domingo, 25 de novembro de 2018

A Confissão Auricular

Os sacramentos da igreja de Roma, sendo considerados necessários à vida espiritual, e estando à disposição do sacerdócio, deram a eles um enorme poder. Mas nenhum de seus muitos sacramentos tendia a aumentar tanto a influência dos padres, ou a escravizar e rebaixar a moralidade do povo, quanto a confissão auricular. Do Imperador ao mendigo, todo coração de todo homem e mulher pertencente à igreja de Roma foi escancarado perante o padre. Nenhum ato, e quase que nenhum pensamento, pelo menos na idade das trevas, era mantido em segredo do padre. Esconder ou disfarçar a verdade era um pecado que deveria ser punido com a mais humilhante penitência, ou até mesmo com as dores eternas do inferno. Perante um poder tão arbitrário, tão irresponsável, tão temido, quem não tremeria? Os padres assim se tornaram um tipo de polícia espiritual, a quem todo homem estava obrigado a entregar-se. Eles sabiam os segredos de todas as pessoas, de todas as famílias, de todos os governos, de todas as sociedades, e, é claro, como governar e estabelecer seus planos de modo a alcançar o que quer que quisessem. A consciência, a moral, assim como o ser religioso e espiritual do homem, estavam sob seu poder. Era como o selo e consumação de toda a impiedade e blasfêmia. Pais e filhos, mães e filhas, mestres e escravos, estavam todos sob a supervisão e controle dos padres.

O poder assim obtido no confessionário era exercido pelo alegado bem da igreja -- às vezes em conceder, adiar ou recusar absolvição, conforme o caso. Tudo dependia dos fins alcançados pela igreja: era feito o uso mais egoísta, cruel e sem princípio de informação assim religiosamente obtida. Referimo-nos especialmente aos casos prolongados de disputa e disciplina, que nunca poderiam ser resolvidos até que a igreja tivesse ganhado a causa. A excomunhão era algo real naqueles dias, e o papa um verdadeiro antagonista. Quando Hildebrando trovejou uma sentença de excomunhão contra Henrique, libertou seus súditos do juramento de lealdade a ele, e o declarou privado de seu trono, ele descobriu ser inútil lutar contra o papa, mesmo sendo ele (Henrique) o maior soberano na Europa naquela época. Ele foi forçado a ceder; e na mais degradada condição, descalço e tremendo de frio, ele humildemente suplicou ao inexorável monge que removesse a censura da igreja e o reintegrasse ao trono. A terrível sentença de excomunhão cortava fora o ofensor, qualquer que fosse sua classe ou posição social, e como a salvação era considerada algo absolutamente impossível de se alcançar fora da igreja católica, não havia qualquer esperança para alguém que morresse sob tal sentença. Ao corpo podia ser negado um lugar de descanso em solo consagrado, mas o real temor era que a alma se tornasse a presa dos demônios para sempre.

domingo, 29 de julho de 2018

A Extrema Unção

Como todo falso sistema, o papado é flagrantemente inconsistente consigo mesmo. A falsidade, a mãe das mentiras, está escrita em sua testa, embora possam existir muitos corações honestos e piedosos em sua comunhão. Quão diferente da perfeita unidade da verdade divina (as Escrituras)! Embora escrita por tantas pessoas diferentes, sobre tantos assuntos diferentes, sob tantas circunstâncias diferentes, e em tantos lugares e épocas diferentes do mundo, ainda assim temos um todo perfeito. Como poderíamos deixar de ver, no decorrer das Escrituras, as glórias da cruz, as riquezas da graça divina, a condição perdida do pecador, e sua plena salvação (por exemplo: no cordeiro de Abel, na arca de Noé, e na purificação do leproso)? Mas ao passarmos de um sacramento para outro do sistema católico encontramos as mais evidentes contradições. Assim é com o purgatório e a extrema unção. Se existe alguma verdade na extrema unção, o purgatório é uma mera ilusão. Não pode haver tal lugar, nem necessidade para tal lugar. O objetivo declarado, e o efeito do óleo sagrado de acordo com o Concílio de Trento, é apagar os restos dos pecados. O herege que o despreza deve ir diretamente para as profundezas do inferno. Assim ele é administrado:

