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domingo, 9 de fevereiro de 2020

Os Reis da França e os Albigenses

Inocêncio III estava agora morto, e o trono papal foi ocupado por Honório III, que entrou com grande ardor na causa de De Monforte, e foi calorosamente apoiado pelos reis da França. A perspectiva de paz para os pobres albigenses sob o governo brando de Raimundo era algo intolerável para o novo pastor de Roma. Buscando agradar o papa enfurecido e sob o pretexto de cumprir seu voto e garantir seu bem-estar eterno, Luís VIII, filho de Filipe Augusto, conduziu uma cruzada já em 1219. Todas as atrocidades da época anterior foram renovadas -- e até mesmo superadas, se é que isso era possível -- sob a direção do clero. Mas pouparemos o leitor da descrição dessa mistura satânica de engano, hipocrisia, perfídia, baixeza e crueldade selvagem exibidas pelo clero sob a sanção do soberano.

O velho Raimundo morreu, deixando a defesa de seus domínios para o filho, que estava então no vigor de sua idade e esperanças. Milner diz que "ele morreu de doença, em estado de paz e prosperidade, após sua vitória sobre Simão -- e que nenhum homem jamais foi tratado com maior injustiça pelo papado do que ele". Filipe Augusto também morreu, deixando sua coroa para Luís. O jovem De Monforte, no ano de 1224, desesperado pelo sucesso, finalmente desistiu de Languedoque, e Raimundo VII sentou-se no trono de seus antepassados, sem nenhum inimigo a temer, exceto o papa e seu soberano -- seu pastor e seu suserano. Mas Raimundo tinha uma bela porção da França, e Luís não conseguia conter a impaciência de uni-la à sua coroa.

Jezabel novamente trama; ela convoca um concílio em Burges no ano de 1225, no qual Luís é intimado a expurgar a terra dos hereges e a arrecadar dinheiro para esse fim. Luís, de acordo, toma a cruz e, com a participação de seus barões e seus seguidores, o que somava um número de duzentos mil homens, avança mais uma vez para devastar os campos do Languedoque e exterminar todos os hereges conforme os decretos de Roma. Pobre e infeliz terra de Languedoque! Quando será que Roma, o dragão, o devorador dos santos de Deus, ficará saciada com sangue? -- com o sangue de bebês, de crianças pequenas, de mães e donzelas, de pais e jovens desarmados e inofensivos! Um nome poderia ser dado às bestas que simbolizam os impérios caldeu, persa e grego, mas a quarta besta que simboliza o império romano, seja pagão ou papal, a esta não é dado um nome. "Depois disto eu continuei olhando nas visões da noite", diz Daniel, "e eis aqui o quarto animal, terrível e espantoso, e muito forte, o qual tinha dentes grandes de ferro; ele devorava e fazia em pedaços, e pisava aos pés o que sobejava; era diferente de todos os animais que apareceram antes dele, e tinha dez chifres" (Daniel 7:7). Por uma questão de interpretação, a visão de Daniel se refere mais diretamente ao poder civil, mas o aspecto eclesiástico da besta como visto em Apocalipse é mais sedento de sangue do que o civil jamais foi.

Temos esse monstro sem nome agora diante de nós no rei da França, instado a medidas extremas pelo papa. Ao aproximarem-se os duzentos mil cruzados sob a bandeira de seu soberano, o coração do povo de Toulouse afundou dentro deles. Cidade após cidade cedeu, pois todos os antigos defensores haviam morrido. "Eles haviam sofrido tantas vezes todos os horrores da guerra em todas as suas formas mais assustadoras, que os barões, cavaleiros e comunas de Languedoque, por unanimidade, buscaram evitar, por meio de concessões oportunas, a continuidade dessas calamidades intoleráveis". Mas exatamente nesse momento em que tudo parecia perdido, a mão do Senhor se interpôs. Uma peste eclodiu no acampamento inimigo. O próprio Luís foi levado por ela, e trinta mil de seus soldados foram varridos pelo contágio. A ruína iminente dos habitantes e da casa de Raimundo foi adiada por mais um pouco de tempo.

