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domingo, 10 de novembro de 2019

A Inglaterra Rendida a Roma

Como se não fosse do interesse ou da intenção de "Sua Santidade" permitir que os assuntos fossem levados a extremos, o vigilante papa viu que tinha chegado sua hora de interferir. Dois legados, Pandolfo e Durando, foram enviados com as exigências finais de Inocêncio a João. Eles o asseguraram de que o rei da França estava pronto para invadir a Inglaterra com um grande exército e uma frota poderosa, e que ele viria acompanhado de arcebispos, bispos e clérigos a quem João havia banido; que eles transfeririam sua lealdade a seu rival Filipe, e que colocariam a coroa em sua cabeça. Com muitas declarações como essas, eles aterrorizaram o rei, que perdeu todas as suas posses pessoais, e lançou-se a si mesmo e ao seu reino nas mãos dos legados, sem reservas. Com uma mesquinhez de espírito e uma submissão abjeta que não conhecia limites, ele colocou sua coroa aos pés dos arrogantes legados, renunciou a Inglaterra e a Irlanda às mãos do papa, jurou homenagem a ele como seu suserano, e fez um juramento de lealdade aos seus sucessores. Os termos desse notável juramento são longos e prolixos demais, mas a substância, a essência deles, é apresentado pela Enciclopédia Britânica como segue:

"Eu, João, pela graça de Deus Rei da Inglaterra e Senhor da Irlanda, de modo a expiar meus pecados, de minha própria livre vontade e pelo conselho de meus barões, concedo à Igreja de Roma, ao Papa Inocêncio e a seus sucessores, o reino da Inglaterra e todas as demais prerrogativas de minha coroa. Irei doravante considerar-me como vassalo do papa. Serei fiel a Deus, à Igreja de Roma, ao papa, meu mestre, e aos seus sucessores legitimamente eleitos. Prometo pagar-lhe um tributo de 1000 merks*, a saber, 700 pelo reino da Inglaterra e 300 pelo reino da Irlanda." Essa memorável submissão ocorreu no dia 15 de maio de 1213, no décimo quarto ano de seu reinado, na casa dos Templários, não muito longe de Dover.

{*Merk é uma antiga moeda de prata escocesa, que valeria, nos dias de hoje, cerca de uma libra esterlina. Esse montante deveria ser pago anualmente, além do dinheiro devido à cadeira de Pedro.}

Esse juramento foi feito pelo rei ajoelhado diante de todo o povo e com suas mãos levantadas entre aqueles legados. As testemunhas que atestaram o juramento foram: um arcebispo, um bispo, nove condes e quatro barões. Tendo então concordado com a posse de Langton como primaz da Inglaterra, ele recebeu de volta a coroa que deveria ter perdido. O cauteloso e político Pandolfo, tendo recebido a lealdade do rei da Inglaterra e oitenta mil libras esterlinas como compensação pelos bispos exilados, rapidamente juntou as escrituras e os sacos de dinheiro e apressou-se a reunir os clérigos banidos na Normandia para dividir o dinheiro. Em seguida, apressou-se ao acampamento do rei Filipe Augusto e, encontrando o exército no ponto de embarque para a Inglaterra, friamente informou o rei "que não havia então mais necessidade de seus serviços; e que, na verdade, qualquer tentativa de invadir o reino, ou de perturbar o rei da Inglaterra, seria altamente ofensivo para a santa Sé, em virtude de que esse reino era agora parte e parcela do patrimônio da igreja: era, portanto, seu dever dispensar seu exército, e ele próprio retornar para casa em paz". Quando Filipe descobriu que havia sido tão estupidamente enganado, rompeu em uma tempestade de injúrias indignadas contra o papa. "Ele tinha sido arrastado para uma enorme despesa; tinha chamado para a guerra toda a força de seus domínios, sob a promessa ilusória de um reino e da remissão de seus pecados; tudo isso ele tinha feito em súplica ardente para com o papa. E então toda a cavalaria da França, em armas ao redor de seu soberano, deveria ser dispensada como servos contratados quando não havia mais uso para seu serviço?" Porém, a fúria do rei foi respondida com uma fria repetição da ordem: "Desista das hostilidades contra o vassalo da Santa Sé."*

