Tendo obtido algum alívio de seus deveres subalternos, Lutero então voltou a seus estudos com novo zelo. Ler e meditar eram seu deleite. As obras dos Padres, especialmente de Santo Agostinho, atraíram sua atenção. Em certo local do convento havia uma Bíblia presa por uma corrente, e ali o jovem monge recorria muitas vezes para ler a Palavra de Deus, embora ainda não tivesse discernimento espiritual de seu significado. Um dos frades, chamado João Lange, com quem Lutero conversava, possuía um conhecimento considerável tanto do grego quanto do hebraico, línguas que Lutero ainda não havia encontrado tempo para estudar. Mas sua oportunidade havia chegado e ele a abraçou com grande entusiasmo e diligência. Foi assim, na reclusão de sua cela, e com a ajuda de João Lange, que ele começou a aprender grego e hebraico, e assim lançou as bases da maior e mais útil de todas as suas obras -- a tradução da Bíblia em língua alemã. O Léxico Hebraico de Reuchlin acabara de ser publicado, o que também o ajudou muito.
Mas a leitura e os exercícios mentais de Lutero sobre as Escrituras, por não entendê-las, só aumentaram sua angústia. Ter a certeza da salvação era o único grande desejo de sua alma agitada. Fora isso nada poderia lhe dar descanso. Entrara no claustro, tornara-se monge, lutara incessantemente contra o mal do próprio coração, passara noites inteiras de joelhos no chão de sua cela, superara todos os seus irmãos em vigílias, jejuns, e mortificações, mas na perfeição monástica ele não encontrou alívio; isso apenas o mergulhou em um desespero mais profundo, e quase lhe custou a vida. Pelo rigor de seu ascetismo, enfraquecia seu corpo até que sua mente divagava, e então imaginava que via e que estava cercado de fantasmas e demônios. Mas por que isso aconteceu? alguns podem perguntar; ele não era sincero? Certamente, mas ele procurava obter a paz com Deus por meio de seus próprios exercícios religiosos, e nisso ele ficou amargamente desapontado. Ele estava tentando fazer por si mesmo o trabalho que Cristo havia feito por ele – e feito com perfeição. E não estão milhares nos dias de hoje fazendo exatamente a mesma coisa que Lutero fez, só que de forma menos sincera, menos séria, menos abnegada? Eles estão olhando para si mesmos – pode ser apenas para seus sentimentos, ou pode ser para seus atos ou raciocínios, ou suas realizações. Ainda assim, o “eu” é o objeto diante da mente, não Cristo e Sua obra consumada. "Olhai para mim", diz o bendito Senhor; e qual será o resultado imediato? Salvação! — salvação instantânea, completa e pessoal! "Olhai para mim, e sereis salvos, vós, todos os termos da terra; porque eu sou Deus, e não há outro" (Isaías 45:22). E a esta verdade toda alma deve se curvar antes que possa provar a doçura da paz com Deus. Mas Lutero ainda ignorava a sublime simplicidade e a glória moral do evangelho da graça de Deus.
Neste período da história de Lutero, para ele não havia sacrifício grande demais que ele pudesse tentar para capacitá-lo a alcançar uma santidade que assegurasse a salvação, e finalmente o céu. Ele realmente pensou em comprar a felicidade eterna por seus próprios esforços; tal é a escuridão da igreja de Roma, e tal foi a ilusão de um de seus filhos mais fiéis. Nos anos seguintes, quando já tinha mais conhecimento, ele escreveu ao duque George da Saxônia: "Eu era realmente um monge piedoso, e segui as regras de minha ordem mais estritamente do que posso expressar. Se algum monge pudesse obter o céu por suas obras monásticas, eu certamente teria direito a isso. Disto podem testemunhar todos os frades que me conheceram. Se tivesse continuado por muito mais tempo, eu teria levado minhas mortificações até a morte, por meio de vigílias, orações, leituras e outros trabalhos." A admissão no céu por seus próprios méritos era o fim que ele almejava, e que ele perseguia com um zelo que punha em perigo sua própria vida.
Do rigor e abstinência de sua vida monástica, tornou-se sujeito a acessos de depressão. Em uma ocasião, dominado pela sensação de sua própria miséria e pecaminosidade, ele se trancou em sua cela e por vários dias e noites se recusou a admitir qualquer pessoa. Um monge amigo, que conhecia um pouco do estado de sua mente, abriu sua cela e ficou alarmado ao encontrá-lo com o rosto no chão e em estado de insensibilidade. Ele foi, depois de alguma dificuldade, restaurado pelo doce canto de alguns meninos do coro, mas desmaiou novamente -- o fardo ainda estava lá. Ele exigia, não a música suave de um hino, mas a música mais doce do evangelho de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo. E isso, pela misericórdia de Deus, estava próximo.