Mostrando postagens com marcador papado. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador papado. Mostrar todas as postagens

domingo, 18 de junho de 2017

O Pontificado de Gregório VII

Capítulo 19: O Papa Gregório VII (1049 - 1085 d.C.)


Hildebrando, um nativo da Toscana, nascido na primeira parte do século XI, tinha abraçado, desde de sua infância, as mais rígidas ideias do monasticismo. Não satisfeito com o laxismo* dos monges italianos, ele cruzou os Alpes e entrou para o austero convento de Cluny, na Borgonha, então o mais importante em números, riqueza e piedade.

{*Laxismo: doutrina, tendência ou comportamento que busca suavizar ou limitar as restrições e imposições colocadas pela moral cristã.}

No ano 1049, Bruno, bispo de Toul, vestido com todo o esplendor de um pontífice eleito, e acompanhado pelo séquito*, chegou em Cluny e exigiu a hospitalidade e homenagem dos monges. Bruno era primo de Henrique III, imperador da Alemanha, e tinha sido nominado por ele para preencher o lugar vago na Sé de Roma. Hildebrando, o prior** de Cluny, logo adquiriu grande influência sobre a mente de Bruno. Ele o convenceu de que tinha tomado um passo em falso ao ter aceitado a indicação das mãos de um leigo, e sugeriu-lhe que deixasse de lado as vestimentas pontificais que ele tinha assumido prematuramente, viajasse a Roma como peregrino, e ali recebesse do clero e do povo esse ofício apostólico que nenhum leigo tinha o direito de conceder. Bruno concordou. As visões sublimes de Hildebrando sobre a dignidade eclesiástica prevaleceram sobre a mente mais genial de seu novo amigo. Ele seguiu seu conselho: tirou suas vestes e, tomando o monge como seu companheiro, seguiu sua jornada a Roma com a simplicidade de um peregrino.

{*Séquito: conjunto das pessoas que acompanham outra(s); cortejo que acompanha uma pessoa, ger. distinta, para servi-la ou honrá-la; comitiva.}
{**Prior: pároco; superior de um convento ou de certas ordens religiosas.}

A impressão produzida foi grande, e toda em favor de Bruno. Nenhuma demonstração sacerdotal ou imperial podia ter tido o mesmo poder sobre o povo. Dizem que milagres acompanharam seu caminho, e por suas orações rios caudalosos se contiveram em seus limites naturais. Ele foi aclamado com aclamações universais como Papa Leão IX. Hildebrando foi imediatamente recompensado por seus serviços. Ele foi elevado à classe de cardeal, e recebeu os ofícios de subdiácono de Roma com outros preferenciais. Desde esse tempo ele era praticamente um papa -- o verdadeiro diretor do papado.

domingo, 4 de junho de 2017

Reflexões sobre o Espírito Missionário de Roma

Temos visto, ao traçar a boa obra do evangelho em diferentes países, a atividade, energia e o caráter agressivo da igreja de Roma. E embora houvesse uma terrível quantidade de tradição humana e muitas tolices absurdas misturadas ao "evangelho de Deus", ainda assim o nome de Jesus Cristo era proclamado, e a salvação por meio dEle, embora, infelizmente, não por Ele somente. No entanto, Deus em graça podia usar esse bendito nome e dar os olhos de fé para ver sua preciosidade em meio ao lixo da superstição romana. O evangelho de Cristo pleno e claro tinha se perdido completamente. Não era mais Cristo apenas, mas Cristo e mil outras coisas. Eles eram eloquentes em pregar boas obras, mas, ao mesmo tempo, obscureciam a fé da qual toda a boa obra deveria emanar. "Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo"; "Olhai para mim, e sereis salvos, vós, todos os termos da terra; porque eu sou Deus, e não há outro"; "Vinde a mim, todos os que estais cansados e oprimidos, e eu vos aliviarei"; "O que vem a mim de maneira nenhuma o lançarei fora". (João 1:29, Isaías 45:22, Mateus 11:28, João 6:37). Textos como esses dão uma ideia de um evangelho que traz almas para o Próprio Cristo, pela fé somente; não a Cristo e aos ritos e cerimônias inumeráveis, antes da alma poder ser salva. Ser convertido ao Próprio Cristo é a melhor de todas as conversões. Descansar sobre a infalível eficácia do sangue de Cristo é salvação certa e segura para a alma, e perfeita paz com Deus.

Havia, sem dúvida, muitos homens bons e sinceros no campo missionário, cujo estado espiritual poderia ter sido muito melhor do que sua posição eclesiástica, e a quem Deus poderia ter usado para ganhar almas preciosas para Si. Mas não pode haver dúvida de que o espírito dos missionários de Roma eram mais de proselitismo para a igreja de Roma do que para a fé e obediência a Cristo. O batismo e a implícita e inquestionável sujeição à autoridade do papa era a exigência feita a todos os convertidos, fossem governadores ou súditos. Não buscava-se a fé em Cristo. A ambição da Sé Romana era abraçar o mundo todo e, no que diz respeito à Europa, toda confissão pública de cristianismo que professasse independência da dominação romana deveria ser imediatamente suprimida, e totalmente destruída.

Exatamente nessa época, um monge de origem humilde, mas do mais extraordinário caráter, apareceu em cena. Nele foram cumpridos todos os sonhos de domínio da mente humana. Até então a missão do papado nunca tinha sido totalmente cumprida. Mas como nunca houve um papa assim até então, e nunca mais houve um assim desde então, devemos esboçar brevemente sua incomparável carreira.

domingo, 9 de abril de 2017

O Resumo de Mosheim

"No Oriente, desígnios sinistros, rancores, contendas e conflitos eram, em todos os lugares, predominantes. Em Constantinopla, ou Nova Roma, eram elevados à cadeira patriarcal aqueles que eram favoráveis à corte; e ao perderem esse favor, um decreto do imperador tirou-lhes de suas posições elevadas. No Ocidente, os bispos rodeavam as cortes dos príncipes, e se entregavam a toda espécie de voluptuosidade: enquanto o clero inferior e os monges eram sensuais e, pelos vícios mais grosseiros, corrompiam o povo a quem se destinavam a reformar. A ignorância do clero, em muitos lugares, era tão grande que poucos deles podiam ler ou escrever. Assim, sempre que uma carta devia ser escrita, or qualquer coisa de importância tivesse de ser firmada por escrito, recorria-se, geralmente, a algum indivíduo cuja fama lhe investia com uma certa destreza em tais assuntos...

"Os bispos e os chefes de monastérios detinham muitos bens imobiliários ou propriedade fundiária pela posse feudal; pelo que, quando uma guerra irrompia, eles eram convocados pessoalmente para o acampamento militar, atendidos por um número de soldados que eram obrigados a se apresentarem aos seus soberanos. Reis e príncipes, além de poderem recompensar seus servos e soldados por seus serviços, muitas vezes se apoderavam de propriedade consagrada, dando-as a seus dependentes; em consequência, os padres e monges, antes apoiados por eles, buscavam alívio para suas necessidades de cometer qualquer tipo de crimes e embustes inimagináveis.

"Poucos daqueles que foram elevados, nessa época, às mais altas posições na igreja, podem ser elogiados por sua sabedoria, erudição, virtude e outros dons adequados a um bispo. A maior parte deles, por seus numerosos vícios, e todos eles, por sua arrogância e cobiça de poder, ocasionaram desgraças às suas próprias memórias. Entre Leão IV, que morreu em 855 d.C., e Bento III, uma mulher que escondeu seu sexo e assumiu o nome de João, conta-se, abriu seu caminho ao trono pontifício por sua própria esperteza e engenhosidade, e governou a igreja por um tempo. Ela é comumente chamada de Papisa Joana. Durante os cinco séculos subsequentes as testemunhas desse evento extraordinário são inúmeras, mas nenhuma, antes da Reforma de Lutero, considerou isso como algo inacreditável ou vergonhoso para a igreja.

