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domingo, 27 de setembro de 2020

Os Teólogos

Roberto Grosseteste, um prelado inglês do século XII, ilustrará bem o que queremos dizer com teólogo e protestante, embora não seja, estritamente falando, um reformador. Como muitos outros em todas as épocas, seus pontos de vista sobre a reforma estendiam-se apenas à disciplina e administração da igreja, não ao desarraigamento e à demolição da coisa incuravelmente falsa, como ocorreu mais tarde no século XVI. Ele mantinha fortemente uma visão elevada do papado, embora fosse capaz de chamar alguns papas específicos de anticristos, por causa da imoralidade ou rebelião contra Cristo deles. Mas o caráter anticristão do sistema do papado ainda não era conhecido, e as grandes verdades fundamentais do Cristianismo apenas apreendidas indistintamente. Grosseteste nasceu em Stradbroke, em Suffolk, por volta do ano 1175. Depois de ter estudado em Oxford, foi para Paris, que estava na moda, pois a Universidade de Paris era a mais conhecida da Europa. Lá ele estudou grego e hebraico e dominou completamente a língua francesa. De acordo com as ideias da época, ele era considerado um teólogo e filósofo realizado.

No ano de 1235, quando tinha sessenta anos de idade, tornou-se bispo de Lincoln, e trabalhou com um zelo e seriedade quase intolerante pela reforma de sua diocese, que era uma das maiores da Inglaterra. Diz-se que ele se ocupou bastante no estudo das Sagradas Escrituras em suas línguas originais e possuía autoridade soberana no conhecimento delas. Foi um grande avanço em relação ao passado e na direção certa; ainda assim, havia inconsistências gritantes quando agora as contemplamos. A princípio ele ficou muito cativado pelas novas ordens -- os dominicanos e os franciscanos -- por causa de sua aparente santidade; mas viveu para descobrir a hipocrisia deles e denunciá-los como enganadores da humanidade. A verdadeira reforma denunciava a existência, não meramente os abusos, de ordens que se opunham totalmente à Palavra de Deus. Ao mesmo tempo, ele era um homem ousado, piedoso e enérgico. Ele ergueu sua voz contra a suposição blasfema de Inocêncio III quando ele se proclamou o vigário, não apenas de São Pedro, mas de Deus. "Seguir um papa", disse ele, "que se rebela contra a vontade de Cristo é separar-se de Cristo e de Seu corpo; e se algum dia chegar o tempo em que todos os homens seguirem um pontífice errante, então haverá a grande apostasia." A ganância agressiva da corte romana, o abuso de indulgências, e a concessão de patrocínio a pessoas indignas, estavam entre os males contra os quais ele lutou. Um bispo tão ativo, tão zeloso e tão destemido certamente criaria muitos inimigos. Ele foi acusado de magia por seus contemporâneos e de ousada presunção pelo papa. Ele por pouco escapou do martírio. Por meio da terna misericórdia do Senhor e de Seu cuidado pelo Seu servo, ele morreu em paz, no ano de 1253.*

{* Milner, vol. 3, pág. 188. J.C. Robertson, vol. 3, pág. 431. D'Aubigné, vol. 1, pág. 99.}

Roger Bacon, um homem de gênio e discernimento superior, que tinha uma percepção clara do estado de coisas, tanto nas escolas quanto na igreja, merece uma breve observação, embora não haja muitas evidências de sua genuína piedade e amor pela verdade do evangelho. Diz-se que ele foi o maior dos filósofos ingleses antes da época de seu célebre homônimo. Por volta do ano de 1214, ele nasceu perto de Ilchester, em Somersetshire.