Com a morte de Luís VIII, seu filho, que era apenas uma criança, sucedeu ao trono da França, e as rédeas do governo caíram nas mãos de sua mãe, Branca de Castela. Por suas ordens, o cerco a Toulouse foi renovado. As vantagens da guerra estavam todas a favor de Raimundo, mas a glória de suas vitórias, segundo um cronista, foi manchada pela crueldade com que tratava os vencidos que caíam em suas mãos. Esse novo cerco de Toulouse foi prolongado e difícil; os cruzados estavam perdendo a esperança; em sua perplexidade, Fouquet, o gênio do mal e o espírito mentiroso de Toulouse, sugeriu a única forma de se obter um ataque bem-sucedido. Por seu conselho, todas as videiras, o milho e as árvores frutíferas foram destruídas, todas as casas queimadas por quilômetros ao redor da cidade, até que o país se converteu em um deserto desolado; e assim a cidade de Toulouse ficou no meio de um deserto. É claro que, nessa situação, não era possível conseguir nenhum suprimento de qualquer espécie. Essa foi a obra do bispo do lugar -- era sua diocese, eram as pessoas sobre as quais ele havia sido apontado como supervisor! O leitor pode julgar por si mesmo se ele participou mais do espírito do quarto animal de Daniel, ou daquele que diz a todo pastor: "Alimente minhas ovelhas... Alimente meus cordeiros." (João 21, KJV)

Quando esse novo frasco da ira papal foi derramado naquela terra devota, e tudo o que era verde se secou, ​​os habitantes da cidade ficaram tão desanimados, e o espírito de Raimundo, seu líder, tão completamente destruído, que ao fim de três meses a paz foi obtida sob as condições mais humilhantes. O tratado de Paris, que encerrou a guerra por um tempo, foi assinado no mês de abril de 1229. Os termos foram ditados pelo legado papal e aprovados pelo rei da França. Raimundo VII, cujos modos graciosos, juntamente com o senso de seus erros, arrancaram lágrimas de Inocêncio no grande Conselho de Latrão, agora inclina seu pescoço para um jugo estrangeiro e cede a um despotismo espiritual. Ele foi levado pelo legado à igreja em Paris e, assim como seu pai em St. Gilles, com ombros nus e pés descalços, passou pelo mesmo flagelo público e vergonhoso pelas mãos sacerdotais. De joelhos, na igreja de Notre Dame, ele abdicou solenemente toda a sua soberania feudal ao rei da França, e submeteu-se à penitência da igreja. O leitor se lembrará que o pai, em sua penitência, renunciou a sete castelos, mas aqui o filho renuncia a sete províncias. Assim foi ordenado por Aquele que governa sobre todos -- e ordenado para a futura humilhação de Roma -- que a paz de Languedoque redundasse tanto para a vantagem de Roma, assim como para o rápido crescimento da monarquia francesa. Filipe Augusto havia arrancado das mãos fracas de João as posses continentais da coroa inglesa, e agora os domínios do conde de Toulouse e do rei de Aragão, ao norte dos Pireneus, foram acrescentados à coroa francesa. "A posse da Normandia", diz James White, "já havia feito da França uma potência marítima; e agora, com a aquisição das regiões de Narbona e Maguelone de Raimundo VII, ela não apenas estendeu seus limites ao Mediterrâneo, mas, pela extinção de dois vassalos como o conde de Toulouse e o duque da Normandia, fortaleceu de forma incalculável a coroa real."*

{* Para detalhes mais completos, tanto do lado papal quanto do lado albigense dessa sangrenta guerra, ver: Du Pin, século XIII; Palestras de Sir J. Stephen, vol. 1, pp. 214-242; Milman, vol. 4, pp. 167-238; J. White. pp. 282-289; J. C. Robertson, vol. 3, pp. 340-433; Milner, vol. 3, pp. 92-155; Faiths of the World, de Gardner, "Albigenses".}