"O padre, tendo entrado na casa, deve colocar sobre sua sobrepeliz uma estola coberta de violeta, e apresentar a cruz à pessoa doente, para ser devotamente beijada. Tendo sido recitadas orações, e água benta aspergida, o padre mergulha seu dedo polegar no óleo sagrado, e unge o enfermo em forma de cruz. Começando pelo sentido da visão, ele unge cada olho, dizendo: 'O Senhor, através de Sua santa unção, e Sua mais graciosa compaixão, perdoa-te de qualquer pecado que hajas cometido pela visão'. Do mesmo modo há sete unções, uma para cada um dos cinco sentidos -- olhos, ouvidos, nariz, boca, mãos, e os outros dois são no peito e nos pés". Após muitas orações, cruzes, queima do pano que enxugou o óleo das diferentes partes do corpo ungido e do polegar do padre, o homem ou mulher moribunda é declarada como estando em um estado adequado para passar com segurança para o porto da felicidade eterna.

Esse sacramento nunca é administrado enquanto houver qualquer expectativa de recuperação da saúde. É chamada extrema porque é a última a ser administrada. Por meio desse assim chamado infalível sacramento pelo moribundo, alguém naturalmente esperaria que o purgatório receberia muito poucos fiéis da igreja de Roma, de modo que seria principalmente povoado por protestantes que desprezaram o unguento sacerdotal, ou por aqueles na comunhão católica que estavam desqualificados para receberem o sacramento. Mas há uma grande variedade de opiniões entre os romanistas sobre esse assunto. Alguns pensam que toda alma, sem exceção, desde o papa até o leigo, por mais santa que tenha sido sua vida, ou mesmo que o último sacramento tenha sido administrado, deve passar pelo purgatório -- que nenhuma alma poderia passar diretamente da terra para o céu. Eles argumentam que, como nenhum homem tem controle completo sobre seus pensamentos, pensamentos tolos e até mesmo pecaminosos podem passar por sua mente durante a administração da extrema unção, ou imediatamente após ela; portanto, a alma deveria passar pela região do purgatório em seu caminho para o céu. É claro que o pecado poderia ser tão pequeno de modo que a detenção seria muito curta. Mas até mesmo um Gregório ou um Bernardo deveria ser purificado pelo fogo do purgatório. Ai dos filhos de Roma! -- deveríamos exclamar -- todos devem ser escravos do príncipe do purgatório antes de poderem provar da liberdade e felicidade do céu. Quão terríveis, quão sombrios os pensamentos sobre a morte devem ser! Quão diferentes dos pensamentos e sentimentos do grande apóstolo, quando disse: "Porque para mim o viver é Cristo, e o morrer é ganho". Se ele vivesse, viveria Cristo; ele desfrutava a mais plena e doce comunhão com Ele: se morresse, ele ganharia com isso... "Tendo desejo de partir, e estar com Cristo, porque isto é ainda muito melhor". Além disso, a Palavra de Deus é positiva para todos os crentes em Cristo Jesus -- "Ausentes deste corpo, para estarmos presentes com o Senhor" (Filipenses 1:21-23; 2 Coríntios 5:8).

A alusão no Novo Testamento à antiga prática da unção com óleo deu aos escritores católicos grande ousadia em pressionar a necessidade desse sacramento. Mas eles cuidadosamente negligenciam ou ocultam o fato de que a unção bíblica era para a cura miraculosa do corpo e para o prolongamento dos dias de vida. A unção católica é para a alma -- um sacramento permanente para a transmissão da graça, o perdão do pecado, a obtenção da salvação, na hora da morte. A unção apostólica era para a recuperação da saúde; a extrema unção é a última preparação para a morte. "E expulsavam muitos demônios, e ungiam muitos enfermos com óleo, e os curavam". "Está doente algum de vós? Chame os anciãos da igreja, e estes orem sobre ele, ungido-o com óleo em nome do Senhor; e a oração da fé salvará o doente, e o Senhor o levantará." (Marcos 6:13; Tiago 5:14,15).