Depois de estudar em Oxford e Paris, ele se tornou um frade franciscano aos 34 anos. Seu conhecimento de ciências físicas -- astronomia, ótica, mecânica, química -- bem como de erudição grega e oriental, o expôs à popular, porém perigosa, reputação de mágico. Suas pesquisas colocaram-no imensamente à frente de seus superiores monásticos, que encontraram um refúgio conveniente para sua ignorância ao acusar o frade de lidar com magia. Ele foi muito perseguido e passou muitos anos confinado em uma masmorra asquerosa.

Embora ele falasse com grande respeito das Sagradas Escrituras, ele estranhamente lutava por uma aliança entre a filosofia e o Cristianismo, entra a razão e a fé. Ele denunciava o sofisma do ensino que estava na moda em seu tempo e reclamava que as línguas originais do Antigo e do Novo Testamento eram negligenciadas; que as crianças obtinham conhecimento sobre as Escrituras, não da própria Bíblia, mas sim de resumos versificados; que as palestras sobre as "Sentenças" eram preferidas às palestras sobre as Escrituras. Desta forma, ele expôs a ignorância, a superstição e a ociosidade das ordens religiosas, e assim trouxe sobre si a acusação de heresia e as censuras da igreja, embora ele tenha vivido e morrido como um verdadeiro católico romano, provavelmente por volta do ano de 1292. Sua última obra foi um compêndio de teologia.

Tomás de Aquino, o "doutor angélico", foi o mais renomado dos escolásticos do século XIII e o tipo mais verdadeiro de teólogo. Ele era descendente de uma família ilustre e nasceu nos arredores de Nápoles por volta do ano de 1225. Entrou muito jovem na ordem dominicana, contra a vontade de seus parentes mais próximos, e estudou em Colônia e Paris. Em 1257 foi professor de teologia em Paris, mas morreu com a idade de cinquenta anos e foi canonizado pelo papa. Quando seus escritos coletados foram publicados em Roma, no ano de 1570, eles se ampliaram para dezessete volumes in-fólio.

Os doutores eclesiásticos de nossos dias nos dizem -- pois não estamos familiarizados com os escritos de tais autores -- que entre as mais conhecidas de suas obras estão a "Suma Teológica", um comentário sobre os quatro Evangelhos e outros livros do Antigo e do Novo Testamento; um elaborado comentário sobre as "Sentenças" de Pedro Lombardo, o grande livro didático das escolas; suas exposições de Aristóteles; e um tratado em favor da fé católica e contra a igreja ortodoxa grega. Mas não obstante a grandeza de sua erudição e o número de seus livros, é de se temer que ele fosse um estranho à doutrina salvadora da justificação somente pela fé, sem as obras da lei; entretanto, quando em seu leito de morte, ele mostrou grandes sinais de piedade, semelhantes aos de Agostinho. Que possamos ter esperança de que ele pertencia ao remanescente salvo dos escolásticos daqueles dias. Regozijamo-nos com a convicção de que haverá um remanescente salvo no céu vindo de todas as classes -- imperadores, reis, papas e filósofos -- que manifestará a soberania e o poder da graça de Deus em todos os tempos e para todas as classes de homens. As riquezas e a glória da graça serão para o Seu louvor para todo o sempre.*