{*Cathedra Petri, livro 13, p. 588.}

O desapontamento e mortificação de Filipe foram grandes; mas, não se atrevendo a ofender o papa e não estando disposto a se desfazer de seu exército sem ao menos tentar alguma empreitada, ele desceu a Flandres (região flamenga). Fernando, o conde, embora fosse um aliado da França, tinha entrado em uma liga secreta anti-francesa com João, o que deu  a Filipe um justo pretexto para voltar suas armas contra esse vassalo revoltado. Porém, as frotas da Inglaterra se uniram aos flamengos, e assim a tentativa de conquistar Flandres terminou em uma derrota vergonhosa. Os ingleses capturaram trezentos navios e destruíram cerca de cem outros: enquanto Filipe, vendo ser impossível impedir que o resto caísse nas mãos do inimigo, incendiou-os ele mesmo, e então abandonou a empreitada. Tal foi a pesada perda e desconforto de Filipe no decorrer da profunda trama arquitetada por Inocêncio.

A Coroa da Inglaterra Oferecida à França

Tendo sido a sentença papal de deposição contra o rei da Inglaterra pública e solenemente promulgada, Filipe da França foi delegado para executar o decreto. Os legados colocaram em suas mãos uma comissão formal o direcionando, pela autoridade apostólica, a invadir a Inglaterra, depôr o rei e tomar sua coroa. O historiador observa que os legados e prelados (clérigos) fingiram estar agindo sob o maior dos zelos e seriedade ao tratarem de todo o assunto, ao passo que não era nada além de mero artifício. Nada estava mais longe da mente de Inocêncio do que a união das duas coroas em uma só cabeça. Isso teria fortalecido a França, não a Sé Romana. Filipe não havia se esquecido da insolência do papa ao interditar seu reino e excomungá-lo; mas seu ódio por João, seu amor por empreendimentos e a traição do papa o cegaram completamente. Ele confiou no papa, mas cometeu um erro ruinoso. Nem um momento, no entanto, foi perdido por Filipe ao reunir uma frota e um exército numeroso para a invasão da Inglaterra. 

O papa, ao mesmo tempo, anunciou uma cruzada sobre toda a Cristandade contra o ímpio rei João, prometendo a todos que participassem nessa guerra santa a remissão dos pecados e os privilégios dos cruzados. Mas o rei caído não queria ceder nem com vigor nem com sutileza. Ele reuniu uma grande frota em Portomua e um exército em Barham Downs, próximo à Cantuária, assumindo uma posição agressiva: mas logo descobriu que em seu grande exército não havia muitos em quem se podia confiar. Enlouquecido, ele ameaçou se tornar muçulmano e buscou uma aliança com o califa; mas nesse momento, o espírito do rei impaciente sofreu uma repentina revolução. Da altura de sua raiva desafiadora, ele caiu até as mais baixas profundezas da prostração e do medo.

domingo, 5 de maio de 2019

Inocêncio e a Inglaterra

Ricardo Coração de Leão foi o grande apoiador de Otão, o candidato papal do império. A Inglaterra, naquele tempo, estava em íntima aliança com a Sé de Roma. Após a morte de Ricardo, seu irmão João, o filho mais novo de Henrique II, foi elevado ao trono. De acordo com as leis atuais de sucessão da Inglaterra, Artur, duque da Bretanha, o filho único e herdeiro de seu irmão mais velho, Godofredo Plantageneta, teria direito ao trono. Mas as coroas naquela época eram tão eletivas quanto hereditárias.