"Todos concordam que nesses dias sombrios o estado do cristianismo era, em todos os lugares, muito deplorável; não apenas pela incrível ignorância, a mãe da superstição e degradação moral, como também por outras causas... A ordem sagrada, tanto no Oriente quanto no Ocidente, era composta principalmente por homens analfabetos, estúpidos, ignorantes de tudo concernente à religião... O que os pontífices gregos eram é demonstrado pelo único exemplo de Teofilato que, como testificam historiadores confiáveis, fazia tráfico de tudo o que era sacro, e não ligava para nada que não fosse seus cachorros e cavalos. Mas, embora os patriarcas gregos fossem homens muito indignos, ainda assim possuíam mais dignidade e virtude do que os pontífices romanos. Um fato reconhecido por todos os melhores escritores, sem exceção até mesmo daqueles que advogam a autoridade papal, é que a história dos bispos romanos nesse século é uma história, não de homens, mas de monstros, uma história das mais atrozes vilanias e crimes.

"A essência da religião foi pensada, tanto pelos gregos como pelos latinos, de modo a consistir na adoração de imagens,  em honrar os santos que partiram, em buscar por e preservar relíquias e em enriquecer padres e monges. Dificilmente um indivíduo se aventurava a se aproximar de Deus antes do assunto de interesse ter sido devidamente buscado por meio de imagens e santos. Todo o mundo estava insanamente ocupado em juntar relíquias e procurá-las."*

{* História, de Mosheim, vol. 2, p. 184 & 272.}

Nada mais, pensamos, precisa ser dito, no momento, quanto à natureza -- raiz e ramos -- do sistema papal. Pela boca de pelo menos três testemunhas competentes, tudo o que foi dito de Roma, desde o início do período de Tiatira, foi confirmado. E não foi dito nem metade, especialmente sobre o assunto da imoralidade. Não poderíamos transferir para nossas páginas a devassidão dos padres e monges. Alguns pensam que o papado caiu no ponto mais profundo de degradação nos séculos IX e X. Por muitos anos a mitra papal foi usada livremente pela infame Teodora e suas duas filhas, Marózia e Teodora. Tal era seu poder e sua influência maligna, por meio de suas vidas licenciosas, que colocavam na cadeira de São Pedro quem elas queriam -- homens ímpios como elas próprias. Nossas páginas seriam contaminadas por um relato de suas abertas e descaradas imoralidades. Tal foi a sucessão papal. Certamente Jezabel foi realmente representada por essas mulheres, e na influência que obtiveram sobre os papas e sobre a cidade de Roma. Mas, infelizmente, Jezabel, com todas as suas associações, corrupções, tiranias, idolatrias e usos da espada civil, foi muito fielmente representada pelo papado desde sua própria fundação.

Os Fundamentos e o Edifício do Papado

Tais, infelizmente, foram os fundamentos do grande edifício papal. E não estamos errados em sofrer vendo eles serem estabelecidos. Se fôssemos caracterizar as pedras de fundação separadamente, poderíamos nos referir a elas como as mais extravagantes pretensões, a mais insultante arrogância, as mais descaradas falsificações, o mais abertamente confessado -- e até mesmo desafiador da morte -- amor à idolatria, a mais inescrupulosa apropriação de território roubado, o mais implacável espírito de perseguição, e, o que pode ser dito como a pedra (assim como a fundação) mais elevada: o mais desordenado amor pela soberania secular. Mas se olharmos dentro da casa, o que encontramos ali? É cheia de blasfêmias, os piores tipos de corrupções, e concentração de todas as atrações para a carne (Ap 18:12,13). As próprias essências do cristianismo -- tais como o sacrifício, o ministério e o sacerdócio -- ou foram corrompidas ou rejeitadas. A obra consumada de Cristo foi substituída pela missa; o ministério do Espírito de Deus pelo ensino dogmático da igreja; e o comum sacerdócio de todos os crentes, e sim, até mesmo o sacerdócio do Próprio Cristo, foi substituído pelo grande sistema eclesiástico do sacerdócio, ou melhor, pelo poder sacerdotal.

A Ceia do Senhor foi gradualmente modificada, da simples lembrança de Seu amor e anúncio de Sua morte para a ideia de um sacrifício. Muitas superstições foram praticadas com o pão consagrado, ou melhor, as hóstias*. Supunha-se que esse "sacrifício" servia tanto para os vivos quanto para os mortos; daí a prática de dar a hóstia aos mortos e enterrá-la com eles. A destrutiva doutrina do purgatório, que tinha sido sancionada por Gregório, o Grande, então se espalhou por toda a parte. Parece ter criado raízes especialmente na igreja inglesa antes do século IX. Mas o engano é manifesto, pois não há purgatório senão o sangue de Jesus Cristo, o Filho de Deus; como disse o apóstolo João: "O sangue de Jesus Cristo, seu Filho, nos purifica de todo o pecado" (1 João 1:7). Graças a Deus, não há limite para o poder purificador {N. do T.: "purgatório" significa "purificador") do sangue de Jesus, Seu Filho. Todos os que têm fé nesse sangue são mais alvos que a neve -- perfeitamente preparados para a presença de Deus. Mas a doutrina do purgatório atinge a própria raiz dessa verdade fundamental, e tornou-se um poderoso instrumento nas mãos dos padres para extorquir dinheiro dos moribundos, e para assegurar grandes legados à igreja; mas quase tudo era, então, feito em subordinação a esses objetivos básicos. A verdade de Deus, a obra de Cristo, o caráter da igreja, as almas e corpos dos homens, foi tudo prontamente sacrificado para o engrandecimento da Sé de Roma, e para o engrandecimento do clero em subordinação ao sistema papal.

{*N. do T.: hóstia significa "vítima expiatória", e traz a ideia de que Cristo é sacrificado novamente em cada missa, anulando a consumada obra expiatória de Cristo, "feita uma vez" (Hebreus 10:10). }

As vidas ímpias daqueles a quem foi confiado o governo da igreja e o cuidado pelas almas são também questões de amarga queixa de todos os historiadores honestos, tanto daqueles tempos como dos atuais. Mas aqui pode ser interessante introduzir um historiador que é bom em relatos -- Mosheim -- como uma testemunha e confirmação do que temos dito sobre esse período.

domingo, 2 de abril de 2017

A Influência Maligna dos Missionários do Papa

É triste refletir sobre a terrível matança dos saxões, e o batismo forçado do indefeso remanescente; mas nossa tristeza é infinitamente aumentada quando descobrimos que os professos mensageiros da misericórdia foram os grandes impulsionadores dessas longas e exterminadoras guerras. No lugar de serem missionários do evangelho da paz, eles eram, na realidade, os cruéis emissários do papado -- do poder das trevas: Carlos Magno era, sem dúvida, em grande parte enganado e instigado pelos padres.

Sob o objetivo declarado de cimentar a união entre a igreja e o Estado, para o benefício secular e espiritual da humanidade, e para a força duradoura do governo imperial, os astutos sacerdotes viram o caminho se abrindo para sua própria grandeza secular e para a mais absoluta soberania de Roma. E assim aconteceu, como toda a história afirma. Eles logo ganharam uma posição de grandeza mundana sobre o povo conquistado e suas terras. Uma mudança completa acontece, precisamente nesse momento, na condição externa do clero, e, de fato, na sociedade em geral. A história antiga desaparece, como nos é contado, na morte de Pepino, e tem início a vida medieval. Uma nova condição de sociedade é inaugurada por seu filho -- o último dos reis bárbaros e o primeiro dos monarcas feudais. Mas é na história eclesiástica que estamos interessados, e aqui, novamente, preferimos fornecer alguns extratos do decano Milman -- a quem tantas vezes nos referimos -- que não pode ser acusado de severidade desnecessária, mas cujo testemunho é da mais alta integridade.

"A subjugação da terra pareceu estar completa antes que Carlos Magno fundasse, sucessivamente, suas grandes colônias religiosas, os oito bispados de Minden, Seligenstadt, Verden, Bremen, Munster, Hildesheim, Osnaburg e Paderborn. Estes, como muitos monastérios ricamente dotados como Hersfuld, tornaram-se os centros separados dos quais o cristianismo e a civilização se espalhou em círculos cada vez maiores. Mas, embora fossem assentamentos militares assim como religiosos, os eclesiásticos eram os únicos estrangeiros. Os mais fiéis e confiáveis chefes saxões, que deram a segurança de aparente sincera conversão ao cristianismo, foram promovidos a condes: assim, a profissão do cristianismo era o único teste de fidelidade...