Não é difícil ver como a superstição usaria tais passagens para o cumprimento de seus próprios fins; mas está perfeitamente claro que a unção original era usada para a recuperação da saúde em pessoas específicas, e continuou enquanto ainda havia o dom de curas e o poder de operar milagres, o que provavelmente mal durou até o final da era apostólica. E a extrema unção, em sua presente forma, era desconhecida na igreja durante os primeiros onze séculos de sua história. Foi estabelecida durante o reinado da ignorância e da astúcia sacerdotal no século XII, e finalmente foi carimbada com o grande selo do Concílio de Trento.

Os Usos do Purgatório

Historicamente, o uso que foi feito dessa superstição satânica pelo sacerdócio católico foi o de agir sobre o medo e as afeições da humanidade. O que a jovem senhora mencionada na seção anterior, ou seus queridos pais, não dariam para se salvarem de seus 500 anos de tormento naquela terrível morada? Rezar para que as almas saiam do purgatório, pelas Missas feitas em seu favor, tornou-se uma fonte de tesouro incalculável para a igreja. Com um homem rico moribundo, que não podia levar consigo sua riqueza e que temia os tormentos do purgatório, o padre podia fazer tudo nos seus próprios termos. Além disso, a partir dessa superstição, surgiu o escandaloso comércio de indulgências papais para mitigar as dores da passagem intermediária.

Mas há ainda um outro ponto de iniquidade conectado a esse dogma, que nos faz admirar que o coração do homem ou de Satanás tenha sido capaz de conceber: a autoridade do padre sobre sua vítima após estar morto e enterrado. Ele faz a alma que parte acreditar que ainda estará dependente de sua influência, sua intervenção; de que ele tem a chave do purgatório, e que sua condenação depende da palavra vinda dos lábios do padre. Certamente estas são as profundezas de Satanás -- trememos ao buscarmos perscrutá-las. Mas todas não passam de mentiras, e é a mais terrível blasfêmia para qualquer homem dizer que as chaves do céu, do inferno e do purgatório lhe foram confiadas.

"Não temas", disse o bendito Senhor a João, "tenho as chaves da morte e do inferno [hades]". Somente Ele tem poder e autoridade sobre o mundo invisível, e as Escrituras deixam totalmente claro para a fé que Deus "nos tirou da potestade das trevas, e nos transportou para o reino do Filho do seu amor". Aqui é ensinado claramente que o crente não está apenas perdoado e salvo, como também está agora liberto de todo o reino das trevas, e agora transportado ao reino do querido Filho de Deus. A linguagem é inconfundível: "quem nos tirou" -- não quem tirará, ou quem pode tirar -- mas "quem nos tirou", é verdadeiro agora, e a verdade deve ser desfrutada agora. Não há poder senão nas mãos do Senhor ressurreto, e nenhum purgatório* além de Seu precioso sangue, a menos que seja também o lavar da água pela Palavra. "Purifica-me com hissopo, e ficarei puro; lava-me, e ficarei mais branco do que a neve" (Apocalipse 1:17,18; Colossenses 1:13; Salmos 51:7; João 13, 15; 1 João 5)

{* N. do T.: Purgatório tem o sentido de purificação, o que na verdade foi feito pelo sangue de Jesus.}

As igrejas gregas abissínias e as igrejas armênias rejeitam a doutrina de nome "purgatório", mas a mantém em sua essência. Orações e missas são feitas para os mortos, e incenso é queimado sobre as sepulturas dos mortos.*

