sábado, 18 de julho de 2020

Monges Antigos e Modernos

A origem e a história inicial do monasticismo foram cuidadosamente traçadas no Capítulo 12 deste livro; mas, como seu caráter muda completamente no século XIII, será fácil esboçar seu progresso desde os primeiros tempos, e assim, ver mais claramente o contraste. Esse plano também nos dará a oportunidade de olhar a condição interna da igreja de Roma antes que a luz da Reforma penetre e revele suas terríveis trevas.

No final do século III, mas especialmente durante o quarto, os desertos da Síria e do Egito tornaram-se morada de monges e eremitas. Os lugares mais privados e pouco frequentados no vasto deserto foram selecionados pelos primeiros reclusos. Os relatos da santidade deles, de seus milagres e devoção se tornaram a principal literatura da igreja. A infecção se espalhou. Homens ansiosos por se destacar na santidade ou obter a reputação de uma piedade peculiar abraçaram a ordem monástica. A prática prevaleceu tão rapidamente que, antes do início do século VI, estendia-se em igual proporção à própria Cristandade. Havia três classes desses monges antigos. 1. Solitários -- aqueles que moravam sozinhos em lugares distantes de todas as cidades e habitações dos eremitas dos homens. 2. Coenobitas -- aqueles que viviam em comum com os outros na mesma casa para fins religiosos e sob os mesmos superiores. 3. Sarabaítas -- descritos como monges irregulares que peregrinavam, que não tinham regra ou residência fixos. Estes podem ser considerados dissidentes dos Coenobitas, que viviam dentro de seus próprios portões. O muro que os confinava, em alguns casos, também encerrava seus poços e jardins, e tudo o que era necessário para o sustento deles, de modo a não deixar nenhum pretexto nem mesmo para uma relação ocasional com o mundo que eles haviam abandonado para sempre.

Aqueles a quem chamamos de monges hoje em dia são os coenobitas, que vivem juntos em um convento ou mosteiro, fazem votos de viver de acordo com uma certa regra estabelecida pelo fundador e vestem um hábito que marca a distinção de sua ordem.

As revoluções do Ocidente, no século V, mostraram-se favoráveis ​​ao monasticismo. Os bárbaros ficaram impressionados com os números, peculiaridades e professada santidade dos monges. Suas residências, portanto, não foram perturbadas e tornaram-se um refúgio tranquilo dos problemas da época. A superstição lhes dava honra; a riqueza começava a fluir, mas com ela degeneração e corrupção. Já havia espaço para um reformador, e a pessoa que apareceria nesse caráter era o famoso São Bento.

O Auto da Fé

A morte cruel pela qual a Inquisição encerrava a carreira de suas vítimas foi denominada na Espanha e em Portugal como AUTO DA FÉ, ou "Ato de Fé", sendo considerada uma cerimônia religiosa de solenidade peculiar; e para investir o ato com maior santidade, o ato cruel era sempre realizado no dia do Senhor. As vítimas inocentes dessa barbárie papal eram levadas em procissão ao local da execução. Eles eram vestidos da maneira mais pitoresca. Nas capas e túnicas de alguns eram pintadas as chamas do inferno, com dragões e demônios os abanando para mantê-los vivos para os hereges; e os jesuítas trovejavam em seus ouvidos que os fogos por meio dos quais morreriam não eram nada comparados aos fogos do inferno que eles teriam que suportar para sempre. Se algum corajoso coração tentasse dizer uma palavra para o Senhor, ou em defesa da verdade pela qual estava prestes a sofrer, sua boca era imediatamente amordaçada. Os condenados eram então acorrentados. Qualquer pessoa que confessasse ser um verdadeiro católico e desejasse morrer na fé católica tinha o privilégio de ser estrangulado antes de ser queimado; mas aqueles que se recusavam a reivindicar tal privilégio eram queimados vivos e reduzidos a cinzas.

Uma quantidade de mato, às vezes verde, e pedaços de madeira eram colocados ao redor das estacas e incendiados. Seus sofrimentos eram indescritíveis. Às vezes, as extremidades mais baixas do corpo eram realmente assadas antes que as chamas chegassem às partes vitais. E esse espetáculo terrível era contemplado por multidões de pessoas de ambos os sexos e de todas as idades, com festejos de alegria, tal era a imoralidade na qual caíam as pessoas por causa do romanismo/catolicismo. Por mais de quatro séculos, o Auto da Fé foi um feriado nacional na Espanha, quando seus reis e rainhas, príncipes e princesas testemunhavam na pompa da realeza.

De acordo com os cálculos de Llorente, compilados a partir dos registros da Inquisição, parece que entre 1481 e 1808 esse tribunal condenou, somente na Espanha, mais de trezentos e quarenta mil pessoas. E, se a esse número fossem somados todos os que sofreram em outros países que então estavam sob o domínio da Espanha, qual seria o número total? Torquemada, ao ser nomeado inquisidor-geral de Aragão em 1483, queimou vivos, para sinalizar sua promoção ao Santo Ofício, nada menos que dois mil dos prisioneiros da Inquisição. Soberanos, príncipes, damas da realeza, magistrados eruditos, prelados e ministros de Estado foram ousadamente e sem medo acusados ​​e julgados pelo Santo Ofício. Mas o Senhor conhece todos eles -- conhece os que sofrem, conhece os perseguidores, sabe como recompensar um e como julgar o outro. Os atos sombrios dessas masmorras secretas, o triste lamento dos sofredores desamparados, as zombarias cruéis dos ​​dominicanos sem escrúpulos, deverão ser todos revelados diante daquele trono de justiça inflexível e de esmagadora pureza. O papa e seu colégio de cardeais, o abade e sua fraternidade de monges, o inquisidor-geral e seus carcereiros, torturadores e carrascos, todos deverão aparecer diante do "grande trono branco" -- o trono de juízo de Cristo. Ali deixamos esses homens perversos, agradecidos por não termos de julgá-los e perfeitamente satisfeitos com as decisões do Senhor. Não fará o Juiz de toda a terra o que é certo?