"Carlos Magno, na história cristã, tem um papel ainda mais importante do que apenas na subjugação da Germânia ao evangelho, por causa de sua completa organização, se não fundação, da alta hierarquia feudal em grande parte da Europa. Por todo o império ocidental, pode-se dizer, foi constitucionalmente estabelecida essa dupla aristocracia, eclesiástica e civil. Em todos os lugares, o alto clero e os nobres, e através das diferentes gradações da sociedade, mesmo os da mesma classe, estavam sujeitos aos mesmos deveres, e eram iguais, em alguns casos de coordenação, em autoridade. Cada distrito tinha seu bispo e seu conde; as dioceses e os condados possuíam, na maioria das vezes, a mesma extensão...

"O próprio Carlos Magno era não menos pródigo (liberal) do que os reis mais fracos no que diz respeito a imunidades e concessões dadas às igrejas e monastérios. Com sua rainha Hildegard, ele doou, à igreja de São Martinho, em Tours, terras na Itália. Suas concessões a São Denis, a Lorch, a Fulda, a Prum, mais particularmente a Hersfuld, e a muitas abadias italianas, aparecem entre os atos de seu reinado.

"Essas propriedades nem sempre eram obtidas do rei ou dos nobres. Os servos dos pobres eram, muitas vezes, os saqueadores dos pobres. Mesmo sob Carlos Magno há reclamações contra a usurpação de propriedades pelos bispos e abades, assim como contra condes e leigos. Eles obrigavam o homem livre pobre a vender sua propriedade, ou o forçava a servir no exército em permanente dever, para, assim, deixar suas terras sem dono, com todas as chances de que não pudesse retornar, ou entregues à custódia daqueles que permaneceram em casa em silêncio; dessa forma, os sacerdotes aproveitavam cada oportunidade para tomar posse delas. Nenhuma vinha de Nabote escapava da vigilante avareza deles.

"Em seus feudos, o bispo ou abade exercia todos os direitos de um chefe feudal... Assim, a hierarquia, então uma instituição feudal, paralela e coordenada com a aristocracia secular feudal, aspirava desfrutar, e já a algum tempo desfrutava, da dignidade, riqueza e poder dos senhores suseranos. Bispos e abades tinham a independência e os privilégios sobre os feudos inalienáveis; e, ao mesmo tempo, começaram, quer hostilmente contestar, quer arrogantemente recusar, os pagamentos ou reconhecimentos da vassalagem, que muitas vezes pesavam sobre outras terras. Durante o reinado de Carlos Magno essa teoria da imunidade espiritual adormeceu, ou melhor, não tinha ainda tomado vida. No entanto, no conflito com seu filho, Luís, o Piedoso, ela foi corajosamente anunciada e seu crescimento foi rápido. Foi, então, afirmado pela hierarquia, que toda propriedade dada à igreja, aos pobres, aos santos, e ao Próprio Deus -- tais eram as frases especiosas -- era dada absoluta e irrevogavelmente, sem reservas. O rei podia ter poder sobre os honorários dos cavaleiros; mas sobre a igreja, ele não tinha poder nenhum. Tais reivindicações seriam consideradas ímpias, sacrílegas, e implicavam na perda da vida eterna. O clero e suas propriedades pertenciam a outro reino, a outra comunidade. Eles eram inteira e absolutamente independentes do poder civil."*

{* Cristianismo Latino, vol. 2, p. 286}

domingo, 12 de fevereiro de 2017

Os Nestorianos e os Paulicianos

A ascensão dos nestorianos no século V e seu grande zelo missionário já foram mencionados. Em sua chefia havia um bispo, conhecido pelo título de Patriarca da Babilônia. Sua residência era originalmente na Selêucia. Desde a Pérsia, conta-se, eles levaram o evangelho para o Norte, para o Oriente e para o Sul. No século VI eles pregaram o evangelho com grande sucesso aos hunos, aos indianos, aos medos e aos elamitas: na costa de Malabar e nas ilhas do oceano grandes números se converteram. Seguindo o curso do comércio, os missionários tomaram o caminho da Índia à China, e penetraram pelos desertos até sua fronteira setentrional [mais ao norte]. Em 1625 uma pedra foi descoberta, pelos jesuítas, próximo a Singapura, que leva uma longa inscrição, parte em siríaco e parte em chinês, gravando os nomes dos missionários que tinham trabalhado na China, e a história do cristianismo naquele país desde o ano 636 a 781. Mas a propagação do cristianismo, pensa-se, despertou o ciúme do Estado e, após testemunharem o sucesso do evangelho e experimentarem perseguição, eles provavelmente foram exterminados, ou fugiram, por volta do fim do século VIII. Os nestorianos foram patrocinados por alguns dos reis persas, e sob o reinado dos califas eles foram protegidos e prosperaram grandemente. Eles assumiram a designação de cristãos caldeus, ou assírios, e ainda existem sob esse nome.*

{* Veja Crenças do Mundo (Faiths of the World), vol. 2, p. 527; e J.C. Robertson, vol. 2, p. 163.}

As doutrinas, o caráter e a história dos paulicianos têm sido assuntos de grande controvérsia; mas não lhes foi permitido falar por eles mesmos para a posteridade. Seus escritos foram cuidadosamente destruídos pelos católicos, e eles nos são conhecidos apenas através de relatos de inimigos amargos que os rotulam como hereges, e como os ancestrais dos reformadores protestantes. Por outro lado, alguns escritores protestantes aceitam o pedigree, e afirmam que eles foram os mantenedores de um cristianismo puramente bíblico, que pode ter parecido herético pelo papado. Esta última circunstância, pelo que já demonstramos, é facilmente crível. As mais dolorosas corrupções, tanto na doutrina quanto na adoração da igreja católica, tinham sido não apenas admiradas, como forçadas, muito antes do surgimento dos paulicianos. Nem o espírito nem a simplicidade do evangelho permaneceram; portanto, o cristianismo bíblico deve ter parecido aos adoradores de imagens como uma heresia.

Passando por cima de muitos nomes individuais desde a época de Santo Agostinho, que foram testemunhas dignas da verdade, vamos falar diretamente da origem dos paulicianos.

domingo, 15 de janeiro de 2017

Helena e Irene

Assim terminou a questão mais crítica que já tinha se erguido desde que o cristianismo tornou-se a religião do mundo romano. Pelo sétimo concílio geral a idolatria foi formal e veementemente estabelecida como a adoração do grande sistema papal, e anátemas foram denunciadas contra todos os que ousassem afastar-se disto. Daí a perseguição implacável aos assim chamados separatistas. Mas é digno de nota, de acordo com nossa visão do caráter de Jezabel, que uma mulher foi a primeira a mover-se em relação ao culto de imagens, e uma mulher foi a restauradora das imagens quando foram derrubadas. Helena, a mãe de Constantino, o Grande, foi uma mulher irrepreensível e devota, mas foi usada pelo inimigo para introduzir relíquias emocionantes e memoriais sagrados que mudaram o cristianismo de uma adoração espiritual pura para aquela forma paganizante de religião que cresceu com tanta rapidez nos séculos seguintes. A esperta Irene foi também usada por Satanás para restaurar e reestabelecer a adoração de imagens. Daquele dia até hoje ambas igrejas grega e latina aderiram a essa forma de culto, e mantiveram a santidade de suas imagens e pinturas.

Os resultados políticos da controvérsia iconoclástica foram igualmente grandes e importantes. Roma então rompeu os laços de sua conexão com o Oriente, separando-se para sempre do Império Bizantino; e o cristianismo grego, a partir de então, tornou-se uma religião separada, e o império um Estado separado. O Ocidente, recebendo uma grande adesão de poder através dessa revolução, finalmente criou seu próprio império, formou alianças com os reis francos, e colocou a coroa do império ocidental na cabeça de Carlos Magno, como já vimos anteriormente.

domingo, 8 de janeiro de 2017

Monotelismo e Iconoclastia

Enquanto os árabes sob Abu Bakr e Omar estavam invadindo os países gregos, e arrancando província após província do império, o imperador contentou-se em enviar exércitos para repeli-los e permaneceu em sua capital para a discussão de questões teológicas. Desde a conclusão de suas guerras bem-sucedidas contra a Pérsia, a religião tinha se tornado quase o objetivo exclusivo de sua solicitude. Duas grandes controvérsias estavam, no momento, agitando todo o mundo cristão. A primeira dessas, a assim chamada controvérsia monotelista, pode ser descrita, em geral, como um reavivamento, sob uma forma um pouco diferente, da velha heresia monofisita, ou de Eutiques. Sob o nome geral dos monofisitas estão compreendidos os quatro principais ramos de separatistas da igreja oriental: os jacobitas sírios, os coptas, os abissinianos e os armênios. O originador dessa numerosa e poderosa comunidade cristã foi Eutiques, abade de um convento de monges em Constantinopla, no século V. Os monofisitas negavam a distinção das duas naturezas em Cristo; os monotelitas, por outro lado, negavam a distinção da vontade, divina e humana, no bendito Senhor. Uma tentativa bem-intencionada, porém frustrada, do imperador Heráclito, foi reconciliar os monofisitas à igreja grega. Mas, como o som da controvérsia é raramente ouvido dentre os sectários orientais após esse período, e como um relato detalhado de suas disputas não seria de nenhum interesse aos nossos leitores, deixamos isto para as páginas da história eclesiástica.*