{* Faiths of the World, de Gardner, p. 721. Milman, vol. 6, p. 428.}

A Região do Purgatório

"Dritelmo, cuja história é relatada por autoridades tais como Beda e Belarmino, foi levado em sua viagem por um anjo com trajes brilhantes, e prosseguiu na companhia de seu guia em direção ao sol nascente. Os viajantes chegaram finalmente a um vale de vastas dimensões. Essa região, à esquerda, era coberta de fornalhas, e, à direita, de gelo, granizo e neve. O vale inteiro estava repleto de almas humanas, que uma tempestade parecia lançar em todas as direções. Os espíritos infelizes, incapazes, por um lado, de suportar o calor violento, saltavam para o frio tremendo, o que novamente os levava às chamas ardentes que não podiam ser apagadas. Uma inúmera multidão de almas deformadas eram, dessa maneira, rodopiadas e atormentadas, intermitentemente, nos extremos do calor e do frio alternados. Este, de acordo com o condutor angelical que guiava Dritelmo, é o lugar de castigo para aqueles que adiam a confissão e a restauração até a hora da morte. Todos esses, no entanto, serão no último dia admitidos no céu; enquanto muitos, através de esmolas, vigílias, orações, e especialmente da Missa, serão libertados antes mesmo do juízo geral"*. Qualquer um pode perceber, de relance, a intenção dessa visão. É habilmente elaborada de modo a agir poderosamente sobre os medos dos fiéis, para aumentar o poder do sacerdócio, e para assegurar grandes legados para a igreja.

{* Variations of Popery, de Edgar, p. 455.}

E é este o lugar -- podemos perguntar -- para o qual a santa mãe igreja envia seus piedosos e penitentes filhos? Sim, e é apenas o justificado que vai para lá. Aqueles que morrem sob a culpa dos pecados mortais vão diretamente para o inferno, sobre os sombrios portões dos quais está escrito: "Não há esperança". Quão terrível o pensamento do purgatório deve ser para toda mente devota! Como uma ilustração disso, posso mencionar que conheci uma jovem que mais tarde abraçou a religião católica. Ela é rigidamente devota à igreja, fresca em seu primeiro amor, mas evidentemente estremece ao pensar no purgatório. "Eu acredito que irei para lá", dirá ela, "Eu espero ir; pois eu não posso presumir ser boa o bastante para ir direto para o céu quando eu morrer, eu preciso passar pelo purgatório, mas eu não quero ficar mais do que 500 anos lá". Não tenho dúvidas de que ela seja uma cristã verdadeira, e justificada de todas as coisas, mas tal é o poder cegador de Satanás por meio do sistema papal. Podemos apenas nos regozijar pelo fato de que em breve ela estará felizmente esclarecida, de acordo com muitas porções da Palavra de Deus, tais como -- "Dando graças ao Pai que nos fez idôneos para participar da herança dos santos na luz" ... "Ausentes deste corpo, para estarmos presentes com o Senhor" ... "Hoje estarás comigo no paraíso" ... "Tendo desejo de partir e estar com Cristo, porque isto é ainda muito melhor" ... "Veio a morrer o mendigo, e foi levado pelos anjos para o seio de Abraão" ... "Perdoados lhe são os pecados, que são muitos". (Colossenses 1:12, 2 Coríntios 5:8, Lucas 23:43, Filipenses 1:23, Lucas 16:22, Lucas 7:47)

É perfeitamente claro nessas passagens, e em muitas outras que poderiam ser citadas, que no exato momento em que a alma do crente deixa o corpo ela está presente com o Senhor no paraíso de Deus --- certamente o lugar mais feliz em todo o céu. Qual, então, poderia ser o objetivo da igreja romana em perverter as Escrituras -- de modo a negar a eficácia do sangue de Cristo, o qual limpa o crente de todo o pecado? Para responder a essa questão, a mente deve compreender e lidar com as próprias profundezas de Satanás.

O Purgatório

Conta-se que Agostinho, bispo de Hipona, foi o primeiro a sugerir a doutrina de um estado intermediário, mas suas opiniões são vagas e incertas. A ideia não foi formalmente recebida como um dogma da igreja de Roma até a época de Gregório, o Grande, no ano de 600. Ele tem a reputação de ter sido o descobridor do fogo do purgatório. Ao discutir a questão sobre o estado da alma após a morte, ele distintamente afirmou: "Devemos crer que, para algumas transgressões leves, existe um fogo purgatório antes do dia do juízo". Mas, como o crescimento dessa doutrina por centenas de anos é extremamente difícil de traçar, nos referiremos de uma vez ao Concílio de Trento, a grande e indiscutível autoridade sobre o assunto.