{*N. do T.: grifo do tradutor.}

Boaventura, natural da Toscana, entrou para a ordem dos franciscanos no ano de 1243, aos 21 anos. Concluiu os estudos em Paris, e com tanto sucesso que conquistou o título de "doutor seráfico". Ele morreu em 1274, como cardeal-bispo de Albano. Suas obras eram menos volumosas do que seu contemporâneo, Tomás de Aquino, e menos intelectuais, mas mais devocionais. "Suas obras", diz-se, "superam em utilidade todas as de sua época, quanto ao espírito do amor de Deus e da devoção cristã que fala nele, sendo profundo sem ser prolixo, sutil sem ser curioso, eloquente sem vaidade, ardente sem pompa; sua devoção é instrutiva e sua doutrina inspira devoção”. Ao ser questionado, em seu leito de morte, de quais livros ele havia tirado seu aprendizado, ele respondeu apontando para o crucifixo, e tinha o hábito de se referir às Escrituras em vez de a São Francisco, o fundador de sua ordem. Mas teremos de esperar um pouco mais antes de encontrarmos a importante doutrina da justificação por meio da fé simples no Senhor Jesus Cristo sendo ensinada pelos eruditos. Boaventura, como teólogo, representa os místicos. Ele pode ter sido o verdadeiro autor da "Imitação de Cristo", que dizem ter sido escrito nessa época por Tomás de Kempis. Mas nunca um livro foi tão mal intitulado. Começa com o “eu” e termina com o “eu”. As emoções internas da alma são o que absorve o místico. Esse é o cristianismo monástico. O amor de Cristo, por outro lado, é puramente altruísta: Ele deu Sua vida para salvar Seus inimigos. "Cristo morreu por nós, sendo nós ainda pecadores.” E a fé pode dizer: “o qual me amou, e se entregou a si mesmo por mim.” (Romanos 5; Gálatas 2)

Duns Escoto era um doutor de grande celebridade; mas seu local de nascimento e infância estão envoltos na obscuridade. Dean Waddington diz, sem dúvida: "Este doutor morreu no ano de 1308. Ele era natural de Dunse, na Escócia, e franciscano." Ele era um dialético e definiu o estilo de "doutor sutil". Ele ousadamente se aventurou a impugnar algumas das posições do grande São Tomás, o que deu origem a uma polêmica entre os dominicanos e os franciscanos que durou centenas de anos, e chamou a atenção de papas e concílios, tanto que até hoje ainda divide as escolas dos latinos. Os principais pontos de diferença teológica entre esses grandes doutores eram "a natureza da cooperação divina e a medida da graça divina necessária para a salvação de um homem", além do que é chamado de “imaculada conceição da Virgem Maria”. Os dominicanos afirmavam que a santa virgem não estava isenta da mancha do pecado original; os franciscanos apoiavam a concepção imaculada.*

{* Mosheim, cent. 4, cap. 3.}

Guilherme de Ockham, assim chamado em sua terra natal no condado de Surrey, estudou em Paris, com Duns Escoto, e se tornou um famoso doutor dos franciscanos. Segundo o costume das escolas, distinguia-se por títulos altivos, tal como o de "doutor singular e invencível". Mas ele era mais um metafísico do que um teólogo. Ele corajosamente atacou as pretensões papais em muitos pontos, mas especialmente quanto ao seu domínio secular e sua alegada "plenitude do poder". Ele negou a infalibilidade do papa e dos concílios gerais, e sustentou que o imperador não dependia do papa, mas que o imperador tem o direito de escolhê-lo. Essas opiniões antipapais logo se espalharam em todas as direções, e chegaram a todas as classes por meio dos frades mendicantes. Quando ameaçado com as mais altas censuras da igreja, ele encontrou um abrigo na corte de São Luís, que favorecia grandemente os franciscanos. "Defenda-me com sua espada", disse Guilherme ao rei, "e eu o defenderei com a Palavra de Deus." Ele morreu sob a sentença de excomunhão em Munique, em 1347. *

{* J.C. Robertson, vol. 4, pág. 77. Para relatos extensos de tais homens e seus escritos, consulte Knight's Biographical Dictionary.}