{* Para maiores detalhes sobre as diferentes seitas, veja Dicionário das Igrejas Cristãs e Seitas, de Marsden, e Crenças do Mundo, de Gardner.}

A iconoclastia, ou o surto de destruição de imagens, merece uma consideração mais detalhada. Ela penetrou no coração da Cristandade como nenhuma outra controvérsia tinha feito até então, e forma uma importante época na história da Sé Romana. Jezabel agora aparece em suas verdadeiras cores, e, deste momento em diante, seu caráter maligno é indelevelmente estampado no papado. Os papas que então preenchiam a cadeira de São Pedro defendiam e justificavam abertamente a adoração a imagens. Este foi, certamente, o início do papado -- a maturidade do sistema de desonra a Deus. Os fundamentos do papado foram descobertos, e assim tornou-se evidente que a perseguição e a idolatria eram os dois pilares sobre os quais seu domínio arrogante repousava.

sábado, 24 de dezembro de 2016

A Sanção de Zacarias à Conspiração de Pepino

A parte que Bonifácio e seu chefe, o papa, tiveram nessa revolução, e a moralidade dos procedimentos, têm sido assuntos de muita controvérsia. Os escritores papais têm dolorosamente tentado exonerar os inescrupulosos sacerdotes, e os escritores protestantes tentam criminalizá-los. Mas se compararmos a conduta deles com os princípios do Novo Testamento, não pode haver controvérsia. Cada princípio e sentimento correto, tanto humanos quanto divinos, foram prontamente sacrificados para assegurar a aliança de Pepino contra os gregos e lombardos. A violação dos direitos sagrados dos reis, a grande lei da sucessão hereditária, a rebelde ambição de um servo, a degradação do soberano legítimo, e a absolvição de súditos por suas infidelidades, são aqui todos sancionados pelo papado como sendo corretos aos olhos de Deus, uma vez que eles eram os meios pelos quais o papa seria elevado à uma soberania secular. Tal foi a ousada perversão e a terrível blasfêmia da Sé Romana na metade do século VIII. Que o estudante da história da igreja tome nota dessa ocorrência como característica do papado, e como um precedente para suas futuras pretensões. Este acontecimento é geralmente relatado como o primeiro exemplo de interferência do papa nos direitos dos príncipes e na fidelidade dos súditos. Mas os sucessores de Zacarias fizeram amplo uso desse precedente em anos posteriores. Eles afirmavam que os reis da França, a partir desse tempo, podiam ser coroados apenas pela autoridade do papa, e que a sanção papal era seu único título legal. Mal podiam Pepino ou Zacarias prever os imensos efeitos dessa negociação na história da igreja e do mundo. Foi o grande primeiro passo em direção ao futuro reinado do bispo de Roma -- o importante elo na cadeia de eventos.

O Único Grande Objetivo do Papado

A cada dia tornava-se mais e mais evidente que não poderia haver paz sólida para Roma, nem fundamento seguro para a supremacia já alcançada, a menos que fosse alcançada a derrubada total tanto dos poderes gregos quanto lombardos na Itália, e a apropriação de seus espólios pela santa Sé. Este era então o único grande objetivo dos sucessores de São Pedro e a batalha que eles tinham que lutar. Mas, assim como a vinha de Nabote, o jizreelita, isso deveria ser possuído por bem ou por mal. Jezabel conspira, e a morte de Nabote é realizada. A história dos reis lombardos e da grande controvérsia iconoclástica durante os séculos VII e VIII lançam muita luz sobre os meios usados para alcançar esse fim; mas disso tudo podemos dizer apenas uma palavra para passarmos adiante, e sugerir aos nossos leitores a consulta direta à história geral.*

{* Veja especialmente a Cathedra Petri de Greenwood.}


"Há abundante fundamento histórico para acreditar", diz Greenwood, "que esse objetivo havia, por essa época, se moldado muito distintamente na mente do papado: o território de seu inimigo religioso, o imperador, devia ser definitivamente anexado ao patrimônio de São Pedro, juntamente a um Estado territorial muito mais extenso à medida que a oportunidade viesse ao alcance.  Mas restava a árdua e aparentemente impossível tarefa de arrancar essas potenciais aquisições das mãos do inimigo lombardo. E, de fato, todo o curso da política papal estava então direcionada ao cumprimento desse único objetivo."

quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

O Período de Transição do Papado

Retornemos agora a Roma. Sua importância e influência como um centro reivindica nossa maior atenção por mais um pouco. Os domínios espirituais do papa então se estendiam por toda a parte. De todas as partes do império bispos, príncipes e povos olhavam para Roma como o pai de sua fé e a mais elevada autoridade na Cristandade. Mas, embora assim exaltada à mais alta soberania espiritual, o supremo pontífice e sua relação com o império oriental ainda era um assunto delicado. Isto era insuportável para o orgulho e ambição de Roma. A poderosa batalha pela vida e poder político agora começava, e durou por todo século VII e VIII. Este foi o período de transição de um estado de subordinação ao poder civil ao estado de auto-existência política. Como isto poderia ser alcançado era então o grande problema que o Vaticano tinha que resolver. Mas o domínio espiritual não podia ser mantido sem o poder secular.

Os lombardos -- os vizinhos mais próximos e temidos dos papas -- e o império grego eram os dois grandes obstáculos no caminho da soberania secular do papa. A queda do império ocidental e a ausência de qualquer governo nacional fez com que o povo romano olhasse para o bispo como seu chefe natural. Ele foi assim investido com uma influência política especial, distinta de seu caráter eclesiástico. As invasões dos lombardos, como já vimos, e a fraqueza dos gregos, contribuíram para o aumento do poder político nas mãos dos pontífices. Mas isto foi apenas acidental, ou uma necessidade diante das emergências imprevistas. Os Estados romanos ainda eram governados por um oficial do império oriental, e o próprio papa, se ofendesse o imperador, era suscetível de ser preso e lançado na prisão, como foi, de fato, o caso do papa São Martinho no ano 653, que morreu no exílio no ano seguinte.

domingo, 4 de dezembro de 2016

A Superstição e a Idolatria de Gregório

Ambição misturada com humildade e superstição misturada com fé caracterizavam o grande pontífice. Esta estranha mistura e confusão era, sem dúvida, o resultado de sua falsa posição. É difícil entender como um homem de tão bom senso pôde se tornar tão degradado pela superstição a ponto de acreditar na operação de milagres por meio de relíquias, e recorrer a tais coisas para a confirmação da verdade das Escrituras. Mas a triste verdade é que, em vez de devotar-se aos interesses de Cristo, ele foi cegado pelo grande e absorvente objetivo: os interesses da igreja de Roma. Paulo podia dizer: "Uma coisa faço"; e também "Uma coisa sei". Primeiro, devemos saber que somos perdoados e aceitos; então, fazer as coisas que agradam a Cristo é o elevado e celestial chamado do cristão. "Para conhecê-lo, e à virtude da sua ressurreição, e à comunicação de suas aflições, sendo feito conforme à sua morte... Irmãos, quanto a mim, não julgo que o haja alcançado; mas uma coisa faço, e é que, esquecendo-me das coisas que atrás ficam, e avançando para as que estão diante de mim, prossigo para o alvo, pelo prêmio da soberana vocação de Deus em Cristo Jesus" (Filipenses 3:10-14). Tal era, e deveria sempre ter sido, o espírito e o anelo do cristianismo. Mas o que encontramos ao final do sexto século? Qual era a "uma coisa" que Gregório tinham em vista? Claramente não eram as reivindicações de um Cristo celestial, e conformidade com Ele em Sua ressurreição, sofrimentos e morte. Podemos seguramente afirmar que o grande objetivo de sua vida pública foi estabelecer além de qualquer disputa o bispado universal de Roma. E para este fim, em vez de levar almas a deliciarem-se nos caminhos de Cristo, assim como nEle Próprio, o que Paulo sempre fez, ele buscava fazer avançar suas reivindicações da Sé Romana pela idolatria e corrupção. Nem mesmo o espírito de perseguição estava totalmente ausente.