Todo o reinado de João -- 1199-1216 -- é uma história de fraqueza e violência, de impiedade e degradação, de um dos monarcas mais cruéis, sensuais e infiéis que já existiu. Mas a mão do Senhor é muito evidente nos assuntos da Inglaterra naquela época. Nunca um príncipe tão vil usou uma coroa; mesmo assim, Deus, em Sua misericórdia, e em Seu cuidado pela Inglaterra, sobrepujou suas muitas faltas para o benefício da igreja e do povo da Inglaterra. Falamos, é claro, em termos gerais. Mas desde esse reinado pode ser datado o pavor do papado em relação à Inglaterra, e o entusiasmo desse país pela liberdade civil e religiosa. Desastroso até o último grau como foi o reinado de João; humilhante para o rei; ainda assim a voz unida da história afirma que foi então que os fundamentos foram postos do "caráter inglês, das liberdades inglesas, e da grandeza inglesa; e a partir desse reinado, da tentativa de degradar o reino ao nível de um feudo da Sé Romana, podem ser traçados os primeiros sinais dessa independência, dessa aversão às usurpações papais, que levaram eventualmente à Reforma". A mão dominadora de Deus, em Seu cuidado especial pela Inglaterra, foi manifesta em todas as suas revoluções desde então. Mal houve qualquer benefício, nem para a igreja, nem para o Estado da França, da interferência do papa no caso de Filipe, exceto pelo fato de que eles puderam sentir o horror do poder papal. Mas, ali, nenhuma Carta Magna foi assinada, e nenhuma Câmara dos Comuns foi erigida, diferentemente do que ocorreu mais tarde na Inglaterra.

Um dos primeiros e grandes escândalos de João revelam, à mais clara luz, o caráter sem princípios da política de Inocêncio. João tinha sido casado por doze anos com uma das filhas do conde de Gloucester antes de subir ao trono. Depois disso, aspirando uma conexão com a realeza, ele buscou uma dissolução, e assim o obsequioso arcebispo de Bordeaux dissolveu o vínculo matrimonial. De repente, ele ficou encantado com uma senhora que era a noiva prometida do conde de Mark, levou-a e casou-se com ela, enquanto sua própria esposa ainda era viva. Mas o que iria dizer agora o papa sobre o santo sacramento do matrimônio -- ele, cujo horror a tais conexões tinha tão inexoravelmente demonstrado no caso de Filipe e Inês? Poderíamos esperar que rápidos e carregados seus trovões voariam até o rei adúltero; mas não! Nenhuma censura foi pronunciada de Roma, nem contra o rei, nem contra o arcebispo. Ele confirma a dissolução do casamento perante a face de Deus, da igreja, e do mundo. Tal era a flagrante iniquidade da "sua santidade, sua infalibilidade". Mas por que essa demonstração de tal parcialidade para com João? Porque ele foi o apoiador de Otão, e o inimigo da casa da Suábia.

Mas enquanto o papa permanecia quieto, o mundo estava escandalizado. Tal ultraje de um grande vassalo era uma violação da primeira lei do feudalismo. Os barões de Anjou, Touraine, Poitou e Maine estavam ansiosos para vingar a indignidade oferecida a Hugo de la Mark, e desde aquele dia eles se consideraram absolvidos de sua fidelidade a João. Eles apelaram a Filipe, rei da França, por uma reparação. Filipe Augusto sentiu sua força, e convocou o rei inglês para responder, em suas cortes de Paris, pelos erros cometidos contra o conde de Mark. João não apareceu; isso levou a uma guerra ruinosa, e à perda de imensos territórios na França e na Inglaterra. Em poucos meses, Filipe arrancou de João a grande herança de Rollo -- o grande ducado anglo-normando, que nos dias de seu pai Henrique II, equivalia em extensão dos seus territórios, receitas, forças e riquezas a todos os territórios sob os quais o rei da França dominava.*

{*Para detalhes, veja as histórias civis e gerais da igreja, as quais frequentemente citamos no decorrer do texto.}

domingo, 14 de janeiro de 2018

A Terceira Cruzada (1189 d.C.)

No ano de 1187, o famoso Saladino, Sultão do Egito, invadiu a Terra Santa à frente de um grande exército. Seu objetivo declarado era retomar Jerusalém dos cristãos. Tendo tido uma grande vitória em Tiberíades, ele forçou seu exército contra as muralhas da Cidade Santa, sitiou-a, e levou seu monarca como prisioneiro. A cidade rendeu-se a Saladino no dia 3 de outubro. A cruz foi derrubada, relíquias foram dispersas, os lugares sagrados profanados, e a adoração muçulmana restaurada. Não obstante a conduta de Saladino, embora um conquistador e muçulmano, ele estava totalmente livre daquele espírito de vingança que manchou o caráter dos francos sob Godofredo. Ele poupou o santo sepulcro, e permitiu que os cristãos o visitassem por um determinado pagamento. Sua generosidade para com os cativos é celebrada por todos os escritores. Milhares foram libertados sem um preço de resgate, e multidões receberam uma passagem para a Europa às suas próprias custas. Os cristãos podiam permanecer em suas casas sob a condição de pagarem tributos.