domingo, 6 de setembro de 2020

A Apostasia dos Mendicantes

 As duas ordens rivais, os dominicanos e franciscanos, não se contentando em envolver toda a Europa em discórdia e lutas furiosas, começaram, logo após o falecimento de seus respectivos fundadores, a disputar entre si pela precedência. E embora os pontífices deste e dos séculos seguintes terem usado vários meios para encerrar essas disputas inconvenientes, suas tentativas foram infrutíferas, pois essas duas grandes ordens continuaram por muitos anos a acalentar essa rivalidade acirrada e a lançar uma contra a outra as mais amargas recriminações. Eles lutaram muito pelo domínio em todas as cadeiras de ensino da cristandade, mas a disputa mais notável foi a dos dominicanos com a Universidade de Paris. Outro ponto proeminente de grande controvérsia que durou muito tempo foi a doutrina da imaculada conceição da Virgem Maria. Era a doutrina favorita dos franciscanos e sempre foi violentamente atacada pelos dominicanos. O famoso Tomás de Aquino argumentou a favor da visão dominicana da questão, e João Duns Escoto, o dialético, assumindo a visão franciscana da doutrina, entrou na arena do debate, que continua até hoje; pois, embora o atual papa Pio IX* tenha declarado o dogma da imaculada concepção da Virgem Maria, a fraternidade dominicana não está disposta a admiti-lo. No entanto, agora isso se tornou um artigo de fé na igreja romana.

{*Este livro foi escrito no século XIX.}

Já em 1256, quando Boaventura se tornou o general dos franciscanos, ele descobriu que eles haviam começado a se tornar infiéis para com sua noiva, a pobreza, e estavam lutando pelo divórcio. As afeições de Francisco não sobreviveram em seus seguidores. Mas, sob a gestão prudente de seu novo general, relativa tranquilidade foi mantida durante sua vida; mas, depois de sua morte, ocorrida em 1274, as dissensões eclodiram com a maior violência, como de costume. Na verdade, essas ordens mendicantes, ou melhor, satânicas, causaram as mais violentas contendas em quase todos os países da Europa até o período da Reforma. Mas todas as classes, tanto na Igreja quanto no Estado, tiveram que suportar seu orgulho e arrogância, pois eram os mais fiéis servos e satélites da Sé Romana.

O breve esboço a seguir, de Mateus de Paris, um beneditino de St. Albans, que escreveu por volta de 1249, apresentará ao leitor o verdadeiro caráter dos caminhos dessas terríveis pragas da sociedade. O quadro não está, de forma alguma, exagerado, embora Mateus pertencesse à velha ordem aristocrática e pudesse desprezar seus novos irmãos democráticos. Solidão, reclusão, a cela solitária, a capela privada, a comunicação com o mundo exterior severamente cortada, era a velha ordem; o que se segue é uma amostra do novo e do que prevalecia na Inglaterra no século XIII.

“É um terrível – é um horrível – presságio que em trezentos anos, em quatrocentos anos, e até mais, as antigas ordens monásticas não se degeneraram tão completamente como estas fraternidades. Os frades, que foram fundados há apenas quarenta anos, construíram, e ainda constroem até hoje, na Inglaterra, residências tão elevadas quanto os palácios de nossos reis. São eles que, ampliando dia a dia seus suntuosos edifícios, circundando-os com paredes elevadas, acumulam dentro deles tesouros incalculáveis, transgredindo imprudentemente os limites da pobreza e violando, segundo a profecia da alemã Hildegarda, as próprias regras fundamentais da sua confissão. São eles que, impelidos pelo amor ao ganho, se impõem às últimas horas dos senhores e dos os ricos que eles sabem estar transbordando de riquezas; e estes, desprezando todos os direitos, suplantando os pastores comuns, extorquem confissões e testamentos secretos, gabando-se de si mesmos e de sua ordem, e afirmando sua vasta superioridade sobre todos os outros. Tanto é assim que nenhum dos fiéis agora acredita que pode ser salvo a menos que seja guiado e dirigido pelos pregadores ou pelos frades menores. Ansiosos por obter privilégios, eles servem nas cortes de reis e nobres, como conselheiros, camareiros, tesoureiros, padrinhos ou tabeliães de casamentos; eles são os executores das extorsões papais. Em sua pregação, às vezes tomam o tom de lisonja, às vezes de censura mordaz; eles não têm escrúpulos em revelar confissões ou apresentar as acusações mais precipitadas. Eles desprezam as ordens legítimas, aquelas fundadas pelos santos padres, por São Bento ou Santo Agostinho, com todos os outro. Eles colocam sua própria ordem acima de tudo; consideram os cistercienses rudes e simples, meio leigos, ou melhor, camponeses; tratam os frades negros (os dominicanos) como epicuristas arrogantes."*

