e os homens, foi então praticamente deslocado e deixado de lado. *

{* Uma das maiores autoridades sobre a ordem episcopal é da opinião de que a distinção entre clero e leigo é derivada do Antigo Testamento: que assim como o sumo sacerdote tinha seu ofício atribuído a ele, e os sacerdotes também tinham suas atribuições próprias, e os levitas seus serviços peculiares; assim também os leigos estavam da mesma maneira sob as obrigações próprias aos leigos. Ele também afirma que o comum sacerdócio de todos os crentes é ensinado no Novo Testamento, mas que os Pais desde os tempos mais antigos formaram a igreja no sistema judaico. - Gingham on the Antiquity of the Christian Church, vol. 1, p. 42.}

Assim, infelizmente, vemos na igreja o que tem sido verdade para o homem desde Adão. Tudo o que foi confiado ao homem falhou. Desde o tempo em que a responsabilidade de manter a igreja como a coluna e firmeza da verdade caiu nas mãos humanas, não houve nada além de falha. A Palavra de Deus, no entanto, permanece a mesma, e sua autoridade nunca pode falhar, bendito seja o Seu nome. Um dos principais objetivos deste livro é chamar a atenção do leitor aos princípios e à ordem da igreja, como ensinada no Novo Testamento. "Deus é Espírito, e importa que os que o adoram o adorem em espírito e em verdade." (João 4:24). Isto é, devemos adorá-Lo e servi-Lo de acordo com a verdade, e sob a direção e unção do Espírito Santo, se for para glorificar Seu nome, e adorá-Lo e servi-Lo de maneira aceitável.

Quase todos os escritores eclesiásticos afirmam que nem o Próprio Senhor nem Seus apóstolos forneceram quaisquer preceitos quanto à ordem e governo da igreja - que tais coisas foram deixadas para a sabedoria e prudência de seus líderes, e ao caráter das épocas. Por essas suposições muita coisa foi entregue à vontade humana. Sabemos as consequências. O homem procurou a sua própria glória. A simplicidade do Novo Testamento, o caminho humilde do Senhor e de Seus apóstolos, o zelo e abnegação de Paulo, tudo isso foi ignorado, e as grandezas mundanas logo se tornaram o objeto e ambição do clero. Um breve resumo do ofício de um bispo irá deixar claro essas coisas e, sem dúvida, será de grande interesse aos leitores.


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