"Existe um purgatório", diz o concílio, "e as almas ali detidas são auxiliadas pelos sufrágios dos fiéis, mas especialmente pelo sacrifício aceitável da Missa. Este santo concílio ordena a todos os bispos que se esforcem diligentemente para que a sã doutrina no que diz respeito ao purgatório, entregue a nós pelos veneráveis pais e concílios sagrados, seja crida, mantida, ensinada, e pregada em todo o lugar pelos fiéis a Cristo... No fogo do purgatório, as almas dos homens justos são purificadas por uma punição temporária, para que sejam admitidos a sua morada eterna, na qual não entra nada que contamina... O sacrifício da Missa é oferecido por aqueles que estão mortos em Criso, mas não inteiramente expurgados."*

{* Council of Trent, de Paul, p. 750. Veja também, para detalhes, End of Controversy, de Milner, Carta 43.}

Os escritores católicos romanos tentam suportar esse terrível dogma a partir de várias passagens das Escrituras, mas principalmente dos apócrifos e da tradição. Com os dois últimos nada temos a tratar. Qualquer coisa que agrade aos homens pode ser provado com base em tais fontes incertas; mas nada pode ser mais ousado, e ao mesmo tempo mais fútil, do que a má aplicação das Escrituras sobre esse assunto. Veja dois textos que eles utilizam: 1. "Em verdade te digo que de maneira nenhuma sairás dali enquanto não pagares o último ceitil" (Mateus 5:26). Aqui, os católicos são inconsistentes com eles mesmos, pois se os pecados veniais* são perdoados no purgatório, a passagem fala do último centavo sendo pago. Certamente não podemos falar de um dívida sendo perdoada e, ao mesmo tempo, tendo que ser paga pelo indivíduo até o último centavo**. 2. "Vivificado pelo Espírito, no qual [claramente, 'em cujo Espírito'] também foi, e pregou aos espíritos em prisão" (1 Pedro 3:18,19). Esta passagem não pode fazer referência à suposta prisão do purgatório, pois de acordo com a própria doutrina católica, aqueles que são culpados de pecado mortal não vão para lá, o que é estranhamente inconsistente, visto que os antediluvianos (que são os espíritos em prisão mencionados; ver versículo 20) eram "incrédulos", culpados do pecado mortal. E, como vimos nos extratos citados anteriormente, o purgatório seria apenas para "aqueles que estão mortos em Cristo, mas não inteiramente expurgados". A passagem também ensina que Cristo não pregou em pessoa. Ele pregou pelo Espírito por meio de Noé aos antediluvianos que estão agora em prisão. Os alegados textos estão tão pouco em favor do purgatório, que católicos romanos mais pensativos se esforçam em suportar o dogma apenas pela autoridade da igreja.

{* N. do T.: Pecado venial, de acordo com o catolicismo romano, é um pecado menor que não resulta em uma separação completa de Deus e na condenação eterna no inferno (Fonte: Wikipedia). }

{** N. do T.: Além disso, devemos nos lembrar que todos os nossos pecados foram pagos na cruz, o que acaba com qualquer ideia de um salvo ter ainda que pagar por eles. Ver Romanos 8:1, João 5:24, 1 Pedro 2:24, Apocalipse 5:9, Isaías 53:6,11,12, etc.}

Há muita imprecisão nos escritores romanistas, e até mesmo no Concílio de Trento, quanto a onde está o purgatório e o que ele realmente é. A opinião geral parece ser de que ele estaria debaixo da terra e adjacente ao inferno -- que seria um lugar intermediário entre o céu e o inferno, no qual as almas passam através do fogo da purificação antes de entrarem no céu.

Mas como o fogo material pode purificar um espírito, os escritores católicos têm sido cuidadosos em não definir. Aqueles no estado intermediário -- diz o Concílio de Florença de 1439 -- estão em um lugar de tormento, "mas se é fogo, ou tempestade, ou qualquer outra coisa, sobre isso não contendemos". Ainda assim, parece que a voz geral é de que o purgatório é uma prisão, na qual a alma é detida e torturada assim como purificada, e que, não por angústia ou remorso mental, mas por um fogo real, ou pelo que o fogo produz. E ainda assim tão variadas são as opiniões de seus melhores teólogos, que alguns já representaram os tormentos como uma repentina transição do calor extremo ao frio extremo. Mas as especulações vagas de Agostinho, e os aventurosos dogmas de Gregório, foram logo "autenticados" por sonhos e visões. Na idade das trevas, houve muitos viajantes para aquelas regiões subterrâneas, que inspecionaram e relataram os segredos do purgatório. Tomemos um dos relatos como exemplo, o mais suave e menos ofensivo que podemos escolher.