O monasticismo, sob o patrocínio de Gregório, especialmente de acordo com as regras mais estritas de Bento, foi grandemente revivido e amplamente estendido. A doutrina do purgatório, respeito por relíquias, a adoração de imagens, a idolatria dos santos e dos mártires, o mérito das peregrinações a lugares santos, foram todos ensinados ou sancionados por Gregório, como coisas conectadas ao seu sistema eclesiástico. E temos de reconhecer que tudo isso são características inegáveis da atividade de Balaão e da corrupção de Jezabel.

Mas agora passemos ao século VII. A Idade das Trevas está próxima, e tenebrosa de fato ela é. O papado começa a assumir uma forma definida. E, como chegamos em nossa história ao final de uma era do cristianismo e ao começo de outra, podemos fazer uma pausa proveitosa por um momento para fazer um levantamento geral do progresso do evangelho em diferentes países.

domingo, 20 de novembro de 2016

A Posição Eclesiástica e Secular de Gregório

O cuidado pastoral da igreja era evidentemente o principal objetivo e deleite do coração de Gregório. Ele acreditava que esta era sua obra, e com prazer teria se dedicado inteiramente a isto; pois, de acordo com a credulidade supersticiosa da época, ele tinha a mais profunda convicção de que o cuidado e governo de toda a igreja pertencia a ele como sucessor de São Pedro; e também, que ele era obrigado a defender a dignidade especial da Sé de Roma. Mas ele foi compelido, a partir do perturbado estado da Itália, e pela segurança de seu povo -- seu querido rebanho -- a empreender muitos tipos de negócios incômodos, totalmente estranhos ao seu chamado espiritual. Os invasores lombardos* eram, naquela época, o terror dos italianos. Os godos tinham sido, em grande medida, civilizados e romanizados. Mas esses novos invasores eram bárbaros sem remorso e impiedosos; embora, por mais estranho que seja dizê-lo, eles eram os autodeclarados campeões do arianismo. E o poder imperial, em vez de proteger seus súditos italianos, agiu apenas como um obstáculo para que eles se defendessem. Guerra, fome e pestilência tinham dizimado e despopulado tanto o país, que todos os corações falhavam, e todos se voltavam ao bispo como o único homem para a emergência desses tempos, de tão firme que era a opinião sobre sua integridade e capacidade entre os homens.

{* Os lombardos foram uma tribo germânica de Brandenburg. De acordo com a crença popular, eles tinham sido convidados à Itália por Justiniano para lutar contra os godos. O chefe deles, Alboin, estabeleceu um reino que durou de 568 a 774. O último rei, Desidério, foi destronado por Carlos Magno. Como os encontraremos novamente em conexão com nossa história, apenas tomamos esta breve nota sobre sua origem. -- Dicionário de Datas, de Haydn.}

Assim vemos que o poder secular, em primeira instância, foi imposto ao Papa. Não parece que ele buscava essa posição -- uma posição tão ansiosamente procurada por muitos de seus sucessores; mas vemos que ele entrou com relutância em deveres tão pouco de acordo com o grande objetivo de sua vida. Ele involuntariamente deixou para trás a vida quieta e contemplativa de monge, e entrou em assuntos do estado como um dever a Deus e a seu país. A direção dos interesses políticos de Roma recai sobretudo sobre Gregório. Ele foi guardião da cidade e o protetor da população da Itália contra os lombardas. Toda a história presta testemunho à sua grande capacidade, sua incessante atividade, e a multiplicidade de suas ocupações como o virtual soberano de Roma.

No entanto, por mais inconsciente que Gregório tenha sido quanto aos efeitos de sua grande reputação, ele contribuiu muito para a dominação eclesiástica e secular de Roma. A preeminência em seu caso, por mais triste que fosse para um cristão, era desinteressada e exercida de modo benéfico; mas não foi assim com seus sucessores. A infalibilidade do Papa, a tirania espiritual, a perseguição aos de diferentes opiniões, a idolatria, a doutrina do mérito das obras, o purgatório e as missas pelas almas dos mortos, coisas que se tornaram marcas registradas do papado, ainda não haviam se estabelecido totalmente em Roma; mas, podemos dizer, estavam todas à vista.

Não devemos, no entanto, prosseguir com esse assunto no momento; voltemos a um assunto mais interessante e mais agradável a nossas mentes.

domingo, 13 de novembro de 2016

Gregório I, Apelidado de "o Grande" (590 d.C.)

Chegamos agora ao final do sexto século do cristianismo. Neste ponto encerra-se a história do período inicial da igreja, e começa a do período medieval. O pontificado de Gregório pode ser considerado como a linha que separa os dois períodos. Uma grande mudança acontece. As igrejas orientais declinam e recebem pouca atenção, enquanto as igrejas do Ocidente, especialmente a de Roma, atraem amplamente a atenção do historiador. E como Gregório pode ser considerado o homem representativo desse período transicional, nos esforçaremos para colocá-lo de forma justa perante o leitor.

Gregório nasceu em Roma por volta do ano 540, sua família sendo de classe senatorial, e ele próprio sendo o bisneto de um papa chamado Félix, de modo que, em sua descendência, ele herdou tanto a dignidade civil quanto a eclesiástica. Pela morte de seu pai ele se tornou possuidor de grande riqueza, que ele imediatamente dedicou a usos religiosos. Ele fundou e manteve sete monastérios: seis na Sicília, e a outra, que era dedicada a Santo André, na mansão de sua família em Roma. Ele liquidou em dinheiro suas roupas e joias caras e seus móveis e distribuiu aos pobres. Quando tinha cerca de 35 anos ele deixou de lado seus compromissos civis, assumiu sua residência no monastério romano e começou uma vida estritamente ascética. Embora fosse seu próprio convento, ele começou com os mais baixos deveres monásticos. Todo seu tempo era gasto em oração, lendo, escrevendo, e fazendo os mais abnegados exercícios. A fama de sua abstinência e caridade se espalhou por toda a parte. Com o decorrer do tempo ele se tornou abade de seu monastério; e, com a morte do papa Pelágio, ele foi escolhido pelo senado, clero e povo para preencher a cadeira vazia. Ele se recusou, e esforçou-se por vários meios a escapar das honras e dificuldades do papado. Mas ele foi forçadamente ordenado, pelo amor do povo, como bispo supremo.

Tirado da quietude de um claustro e de suas pacíficas meditações ali, Gregório via-se então envolvido no gerenciamento dos mais variados e desconcertantes assuntos tanto da igreja como do Estado. Mas ele estava evidentemente preparado para o grande e árduo trabalho que tinha diante de si. Vamos tomar nota, primeiramente, da fervente caridade de Gregório. 

domingo, 6 de novembro de 2016

O Começo do Período Papal

É geralmente admitido que esse período começa com o pontificado de Gregório, o Grande, em 590, e termina com a Reforma na primeira metade do século XVI. Mas, antes de entrarmos na história geral, tentaremos responder a uma questão que tem sido perguntada e que, sem dúvida, está na mente de muitos: Quando, e por que meios, o poder caiu nas mãos do pontífice romano, o que levou a sua supremacia e despotismo durante a Idade Média? É uma pergunta interessante, mas respondê-la plenamente nos levaria além de nossos limites. Podemos apenas apontar alguns poucos fatos na cadeia de eventos que levou à fundação do grande poder e soberania da Sé de Roma.

Desde o tempo do famoso decreto de Milão em 313, a história da igreja mudou de caráter. Ela passou então de uma condição de angústia e perseguição para o auge de uma prosperidade e honra mundana: outras questões além daquelas do cristianismo foram doravante envolvidas em sua história. Tendo entrado em uma aliança com o Estado, seu futuro caminho foi necessariamente formado por suas novas relações. Ela não podia mais agir simplesmente no nome do Senhor Jesus, e de acordo com Sua santa Palavra. Mas nunca poderia haver uma completa amalgamação (mistura entre os dois lados). Um era do céu, e o outro era deste mundo. Eles são, por natureza, opostos um ao outro. Ou a igreja aspirava ser senhora do Estado, ou o Estado invadia o terreno da igreja e desconsiderava seus direitos inerentes. Foi exatamente isto o que aconteceu. Logo após a morte de Constantino, a luta entres esses dois grandes poderes, a igreja e o Estado, pelo governo do mundo, começou; e, de modo a assegurar o êxito nesta guerra, o pontífice romano recorreu a caminhos e meios que não caracterizaremos aqui, uma vez que nos depararemos com eles em breve. 