A Morte de De Monforte

Com a chegada do velho conde e de seu filho aos muros destruídos de Toulouse, com um grande exército, o medo deu lugar à alegria entusiasmada com que o povo acolheu os Raimundos de volta ao palácio e aos domínios de seus ancestrais. Muitos dos nobres do Languedoque levantaram tropas e  também se dirigiram à cidade. Simão e seu filho, Guido, correram para o local, mas foram vergonhosamente rechaçados. O bispo de Toulouse e a esposa de Simão buscaram a ajuda da França. Uma nova cruzada foi pregada, mas De Monforte não conseguiu manter um exército por mais de quarenta dias, e um grande número se uniu aos Raimundos. O cerco durou nove meses e foi palco de muitos embates ferozes. Na primavera de 1218, De Monforte veio contra Toulouse com uma nova companhia de cem mil cruzados. "Você está prestes a conquistar a cidade", disse o espírito mentiroso, "para invadir as casas, das quais nenhuma alma, nem homem nem mulher, escapará viva; ninguém será poupado na igreja, nem no santuário, nem no hospital!"

Tais eram os conselhos de Roma, mas Deus já havia decretado o contrário. Estando ajoelhado durante uma missa, um grito anunciou que os sitiados haviam feito uma arremetida; levantando-se instantaneamente, Simão colocou-se à frente de seus veteranos e correu para o local do ataque, mas mal imaginava ele que seria pela última vez. Naquele momento, ele foi ferido por uma flecha atirada das muralhas da cidade. Isso evidentemente perturbou seu espírito, e ele tentou se retirar do local por alguns passos quando um pedaço de pedra, atirado de uma máquina, bateu em sua cabeça e a arrancou de seu corpo. Enquanto seu tronco sem vida jazia no chão, seus admiradores ousaram reprovar Deus por sua morte e acusar a justiça divina. Mas devemos ali deixá-los: Simão estava agora diante de Deus, ciente de sua condenação eterna.

O cerco foi retirado e o exército inimigo foi totalmente derrotado. O sino tocou, chamando os cidadãos para oferecerem ações de graças, o que fizeram com tumulto e exultação. Raimundo foi aclamado como seu soberano por direito e agora indiscutível; e novamente o estandarte da casa de St. Gilles ondulava por sobre o palácio e sobre as muralhas de Toulouse.

As Mentiras de Fouquet

O decreto do Concílio de Latrão, que proibia que se continuasse a pregação das cruzadas, privou De Monforte de novos suprimentos. Esse novo estado de coisas reviveu o espírito do jovem Raimundo, que resolveu formar um exército e fazer um esforço heroico para recuperar os domínios conquistados de seu pai. Ele logo estava à frente de uma grande força. A esperança de uma libertação das crueldades de Simão e de ganharem algo de suas soberanias hereditárias animou toda a população de Languedoque. De Monforte, então, tratava Toulouse como uma cidade conquistada, exigindo altos tributos e esforçando-se para adquiri-las das maneiras mais severas. Uma revolta geral dos cidadãos oprimidos era evidente, mas eles imprudentemente aceitaram a traiçoeira mediação de seu bispo, o perverso Fouquet. Ele lhes assegurou que nem um fio de cabelo de suas cabeças seria tocado se concordassem com os termos de De Monforte. Os cidadãos concordaram, e assim ele lhes jurou: "Eu juro por Deus, e pela santa Virgem, e pelo corpo do Redentor, por toda minha ordem, pelo abade e outros dignatários, que vos dou bom conselho, o melhor que eu já dei; se o conde de Monforte infligir sobre vós o mínimo dos males, trazei suas reclamações diante de mim, e Deus e eu vos faremos justiça". Que crueldade! Esse é o papado. Essas eram as ovelhas de seu próprio rebanho. Não estamos falando agora dos direitos ou dos erros da guerra, mas das falsas perfídias daquele que se declarava pastor das ovelhas.

O povo caiu então na armadilha de Satanás. Eles foram tratados como súditos revoltosos e punidos pelo próprio bispo com toda a sua crueldade implacável. O primeiro ato de De Monforte foi "a exigência de trinta mil marcos de prata, a demolição das muralhas e de todas as fortalezas da cidade, e a pilhagem dos habitantes até o último pedaço de pano e porção de comida". Assim eles tiveram que passar o inverno, mas a primavera seguinte trouxe alívio.