As notícias dessas novas calamidades, e especialmente da conquista de Jerusalém, excitou as maiores indignações e alarmou toda a Cristandade. Novamente o clamor  dos cristãos no Oriente por ajuda foi ouvido por seus irmãos no Ocidente. Mas no início eles se aborreceram ao ouvir. Apenas quarenta anos tinham se passado desde a última expedição, e a Europa mal tinha esquecido seus infortúnios, ou se recuperado de sua exaustão. Mas a causa foi vigorosamente tomada pelo papa, Clemente III. Os cardeais combinaram entre si de nunca montarem num cavalo "enquanto a terra na qual estiveram os pés do Senhor estivesse sob os pés do inimigo", e de pregarem a cruzada como mendigos. O interesse aumentou, embora os homens inicialmente hesitassem em se comprometerem com a empreitada. Mas o padre perseverou, e os três grandes príncipes da Europa foram influenciados para receber a cruz das mãos do bispo; seus súditos foram tributados, sob o nome de "Dízimo de Saladino", para pagar as despesas da guerra.

Na primavera de 1189, a terceira cruzada foi iniciada por Frederico I da Alemanha, de apelido Barbarossa; Filipe Augusto da França; e Ricardo I da Inglaterra, de apelido Coração de Leão, ou o príncipe de coração de leão. Barbarossa, então com 67 anos de idade, com seu grande exército, atravessou as províncias da Hungria, Bulgária e Grécia, como tinham feito os antigos peregrinos, e foram novamente molestados pelos primeiros dois e traídos pelo último. Oitenta e três mil alemães cruzaram o Helesponto, e por alguns dias a marcha deles através da Ásia Menor foi próspera; mas os guias e intérpretes que foram fornecidos pelos gregos tinham sido subornados para enganá-los, e após atraí-los para o deserto, desapareceram. Nenhum mercado pôde ser encontrado, cavalos morreram pela falta de comida, e suas carnes foram avidamente devoradas pelos soldados. Ainda assim ele foi capaz de manter a disciplina; e, embora com um número muito reduzido, ousadamente atacou e derrotou os turcos com grande matança, enquanto seu filho assaltava a cidade de Icônio e forçava o Sultão a se render. O exército, suprido com as provisões de Icônio, prosseguiu na esperança de rapidamente alcançarem o objetivo de sua expedição; mas seu grande líder morreu no ano seguinte próximo a Tarso, e Frederico, o filho, morrendo pouco tempo depois, fez com que vários sobreviventes abandonassem a cruzada e retornassem à Europa. Sessenta e oito mil do exército alemão tinha perecido em menos de dois anos.

Os exércitos da Inglaterra e da França alcançaram a Palestina pelo mar no ano de 1190, e lutaram sob a mesma bandeira. Mas após a redução ocorrida em Acre, Filipe retornou à Europa, deixando Ricardo para continuar a guerra. A coragem do rei "de coração de leão" foi tão celebrada, tanto na história inglesa quanto muçulmana, que precisamos apenas acrescentar que ele derrotou Saladino em Ascalão e, tendo conseguido uma paz que assegurava certos privilégios aos peregrinos em Jerusalém e ao longo da costa do mar, retornou à Inglaterra em 1194, embora não sem grande dificuldade e custo. Saladino morreu em 1195, enquanto Ricardo estava em seu caminho para casa. Reconhece-se que, na expedição assim concluída, mais de meio milhão de professos guerreiros cristãos pereceram. Apenas no cerco do Acre, cento e vinte mil cristãos, e cento e oitenta mil muçulmanos, pereceram. Tais eram as alegadas guerras santas dos concílios de Roma inspirados pelo maligno.

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