O Culto às Relíquias

Pelo fato da história do culto às relíquias ser muito similar em seu caráter àquela do culto aos santos, uma breve observação será suficiente. Sua origem é a mesma. A paixão e a fraqueza, talvez, da nossa natureza, por guardar memoriais de pessoas amadas, foi usada pelo inimigo para trair os cristãos ao mais degradante tipo de adoração. Se, argumentava-se, o nosso gosto pelos memoriais da afeição humana é tão desculpável e tão amável, "quanto mais deveriam ser objetos de sagrado amor os santos, a bendita Virgem, e o Próprio Salvador!" Mas, por mais capcioso que possa ser tal raciocínio, não é nem justo nem verdadeiro. A profunda ilusão, o poder satânico, e a terrível iniquidade da adoração a relíquias residem principalmente no fato de que a igreja de Roma mantém a ideia de que há um poder de operar milagres inerente e irrevogável nas relíquias; e, como tal, são usadas e devotamente adoradas, tanto pelo papa quanto pelo mais baixo em sua comunhão.

Já nos dias de Constantino, a reverência pelas relíquias dos santos e mártires tinham assumido uma forma mais definida de adoração. A imperatriz Helena, mãe de Constantino, eu seu zelo supersticioso de honrar os lugares na Palestina que tinham sido "santificados" pela vida e morte do Salvador, erigiu esplêndidas igrejas sobre os supostos lugares de Seu nascimento, Sua morte e ascensão. Durante as escavações, afirmou-se que o Santo Sepulcro veio à luz, e que no sepulcro foram encontradas as três cruzes e a tábua com as inscrições originalmente escritas por Pilatos em três línguas. As notícias dessa maravilhosa descoberta rapidamente se espalharam por toda a Cristandade, gerando grande excitação. Como havia dúvidas sobre a qual das cruzes a tábua pertencia, um milagre decidira as reivindicações da verdadeira cruz. Singularmente, os cravos da paixão do Salvador também foram encontrados no santo sepulcro. Esses preciosos tesouros, como nem precisaríamos dizer, provaram ser um capital inesgotável para o comércio de relíquias. Partes da verdadeira cruz foram transformadas em crucifixos para os ricos, e partes foram consagradas às principais igrejas, tanto no Oriente (Ortodoxa) quanto no Ocidente (Católica). Tão rapidamente "se multiplicou" os pedaços de madeira da cruz que logo podia-se fazer uma floresta a partir deles.

A paixão pelas relíquias, que aumentara a cada século, foi grandemente nutrida pelas cruzadas. Muitos santos antes desconhecidos, e inumeráveis relíquias, foram então introduzidos aos cristãos do Ocidente. Passando pela vasta quantidade de ossos velhos de santos de reputação e outras relíquias menores, que eram trazidas do Oriente, e que se tornaram uma importante ramificação do comércio de relíquias, notamos dois ou três dos mais famosos. O principal entre eles era o "Sacro Catino" ("bacia sagrada") -- um recipiente de vidro verde, que dizem ser de esmeralda -- trazido da Cesareia, e venerado como tendo sido usado na última ceia. Outra relíquia de grande fama é a túnica sagrada de nosso Senhor encontrada em Argenteuil em 1156; há também uma outra túnica sagrada que dizem ter sido presenteado pela imperatriz Helena ao Arcebispo de Treves.