{* Milman, vol. 4, pág. 276; Mosheim, vol. 2, pág. 523.}

A Origem e Caráter dos Franciscanos

Contemporâneo de São Domingos, São Francisco foi seu grande concorrente em fama eclesiástica, que rivalizou e até superou o monge espanhol em celebridade. Ele era natural de Assis, uma cidade da Itália Central. As muitas lendas absurdas que lotam as páginas de seus biógrafos franciscanos não precisam ser mencionadas; eles são realmente blasfemos. Tamanho era o frenesi entusiástico deles, que impiamente sustentaram que São Francisco era um segundo cristo; que os estigmas, ou feridas do Salvador, foram milagrosamente impressos em seu corpo, em imitação do corpo crucificado de Jesus, e esta impostura eles ousaram fundar no texto: "Desde agora ninguém me inquiete; porque trago no meu corpo as marcas do Senhor Jesus.” (Gálatas 6:17)

Durante o cativeiro de um ano em Perúgia e outras aflições corporais, ele se tornou o objeto das mais extraordinárias visões e arrebatamentos, pelos quais foi encorajado a sair ao mundo como um servo de Deus e um salvador da humanidade. Os sonhos febris de sua mente fraca foram considerados revelações divinas para os católicos.

Francisco então começou a falar misteriosamente sobre sua futura noiva – e essa noiva era a pobreza. Ele trocou o vestido por trapos. Ele foi criado, como disse, "para opor a verdade ao erro, a pobreza ao desejo de riqueza e a humildade à ambição". Ele implorou nos portões de mosteiros; ele desempenhou os ofícios mais servis; ele se dedicou ao cuidado dos leprosos, lavava seus pés e fazia curativos em suas feridas. "Sua mãe", lemos, "ouviu e viu todos os seus atos estranhos com uma admiração terna e profética: mas seu pai tinha vergonha dele e o tratou como um louco." Mas embora a princípio ele fosse ridicularizado e agredido nas ruas de Assis, ele foi acreditado pela Igreja, abrigado pelo bispo, e logo seguido por uma multidão de imitadores.

Francisco estava então abertamente casado com a pobreza por um juramento que nunca seria quebrado; e deveria ser pobreza em sua forma mais baixa -- mendicância. Ele aceitou de um velho amigo "um traje de eremita, uma túnica curta, um cinto de couro, um bastão e chinelos"; mas isso era bom e confortável demais para as ideias do jovem fanático. Fazendo o pior uso possível das instruções do Salvador a Seus discípulos em Mateus 10 e Lucas 10, ele jogou fora tudo o que tinha, exceto uma túnica grossa cinza escuro, que amarrou em volta dele com uma corda, e saiu pela cidade, chamando todos ao arrependimento.

Essa piedade ou fanatismo estranho, mas fervoroso, naquele período de sombria superstição e ignorância, não poderia deixar de despertar o zelo de outras pessoas. A essência do evangelho ensinado por Jesus Cristo, afirmava ele, consistia na mais absoluta pobreza de todas as coisas -- que não havia caminho seguro para o céu a não ser pela destituição de todos os bens terrenos. "Os que se maravilharam passavam à admiração, da admiração para a emulação, e da emulação a seguir cegamente seus passos. Discípulos, um por um, começaram a se reunir em torno dele. Ele se retirou com eles para um local solitário na curva do rio chamado Rivo Torto. Faltava uma regra para a jovem irmandade. Os Evangelhos foram abertos. Francisco leu três textos: 1. 'Se queres ser perfeito, vai, vende tudo o que tens e dá-o aos pobres.' 2. ‘E ordenou-lhes que nada tomassem para o caminho' 3. ‘Se alguém quiser vir após mim, renuncie-se a si mesmo, tome sobre si a sua cruz, e siga-me’ (Mateus 19:21; Marcos 6:8; Mateus 16:24). Francisco fez o sinal-da-cruz e enviou seus seguidores para as cidades vizinhas, a leste e oeste, norte e sul."