Os Conquistadores Brigam Entre Si

A conquista parecia estar completa, e os conquistadores começaram a dividir os espólios; mas Arnaldo e De Monforte brigaram pela coroa ducal de Narbona. Ambos reivindicavam o ducado. O legado (Arnaldo) tinha assumido o arcebispado de Narbona, e ele afirmava que os direitos de soberania secular estariam a isso vinculados, mas De Monforte, que tomou para si o título de Duque de Narbona, indignou-se que um padre pudesse reivindicar essa autoridade secular que ele declarava ser toda sua, como príncipe e soberano de toda aquela terra. A disputa ficou séria. Simão, chamando Arnaldo e todos os seus seguidores de hereges, invadiu e tomou posse da cidade pela força de seu exército; o legado, exercendo sua autoridade espiritual, excomungou o grande cruzado e colocou todas as igrejas da cidade sob interdito. O papa, considerando com inveja o poder formidável desses grandes rivais, e não sentindo ser conveniente interferir sozinho nesse conflito, convocou, em 1215 d.C., o quarto Concílio de Latrão, de modo a pôr fim à cruzada contra os albigenses, e, finalmente, dispor dos territórios conquistados.

Esse foi o concílio mais numeroso já realizado na Cristandade. Mas não devemos nos aventurar nem mesmo na mais superficial descrição de seus procedimentos. Vamos apenas observar o que diz respeito ao assunto que estamos tratando: "Raimundo e seu filho, acompanhados pelos condes de Foix e de Comminges, com muitos outros nobres de Languedoque, foram recebidos na presença do papa, que se sentava entre seus cardeais e outros prelados. Eles se ajoelharam perante ele: o jovem Raimundo apresentou cartas de seu tio, o rei da Inglaterra. O monarca inglês expressou sua indignação pela usurpação da herança de Raimundo por Simão de Monforte. O papa ficou comovido com a beleza e graciosidade do jovem príncipe, pensou em seus erros e derramou lágrimas." Esse jovem nobre da antiga casa ancestral de Toulouse, que estava ligado, seja pelo sangue ou pelo casamento, a todos os soberanos da Europa, e que nunca tinha sido acusado da mácula da heresia, tinha sido roubado e despojado pelos agentes do papa, e levado ao exílio. O filho foi seguido pelo pai e pelos outros condes, que reclamaram da injustiça do legado e de De Monforte, da pilhagem de sua terras e do massacre sem escrúpulos de seus súditos. As enormes crueldades de Fouquet foram relatadas por todas as testemunhas, que o denunciaram como sendo o destruidor de mais de dez mil dentre o rebanho confiado aos seus cuidados pastorais.

Algo parecido com pena parecia ter tocado, por um momento, o coração de Inocêncio ao ouvir os depoimentos de tantas nobres testemunhas, todos católicos professos. Muitos membros do concílio também foram tocados com remorso, e falaram a favor dos príncipes conquistados. Mas essa tendência a algo parecido com justiça da parte do concílio levou os partidários de Simão à mais veemente indignação. Eles asseguraram à "Sua Santidade" que, se o legado e De Monforte fossem obrigados a entregar os territórios e feudos que conquistaram, ninguém dali em diante jamais embarcaria novamente na causa da igreja, ninguém jamais se colocaria novamente em perigo em sua defesa. Ainda assim, o papa parecia disposto a ouvir as reclamações dos príncipes, e, levantando sua voz, disse: "Dou permissão a Raimundo de Toulouse e a seus herdeiros de recuperarem suas terras e seus feudos de todos os que os tomaram injustamente". Os prelados ficaram furiosos. O papa ficou consternado diante do poder que tinha criado, e pelo qual ele era agora obrigado a exercer a injustiça. De Monforte foi confirmado em todas as suas conquistas, com exceção do Condado Venaissino, que foi reservado para o jovem Raimundo se sua conduta satisfizesse o legado. Filipe Augusto, rei da França, concordando com a sentença, concedeu a Simão de Monforte a investidura dos condados de Toulouse, de Béziers e de Carcassona, e do ducado de Narbona. Simão estava então no trono que ele tinha alcançado por meio da opressão, da tirania e do sangue. Ele foi proclamado soberano de Toulouse e general dos exércitos de Deus, o filho querido da igreja. O clero e o povo foram saudá-lo com a seguinte saudação blasfema: "Bendito aquele que vem em nome do Senhor". Mas o triunfo dos ímpios dura pouco; seu fim e sua recompensa eterna estavam próximos.

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