Antes de Constantino transferir a sede do império a Bizâncio e construir Constantinopla, Roma era a metrópole reconhecida, e seu bispo o primaz. Mas quando Constantinopla tornou-se a cidade imperial, seu bispo foi promovido à categoria de patriarca, e logo começou a reivindicar a dignidade de pontífice romano. Este foi o início da igreja grega como uma comunhão separada, e da longa disputa entre o Oriente e o Ocidente. Havia então quatro patriarcas, de acordo com o plano do imperador: em Roma, Constantinopla, Antioquia e Alexandria. A categoria do bispo dependia da superioridade da cidade em que presidia, e como Constantinopla era então a capital do mundo, seus bispos não ficavam atrás de ninguém em honra e magnificência. Os outros ficaram invejosos, Roma queixou-se, a contenda começou, a brecha se alargou. Mas Roma nunca descansou até que tivesse ganhado a ascendência sobre seus rivais mais fracos e menos ambiciosos.

domingo, 30 de outubro de 2016

A Epístola à Igreja em Tiatira

Capítulo 13: Roma e a Expansão de Sua Influência (397 - 590 d.C.)


"E ao anjo da igreja de Tiatira escreve: Isto diz o Filho de Deus, que tem seus olhos como chama de fogo, e os pés semelhantes ao latão reluzente: Eu conheço as tuas obras, e o teu amor, e o teu serviço, e a tua fé, e a tua paciência, e que as tuas últimas obras são mais do que as primeiras. Mas algumas poucas coisas tenho contra ti que deixas Jezabel, mulher que se diz profetisa, ensinar e enganar os meus servos, para que forniquem e comam dos sacrifícios da idolatria. E dei-lhe tempo para que se arrependesse da sua fornicação; e não se arrependeu. Eis que a porei numa cama, e sobre os que adulteram com ela virá grande tribulação, se não se arrependerem das suas obras. E ferirei de morte a seus filhos, e todas as igrejas saberão que eu sou aquele que sonda os rins e os corações. E darei a cada um de vós segundo as vossas obras. Mas eu vos digo a vós, e aos restantes que estão em Tiatira, a todos quantos não têm esta doutrina, e não conheceram, como dizem, as profundezas de Satanás, que outra carga vos não porei. Mas o que tendes, retende-o até que eu venha. E ao que vencer, e guardar até ao fim as minhas obras, eu lhe darei poder sobre as nações, e com vara de ferro as regerá; e serão quebradas como vasos de oleiro; como também recebi de meu Pai. E dar-lhe-ei a estrela da manhã. Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às igrejas." (Apocalipse 2:18-29)

Pensamos que basta um pouco de discernimento espiritual e um conhecimento moderado sobre a história eclesiástica para ver o papado da Idade Média prenunciado nesta epístola. Vimos em Éfeso o declínio do primeiro amor, em Esmirna a perseguição do poder romano, em Pérgamo vemos Balaão seduzindo a igreja e a unindo ao mundo; mas as coisas são ainda piores em Tiatira. Aqui temos as consequências tristes porém naturais dessa união ímpia. Como poderia ser de outro modo quando qualquer que meramente se submetesse ao rito exterior do batismo fosse considerado como nascido de Deus? A porta foi assim escancarada para que o destruidor e o corruptor entrassem no recinto sagrado da igreja de Deus. Todo o testemunho quanto ao seu caráter celestial e sua separação do mundo estava agora perdido. Ela tinha falsificado a palavra do Senhor que diz aos Seus discípulos: "Não são do mundo, como eu do mundo não sou" (João 17:16). De fato, na aparência, o cristianismo tinha ganhado uma vitória. A cruz era então revestida em ouro e pedras preciosas, mas esta era a glória do mundo, não de um Cristo crucificado. Era, na verdade, o mundo que tinha ganhado a vitória, e a humilhação da igreja assim estava completa.

Apenas o Senhor podia estimar as terríveis consequências de tal estado de coisas. Seus olhos viam a corrupção, as idolatrias, e as perseguições da assim chamada Idade das Trevas, da qual a igreja em Tiatira foi um prenúncio notável. Veremos agora resumidamente o conteúdo da epístola.
  1. Os títulos do Senhor são a primeira coisa a ser observada. Eles são cheios das mais adequadas instruções para os poucos fiéis quando o corpo geral de cristãos está identificado com este mundo. Ele Se apresenta como o Filho de Deus, que tem olhos como chama de fogo, e Seus pés como latão reluzente. Quando Pedro confessou que Jesus era o Cristo, o Filho do Deus vivo, Ele imediatamente acrescentou: "Sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela". E agora, em antecipação a tudo o que estava por vir, Ele chama a atenção para os pensamentos de Seu povo para o fundamento imutável sobre o qual a igreja é construída. Ele também assume os atributos do juízo divino. Fogo é o símbolo dos penetrantes olhos de juízo, como chamas de fogo, de um juízo que a tudo perscruta; e os pés como latão reluzente, do juízo iminente. 

    Aqui temos, então, no caráter que o bendito Senhor toma, a garantia da perfeita segurança do remanescente fiel, e a afirmação do infalível julgamento sobre a falsa profetiza e sua numerosa prole de filhos corruptos -- filhos de sua sedução e corrupção. Jezabel era não apenas uma profetiza como também uma mãe: ela não apenas seduziu o povo de Deus por suas falsas doutrinas, matando também a muitos; como também uma ampla classe dos piores dentre os homens derivou sua existência a partir de sua corrupção [de Jezabel]. Isto é dolorosamente manifesto no decorrer de toda a Idade das Trevas - o "estado de Jezabel" da igreja. Ela se estabeleceu dentro da igreja como se fosse sua própria casa, e decretou a todo o mundo que ela era infalível e que devia ser implicitamente obedecida em todos os assuntos da fé. Concordar com tal suposição blasfema era infidelidade a Cristo; se opôr a ela resultava em sofrimento e morte.

  2. À medida que as pretensões de Roma falavam cada vez mais alto e as trevas cresciam cada vez mais densas, muitos dos santos de Deus se tornaram cada vez mais devotos a Cristo e a Suas reivindicações. O que é devido a Cristo deve sempre ser a palavra de ordem do cristão, e não o que é devido àqueles em posições elevadas. Parece ter havido uma energia espiritual nessa época que se ergue acima de tudo o que houve desde os dias dos apóstolos. Isto é graça -- a maravilhosa graça de Deus para com Seus verdadeiros santos em um tempo de muita provação. É a linha prateada de Seu próprio amor que é tão preciosa a Sua vista. Podemos nem sempre ser capazes de traçá-la na história eclesiástica, mas lá está ela, e lá ela brilha aos olhos e ao coração de Deus em meio à abundante iniquidade. Isto deve ser notado, e sempre lembrado, como algo de muito encorajamento ao cristão quando colocado em circunstâncias de provas. Ouça o que o Próprio Senhor diz: "Eu conheço as tuas obras, e o teu amor, e o teu serviço, e a tua fé, e a tua paciência, e que as tuas últimas obras são mais do que as primeiras". Aqui temos amor, fé e esperança em vivo exercício, os três grandes princípios fundamentais do verdadeiro cristianismo prático; e vemos que as últimas obras são mais que as primeiras. Não nos deparamos com tal testemunho fiel, ou tal medida de devoção, desde os primeiros dias da igreja em Tessalônica. Pode ser, no entanto, que a impiedade ao redor tornou a piedade deles ainda mais preciosa para o coração do Senhor, levando-O a elogiá-los ainda mais. Mas nenhum coração que bate verdadeiramente para Ele em um dia mau passará desconhecido, despercebido ou não recompensado.