Tal foi a origem e tal o caráter das novas ordens. Embora um tanto diferentes em sua primeira constituição, eles eram quase semelhantes em caráter, e até mesmo em confissão de fé, e iniciaram a mesma carreira com quase os mesmos objetivos em vista e os mesmos princípios de ação. Pregadores itinerantes sob o voto de pobreza caracterizavam ambos. Em sua identificação com o mais baixo da humanidade, eles estavam inteiramente de acordo. O inimigo viu o que os Pobres Homens de Lyon, os valdenses, estavam fazendo; e esses seriam os pobres homens do papado, que iriam enfrentar os hereges em seu próprio terreno e superá-los em pobreza, humildade, trabalho e sofrimento. Tendo recebido a sanção formal e proteção do papa, Francisco enviou seus seguidores, jurados ao serviço de Deus, à extirpação dos hereges, à castidade, pobreza e obediência.

As novas ordens incluíam freiras, cujas ordens eram fundadas em conexão com cada uma das irmandades. Havia também um grau relacionado aos frades mendicantes, chamados terciários, que continuavam envolvidos nas ocupações comuns do mundo, o que aumentava enormemente a popularidade e a influência dos frades. Tratava-se de um elo declarado entre o mundo e a Igreja. Algumas palavras sobre os hábitos dos frades pregadores, em contraste com as ordens monásticas anteriores, serão a maneira mais simples de dar ao leitor uma visão clara de ambos. E, sem dúvida, as novas ordens foram permitidas por Deus para sustentar a estrutura cambaleante da Igreja romana e impedir a cumprimento da Reforma por trezentos anos, daí o grande interesse relacionado com sua história. Mas os santos de Deus teriam ainda muita coisa para aprender e a verdadeira igreja de Cristo seria ainda mais enriquecida com um nobre exército de mártires antes que o glorioso fim seja alcançado.

As Novas Ordens -- São Domingos e São Francisco

Frequentemente, tem sido observado que, onde o Espírito de Deus está operando por meio do evangelho, e onde há resultados manifestos na conversão de almas a Cristo, aí também o inimigo certamente estará ativo. Ele não vai permitir em silêncio que seu reino seja invadido. Pode ser impedindo o trabalho pela perseguição, ou corrompendo-o, induzindo à autocondescendência, ou imitando-o de maneira iníqua e perversa. Temos muitos exemplos tristes de tais coisas na história de Israel e da Igreja -- casos numerosos demais para serem mencionados aqui; mas veremos agora, neste período de nossa história das instituições monásticas, o que explicará o que queremos dizer.

O objetivo especial das novas ordens que surgiram no início do século XIII era contrabalançar a influência que os pregadores albigenses adquiriram sobre as classes mais pobres do povo ao se familiarizarem com elas e constantemente pregarem o evangelho a elas. Pregar o evangelho de Cristo adequadamente para as classes mais humildes foi completamente negligenciado durante séculos pelo clero da igreja romana. Vez ou outra, um pregador fervoroso surgia, tais como Cláudio de Turin, Arnaldo de Bréscia, Fulco de Neuilly, Henrique, o diácono, ou Pedro Valdo, que se dedicaram à obra do evangelho e à salvação de almas; mas esses casos foram poucos e distantes entre si. Mais comumente, as pregações tinham algum objetivo puramente papista, como as Cruzadas, quando o clero tentava despertar o povo com sua eloquência.