Precisamos apenas acrescentar, como uma ilustração prática de adoração a relíquias, que na semana santa, todos os anos*, o papa e os cardeais partem em procissão a São Pedro em Roma, com o propósito de adorar as três grandes relíquias. Ao realizarem a cerimônia, eles se ajoelham na nave da igreja, e as relíquias, que são exibidas da sacada acima da estátua de Santa Verônica, consistem em uma parte da madeira da verdadeira cruz, a metade da lança que perfurou o lado do Salvador, e o santo sudário. Esta última relíquia é um pedaço de tecido no qual conta-se que nosso Senhor miraculosamente imprimiu Seu semblante, e que tinha sido levado à Itália para curar o imperador Tiberíades quando afligido pela lepra. A cerimônia acontece em silêncio solene. Externamente, nenhum ato de adoração é mais profundo na Igreja Católica Romana. Poderia a loucura -- podemos perguntar -- ou o absurdo, ou as fraquezas humanas, ou o poder satânico, serem elevados a uma altura maior? Pois para que homens de educação e, em muitos casos, homens de cultivo e piedade, possam se curvar na mais profunda adoração diante de um pedaço de madeira quebrada, de uma lança quebrada, e de um trapo pintado, só pode ser possível sobre o princípio da mais solene cegueira judicial. As densas trevas há muito tinham se estabelecido tanto sobre os padres quanto sobre o povo através de sua deliberada negligência para com a Palavra de Deus e extinção da luz do Espírito Santo. E assim sempre será, em maior ou menor grau, quer para o católico ou para o protestante, quando Deus e Sua Palavra são desconsiderados, como disse o profeta: "Dai glória ao Senhor vosso Deus, antes que venha a escuridão e antes que tropecem vossos pés nos montes tenebrosos; antes que, esperando vós luz, ele a mude em sombra de morte, e a reduza à escuridão" (Jeremias 13:16).

{* N. do T.: o tradutor não pôde confirmar se tal prática ainda continua a ser realizada dessa maneira até os dias de hoje. }

O Culto aos Santos

A origem da adoração aos santos pode ser considerada como coincidente com a adoração a Maria, e como o fruto do mesmo solo. De fato, é a mesma coisa; o que difere é que Maria é elevada acima de toda a hoste de santos e mártires por causa de sua santidade peculiar e sua grande influência no céu.

A veneração que era dada nos primeiros séculos do cristianismo àqueles que tinham fielmente testemunhado e sofrido por Cristo sem dúvida levou à prática da invocação aos santos, e de implorar os benefícios da intercessão deles. Um afeto perdoável tornou-se uma veneração supersticiosa, e acabou como uma completa adoração. O passo tomado entre a veneração e a adoração é fácil e natural, embora nem sempre fácil de detectar. Daí a importância do aviso do apóstolo: "Filhinhos, guardai-vos dos ídolos". De acordo com essa palavra, se não temos diante de nós a Pessoa de Cristo como o único objeto dominante de nossos corações, teremos um ídolo. No mesmo contexto, o apóstolo fala de nosso maravilhoso lugar e bênção nEle: "E no que é verdadeiro estamos, isto é, em seu Filho Jesus Cristo. Este é o verdadeiro Deus e a vida eterna" (1 João 5:20,21). Tendo a vida eterna nEle, e estando identificados com Ele quanto a nossa posição perante Deus, certamente Ele deve ser nosso único objeto de adoração. Qualquer outro é um ídolo. E até mesmo o melhor cristão corre o risco de pagar homenagem em exagero a algum mestre ou líder favorito. Como tudo isso se comparará com a epístola de João naquele último grande dia? O Senhor nos guarde da veneração pela criatura, seja viva ou morta!

Um grande e influente sistema surgiu desses pequenos inícios, através da sutileza do sacerdócio, o que acabou por trazer enormes riquezas para a igreja. Peregrinações com suas ofertas de expiação e de vontade própria fazem parte do sistema. Em um período inicial, era costume realizar serviços religiosos com peculiar santidade no túmulo dos santos e mártires. Mas, à medida que as trevas aumentavam, assim como o espírito de superstição, isto não era o suficiente. No século IV, esplêndidas igrejas foram construídas sobre seus anteriormente humildes túmulos; e até mesmo supostas relíquias do santo eram consagradas no edifício erguido em sua honra. Costumava-se afirmar que o corpo do santo miraculoso estava enterrado sob o altar-mor, e de que havia uma eficácia especial na intercessão de tais santos. Isso levou miríades a esses santuários; alguns para ver milagres acontecerem, outros para terem milagres realizados em seu favor, ou para receberem bem em suas almas. Peregrinações logo se tornaram o tipo mais popular de adoração, e à medida que os adoradores abundavam em suas oblações -- com seus corações quentes e ternos -- eram grandemente encorajados por um sórdido sacerdócio. Durante o século VI, um incrível número de templos foram erguidos em honra aos santos, e numerosos festivais foram instituídos para guardar a lembrança desses homens santos.