  3. No entanto, embora o Senhor ame elogiar o que Ele pode em Seu povo, e observar as coisas boas antes de falar das coisas más, Ele também não tarda em detectar suas falhas. Eles corriam o perigo de adulterarem com a falsa doutrina e com o falso sistema religioso de Jezabel; portanto Ele diz: "Mas algumas poucas coisas tenho contra ti que deixas Jezabel, mulher que se diz profetisa, ensinar e enganar os meus servos, para que forniquem e comam dos sacrifícios da idolatria" (v. 20). Não obstante a fidelidade de muitas almas fervorosas em Tiatira (ou seja, na igreja medieval), havia também a aceitação pública do espírito do mal: "toleras a mulher Jezabel" (versão Almeida Revisada). Esta era a sombra escura sobre a linha prateada: que às vezes acaba parecendo completamente obscurecida. Mas o Senhor não falhou, como sempre, em levantar testemunhas adequadas para Ele Próprio. Assim como havia santos na casa de César, um Obadias na casa de Acabe, um remanescente fiel em Israel que não tinha se curvado a Baal, assim o Senhor nunca foi deixado sem uma testemunha fiel no decorrer da Idade Média. No entanto, havia uma permissividade ao mal no estado geral de coisas, o que entristecia o coração do Senhor e trazia os Seus juízos.

    "A mulher", pode ser interessante observar, é usada como um símbolo do estado geral; "o homem", é dito, é um símbolo de atividade responsável. Balaão e Jezabel são nomes simbólicos -- um profeta e uma profetiza. O primeiro agiu como um sedutor entre os santos; e a última se estabeleceu dentro da igreja professa e fingia ter absoluta autoridade ali. Isto era ir muito além até mesmo da impiedade de Balaão. Mas todos sabemos o que Jezabel foi quando se assentou como rainha em Israel. Seu nome chega até nós como envolto em crueldades e sangue. Ela odiava e perseguia as testemunhas de Deus; ela encorajava e patrocinava os sacerdotes idólatras e profetas de Baal; ela acrescentava violência à corrupção: tudo virou ruína e confusão. E este é o nome que o Senhor escolheu para simbolizar o estado geral da igreja professa durante a Idade Média. Em Tiatira, Ele, cujos olhos eram como chama de fogo, podia ver a semente daquilo que carregaria tal fruto ruim até dias póstumos, e assim Ele adverte Seu povo para que retenham aquilo que eles já tinham, o que inclui Ele Próprio. "Outra carga vos não porei. Mas o que tendes, retende-o até que eu venha". Como o estado de Jezabel continua até o fim e nunca pode ser consertado, o Senhor direciona então os olhos da fé do remanescente para Seu próprio retorno -- "Até que eu venha". A brilhante esperança de Sua vinda é assim apresentada como um conforto ao coração em meio à ruína geral; e Seus santos são aliviados, pelo Próprio Senhor, das vãs tentativas dos homens de consertar a igreja {*N. do T.: aqui no sentido de seu testemunho na terra} e o mundo. Que libertação misericordiosa! Mas a pobre natureza humana não pode entendê-la, e assim tenta, vez após outra, consertar questões tanto na igreja como no Estado.

  4. Temos evidentemente três classes de pessoas mencionadas nesta epístola: (1) Os filhos de Jezabel -- aqueles que devem seu nome e lugar cristão ao seu sistema corrupto. Um julgamento impiedoso levará a todos estes. Foi dado espaço para o arrependimento, mas eles não se arrependeram; portanto, o pleno juízo de Deus cairá sobre eles. "Ferirei de morte a seus filhos". (2) Aqueles que não são seus filhos, mas que não fazem oposição a ela: são maleáveis e indolentes. Esta, infelizmente, é uma ampla classe de pessoas em nossos próprios dias. Ela caracteriza a condição pública da cristandade. Sem consciência diante de Deus, eles se contentam em flutuar suavemente correnteza abaixo, em comunhão com algum sistema religioso que lhes pareça mais agradável a suas próprias mentes. Quanto ao que é agradável para a mente de Deus, eles nunca buscam saber. Ainda assim eles são Seus filhos. O juízo para tais é "grande tribulação, se não se arrependerem das suas obras". (3) O remanescente fiel, os "vencedores". Eles são aqui mencionados como "os demais", ou o remanescente; eles terão poder sobre as nações em associação com Cristo quando Ele vier para reinar. Enquanto isso eles têm essa doce e preciosa promessa: "E dar-lhe-ei a estrela da manhã". Isto é a associação consciente com Ele Próprio até mesmo hoje. A igreja medieval era especialmente culpada de duas coisas: ela arrogante e perversamente buscava possuir poder supremo sobre as nações, e ela perseguia o remanescente fiel dos santos, tais como os valdenses e outros. Mas os santos, uma vez assim perseguidos, ainda possuirão o reino, e reinarão com Cristo por 1000 anos; e todo o sistema de Jezabel será totalmente e para sempre rejeitado: "É forte o Senhor Deus que a julga" (Apocalipse 18:8).

  5. Há apenas mais uma coisa para tomar nota neste esboço da condição pública da cristandade desde o início do sistema papal. A exortação a "ouvir" é colocada após a promessa especial. Isto marca o remanescente como distinto e separado do corpo geral. Nas três primeiras igrejas a palavra de advertência -- "Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz às igrejas" -- vem antes da promessa. Mas nas quatro igrejas finais temos a promessa antes do chamado a ouvir. O significado óbvio dessa mudança é profundamente solene. Nas primeiras três, o chamado a ouvir é dirigido a toda a assembleia, mas nas últimas apenas ao remanescente. Parece que, nestas, é esperado que ninguém ouviria além dos vencedores. O corpo professo geral parece tanto cego como surdo através do poder de Satanás e das poluições de Jezabel; que temível condição! Devemos também ter em mente que os quatro estados, como representados pelas últimas quatro igrejas, continuam até o final da vinda do Senhor. Que Ele possa nos guardar de tudo o que cheire a Jezabel, para que possamos apreciar devidamente nossa união com Ele Próprio e Suas bênção prometidas aos "vencedores".

Tendo então brevemente examinado o quadro divinamente pintado sobre o estado de Jezabel da igreja durante a Idade das Trevas, nos voltaremos agora aos amplos, porém tristes, registros de sua história.

domingo, 25 de setembro de 2016

A Cerimônia dos Votos

O espírito cruel e impiedoso do papado é sentido dolorosamente até mesmo por seus próprios membros na consagração de uma freira. Isso não é natural, nem bíblico: é um ultraje para todo sentimento de nossa humanidade, ruinoso tanto para a alma quanto para o corpo, e submeter-se a isso só é possível pelo poder que Satanás tem de cegar as pessoas. Que misericórdia é estarmos longe de sua influência inexplicável e ilusões fatais! Ligeiramente abreviada, a seguinte descrição do cerimonial de uma noviça a tomar os votos vem da pena de uma testemunha ocular da cena que ocorreu em Roma:

"Por favores particulares foram-nos dados os melhores assentos, e, após esperarmos cerca de meia hora, dois criados em ricas texturas abriram caminho para a jovem condessa, que entrou na igreja lotada vestida da cabeça aos pés, com cabelos negros brilhando com diamantes. Apoiada por sua mãe, ela avançou até o altar. O sacerdote oficiante era vicário, o discurso do púlpito foi pronunciado por um monge dominicano, que a apresentou como a esposa prometida de Cristo -- uma santa na terra, uma que renunciou às vaidades do mundo por uma antecipação das alegrias do céu.

"Tendo o sermão terminado, a própria doce vítima, ajoelhando-se diante do altar aos pés do cardeal, solenemente abjurou do mundo cujos prazeres e afeições ela parecia tão calculadamente desfrutar, e pronunciou aqueles votos que a separariam dele para sempre. Enquanto sua voz suavemente cantava aquelas palavras fatais, eu acredito que mal havia um olho em toda a imensa igreja que não estivesse cheio de lágrimas. Os diamantes que brilhavam em seus cabelos foram arrancados, e suas longas e belas tranças caíram luxuriantemente sobre seus ombros.

"A grade que a sepultaria foi aberta. A abadessa e sua negra fileira de freiras apareceram. Suas vozes corais cantavam uma sequência de boas-vindas, que dizia, ou parecia dizer 'espírito irmão, venha para fora!'. Ela renunciou a seu nome e título e adotou uma nova denominação, recebendo a bênção solene do cardeal e os últimos abraços de seus amigos em pranto, e então atravessou o ponto de seu destino do qual jamais retornaria. Um painel atrás do outro se abriu, e ela apareceu na grade novamente. Ali ela foi despojada de seus ornamentos e de seu traje esplêndido, seus belos cabelos foram impiedosamente cortados pelas tesouras fatais das irmãs, o que foi o suficiente para fazer toda a congregação estremecer. Assim que foi tosquiada de sua cobertura natural, as irmãs apressaram-se em vesti-la com as roupas sóbrias de freira, a touca branca e o véu de noviça.