"Em teoria", diz o historiador eclesiástico, "era um privilégio especial dos bispos pregar, mas havia poucos entre eles que tinham o dom, a inclinação, o tempo livre de suas ocupações seculares, judiciais ou bélicas, para pregar até mesmo nas catedrais de suas cidades; no restante de suas dioceses, sua presença era apenas ocasional, um progresso, ou uma visitação de pompa e forma, em vez algum tipo de instrução popular. Praticamente o único meio de instrução religiosa era o Ritual, que, no que diz respeito à linguagem utilizada, há muito havia deixado de ser inteligível; e os padres eram quase tão ignorantes quanto o povo; eles apenas aprendiam a passar pelas observâncias da maneira mais mecânica possível. Os casados, ou clérigos seculares, como eram chamados, embora fossem de longe os mais morais e respeitáveis, agiam em oposição às leis da Igreja, e eram até mesmo sujeitos à acusação de viver em concubinato; portanto, seus ministérios tinham muito pouco peso para o povo. O clero regular obedecia à regra externa, mas, segundo todos os relatos, eles violavam tão flagrantemente os princípios mais severos da Igreja, que seu ensino, se tentassem ministrar um ensino verdadeiro, cairia em descrédito na mente do povo."*

{*Dean Milman, vol. 4, pág. 243. J.C. Robertson, vol. 3, pág. 363.}

Tal estado de coisas na Igreja Estabelecida deixou o caminho aberto para os assim chamados hereges. Eles aproveitaram a oportunidade, entraram em cena e trabalharam diligentemente para divulgar suas doutrinas ao povo. Pregar em público e em privado era o segredo, sob a permissão de Deus, do grande sucesso dos valdenses e albigenses. Esta foi desde os primeiros tempos, e ainda é, a maneira divina de disseminar a verdade e reunir almas para Jesus. Quanto mais pública a pregação, melhor. Em todas as épocas agradou a Deus aquilo que o mundo chama de "loucura da pregação, para salvar os crentes". Pregação ao ar livre, visitas e ensino de casa em casa, testemunho público dentro e fora de casa, são maneiras e meios que Deus sempre abençoará. E esses meios parecem ter sido usados ​​diligentemente por aqueles acusados ​​de heresia em Languedoque (os albigenses).

O inimigo atento, observando o efeito desse modo de ação, muda então sua tática. Em vez de calar todos os membros sinceros, fervorosos e piedosos da igreja de Roma nos mosteiros, para pensarem apenas em si mesmos, instruírem-se, orarem e pregarem apenas para si mesmos, ele agora os envia como pregadores ao ar livre e para invadir os próprios campos que haviam sido ocupados por séculos pelos verdadeiros seguidores de Cristo. Seus emissários tinham ordens estritas, não apenas para imitar os hereges, mas para superá-los, na simplicidade de vestir, humildade, pobreza e familiaridade com o povo. Uma mudança completa ocorre então na história das ordens monásticas; no lugar de monges enclausurados, isolados dos olhos do mundo, fazendo suas orações, trabalhando nos campos ou colhendo os frutos de seus jardins, temos frades pregadores nas esquinas de todas as ruas e em todas as cidades da Europa, sim, implorando de porta em porta. Mas isto não foi tudo; sendo favoritos dos pontífices, eles tomaram a direção de quase tudo na Igreja e no Estado por três séculos. “Eles ocupavam os mais altos cargos, tanto civis quanto eclesiásticos”, diz Mosheim, “ensinavam com autoridade quase absoluta em todas as escolas e igrejas, e defendiam a majestade dos pontífices romanos contra os reis, bispos e hereges, com incrível zelo e sucesso. O que os jesuítas foram depois da Reforma, os mesmos foram os dominicanos e franciscanos do século XIII até os tempos de Lutero. Eles eram a alma de toda a Igreja e do Estado, e os projetores e executores de todos tipo de empreendimento no decorrer de toda essa época."


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