De acordo com Milman e outros, o culto aos santos tornou-se tão popular que corriam o risco de serem negligenciados por causa da grande quantidade deles. "O calendário lotado não tinha mais mais dias para serem atribuídos a um novo santo sem colidir, ou desapropriar, um antigo. O Oriente e o Ocidente competiam entre si em sua fertilidade. Mas dos incontáveis santos do Oriente, poucos comparativamente foram recebidos no Ocidente, e o Oriente também desdenhosamente rejeitou muitos dos mais famosos a quem o Ocidente adorava com a mais sincera devoção. De qualquer modo, a multiplicidade dos santos testemunha a universalidade da idolatria". A rivalidade de igreja conta igreja, de cidade contra cidade, de reino contra reino, de ordem contra ordem, manteve um estado de competição por séculos, de modo que cada um buscava atrair adoradores ao santuário de seu santo padroeiro. A fama de alguns novos santos celebrados, tal como São Tomás da Cantuária, diminuía, por algum tempo, o tráfego e lucro de outros lugares. Daí a necessidade de criar novidades frescas e excitantes por meio de novas descobertas de algo que viraria a maré em favor do novo santuário. Mesmo enquanto escrevo -- setembro de 1873 -- é triste dizer, mas quase mil peregrinos da Inglaterra estão a caminho, não com os pés descalços como antigamente, para Paray-le-monial, na França, a fim de se curvarem diante do santuário do "Sagrado Coração", em honra da freira e santa Margarida Maria de Alacoque. Isto é muito surpreendente, e desperta profundos pensamentos em muitas mentes quanto ao verdadeiro objetivo na mente do papado. Professadamente, é claro, é para o bem das almas dos peregrinos, para a honra da santa, e para o triunfo da igreja. Se voltarmos até os dias de Orígenes, que foi o primeiro a inculcar a adoração aos santos ou ao santuário de Martinho de Tours, que foi o mais popular nos séculos IV e V, até os dias de hoje, temos cerca de 1400 anos de adoração aos santos e peregrinações, tanto na igreja grega (Ortodoxa) quanto na latina (Católica). Não é de admirar que os muçulmanos concluíram que todos os cristãos eram idólatras.

A maioria de nós conhece bem os nomes dos que podem ser chamados de santos universais, tais como os primeiros pais e os santos padroeiros dos reinos; mas descobrir, por meio de uma busca mais profunda sobre essa idolatria, é algo verdadeiramente aterrador. Através de toda a extensão da Cristandade romana existe, para cada comunidade em cada país e para cada indivíduo, um intercessor com Cristo, que é o Único Grande Intercessor entre Deus e o homem. Muitos católicos escolhem seus santos padroeiros com base em seus aniversários -- o dia do santo e em que nasceram. O santo é considerado o protetor peculiar do indivíduo, da comunidade ou do país, de modo que pouco menos do que o poder e a vontade divina são atribuídos aos santos padroeiros. O argumento é que, tendo sido humanos, e ainda possuindo simpatias humanas, eles são menos terríveis e mais acessíveis do que Cristo, e podem exercer sua influência com Ele para o benefício dos lugares  e companheiros de sua jornada terrena. Eles são representados, no entanto, como sendo mutáveis e facilmente ofendidos. Colheitas frutíferas, vitória na guerra, libertação das aflições, segurança na viagem, e misericórdias parecidas, são atribuídas as suas orações; mas, quando ocorrem calamidades, a explicação é de que o santo foi ofendido e deve ser apaziguado. Maior honra deveria, então, ser paga ao seu santuário, e ofertas mais caras deveriam ser colocadas sobre seu altar.

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