"Ao longo de toda a cerimônia ela mostrou grande calma e firmeza, e não foi até que tudo tivesse terminado que seus olhos se encheram de lágrimas de emoção natural. Mais tarde, ela apareceu na pequena porta dos fundos do convento para receber a simpatia, os louvores e congratulações de todos os seus amigos e conhecidos, e até mesmo de estranhos, todos esperando pagar seus cumprimentos à nova esposa do céu."*

{* Crenças do Mundo, de Gardner.}

A descrição dada aqui refere-se à profissão de uma freira na tomada do véu branco, um passo que simboliza o início do noviciado, ou ano de teste, ainda não irrevogável. A cerimônia de tomada do véu preto no final do ano é ainda mais solene e terrível, e quando terminada, a freira passa a ser reclusa para o resto da vida, e pode apenas ser libertada de seu voto pela morte. Aos olhos da lei romana, tanto civil quanto eclesiástica, o passo dado estaria além de qualquer revogação. Prisão, tortura e morte temporal e eterna são tidas como as punições pela desobediência. E quem pode dizer, de fora dos muros dos conventos, quais crueldades refinadas e prolongadas não são praticadas lá dentro? O poder é despótico; não há apelação, até que enganador e enganado, perseguidor e vítima indefesa, estejam lado a lado diante do justo tribunal de Deus.

domingo, 18 de maio de 2014

A Abertura do Reino dos Céus

O Senhor, de maneira especial, concedeu a Pedro a administração do reino, como vemos nos primeiros capítulos de Atos. O termo é tirado do Antigo Testamento (veja Daniel 2 e 7). No capítulo 2, temos o reino; no capítulo 7, temos o Rei. A frase "reino dos céus" aparece apenas no Evangelho de Mateus, no qual o evangelista escreve principalmente para Israel.

A vinda do reino dos céus em poder e glória à Terra, na Pessoa do Messias, era a natural expectativa de todo judeu fiel. João Batista, como precursor do Senhor, apareceu pregando que o reino dos céus estava próximo. Mas, em vez de receberem o Messias, os judeus O rejeitaram e crucificaram. Consequentemente, o reino, de acordo com as expectativas judaicas, foi deixado de lado. No entanto, ele foi introduzido de uma outra forma. Quando o rejeitado Messias ascendeu ao Céu, e tomou Seu lugar à direita de Deus, triunfante sobre todos os inimigos, o reino dos céus começou. Agora o rei está no Céu, e como Daniel diz, "o Céu reina", embora não abertamente. E, a partir do tempo em que Ele subiu até Seu retorno, este é o reino em mistério (Mateus 13). Quando Ele voltar novamente em poder e grande glória, será o reino manifesto.

A Pedro foi dado o privilégio de abrir esse reino para ambos judeus e gentios. Isto foi feito em sua pregação aos judeus, em Atos 2, e em sua pregação aos gentios, em Atos 10. Mas, novamente, devemos prestar atenção ao fato de que a igreja de Deus e o reino dos céus não são a mesma coisa. Sejamos claros, para começar, quanto a este ponto fundamental. A identificação falha das duas coisas têm produzido grande confusão de ideias e pode ser vista como a origem do puseísmo*, do papado, e de todo o sistema humano da Cristandade. Os comentários da próxima seção sobre a parábola do joio tratam diretamente desse assunto, apesar de se referirem a um período posterior ao dos primeiros capítulos de Atos.**

{*Movimento ritualista que visava a aproximar do catolicismo a igreja anglicana.}
{**Lectures on the Gospel of Matthew. Por W. Kelly.} 

domingo, 11 de maio de 2014

As Chaves do Reino dos Céus

Isso nos leva à já mencionada "grande casa" da profissão de fé cristã meramente externa. No entanto, devemos ter em mente que, apesar de intimamente conectados, o reino dos céus e a grande casa referem-se a coisas um tanto distintas. O mundo pertence ao Rei. "O campo é o mundo". Seus servos devem ir a semear. Como resultado, temos "uma grande casa", ou Cristandade.*

{* Os termos "igreja", "reino dos céus", e "grande casa" são bíblicos, e diferem um pouco em seus significados, como usados pelo Senhor e Seus apóstolos. O termo "minha igreja", como usado pelo Senhor, engloba apenas membros vivos e verdadeiros. O pensamento principal da expressão "reino dos céus" claramente se refere à autoridade do Senhor tendo ascendido às alturas. Todos os que professam sujeição a Ele pertencem a esse reino. Na "grande casa" vemos o mal em atividade, infiltrado no corpo professante por meio das falhas do homem, resultando em sua co-existência com o reino dos céus e com a igreja professante. Mas há ainda outro termo usado constantemente, e que não é encontrado nas Escrituras - a Cristandade. Trata-se de um termo eclesiástico, e originalmente indicava todos os que foram cristianizados, ou aquelas porções do mundo em que o Cristianismo prevalecia, distinguindo-as das terras pagãs ou maometanas. Mas agora, essa palavra tem sido usada como sinônimo dos outros três termos já mencionados. De modo geral, os quatro termos são usados para se referir à mesma coisa, apesar de serem originalmente diferentes em seu significado e aplicação. Mas onde não há confusão hoje em dia? }

Porém, quando tudo aquilo que é meramente nominal na Cristandade for varrido pelo juízo de Deus, o reino será estabelecido em poder e glória. Esse será o milênio.

Enquanto ainda falava com Pedro sobre a igreja, o Senhor acrescentou: "E eu te darei as chaves do reino dos céus". A igreja sendo construída por Cristo, e o reino dos céus sendo aberto por Pedro, são coisas muito diferentes. É um dos grandes porém comuns erros da Cristandade usar os termos como sinônimos, como se significassem a mesma coisa. Escritores teológicos de todas as eras, ao assumir que eles são iguais, escreveram sobre a igreja e o reino da maneira mais confusa possível. A menos que tenhamos algum conhecimento dos modos dispensacionais de Deus, não poderíamos jamais manejar, ou dividir, bem Sua palavra (2 Timóteo 2:15). Não podemos confundir aquilo que o próprio Cristo edifica com aquilo que o homem edifica instrumentalmente, por meio de coisas como pregação e batismo. A igreja que é o corpo de Cristo é edificada sobre a confissão de que Ele é o Filho do Deus vivo, glorificado em ressurreição. Cada verdadeira alma convertida deve tratar com o próprio Cristo antes de ter algo a falar à igreja. O reino é algo muito mais amplo, e se aplica a cada pessoa batizada - isto é, todo o cenário da profissão cristã, seja ela verdadeira ou falsa.

Cristo não diz a Pedro que lhe daria as chaves da igreja ou as chaves dos céus. Se o tivesse feito, poderia realmente haver algum motivo para o sistema maligno do papado. Mas Ele simplesmente diz: "Te darei as chaves do reino dos céus" - isto é, de uma nova dispensação. Chaves, como já foi dito, não servem para construir templos, mas para abrirem portas, e o Senhor concedeu a Pedro a honra de abrir a porta do reino, primeiramente aos judeus (Atos 2), e depois aos gentios (Atos 10). Mas a linguagem que Cristo utiliza ao falar de Sua igreja é de uma outra ordem. É simples, bonita, enfática e inconfundível. "Minha igreja". Que profundidade, que plenitude há nessas palavras. "Minha igreja"! Quando o coração encontra-se em comunhão com Cristo em relação à Sua igreja, existe uma compreensão de Suas afeições que palavras não têm o poder de expressar. Mas assim como são, gostamos de ponderar nestas duas palavras, "Minha igreja!", mas quem pode falar do quanto do coração de Cristo que está aí revelada? Novamente, pense nessas outras duas palavras: "Esta pedra", como se Ele tivesse dito: "A glória da Minha Pessoa, e o poder da Minha vida em ressurreição formam o sólido fundamento da 'Minha igreja'". E de novo: "Eu a edificarei". Vemos, assim, nessas sete palavras, que tudo está nas próprias mãos de Cristo, pois Ele é a "cabeça da igreja, que é o seu corpo, a plenitude daquele que cumpre tudo em todos." (Efésios 1:23)

Postagens populares