Aquele que repreendeu Seus discípulos por alimentar o pensamento de incendiar os samaritanos os julgará por Seu próprio padrão. Ele então deixou registrado o que deveria ter sido um guia para o Seu povo em todas as épocas. Ele repreendeu os discípulos e disse: "Vós não sabeis de que espírito sois. Porque o Filho do homem não veio para destruir as almas dos homens, mas para salvá-las" (Lucas 9:55-56).

Pode ser necessário apenas afirmar aqui que não consideramos que todos os que sofreram pela Inquisição eram mártires, ou mesmo cristãos. Os crimes de que os inquisidores tomavam conhecimento eram heresias em todas as suas diferentes formas, tais como o judaísmo, o islamismo, a feitiçaria, a poligamia e a apostasia, e não temos o privilégio de conhecer o testemunho final desses sofredores. Era algo bem diferente dos mártires sob os imperadores pagãos. Ao mesmo tempo, é impossível não ser fortemente movido pelo horror e pela compaixão ao lermos as histórias desse período sombrio e diabólico.

O leitor tem agora diante de si o começo e o caráter geral da Inquisição; veremos casos individuais de sua crueldade no decorrer do relato histórico que temos diante de nós. A seguir, para tomarmos nota, ainda que brevemente, trataremos das novas ordens de monges que surgiram da mesma memorável guerra albigense.

A Aplicação da Tortura

Não fosse a verdade e o relato de uma história imparcial exigirem que a verdadeira natureza do papado fosse exposta, preferiríamos não descrever, mesmo que de maneira breve, aquelas cenas de tortura; mas poucos de nossos jovens leitores, nestes tempos pacíficos em que vivemos, têm alguma ideia do caráter cruel do papado e de sua sede pelo sangue dos santos de Deus. E essa natureza -- que isso seja lembrado -- não mudou em nada. No final da década de 1820, a pouco tempo atrás*, quando a Inquisição foi derrubada em Madri pelas ordens das Cortes, foram encontrados vinte e um prisioneiros: nenhum deles sabia o nome da cidade em que estavam; alguns já estavam confinados por três anos, outros por um período mais longo, e ninguém sabia exatamente a natureza do crime pelo qual foram acusados. Uma dessas pessoas seria executada no dia seguinte pelo pêndulo. Esse método de tortura é descrito da seguinte maneira: "O condenado era preso deitado de costas encima de uma mesa, e acima dele, ficava suspenso um pêndulo cujo gume afiado se aproximava mais e mais a cada momento; com o tempo, ele cortava a pele de seu rosto, e gradualmente cortava toda a cabeça, até que a vida se extinguisse." Essa era a punição do Tribunal Secreto em 1820, e pode ser que ainda aconteça hoje em alguns lugares na Espanha e na Itália*.

{*N. do T.: este livro foi escrito no século XIX.}

As penitências e punições a que o acusado era submetido, a fim de que os inquisidores obtivessem a confissão que desejavam, eram muitas e variadas; o cavalete (ou potro)* era geralmente o primeiro a ser aplicado. Os braços nus eram presos por um pequeno cordão rígido e torcidos para trás das costas, pesos pesados eram ​​amarrados aos pés, e então o torturado era puxado para cima através de uma corda que passava por uma polia. Tendo sido mantido suspenso por algum tempo, a vítima era solta abruptamente até alcançar uma distância próxima ao chão; isso era feito várias vezes, de modo que as articulações dos braços se deslocavam enquanto o cordão, pelo qual a pessoa estava suspensa, cortava a pele e a carne e penetrava até os ossos; e, por meio dos pesos anexados aos pés, toda a sua estrutura óssea era esticada violentamente. Essa espécie de tortura continuava por uma hora e algumas vezes até mais tempo, dependendo do prazer com que os inquisidores presentes o faziam e da força com a qual o sofredor parecia capaz de suportar. A tortura pelo fogo era igualmente dolorosa. Estendido o prisioneiro no chão, as solas dos pés eram esfregadas com banha de porco e colocadas perto do fogo, até que, contorcendo-se em agonia, fosse compelido a confessar o que seus torturadores exigiam. Em um segundo momento, os juízes condenavam suas vítimas à mesma tortura, para fazê-las confessar os motivos e as intenções do coração que os levaram ao crime já confessado; e em uma terceira vez, para que revelassem os nomes de seus cúmplices ou parceiros.


Quando as crueldades não conseguiam forçar uma confissão, eram utilizados artifícios e armadilhas. Pessoas eram enviadas para as masmorras, fingindo ser prisioneiros como eles, que começavam a falar contra a Inquisição, mas apenas com o objetivo de enganar os demais para que testemunhassem contra eles. Quando o acusado era condenado, por testemunhas ou por sua própria confissão forçada, era condenado de acordo com a hediondez de sua ofensa. Poderia ser a morte, a prisão perpétua, as galés* ou o açoitamento. Aqueles que eram condenados à morte pelo fogo eram mantidos presos até que se acumulassem, de modo que o sacrifício de um grande número ao mesmo tempo pudesse produzir um efeito mais impressionante e terrível.

{* Sobre a pena das galés: https://pt.wikipedia.org/wiki/Gal%C3%A9s_(pena) }

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